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PPGCOM/UFJF – Doutorado em Comunicação

Nome: Sara Rodrigues de Moraes Bridi


Data: 07/06/2022
Professor: Paulo Roberto Figueira Leal
Disciplina: Processos Simbólicos e Representação Social

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Editora Graal, 1996.

FICHAMENTO

1.VERDADE E PODER

O marxismo da década de 60 não considerava temas relacionados à loucura e a clínica


tão importantes. A questão central em “História da Loucura” e “Nascimento da Clínica”
estaria na relação entre saber e poder.

“se perguntarmos a uma ciência como a física teórica ou a química orgânica quais as
suas relações com as estruturas políticas e econômicas da sociedade, não estaremos
colocando um problema muito complicado? Não será muito grande a exigência para
uma explicação possível? Se, em contrapartida, tomarmos um, saber como a psiquiatria,
não será a questão muito mais fácil de ser resolvida porque o perfil epistemológico da
psiquiatria é pouco definido, e porque a prática psiquiátrica está ligada a uma série de
instituições, de exigências econômicas imediatas e de urgências políticas de
regulamentações sociais? No caso de uma ciência tão "duvidosa" como a psiquiatria,
não poderíamos apreender de forma mais precisa o entrelaçamento dos efeitos de poder
e de saber?” (p. 4)

Questiona o título que lhe foi dado de fundador da teoria da história na descontinuidade.
Sua intenção em “As palavras e as coisas” foi de “colocar a questão: como é possível
que se tenha em certos momentos e em certas ordens de saber, estas mudanças bruscas,
estas precipitações de evolução, estas transformações que não correspondem à imagem
tranquila e continuísta que normalmente se faz? Mas o importante em tais mudanças
não é se serão rápidas ou de grande amplitude, ou melhor, esta rapidez e esta amplitude
são apenas o sinal de outras coisas: uma modificação nas regras de formação dos
enunciados que são aceitos como cientificamente verdadeiros. Não é, portanto, uma
mudança de conteúdo (refutação de erros antigos, nascimento de novas verdades), nem
tampouco uma alteração da forma teórica (renovação do paradigma, modificação dos
conjuntos sistemáticos). O que está em questão é o que rege os enunciados e a forma
como estes se regem entre si para constituir um conjunto de proposições aceitáveis
cientificamente e, consequentemente, susceptíveis de serem verificadas ou infirmadas
por procedimentos científicos” (p.5) .

“Creio que aquilo que se deve ter como referência não é o grande modelo da língua e
dos signos, mas sim da guerra e da batalha. A historicidade que nos domina e nos
determina é belicosa e não lingüística. Relação de poder, não relação de sentido. A
história não tem "sentido", o que não quer dizer que seja absurda ou incoerente. Ao
contrário, é inteligível e deve poder ser analisada em seus menores detalhes, mas
segundo a inteligibilidade das lutas, das estratégias, das táticas. Nem a dialética (como
lógica de contradição), nem a semiótica (como estrutura da comunicação) não poderiam
dar conta do que é a inteligibilidade intrínseca dos confrontos” (p. 6).

Quanto aos obstáculos de conceitos da fenomenologia marxista (ideologia e repressão),


Foucault estabelece três razões para a utilização da não de ideologia ser discutível:

1) “A primeira é que, queira−se ou não, ela está sempre em oposição virtual a alguma
coisa que seria a verdade. Ora, creio que o problema não é de se fazer a partilha entre o
que num discurso releva da cientificidade e da verdade e o que relevaria de outra coisa;
mas de ver historicamente como se produzem efeitos de verdade no int erior de
discursos que não são em si nem verdadeiros nem falsos” (p.7)

2) Refere-se a alguma coisa como sujeito.

3) “Está em posição secundária com relação a alguma coisa que deve funcionar para ela
como infraestrutura ou determinação econômica, material etc.” (p.8).

Quanto a ideia de repressão “é totalmente inadequada para dar conta do que existe
justamente de produtor no poder. Quando se define os efeitos do poder pela repressão,
tem−se uma concepção puramente jurídica deste mesmo poder; identifica−se o poder a
uma lei que diz não. O fundamental seria a força da proibição. Ora, creio ser esta uma
noção negativa, estreita e esquelética do poder que curiosamente todo mundo aceitou.
Se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não ser dizer não você
acredita que seria obedecido? O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito
é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele
permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. Deve−se
considerá−lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do
que uma instância negativa que tem por função reprimir” (p. 8).

Ao refletir sobre o papel do intelectual, Foucault também explicita o poder por ele
exercido bem como sua relação com a verdade: “a verdade não existe fora do poder ou
sem poder (não é − não obstante um mito, de que seria necessário esclarecer a história e
as funções − a recompensa dos espíritos livres, o filho das longas solidões, o privilégio
daqueles que souberam se libertar). A verdade é deste mundo; ela é produzida nele
graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada
sociedade tem seu regime de verdade, sua "política geral" de verdade: isto é, os tipos de
discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as
instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira
como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para
a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona
como verdadeiro” (p. 10).

Existem 5 características da economia política da verdade:

1) É centrada no discurso científico/instituições;


2) Constantemente submetida à pressões econômicas e políticas;
3) É objeto de consumo;
4) É controlada pela política/economia;
5) É objeto de debate político e confronto social.

Assim, “o intelectual tem uma tripla especificidade: a especificidade de sua posição de


classe (pequeno burguês a serviço do capitalismo, intelectual "orgânico" do
proletariado); a especificidade de suas condições de vida e de trabalho, ligadas à sua
condição de intelectual (seu domínio de pesquisa, seu lugar no laboratório, as exigências
políticas a que se submete, ou contra as quais se revolta, na universidade, no hospital,
etc.); finalmente, a especificidade da política de verdade nas sociedades
contemporâneas” (p.11)

Proposições sobre a verdade:

“Por "verdade", entender um conjunto de procedimentos regulados para a produção, a


lei, a repartição, a circulação e o funcionamento dos enunciados. A "verdade" está
circularmente ligada a sistemas de poder, que a produzem e apoiam, e a efeitos de poder
que ela induz e que a reproduzem. "Regime" da verdade [...] Não se trata de libertar a
verdade de todo sistema de poder − o que seria quimérico na medida em que a própria
verdade é poder − mas de desvincular o poder da verdade das formas de hegemonia
(sociais, econômicas, culturais) no interior das quais ela funciona no momento” (p. 11)

2. NIETZSCHE. A GENEALOGIA E A HISTÓRIA

O ponto mais importante na genealogia não é buscar uma história clara e linear, mas sim
apresentar todas as variações em jogo, as lutas existentes entre elas para buscar as
emergências.

“A verdade, espécie de erro que tem a seu favor o fato de não poder ser refutada, sem
dúvida porque o longo cozimento da história a tornou inalterável. E além disto a questão
da verdade, o direito que ela se dá de refutar o erro de se opor à aparência, a maneira
pela qual alternadamente ela foi acessível aos sábios, depois reservada apenas aos
homens de piedade, em seguida retirada para um mundo fora de alcance, onde
desempenhou ao mesmo tempo o papel de consolação e de imperativo, rejeitada enfim
como ideia inútil, supérflua, por toda parte contradita − tudo isto não é uma história, a
história de um erro que tem o nome de verdade? A verdade e seu reino originário
tiveram sua história na história. Mal saímos dela, "na hora da sombra mais curta"
quando a luz não parece mais vir do fundo do céu e dos primeiros momentos do dia”
(P.14)

“Fazer a genealogia dos valores, da moral, do ascetismo, do conhecimento não será,


portanto, partir em busca de sua "origem", negligenciando como inacessíveis todos os
episódios da história; será, ao contrário, se demorar nas meticulosidades e nos acasos
dos começos; prestar uma atenção escrupulosa à sua derrisória maldade; esperar vê−los
surgir, máscaras enfim retiradas, com o rosto do outro; não ter pudor de ir procurá−las
lá onde elas estão, escavando os basfond; deixar−lhes o tempo de elevar−se do labirinto
onde nenhuma verdade as manteve jamais sob sua guarda” (p.14).

A genealogia não se opõe à história. Vai se colocar em oposição a uma visão meta-
histórica que busca uma origem. Foucault estabelece aqui uma diferença entre origem e
proveniência. A que busca a origem é a que deseja encontrar a verdade por trás do
acontecimento, determinante de sua existência o que, para Foucault, seria um exagero
metafísico. Enquanto a proveniência é uma oposição a origem, questionando o conceito
de verdade. A genealogia, assim, buscaria encontrar como determinada verdade
histórica foi construída por meio de lutas e conflitos. Por conseguinte, o erro ganha
protagonismo, carecendo ser explicada pelo historiador.

O corpo seria um ponto de emergência privilegiado para observação das relações de


poder. Tais poderes que marcam o corpo fragmentam o sujeito. “O corpo: superfície de
inscrição dos acontecimentos (enquanto que a linguagem os marca e as idéias os
dissolvem), lugar de dissociação do Eu (que supõe a quimera de uma unidade
substancial), volume em perpétua pulverização. A genealogia, como análise da
proveniência, está portanto no ponto de articulação do corpo com a história. Ela deve
mostrar o corpo inteiramente marcado de história e a história arruinando o corpo” (p.15)

O historiador não se pode curvar a um discurso dominante, e tomá-lo como verdade. A


pesquisa da proveniência não fundaria uma verdade, ela destrói uma verdade absoluta
ao colocar a multiplicidade dos erros como elementos a serem considerados em um
estudo. Dispersão e heterogeneidade passam a ser elementos constituintes da análise. A
proveniência também retira o pesquisador de seu lugar de ligação objetiva com a
verdade. Existem interesses em jogo que não são individuais, mas produto do discurso
de uma época/ estratégia de poder.

A emergência é um elemento crucial para a genealogia. A emergência nunca deve ser


retirada dos jogos de força existentes no momento analisado por não depender de uma
história ideal. Ela nasce da observação da prática do período analisado.

“A emergência se produz sempre em um determinado estado das forças. A análise da


Herkunft deve mostrar seu jogo, a maneira como elas lutam umas contra as outras, ou
seu combate frente a circunstâncias adversas, ou ainda a tentativa que elas fazem − se
dividindo − para escapar da degenerescência e recobrar o vigor a partir de seu próprio
enfraquecimento” (p.15).

Dessa forma, a genealogia traz a tona elementos que antes compunham um pano de
fundo obscuro, mostrando diferentes interpretações e práticas relacionadas a um objeto.
Apresenta crítica nietzschiana quanto a análise histórica existir a tentativa de concepção
de algo que seja, supra-histórico (estruturas universais, espírito do tempo, totalidade
histórica)
O Jogo de forças presentes nos enunciados e sistemas de saber não se baseia em lógicas
universais, mas no acaso das lutas. Esse jogo pode inverter as proximidades e distância
históricas.

A genealogia da história se opõe à tradicional em 3 pontos:

1) Destruição da realidade: faz com que a noção do homem europeu, por exemplo,
seja desvinculada do caminho histórico percorrido. A realidade é fragmentada,
não linear.
2) Destruição da identidade: Dissociação de identidades possíveis. Na
fragmentação do sujeito, a análise genealógica mostraria assim a inexistência de
uma única (ou nenhuma) raiz. Não existe uma única identidade, mas muitas que
fazem um caos organizado do sujeito.
3) Destruição da verdade: O sujeito do conhecimento seria, nessa perspectiva um
tipo possível – o conhecimento não estaria ligado à linearidade ou à verdade.
Também pode se produzido pela paixão, instinto. pode ser praticada a partir de
diferentes procedimentos.

3. SOBRE A JUSTIÇA POPULAR

Discussão entre estudantes maoístas e Foucault quanto à forma de se tratar policiais que
cometeram crimes.

Tribunal popular: para os maoístas, seria o sistema perfeito para julgar policiais. Já de
acordo com Foucault, um tribunal popular teria um significado que transporia seu
objetivo: “Substituir as guerras privadas por uma justiça obrigatória e lucrativa, impor
uma justiça em que ao mesmo tempo se é juiz, parte e fisco e, substituindo as transações
e acordos, impor uma justiça que assegure, garanta e aumente em proporções notáveis a
extração de parte do produto do trabalho, isso implica que se disponha de uma força de
coação. Não se pode impô−la senão por uma coerção armada: só onde o suserano é
militarmente bastante forte para impor a sua "paz", pode haver extração fiscal e
jurídica” (p. 25). O juiz, nesta perspectiva, precisaria estar fora das lutas, possuir
neutralidade.

Há que se pensar no método, na função e no sentido do julgamento. Um tribunal faria


sentido inserido dentro de uma sociedade burguesa disciplinar. Assim, utilizar os
mesmos mecanismos da sociedade burguesa para fazer justiça não seria justiça popular
e reforçaria tecnologias de coerção burguesas. Na sociedade disciplinar, a função da
disciplina é utilizar da melhor maneira corpos dóceis, individualizando os sujeitos.
Fazer um tribunal nos moldes burgueses seria reproduzir papéis e atribuições de culpa
isolada (sem pensar na existência de toda uma estrutura que também tem
responsabilidade). Além disso, pressupõe a crença na existência de um indivíduo
isolado da realidade que enxergaria a situação de forma neutra.

No fim das contas, a função do tribunal é impedir a justiça popular porque seus
conceitos são próprios da burguesia. A justiça sempre tem um lado: o dos que
constituem o poder.

4. OS INTELECTUAIS E O PODER

Diálogo com Gilles Deleuze sobre a função do intelectual na teoria e prática.

A prática não seria uma outra etapa na pesquisa, mas sim uma parte da teoria. Ambas
são importantes e codependentes. Para Deleuze, há um revezamento entre teoria e
prática que são separados do ponto de vista da análise, mas não na função - precisam
acontecer continuamente.

Foucault aponta que essa separação entre teoria e prática, ao ser observada como
processos revesados, gera o tipo de intelectual específico: aquele que age localmente
(tanto geográfica como local do saber).

As massas não precisam dos intelectuais para saber o que elas pensam ou como devem
viver a vida. Entretanto, existe sobre as massas um sistema de poder que barra suas
reivindicações, que não está somente nas instâncias superiores, mas entra no dia-a-dia
da sociedade (micropoder). O papel no intelectual específico seria de se deslocar da
estrutura de poder que oprime o povo e lutar/resistir a esse sistema de poder. “Os
próprios intelectuais fazem parte deste sistema de poder, a ideia de que eles são agentes
da "consciência" e do discurso também faz parte desse sistema. O papel do intelectual
não é mais o de se colocar "um pouco na frente ou um pouco de lado" para dizer a muda
verdade de todos; é antes o de lutar contra as formas de poder exatamente onde ele é, ao
mesmo tempo, o objeto e o instrumento: na ordem do saber, da "verdade", da
"consciência", do discurso” (p.42).
Nesse aspecto, a teoria não vai representar uma prática. A teoria é uma prática. Isso
acontecer porque a aproximação do intelectual específico com o poder faz com que a
sua própria prática de pesquisa tenha um efeito político. O intelectual específico terá
como função lutar contra algumas relações de poder firmados por sistemas de repressão
injustos que dominam espaços de saber e impedem as reivindicações das massas.

Se, por exemplo, o intelectual específico fala sobre as prisões, é necessário que ele
também dê voz aos presos para compreender que tipo de sujeito ela fabrica dentro e fora
de seus muros. Não se trata de dar voz aos oprimidos, mas de constituir a pesquisa e o
saber.

Talvez, a dificuldade em encontrar formas adequadas de lutas (a greve funciona?


Manifestação funciona?) seja porque não compreendemos bem como funciona o poder.
Propõe uma inversão local que desloque o poder para os sujeitos que o exerçam em
microesferas.

“as relações entre desejo, poder e interesse são mais complexas do que geralmente se
acredita e não são necessariamente os que exercem o poder que têm interesse em
exercê−lo, os que têm interesse em exercê−lo não o exercem e o desejo do poder
estabelece uma relação ainda singular entre o poder e o interesse. Acontece que as
massas, no momento do fascismo, desejam que alguns exerçam o poder, alguns que, no
entanto, não se confundem com elas, visto que o poder se exercerá sobre elas e em
detrimento delas, até a morte, o sacrifício e o massacre delas; e, no entanto, elas
desejam este poder, desejam que esse poder seja exercido” (p. 45)

5. O NASCIMENTO DA MEDICINA SOCIAL

Foucault utiliza noções de história genealógica e arqueológica para lançar outra


perspectiva sobre o nascimento da medicina, contrapondo uma noção de medicina que
se iniciou individualmente e que ao longo da história se aperfeiçoaria para lidar com um
contingente maior de pessoas. Para Foucault, a medicina começa de forma social.

“com o capitalismo não se deu a passagem de uma medicina coletiva para uma medicina
privada, mas justamente o contrário; que o capitalismo, desenvolvendo−se em fins do
século XVIII e início do século XIX, socializou um primeiro objeto que foi o corpo
enquanto força de produção, força de trabalho. O controle da sociedade sobre os
indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa
no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo,
investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade biopolítica. A medicina é uma
estratégia biopolítica” (p.47).

6. O NASCIMENTO DO HOSPITAL

O autor apresenta a função do hospital e como se desenvolveu a noção de um hospital


que cura. É muito visto nessa perspectiva a partir do século XIX pela necessidade de se
comparar hospitais na Europa – pesquisa médica-científica em busca do aprimoramento
de técnicas e tratamentos mais eficazes.

“Poder−se−ia dizer: isto não é novidade, pois há milênios existem hospitais feitos para
curar; pode−se unicamente afirmar que talvez se tenha descoberto, no século XVIII, que
os hospitais não curavam tão bem quanto deviam. Nada mais que um refinamento nas
exigências formuladas a respeito do instrumento hospitalar” (p. 59)

O hospital se inicia como um ambiente feito para os pobres. Os médicos não eram os
melhores e estavam lá para expurgar pecados enquanto os doentes eram levados ao
hospital não para serem curados, mas para terem uma morte digna (objetivos eram mais
religiosos que científicos).

A questão que se colocou ao longo do tempo foi como administrar um local por onde
passe um grande fluxo de pessoas de forma a diagnosticar, registrar, tratar e conter
doenças e evitar que o espaço fosse um local no qual pessoas se diziam doentes para
desertar do exército ou contrabandear produtos.

“O indivíduo e a população são dados simultaneamente como objetos de saber e alvos


de intervenção da medicina, graças à tecnologia hospitalar. A redistribuição dessas duas
medicinas será um fenômeno próprio do século XIX. A medicina que se forma no
século XVIII é tanto uma medicina do indivíduo quanto da população” (p.64).

7. A CASA DOS LOUCOS


O texto fala sobre a formação da psiquiatria e como movimentos antipsiquiatria estavam
presentes desde seus primórdios. Para trabalhar o tema, Foucault aborda como o
conceito de verdade de transforma ao longo do tempo.

Geografia da verdade: parte da hipótese de que, por meio do estudo dos lugares nos
quais a verdade é parte de rituais e relações, seria possível traçar uma história da
tecnologia da verdade. Ela juntaria alguns mecanismos que desaparecem
gradativamente com o desenvolvimento da ciência.

8. SOBRE A PRISÃO

Entrevista na qual Foucault fala sobre o nascimento e função da prisão, mas também
sobre as relações entre poder e saber.

Poder e saber são elementos que caminham sempre juntos – é o que permite a
estruturação da sociedade. O encarceramento nasce junto com o poder disciplinar e o
conceito de indivíduo. Isso também acontece com o nascimento das ciências humanas,
da criminologia. A maneira como nós sentimos e agimos estaria ligada a dispositivos
disciplinares de nos moldam continuamente. Relações de poder marcam o nosso corpo
para que tenhamos determinadas condutas.

É mais interessante para as estruturas de poder vigiar e punir que supliciar. Ao


disciplinar um corpo, ele se torna produtivo e útil aos desígnios do poder. O aparelho
judiciário, nesse aspecto exerce também um papel importante por retirar a justiça das
mãos do monarca.

“Desde o começo a prisão devia ser um instrumento tão aperfeiçoado quando a escola, a
caserna ou o hospital, e agir com precisão sobre os indivíduos. O fracasso foi imediato e
registrado quase ao mesmo tempo que o próprio projeto. Desde 1820 se constata que a
prisão, longe de transformar os criminosos em gente honesta, serve apenas para fabricar
novos criminosos ou para afundá−los ainda mais na criminalidade. Foi então que houve,
como sempre nos mecanismos de poder, uma utilização estratégica daquilo que era um
inconveniente. A prisão fabrica delinquentes, mas os delinquentes são úteis tanto no
domínio econômico como no político. Os delinquentes servem para alguma coisa”
(p.75).
A produção de delinquentes também ajuda a burguesia a disciplinar o trabalhador que se
enxerga numa posição superior à do encarcerado. Um sistema moral relacionado ao
cristianismo e ao trabalho vai desenhando de forma a colocar em oposição a ilegalidade
da delinquência x a boa cidadania do trabalhador. Jornais e romances policiais também
surgem para reforçar a oposição.

Sem delinquência não existiria polícia e o seu papel de controlar os trabalhadores não
seria tão bem-visto sem o medo que a delinquência causa na cidade.

9. PODER-CORPO

Nesta entrevista, Foucault fala sobre como o poder se entrelaça ao corpo e como o corpo
se transforma em objeto do poder. Para o filósofo, a consciência sobre o corpo,
necessidade de expressão e autonomia vem por meio de investimentos do poder sobre o
corpo.

“Como sempre, nas relações de poder, nos deparamos com fenômenos complexos que
não obedecem à forma hegeliana da dialética. O domínio, a consciência de seu próprio
corpo só puderam ser adquiridos pelo efeito do investimento do corpo pelo poder: a
ginástica, os exercícios, o desenvolvimento muscular, a nudez, a exaltação do belo
corpo... tudo isto conduz ao desejo de seu próprio corpo através de um trabalho
insistente, obstinado, meticuloso, que o poder exerceu sobre o corpo das crianças, dos
soldados, sobre o corpo sadio. Mas, a partir do momento em que o poder produziu este
efeito, como consequência direta de suas conquistas, emerge inevitavelmente a
reinvindicação de seu próprio corpo contra o poder, a saúde contra a economia, o prazer
contra as normas morais da sexualidade, do casamento, do pudor. E, assim, o que
tornava forte o poder passa a ser aquilo por que ele é atacado... O poder penetrou no
corpo, encontra−se exposto no próprio corpo...” (p. 81, 82)

Quando as possiblidades de ação sobre o corpo que não são previstas ganham o status
de reivindicação, vemos o nascimento de uma resistência na relação de poder. A
erotização não traz exatamente uma retomada do corpo. O grande ponto do erotismo (na
cultura pop/ publicidade) é que ele talvez não traga exatamente uma libertação do corpo,
mas sim marque o corpo ainda mais com injunções designadas pelo poder. Essa
utilização seria para normatizar um certo tipo de desejo. O corpo é o resultado de um
jogo de forças, uma luta que faz emergir diferentes objetos.

E uma vez disciplinado, esse corpo é submetido ao biopoder para ser melhorado e
submetido ao poder.

10. SOBRE A GEOGRAFIA

Entrevista com um geógrafo na qual Foucault apresenta como conceitos aparentemente


ligados à geografia (espaço, campo, território) são trabalhados em sua obra de maneira e
explicar relações de poder e não diretamente uma descrição espacial de um lugar.

É possível fazer mais de uma arqueologia sobre um mesmo objeto. O sentido que a
arqueologia engendra é estratégico no que diz respeito ao poder. A intelectualidade
(ciência) por si já é um campo de luta.

“Reprovaram−me muito por essas obsessões espaciais, e elas de fato me obcecaram.


Mas, através delas, creio ter descoberto o que no fundo procurava: as relações que
podem existir entre poder e saber. Desde o momento em que se pode analisar o saber
em termos de região, de domínio, de implantação, de deslocamento, de transferência,
pode−se apreender o processo pelo qual o saber funciona como um poder e reproduz os
seus efeitos. Existe uma administração do saber, uma política do saber, relações de
poder que passam pelo saber e que naturalmente, quando se quer descrevê−las, remetem
àquelas formas de dominação a que se referem noções como campo, posição, região,
território. E o termo político−estratégico indica como o militar e o administrativo
efetivamente se inscrevem em um solo ou em formas de discurso. Quem encarasse a
análise dos discursos somente em termos de continuidade temporal seria
necessariamente levado a analisá−la e encará−la como a transformação interna de uma
consciência individual. Construiria ainda uma grande consciência coletiva no interior da
qual se passariam as coisas” (p.90).

11. GENEALOGIA E PODER


Com base no pensamento nietzschiano, Foucault defende a genealogia para superar o
sujeito do conhecimento – um olhar que passa por uma ligação entre sujeito e objeto de
conhecimento. A história analisada cronologicamente a partir de eventos significativos é
o que faz nascer e dá sentido ao sujeito do conhecimento (o “homem moderno”).

As relação não precisam necessariamente obedecer cronologias ou continuidades. Elas


podem passar por rupturas. Ao estudar tais rupturas, é possível compreender como o
sujeito é fragmentado. O indivíduo é composto por diversos papéis que desempenha em
diferentes lugares, mas não há um papel central que domina os demais. Ao quebrando o
sujeito do conhecimento, se quebra a ideia de sujeito unitário.

“Chamemos provisoriamente genealogia o acoplamento do conhecimento com as


memórias locais, que permite a constituição de um saber histórico das lutas e a
utilização deste saber nas táticas atuais. Nesta atividade, que se pode chamar
genealógica, não se trata, de modo algum, de opor a unidade abstrata da teoria à
multiplicidade concreta dos fatos e de desclassificar o especulativo para lhe opor, em
forma de cientificismo, o rigor de um conhecimento sistemático. Não é um empirismo
nem um positivismo, no sentido habitual do termo, que permeiam o projeto
genealógico. Trata−se de ativar saberes locais, descontínuos, desqualificados, não
legitimados, contra a instância teórica unitária que pretenderia depurá−los,
hierarquizá−los, ordená−los em nome de um conhecimento verdadeiro, em nome dos
direitos de uma ciência detida por alguns. As genealogias não são portanto retornos
positivistas a uma forma de ciência mais atenta ou mais exata, mas anti-ciências” (p.97).

“A questão de todas estas genealogias é: o que é o poder, poder cuja irrupção, força,
dimensão e absurdo apareceram concretamente nestes últimos quarenta anos, com o
desmoronamento do nazismo e o recuo do estalinismo? O que é o poder, ou melhor −
pois a questão o que é o poder seria uma questão teórica que coroaria o conjunto, o que
eu não quero − quais são, em seus mecanismos, em seus efeitos, em suas relações, os
diversos dispositivos de poder que se exercem a níveis diferentes da sociedade, em
domínios e com extensões tão variados? Creio que a questão poderia ser formulada
assim: a análise do poder ou dos poderes pode ser, de uma maneira ou de outra,
deduzida da economia?” (p.98).

Ao observar como se dão as relações de poder, é possível observar o que entendemos


como cotidiano.
12. SOBERANIA E DISCIPLINA

A pesquisa genealógica de Foucault o levou a mostrar as relações entre o poder


disciplinar e a teoria da soberania. Busca compreender como o poder consegue, a partir
de alguns discursos e enunciados, se organizar de forma a ser o “portador” da verdade.
O poder se exerce através do indivíduo e a disciplina é que vai construir o corpo desse
indivíduo.

Para compreender a relação entre saber, poder e subjetividade a genealogia é primordial.


Ao atravessar os indivíduos, o poder os obriga a construir verdades, mesmo sem
consciência disso.

“Nos últimos anos, o meu projeto geral consistiu, no fundo, em inverter a direção da
análise do discurso do direito a partir da Idade Média. Procurei fazer o inverso: fazer
sobressair o fato da dominação no seu íntimo e em sua brutalidade e a partir daí mostrar
não só como o direito é, de modo geral, o instrumento dessa dominação − o que é
consenso − mas também como, até que ponto e sob que forma o direito (e quando digo
direito não penso simplesmente na lei, mas no conjunto de aparelhos, instituições e
regulamentos que aplicam o direito) põe em prática, veicula relações que não são
relações de soberania e sim de dominação. Por dominação eu não entendo o fato de uma
dominação global de um sobre os outros, ou de um grupo sobre outro, mas as múltiplas
formas de dominação que podem se exercer na sociedade. Portanto, não o rei em sua
posição central, mas os súditos em suas relações recíprocas: não a soberania em seu
edifício único, mas as múltiplas sujeições que existem e funcionam no interior do corpo
social” (p.102).

“cinco precauções metodológicas: em vez de orientar a pesquisa sobre o poder no


sentido do edifício jurídico da soberania, dos aparelhos de Estado e das ideologias que o
acompanham, deve−se orientá−la para a dominação, os operadores materiais, as formas
de sujeição, os usos e as conexões da sujeição pelos sistemas locais e os dispositivos
estratégicos. E preciso estudar o poder colocando−se fora do modelo do Leviatã, fora do
campo delimitado pela soberania jurídica e pela instituição estatal. E preciso estudá−lo a
partir das técnicas e táticas de dominação” (p.104).
Para essa compreensão, Foucault se propõe a captar e observas as relações de poder em
suas extremidades. É preciso entender a microfísica do poder. Ele também retira o
sujeito do centro da análise. O poder não pode ser observado a partir de um intensão ou
decisão individual. A questão não é compreender como pensa/sente quem detém o
poder, é necessário analisá-lo em seu campo de atuação, as ferramentas utilizadas para
discipliná-lo.

O poder não pode ser pensado como uma relação de dominação maciça de um indivíduo
para com outros indivíduos ou de um grupo (classe social) sobre outro. Quando o poder
é observado de perto, é possível perceber que ele não se exerce de forma dicotômica
(enquanto um o exerce exclusivamente o outro seria sempre submisso). O poder precisa
ser entendido como algo que circula. Para além do macro, é importante observar os
instrumentos utilizados em uma relação de poder numa perspectiva micro.

Também não se pode analisar o poder como algo que parte do centro para a periferia. A
análise deve ser ascendente. “Não é a dominação global que se pluraliza e repercute até
embaixo. Creio que deva ser analisada a maneira como os fenômenos, as técnicas e os
procedimentos de poder atuam nos níveis mais baixos; como estes procedimentos se
deslocam, se expandem, se modificam; mas sobretudo como são investidos e anexados
por fenômenos mais globais; como poderes mais gerais ou lucros econômicos podem
inserir−se no jogo destas tecnologias de poder que são, ao mesmo tempo, relativamente
autônomas e infinitesimais” (p.103).

Outra precaução é não levar em conta o poder como algo produzido por uma ideologia.
O poder marca o corpo e faz nascer o que concebemos como indivíduo. Assim, o poder
é anterior à ideologia, se encontra no momento de construção e de cruzamento entre
saber e poder e não de consciência e conhecimento.

Enquanto os mecanismos disciplinares estão focados no corpo, a noção de soberania é


centrada na terra/território. Foi através dessa teoria que a burguesia teve subsídios para
defender a democracia parlamentar na transição do feudalismo para o capitalismo. Mas,
no século XVII e XVIII, nasce um novo mecanismo de poder (o disciplinar) que
“apoia−se mais nos corpos e seus atos do que na terra e seus produtos. E um mecanismo
que permite extrair dos corpos tempo e trabalho mais do que bens e riqueza. E um tipo
de poder que se exerce continuamente através da vigilância e não descontinuamente por
meio de sistemas de taxas e obrigações distribuídas no tempo; que supõe mais um
sistema minucioso de coerções materiais do que a existência física de um soberano.
Finalmente, ele se apoia no princípio, que representa uma nova economia do poder,
segundo o qual se deve propiciar simultaneamente o crescimento das forças dominadas
e o aumento da força e da eficácia de quem as domina” (p.105).

13. A POLÍTICA DA SAÚDE NO SÉCULO XVIII

Foucault estuda o desenvolvimento de uma política médica no século XVII. Para tanto,
se apoia nas noções por ele desenvolvida de poder disciplinar e de biopoder. A política
médica do século XVIII é ao mesmo tempo liberal (focada no indivíduo) mas também
atenta ao coletivo.

Uma das consequências da política médica do século XVIII é a medicalização da


família e a atenção à infância – a criança passa a ser um objeto a ser observado e a
família se transformou em um grupo que precisa ser mais que um mero transmissor de
bens. Ela precisa educar, controlar, vigiar e moldar o corpo em desenvolvimento,
servindo, assim, como matriz para o nascimento de um indivíduo adulto.

14. O OLHO DO PODER

Foucault, nesta entrevista, fala sobre o panóptico e o objetivo cumprido por ele de
vigilância e controle. Trata também das funções desse olhar do panóptico.

A ideia do panóptico teria vido das pesquisas de Foucault sobre medicina clínica, ao
observar uma singularidade que se repetia na construção dos novos hospitais oriunda da
arquitetura de prisões. Esse mecanismo de vigilância poderia se estender às escolas,
sanatórios, fábricas. O olho do poder sempre estará presente.

A arquitetura passou a se preocupar mais com a divisão espacial e o elemento “casa”. A


cidade urbana passou a ser seu maior objeto, deixando o aspecto luxuoso e soberano das
construções para focar na funcionalidade do espaço para que se alcance objetivos
econômicos e políticos. A casa, que até o século XVIII era composta por espaços
coletivos ganha moralidade, por meio da divisão de cômodos entre os lugares
individuais e os coletivos (o espaço deveria ser estudado com tanta atenção quanto é
conferida ao tempo).
15. NÃO AO SEXO REI

Entrevista em que Foucault fala sobre o poder enquanto algo positivo e busca entende
sobre a formação de um dispositivo da sexualidade. Também fala sobre possibilidades
de resistência. A questão de Foucault sobre o sexo é compreender como praticamos a
nossa sexualidade no sentido lato da maneira como praticamos. Por que a sexualidade é
algo a mais que a necessidade de reprodução da espécie? Esse algo a mais não é natural
e sim construído. Também trata dos mecanismos de repressão sobre o sexo (repressão/
vergonha). Para compreender esse processo, analisa a masturbação infantil.

16. SOBRE A HISTÓRIA DA SEXUALIDADE

Nesta entrevista, Foucault fala sobre o dispositivo da sexualidade e sua relação com o
poder.

O que é o dispositivo? “Através deste termo tento demarcar, em primeiro lugar, um


conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações
arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados
científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito
são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre
estes elementos” (p.138).

Apesar do dispositivo da sexualidade constituir formas de sujeição da burguesia e do


proletariado, existe uma estratégia em jogo posta por esse dispositivo (controle,
individualização do corpo, favorecimento de ações de biopoder e disciplina.

Para Foucault, não é interessante dividir o que é discursivo e o que é não-discursivo no


texto. Porque o único lugar onde é possível fazer tal divisão é no texto. Na prática, ela
não existe. O dito é uma relação de poder exercida. Discurso, saberes e relações de
poder vão atuar em conjunto. Existe uma certa estabilização de forças que vai permitir
um olhar macro e nos mostrar um lado de cima e um lado de baixo. Para compreender a
gênese das relações de força independe de um centro de onde partiria as relações de
poder. Mas se exercem se tal maneira que essas relações de poder são capazes de criar
um centro de poder no qual se pratique um exercício eficiente do poder. Ele não precisa
ser só negativo. Também pode ser positivo e produzir condutas e no limite usaria do
extremo da violência.

O poder pode ser sim utilizado pelas classes burguesas para dominar as classes
operárias, mas não se pode dizer que foi a burguesia que criou esse mecanismo de
disciplina uma vez que tanto a burguesia quanto a classe operária são constituídas por
essas estratégias.

17. A GOVERNAMENTALIDADE

Conceito maquiavélico: a população faria parte de um território, entretanto, a soberania


é exercida sobre esse território. Por esse motivo, os súditos que ali residem estariam sob
o poder do soberano. O príncipe, por sua vez, não precisa necessariamente pertencer ao
território, estar presente em seu cotidiano. Sua única relação seria a de
posse/propriedade. O governo proposto em “O Príncipe” seria o de conservação do
poder.

Outras correntes de pensamento irão se contrapor a essa visão uma vez que o tipo de
poder exercido na atualidade por ser anacrônico e levar em consideração limites
geográficos e populacionais.

“Como se deu o desbloqueio da arte de governar? Alguns processos gerais intervieram:


expansão demográfica do século XVII, ligada á abundância monetária e por sua vez ao
aumento da produção agrícola através dos processos circulares que os historiadores
conhecem bem. Se este é o quadro geral, pode−se dizer, de modo mais preciso, que o
problema do desbloqueio da arte de governar está em conexão com a emergência do
problema da população; trata−se de um processo sutil que, quando reconstituído no
detalhe, mostra que a ciência do governo, a centralização da economia em outra coisa
que não a família e o problema da população estão ligados” (p. 169).

Há outro tipo de governo que não está preocupado com a conservação das forças, mas
sim conduzir esse poder para a produção de mais riqueza e a condução dos corpos. Estes
corpos não seriam mais súditos e sim cidadãos que vendem sua força de trabalho. Por
isso, é preciso um tipo de poder mais profundo que acesse os desejos da população e
caminhar em conjunto com o desejo, e não contra ele. O poder não aparece somente
para punir, mas também para vigiar e conduzir.

A governamentalidade é um governo das coisas, que não são propriamente muito bem
estabelecidas como era no tempo de Maquiavel. A mudança, que acontece a partir do
século XVIII é de um olhar para todos os elementos que podem contribuir para o
aumento/diminuição da população, seu fortalecimento (o povo precisa fornecer soldados
fortes aptos à guerra e trabalhadores saudáveis e produtivos).

Assim, governa-se as variáveis e os acontecimentos. Ele vai estar atento à circulação de


doenças, taxas de natalidade/mortalidade, a organização dos bairros (onde os cidadãos
dever morar segundo sua função). Dessa forma, o governante desenvolve políticas
públicas para atuar não mais sobre o corpo social, mas no corpo social.

A economia, que era uma forma de governo segundo Foucault, passa a ser uma esfera
específica da sociedade quando se transforma em ciência cujo objetivo é pensar na
melhoria de circulação do capital, no aumento dos lucros.

Na governamentalidade, governar não se restringe ao território, mas é estar presente em


relações que se situam em série (hierarquia institucional – presidente, governador,
prefeito). Se o governo é bem-sucedido, a população sente os benefícios em suas
microesferas. Assim, acontece não só de cima para baixo, mas de baixo para cima.

Diante disso, passa-se a ter uma interpretação diferente do que seriam os estados-nação.
A partir desse olhar, não importa mais a extensão do território ou o tamanho da
população. A governamentalidade exige uma continuidade da prática de poder e de
vigilância. Tais continuidades podem ser ascendentes e descendentes. Quem governa de
cima para baixo é alguém provado na governança/capacitado para exercer o cargo. Ao
mesmo tempo o sucesso das microesferas de poder (escola, família, fábrica) é
importante para o sucesso do governo.

Em suma, a governamentalidade cola quem exerce o poder ao lugar e às coisas nas


quais o poder é exercido. O que mais importa não é mais o território, mas os homens e
as coisas. É no meio que os acontecimentos emergem. O governo seria dessa forma, um
jeito de conduzir condutas de maneira massiva

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