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JORGE BORGES DE MACEDO

(DNSRUIR O PASSADO

1. Que É a História?
E.H.Can
2. Mercadores e Banqueiros da Idade Média
JacquesLe Gofl
3. Os Intelectuaisda Idade Média
JacquesLe Goi!
O Humanismo e os Descobrimentos
na Ciência e nas Letras Portuguesasdo Século xvl
R. Hooykaas
O Mercantnismo
Pierre Deyon
De Methuen a Pombal
Bloqueio Continental
-- O Comércio Anglo-Portuguêsde 1700a 1770
H. E. S. Fisher
A Mulher no Tempo das Catedrais
RéginePernoud
Economia e Guerra Peninsular
8. A Oficina da História
François Furei
9. As Origens Medievais do Estado Moderno
J. Strayer
10. Guilherme, o Marechal
GeorgesZ)uóy
1 1. Os Descobrimentose a Ordem do Saber 2.' edição revista
LuasFitipe Barrete
12. O Milagre Europeu
E. L. Jones
13. As Navegaçõese a Sua Projecção
na Ciência e na Cultura
Z,zzú de .4/buqtzerqtze
14. A Interpretação Social da RevoluçãoFrancesa
A}Íred Cobban
15. A Europa no Séculoxvm
GeorgeRudé
16. IJma Introdução ao Pensamento Histórico

17. A Situação Económica no Tempo de Pombal -- Alguns Aspectos

18. Jo/ge Borgas de Màceda Portugal -- Notas sobre as Navegações

19. Canhões e Velusrqu Primeira Fase da Expansão Europeia, 1400-1700

20. O Bloqueio Continental -- Economia e Guerra Peninsular


Jorre Borgas de Macedo

gradiva
Capítulo l

A diplomacia, o bloqueio
e o comércio português

Há cercade cento e oitenta anos, Portugal sofreu a última


invasão estrangeira do seu território, precisamente pelas mesmas
potênciasque já cinquenta anos antes -- durante a guerra dos
seteanos-- o haviam invadido ingloriamente l
O complexo de acontecimentos que constitui as invasões fran-
cesasde Portugal tem sido sempreabordado com o mesmo espí-
rito: é um tema de história política, diplomática, militar, estu-
dado na perspectiva de uma questão estritamente política e
militar 2. Tema sempreabordado com o mapa do Estado-Maior
na mão, lendo cartas da Intendência da Polícia, com o dedo de
censura ou a coroa de ]ouvores ]evantados para ]). João VI,
citando cartas de opacos oficiais franceses,sem averiguar aliás
da sua mentalidade e formação ou colhendo inspiração noutras
fontes que não se decantam, na pressa bizarra de acumular teste-
munhos que resolvam os problemas históricos de uma catástrofe
com os elementos suscitados por essa mesma catástrofe. Junot,

l Houve também, nessaaltura, uma tentativa de guerra naval que contava com os por-
tos portuguesespara ser levada a efeito.
2 Bibliografia principal e fontes em CKisTÓVÃoAiRzs, l)fcfonárfo Bió//ogr(Í/7coda
Guerra .l)e/zi/zsu/ar, Coimbrã, 1924-1930.
OBLOQUKIOCONTINENTAL A DIPLOM:ACIA: O BLOQUEIO E O COMÉRCIOPORTUGUÊS

Allonville, diziam... Foy e Thiébault comentavam... Temos as descritivos das <<explicações>>a pos/erforí. As circunstâncias de
opiniões do Marquês de Colbert, de Hulot, de Guingret, de por- feição política, diplomática, militar ou cultural têm certamente
tugueses, BaceUar Chichorro, Acúrsio das Neves, ou ingleses, como o seupapel, o seusignificado. Mas, postas em relação ao aconte-
Simmons, Wellington, etc.: fontes militares, políticas e diplomá- cimento, torna-se claro o seu restrito poder explicativo; torna-se
ticas procuradas para resolver um problema posto também nes- patente esta outra questão com um interesse metodológico de
sesmesmos termos. As narrativas apoiadas nessasfontes, produzi-
algumaimportância: os problemas políticos ou militares, tal como
dasno marulhar dos próprios acontecimentos,vieram sobrepor-se os sociais ou económicos, não podem ser compreendidos, ou ava-
as descriçõesliterárias poderosas de Oliveira Martins e de Raul liados na justa medida da sua realidade, se não os ligarmos com
Brandão. À volta das imagens sugestivas de Junot<<anticristo>> por-
outros fenómenos, até lhes encontrarmos o todo social em que
tuguês, da caricatura de um país desfeito, atravessado pelas tropas se desenvolveram. A realidade é uma: nós é que a truncamos.
famintas de um invasor perseguidopela chuva, construiu-setoda
uma teoria das invasões francesas responsáveis pela nossa ruína Da mesma forma que não há fenómenos exclusivamente econó-
económica, pela pilhagem geral do País. As invasões francesas, micos, também não há fenómenos só políticos ou só militares.
com todas as suasindiscutíveis misérias, serviam para explicar rou- As invasõesfrancesasem Portugal são, a esserespeito, um
bos passados, presentese futuros. O País, preocupado em encon- exemplo como qualquer outro. Se os entregarmos a uma exclu-
trar responsáveis para as amarguras da guerra, para a derrocada de siva perspectivapolítica, militar, etc., tornam-se totalmente incom-
ideais ou para outros factos que depois sedesenrolaram, procurava preensíveis,isolados, sem possibilidade de relacionação, isto é,
descobrir símbolos fáceis, bandeiras acessíveis,mais pelo seu carác- incapazesde seintegrarem no todo em que sedinamizam. E assim
ter imediatamente sugestivo do que pela sua capacidade de com- será, enquanto encerrarmos, por exemplo, as invasões francesas
preender, na realidade, os acontecimentos. Contra essa tendên- no campo dos acontecimentos militares, a sensatasaída de Lis-
cia realizou Luz Soriano um esforço sério, mas intermitente, no boa do Príncipe Regente e da Casa Real para o Brasil e a sua
sentido de interpretar as invasões francesas como acontecimen- acçãoposterior, no campo dos acontecimentospolíticos. Todo
tos cujo conteúdo e significado ultrapassam muito o aspecto militar o século xlx português e os tempos antecedentes permanecerão
e diplomático. No entanto, a sua explicação <<global>> das inva- caóticos, separados dos seus primeiros, essenciaispassos, sem linha

# sõesparte do ponto de vista não demonstrado(antes duvidoso) da


estrita dependênciaportuguesa em relação à Inglaterra 3. Pers-
pectiva, apesar disso, mais ampla e eficaz do que a <<soi-disant>>
inteligível.
Não se trata aqui, como é óbvio, de empreenderuma análise
crítica dos numerosostrabalhos, tantas vezesde verdadeiro mérito,
sedenapoleónica de domínio ou circunstânciaspolíticas, militares existentesem português, sobre as invasões francesas. Mas, sendo
ou culturais, nacionaisque nadativeram com o facto. Tendo efecti- elaborados quase sempre num plano militar ou político s/rufo senszz,
vamente o seu papel, não servemnem para explicar o início das interessa-noschamar a atenção para um aspectocondicionante des-
invasões nem, menos ainda, o desenrolar dos acontecimentos, sasmesmasinvasões,a que não tem sido dada a devida importân-
depois da chegada dos exércitos invasores francês e espanhol. cia: mesmonos trabalhos que recusam a explicaçãodos aconteci-
Assim abordados, os factos permanecem encerrados nos quadros
mentos pela <<imbecilidade>>do Príncipe Regente ou pela <<traição
dos pedreiros ]ivres>>,estamos longe da realidade económica e social,
dentro da qual essasinvasões se desenvolveram.
3 Luz SORIANO,
Hlsfórfa da GzíerraCívf/, etç., ll época, Guerra da Península,Lis- O país real agiu muito além e fora dessesquadros políticos
boa, 1870, 1.' vol., p. 2 e segs. e militares que Ihe têm querido atribuir e essasmesmas realidades

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O BLOQUEIO CONTINENTAL A DIPLOMACIA. O BLOQUEIO E O COMÉRCIO PORTUGUÊS

tiveram muito em conta -- como sempre -- essamesmasituação da sua população a viver do comércio, marinha mercante e indús-
social e económica em que se encontrava. Num período de intensa tria, o abrandamento drástico da exportação(independentemente
actividade atlântica, interessado no tráfego ultramarino, as suas do modo de produção industrial) não podia deixar de ser uma
ligações políticas com a Europa continental eram relativamente séria ameaçapara o poderio britânico. Acresce que parte das
frouxas -- tal como sucedera,aliás, durante todo o séculoxvm. matérias-primas estratégicas navais provinham de zonas (Báltico,
Um compromisso continental repugnava-lhe nesta altura (como em especial) que se consideravam mais facilmente encerráveis à
antes), pois só podia afectar o equilíbrio da estrutura económica penetraçãoinglesa. Não deve também esquecer-seque esteblo-
com que Portugal seintegrava na conjuntura mundial. .Aliás, como queio napoleónico coincidia com medidas americanas contra a
é natural, o facto não escapou a Napoleão, que, nas ordens reme- exportação de algodão para Inglaterra.
tidas para Lisboa, lembrava ao seu general Junot que se encon-
trava diante de inimigos, ainda quando Ihe parecesseo contrário... As decisões francesas de 21 de Novembro e de 17 de Dezem-
A intervenção francesa em Portugal concretizou-se à volta bro de 1806seguiram o caminho normal em decisõesdestetipo.
do chamado Bloqueio Continental, decretado por Napoleão em O governo de Lisboa foi notificado das imposições francesasa
21 de Novembro de 1806, pelo qual se proibia o comércio com que deveria sujeitar-se. A exigência era natural, pois, quer pela
a Inglaterra, país considerado em estado de sítio e se declarava boa posição geográfica, importantíssima para a guerra naval, quer
presa todo e qualquer barco que tivessetocado em porto inglês. pelas suas ligações económicas com a Inglaterra (adiante estuda-
Estas decisões do bloqueio foram alargadas por um decreto de das mais em pormenor) e pela exportação e importação directa
17 de Dezembro de 1806, que ampliava a designação de boa presa
aos barcos que houvessempago imposto ao Tesouro britânico
ou tivessem recebido a visita de um navio inglês. Assim se supu-
ou indirecta de mercadorias e matérias-primas, a conservaçãodo
acessoda Inglaterra a Portugal não permitira que os objectivos
do Bloqueio se efectivassem.
/
nha criarem-se situações de conflito entre a Inglaterra e a nave- Entretanto, durante meses,outras tarefas continentais ocupa-
gação neutra a quem o receio de represálias continentais faria ram a atenção da França napoleónica a Oriente da Europa, den-
resistir. O objectivo era fechar o continente europeu às produ- tro da estratégia geral da guerra. E, em 17 de Julho de 1807,
ções, industriais e outras, remetidas pela Inglaterra e suscitar assim Talleyrand recebeordem para advertir, mais uma vez e mais ener-
a desorganizaçãodeste país, cuja prosperidade assentavano envio, gicamente,o Príncipe Regente D. João de que deve fechar defi-
para diferentes regiões, da sua produção, realizada em excelentes nitivamente os portos aos Ingleses: confiscar-lhe os bens e pren-
der os residentes em Portugal, dentro de um prazo que terminava
condições técnicas e distribuída por um aparelho comercial tam-
a l de Setembro desseano. Dez dias depois da advertência -- a
bém de excepcionalvalor. Em face de todo esteaparelho produ-
27 de Julho --, começava a concentrar-se em Baiona o corpo de
tor e mercantil, considerava-se que uma redução drástica e súbita
exércitoque deveriainvadir o País. No ponto de vista francês,
das possibilidades de colocação e venda suscitada uma crise grave.

Z
considerava-seque a ocupação do território português e seusportos
Os problemas sociais e económicos daí resultantes levariam a Ingla- era uma necessidade:o Bloqueio Continental tinha sido decre-
terra à paz e à submissão perante a França imperial. E, muito tado havia setemeses,e a decisão da guerra a Portugal era uma
embora o surto da grande indústria inglesa estivesseverdadeira- das medidas inadiáveis para Ihe garantir a eficácia.
mente na sua primeira fase, ela oferecia problemas suficientes Napoleão vencera a batalha de Austerlitz contra Austríacos,
de produção e consumo, para se poderem considerar graves os Prussianose Russos,ditará a paz de Tilsitt. Está no auge do seu
que pudessemdecorrerde um efectivo bloqueio. Já com 45% poder (apesarda batalha naval de Trafalgar), quando adverte #
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A DIPLOMACIA O BLOQUKiO E O COMÉRCIOPORTUGUÊS
O BLOQUEIO CONTINENTAL

Portugal de que todas as suasrelações económicascom a Ingla- tentava o Bloqueio, também não era, portanto, a primeira vez
terra deveriamterminar. Entretanto, a Gaze/ade Z,&boa,de ampla que a França procurava impor a Portugal o afastamentodos
tiragem, para a época4, ia informando os seusleitores da guerra barcosinglesesdos seusportos. No Tratado de Paz de 29 de

/ de corso, das vitórias inglesasno mar e da ocupação de posses-


sõesultramarinas francesas.Por todos os meiosse procurava tran-
quilizar o País, pondo em evidênciaque o OceanoAtlântico esca-
Setembro de 1801, em seguimento à declaração de guerra feita
pela Espanha em 27 de Fevereiro do mesmo ano, estipulava-se
o encerramento dos portos portugueses à navegação inglesa, con-
pava ao domínio napoleónico. E era do Atlântico que Portugal dição que, evidentemente,não teve qualquer efeito. Logo depois
recebia a prosperidade, a riqueza e a segurança, expressasno amplo da ruptura da Paz de Amiens e das medidasinglesassobre o
comércio colonial que se movimentavanos seusportos; por aí, bloqueio da costa francesa, a Corte de Lisboa publica o decreto

/ tinha a garantia permanentede poder receberauxílio militar com


que podia fazer face aos perigos da fronteira terrestre. Desta
de 3 de Junho de 1803pelo qual proíbe a permanência em por-
tos portuguesesdos navios e das potências em guerra que se
dedicam ao corso e regulamenta, com severidade,a sua entrada
vinham as preocupações, as ameaças, que, a partir de 1806, as
intenções napoleónicas faziam manifestar-se em actos de patente e saída.Lisboa, em especial,ficava sujeita a uma estreita vigilân-
hostilidade. cia naval. Tinha-se em vista: <<regularo inviolável sistema de
A perspectivada situaçãopolítica internacional vista pelos
olhos portugueses estava, como é natural, fortemente condicio-
nada pela realidadedo tráfego ultramarino a que Portugal não
neutralidade que me proponho fazer observar, quando suceda,
o que Deus não permita, suscitar-sea guerra entre Potências
minhas alhadas e amigas>> 5. Medidas que, não obstante, estavam
/
/

podia deixar de prestar a maior atenção. Se a sua atitude depen- longe de ser cumpridas à risca. Salvavam as aparências, em face
dia de vários factores, entre os quais a força continental napo- da situação difícil criada para a Inglaterra depois daquela paz.
leónica pesava muito, os seus interesses não suscitavam, porém, Por parte da França, exercia-seuma intensa mas incapaz(e poderia
grandes alternativas para discussão. A partir deles, só poderia deixar de o ser?) pressão diplomática que a má informação ou

/ aceitar-secomo atitude nacional coerente,ou a neutralidade, ou


a guerra ao lado da Inglaterra, que dominava o mar. O primeiro
a imperícia dos embaixadores quase transformava, por vezes, em
exigênciasde tipo militar. Em 6 de Setembro de 1803, o general
caminho teria sido sempre o preferido. Mas a evolução dos acon- Lannes, embaixador francês em Lisboa, entregava ao secretário
tecimentos tinha-o tornado impossível. Os próprios interesses fran- de Estado dos Negócios Estrangeiros uma insolente carta (espe-
/ cesestambém o aceitaram, nos primeiros anos da luta continen-
tal. E quando a sua atitude mudou, por virtude dos planos
lho da posição dominante da França no continente) em que se
exigia o encerramento dos portos portugueses à navegação
napoleónicos de invasão da Inglaterra, de guerra no mar e Blo- inglesaó. Depois disso, já em Agosto de 1806, Talleyrand fizera

# queio Continental, a atitude portuguesa só podia ser a de seguir


o segundocaminho. E disso ninguém tinha dúvidas em Portugal.
A verdade é que, até então, Portugal não atribuíra realmente
a lorde Yarmouth, delegadoinglês,uma declaraçãoformal: se
a Grã-Bretanhanão fizessea paz marítima, o governo francês
faria a guerra a Portugal. Essasatitudes eram aqui recebidascomo
ameaçasmas que não poderiam concretizar-se, enquanto a posi-
/
grande importância ao Bloqueio Continental, decretado pelo Impe-
rador Francês. Assim como não era a primeira vez que a França
5 Decreto de 3 de Junho de 1803. Vida os documentos H.os 1, 2 e 3, em apêndice.
6 Luz SOKiANO,JÜs/órfãda CzlerraCivf/, l parte, 3.o vol.(documentos), documento
n.' lll
4 Cerca de 2000 exemplares.
O SLOQUZIO CONTINENTAL A DIPLOMACIA O BLOQUEIO E O COMÉRCIOPORTUGUÊS

ção da França no mar não fosse superior à da Inglaterra e não O tráfego, sobretudo no que se refere à remessadasmatérias-primas
parecia que pudessesê-lo. O exército francês de S. Domingos das no seutrânsito para Inglaterra, continuava, no conjunto, a benefi-
Antilhas estava praticamente bloqueado e a esquadra francesa ciar do apoio das costas portuguesas. O facto era conhecido e até
que o apoiava tinha um campo de acção muito restrito e arris- explorado num sentido que visava tirar abusivas inferências de depen-
cado, enquanto a Inglaterra ia coleccionando conquistas de coló- dência política. Durante a guerra, porém, ele não era apregoado
nias americanas, cuja possecontribuía para resolver, além de tudo nas gazetas nem declarado oficialmente. A França(que o sabia) cer-
o mais, certas dificuldades de abastecimentoresultantes da neu- tamente provocaria dificuldades muito graves à metrópole, enquanto
tralidade americana. A aliança espanhola com a Fiança também se o continenteestivessesob a dependênciade Napoleão, se disso se
não podia concretizar em acçõesmilitares de envergadura na Amé- fizesse grande <<pubhcidado>. Mas, como se desenrola na dura vida
rica do Sul, enquanto seconservasseo, ainda que relativo, domínio quotidiana, apareceamplamente expressana documentação admi-
inglêsdo mar. Os esforçospara a Françaalterar essasituação nistrativa e económica, tanto de origem oficial como particular.
implicavam o apoio das zonasde influência portuguesano Atlân- As ameaçasde Talleyrande de Champagny,que o substi-
tico, o que, reciprocamente, a França e a Espanha também não tuiu, entreguesem Lisboa, ou de Napoleãoao encarregadode
poderiam conseguir sem um poderoso potencial marítimo. negóciosportuguêsem Paras,a formação em Baiana do corpo
A perspectiva das necessidadesrelativas à condução da guerra militar invasor, preocupavam a governação; apesar disso, a situa-
impôs as medidas da guerra económica e suscitou a criação em ção não se alterou, nem antes nem depois de Setembro, data limite
França do <<Exércitoda Inglaterra>>.Em face disso, surgiu ime- para encerramentodos portos, na advertênciade 17 de Julho
diatamente o perigo do alargamento da guerra à Península e mais de 1807. A <<adesão>>portuguesa ao Bloqueio Continental é de
especialmente a Portugal pois a Espanha já empreendia opera- 25 de Setembro. A ordem de mandar sair navios ingleses foi emi-
çõesbélicas, embora fora do seuterritório. A única zona portu- tida no dia 20 de Outubro, quando já as tropas franco-espanholas
guesa ao alcance directo da acção napoleónica continental era estavam em movimento em direcção à fronteira portuguesa, e sete
a própria metrópolee, como se sabe,desdeAgosto de 18077 dias antesdo Tratado de Fontainebleau(27 de Outubro de 1807),
que Napoleão visava ocupa-la, na tentativa de coagir o governo que julgava poder dividir Portugal continental e projectava a par-
do príncipe D. João a colocar-se a seu lado. Se o conseguisse, tilha das suas possessõesultramarinas 8. Essa ordem é recebida
seria acaso possível levar a guerra à América do Sul, dispersar pelas autoridades do porto de Lisboa, dois dias depois de os ele-
assim a frota inglesa e assaltar a Grã-Bretanha. mentos comerciais ingleses mais importantes -- discretamente
Em 1807, Portugal, tranquilo com a vitória de Trafãgar, estava avisados -- terem saído ou terem tomado as suas precauções.
seguro portanto pelos mares abertos; a sua navegação continuava a O texto da carta réguade 20 de Outubro exprime o ponto de vista
dirigir-se ao Atlântico Sul e à Inglaterra e a regressar;a comprar a governativo da seguinte forma:
esta última uns produtos e a vender-lhe outros; os seusportos conti-
<<Tendosido sempre o Meu maior disvello conservar em meus
nentais e ilhas continuavam a receber barcos com matrícula inglesa,
Estados, durante a presenteguerra a mais perfeita Neutralidade
os seusarsenais a recolher navios inglesese a fomecer-lhes ajuda téc-
nica, quando lhes era solicitada,dentro do direito intemacional.
B Artigo Xlll, ilz J. F. BoKGKSou CASTRA, Co//acção c/os Tra/aços Co/zvenções, Con-
tratos e Actos Públicos celebrados entre a coroa de Portugat e as mais potências desde }640
7 Idem, idem, documento n.' 116. afé ao .preso/z/e,Lisboa, 1857, pp. 236-253 e p. 530.

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Y'
A DIPLOMACIA, O BLOQUEIO E O COMÉRCIOPORTUGUÊS
OBLOQUE10 CONTINENTAL
tacamento de hum oficial, um cabo e tres soldados para embar
gar a descarga e saídn>.

Precisamenteum ano apósa França ter declarado o Bloqueio


Continental, quando tropas francesascaminhavam para Lisboa
e a retirada da família real para o Brasil fora aprovada, é que
ele foi mandado pâr em execuçãono porto de Lisboa: vedou-se
a saída a uma escuna e deram-se indicações a cinco militares para
vigiarem um brigue! E só vinte dias depois desta ordem de execu-
ção do Bloqueio ter sido dada, a Família Real, de acordo com
um plano havia muito previsto ii, embarcava para o Brasil.
Logo a seguir, Junot entrava em Lisboa, à frente de<<umpequeno
e miserávelcorpo>>que <<SuaAlteza Real o Príncipe Regente de
Portugal bem podia destruir inteiramente>>,<<reunindoà suavolta
jipe Regente>>'. o corpo de tropas que Ihe estava em pequena distância, e feito
entrar no porto de Lisboa a esquadra inglesa>>iz
Na carta de 25 de Setembro de 1807, em que o ministro Antó-
nio de Araújo de Azevedo, ao mesmotempo que <<adero> ao Blo-
queio, se recusa a fazer o confisco dos bens ingleses (alegando
que os bens portugueses na Inglaterra poderiam ser confiscados
por represália e eram muito superiores), põe-se a questão evidente
de que o Bloqueio Continental, a ser levado a efeito, acarretaria
tramo-la redigida nos seguintestermos: o bloqueio inglês aos portos portugueses. Insinuava, por outras
palavras, que a França não tinha poder naval para empreender,
com êxito, operaçõesno Atlântico:<<os Inglesesaté poderiam for-
çar este porto (de Lisboa) para salvar as pessoase propriedades
inglesas>>.Mas, dessa maneira, a incapacidade francesa perante

n Estes planos culminaram na Convenção secreta entre o Príncipe Regenteo Senhor


D. João e Jorge 111da Grã-Bretanha sobre a transferência para o Brasil da sededa Monarquia
Portuguesae ocupaçãotemporária da Ilha da Madeira pelastropas britânicas, assinadaem
Londresem 22 de Outubro de 1807e ratificada por parte de Portugal em 8 de Novembro
e pela Grã-Bretanha em ll de Dezembro do dito ano, izz BOKCKSOECASTÃO, oÓ. cíf., vol. IV,
9 /n CLÁUDIO CHABY, .ExcerPfos .27isfórjcos e (:oZZecção de Doctzmenfos re/afívos ã PP. 236-253. Sobre as medidas propostas pelo Almirante Jervis em Agosto de 1806, vide
Guerra de/laminada da Pe/zlnsuZae às a/zferlo/'esde /80/ e de Roussí//ozze Càfa/zzãa,vol. VI, J. ACÚKsio nAS NEVES, .HZsfÓrfa da.s invasões Fra/acesas, vol. 1, p. lll
i2 Manifesto aos Portuguesesde 17 de Maio de 1808,f/z C. CHABY,ob. c/f., vol. VI,
Lisboa,o1882.P 3.a Marinha: documentaçãoremetidapelo Arquivo Histórico Ultramarino. doc. 6, p. 8.
Ano 1807.

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A DIPLOMACIA: O BLOQUEIO E O COMÉRCIOPORTUGUÊS
OBLOQUKIOCONTiNKNTAL

nente, viu a preza que os tiranos dos mares antecipadamente


o oceano virá a ter uma demonstração universal: da posse da costa
devoravamem seu coração e não sofrerá que ela caia em seu
portuguesa nunca resultará a mínima acção francesa no mar.
poder>>.
#
Quando se encontra ameaçado pela força militar e naval da
Inglaterra(uma esquadra inglesa, em Fevereiro de 1808, fundeava
calmamente em Casuais), apela para a população lisboeta e desen-
volve toda uma teoria continental sobre o porto de Lisboa, onde
Junot visava directamente o porto de Lisboa. Na proclama-
ção que fez <<aos Portugueses>>,no momento de empreendera serevelao desconhecimento
da função que esteexercia:
invasão, fazia-se eco de uma centenária propaganda anglófoba

# francesa em Portugal, tomando como autênticos os seuspressu-


postos de um pretenso antagonismo português para com a Ingla-
terra e os Ingleses.Inconscienteda coincidência extracontinental
dos interessesatlânticos anglo-portugueses,citava nessaprocla-
<<Reflectium instante sobre os interesses das três nações que
entre si disputam a posse de Lisboa; a glória e a prosperidade
da cidade e do Reino são o que querem os franceses,porque é
esteo interessee a política da França.
mação a acção inglesa de bombardeamento de Copenhague para A Espanha quer invadir e fazer de Portugal uma das suas
abrir o Báltico, como uma ameaçapara Lisboa. Pareciaignorar províncias para se fazer assim senhora da península; e a Ingla-
que a posição estratégicadesta cidade e a sua posição de porto terra quer dominar-vos para destruir o vosso porto, a vossamari-
transitário atlântico, característica cuja consideração está na raiz nha e impedir que a indústria faça progressos entre vós: a magni-
dos acordos secretos entre D. João VI e os governantes ingleses, ficência do vosso porto Ihe causa muita inveja: eles não consentirão
tornavam a referência a Copenhaguedesprovida de sentido. que exista tão perto deles e eles não têm esperançade o conser-
E, assim, dizia: var... elesterão sido a causa da destruição de Lisboa; e eis aqui
o que eles procuram, o que eles querem: eles sabem que não podem

/ <<Umexército francêsvai entrar no vossoterritório. Ele vem


para vos tirar do domínio inglês e faz marchas forçadas para livrar
a vossabela cidade de Lisboa da sorte de Copenhaguo>
i3.
conservar-seno continente; mas quando podem destruir os por-
tos e a marinha de qualquer potência estão contentes>>
i5

Manifestos que são a expressãohiperbólica, retórica, das ins-


Ao ministro Barrete, enviado governamental português, truções secretasque Napoleão Ihe dera para a invasão e que seriam,
declara que a sua missão era fechar os portos portugueses à nave- na sua totalidade, aplicáveis, se o governo tivesse permanecido
gaçãoinglesa. Antes de entrar em Lisboa, diz ainda noutra pro- em Lisboa: <<Nãoconcedem nada ao Príncipe do Brasil, mesmo
clamação: <<euvinha salvar o vosso porto e o vosso príncipe que prometa declarar guerra à Inglaterra. Entrai em Lisboa,
da influência maligna da Inglaterra>>
i4, para acrescentarcom apoderai-vos dos navios e ocupai os estaleiros>>ió. Se outras
dramatismo: <<Napoleãoque fitou seusolhos na sorte do conti- informações não houvesse, poderia ver-se a maneira como a ques-

i3 Manifesto aos Portugueses de 17 de Maio de 1807, f/z C. CHABY. oÓ. cí/.. vol. VI. i5 Proclamação do Duque de Abrantes, general em chefe do exército de Portugal, aos
doc. 6, p. 8. Portugueses,f/z C. CHABY, oÓ. c//., vol. VI, documento 31, p. 44.
i4 Manifesto aos habitantes de Lisboa de 27 de Novembro de 1807, i/z C. CmABY, oZ). ió DUQUESA 0E ABRANTES, Jb4émofres, vol. VI, P. 554.
cjf., vol. VI, doc.6, p. 8.

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OSLOQUEIO CONTINENTAL A DIPLOMACIA O BLOQUKiO E O COMÉRCIO PORTUGUÊS

tão fora, mesesantes, posta, com clareza total, ao cônsul francês encontramos eco nas memórias da Duquesa de Abrantes: <<Per-
em Lisboa: este, ao informar as autoridades francesas da reac- corri a Europa e, com excepção de Nápoles, nada vi que causasse
ção da praça de Lisboa ao decreto do Bloqueio, dizia que, na maior admiraçãoque esta cidade, surgindo em anfiteatro para
opinião de muitos mercadoreslisbonenses,<<atéagora o comér- lá da imensa planura líquida do Tejo... No primeiro plano do
duas
cio inglês tem-se aguentado, apesar de todas as medidas de rigor quadro, o rio -- cuja abertura é, naquele lugar, mais de
que a França tinha tomado para afastar as mercadorias inglesas léguas francesas -- aparece coberto de centenas de barcos cuja?s
do seu território e da dos seusaliados, porque várias destasmedi- mastms empavezadosproclamam que a marinha do mundo pode
das eram inexecutáveise outras não foram executadaspor coni- encontrar abrigo no porto de Lisboa>>iõ
vência dos agentesque estavam encarregadosde os levar a cabo
ou pela indulgência necessáriahavida em alguns países, como a
Holandae a ltália>>.E analisandoos interessesestratégicosda #

França em Portugal, acrescentava:<<Sem a certezade poder entrar


nos portos de Portugal, seria quase impossível arriscar-se ao blo-
queio dos portos espanhóisdurante o inverno e sem a facilidade
Como se viu, a preocupação pelo porto de Lisboa que vivia
de ter o apoio de Portugal durante todo o ano, para seremreno-
vados os víveres e alimentos frescos necessáriosàs Esquadras que
cruzam as costas de Espanha, forçariam essesbarcos a voltar mui-
tas vezes aos seus portos para os abastecer, sobrevindo o inverno,
no espírito de Junot não era só da sua responsabilidade. De uma
maneira mais equilibrada e profunda, era também o ponto de
vista governativo francês, que conhecia o seu papel no tráfego
/
marítimo inglês. O porto <<franco>> de Lisboa, na sua amplitude,
e por consequênciaseria necessárioum número igual de navios
para os render, caso se quisessecontinuar o bloqueio>>.Por outro com as suas enormes possibilidades de importação e armazena-
lado, 95qo da lã importada pela Inglaterra era de origem ibérica, gem, acumulava extraordinárias reservas de mercadorias para
quasetoda espanhola, e o acessoa Portugal permitiria o abaste- venda na Europa e era o símbolo e a mais alta expressãoeconó-
cimento inglês daquela fundamental matéria-prima. mica da excepcional capacidadeda costa portuguesa como zona
O interessede Junot por Lisboa não era, portanto, uma adu- intermediária e entreposto de passagem entre a Europa e as zonas
lação estratégica para contentamento dos Portugueses ou só fruto tropicais e semitropicais das Américas e de Africa. Função por-
das instruções superiores. Relacionava-secom uma realidade facil- tuguesaque, de forma alguma, estavalimitada ao porto de Lis-
mente apreensível a quem frequentasse esteporto, tanto em con- boa. O seu encerramento <<continental>>
por um poderoso apare-
dições normais como de excepção.Esse interesseatingia mesmo lho militar não podia provocar o fim dessetráfego mas sim a
o entusiasmo: nas cartas que remetia a Napoleão, chegou a dizer sua deslocaçãopara outros portos menosvigiados ou livres.
que se encontrava na mais rica cidade do mundo n. E do entu- A costaportuguesaafluíam, vindosdo interior e do ultramar, o
siasmo que Lisboa e o seu porto produziam, na sua sensibilidade algodão, a seda, a lã, o linho, o açúcar, o cacau, o café, os vinhos,
de continental, afinada nas dimensões do mar Mediterrâneo, o azeite,os frutos, as madeiras. Lisboa era o porto principal de
trânsito dessasmercadorias, o término de numerosaslinhas comer-

i7 Diário de Junot, f/z CKlsTÓVÃo AIKES, /7is/Órfã orgá/zfca e .po/#/ca do .EI)cércíro .por-
/aguê$ vol. Xll, P. 121. 18 DUQUESA DE ABRANTES, Ob. Cjf., .paSSam
O SLOQUKiO CONTINENTAL
A DIPLOMACIA: O BLOQUKiO E O COMÉRCIOPORTUGUÊS

dais e o princípio de outras. Mas não era o único porto disponí- Quadro l
vel. Na nota de l de Maio de 1808, em que o governo português
COMÉRCIOCOMAFRANÇA
justificava a sua declaração de guerra à França, além de mani-
festar o seureceio, casoo domínio francês do mar se efectivasse. (em réis)
afirmava:
Importação

<<AFrança recebeude Portugal desde 1804 até 1807, todos 541 169870 503144480

/
1777
os géneros coloniais e matérias-primaspara as suas manufac- 1789 547 833070 637468 923
turas. A aliança da Inglaterra com Portugal foi útil à França, 1796 245057 388 23 260800
1800 656 060992 90 374550
e na decadência que tiveram as artes e indústria, em consequên- 710226 186
1801 868211535
cia de uma guerra perpétua por terra e de outra desastrosapor 1802
mar, em que ella só teve desbaratou, foi sem dúvida de grande 1803 964 994 010 2 226251 179
vantagem para a França o não ter sido o comércio de Portugal 1804 671293 919 4 650244 072
interrompido; por certo foi ele igualmenteútil a ambos os 1805 2 662061 482 3 509295 232
1806 1 286686 057 5 395402 285
paises>>''.
1807 1 286686 057 4 620 341 110
1808
Estas palavras do manifesto do Príncipe Regentecorrespon- 1809
diam à realidade.Apesarde não devermosdar todo o crédito 1810
aosnúmeros referidos na Balança do Comércio do Reino de Por-
tugal que Maurício Teixeirade Morais elaboroudesde1774a
183020,devido às condições de registo, isenções,contrabando e A discriminação destestotais revela sempre na exportação
falhas de informação(que, neste caso, só aumentariam o montante de Portugal para França uma grande percentagemde produtos
indicado), ela poderá servir de orientador aceitável.Ostotais do ultramarinos, sobretudo brasileiros. Destacam-seem especial as
movimento comercial, entre 1777e 1810,exprimem um aumento madeiras, os couros, o açúcar, o tabaco, os panos da Índia, as
inicial muito lento e com oscilações, mas que bruscamente sobe lãs e o algodão. Na importação, salienta-se o trigo e a sumptuá-
em flecha, acentuando-se cada vez mais o seu carácter positivo. ria de diferente fabrico (móveis, tecidos, jóias, objectos de ouro).
Mas, desde 1803, que a importação é largamente inferior à expor-
tação, que não cessou de aumentar desde essaaltura, sobretudo
i9 Manifesto do Príncipe Regenteo SenhorDom João, dado no Rio de Janeiro no
l.o de Maio de 1808. nos produtos ultramarinos (vedeQuadro 2, pág. 52).
20 A partir de 1827, o trabalho passou a ser orientado por Jacinto Teixeira de Aze- Números, evidentemente, bem conhecidos em França. O côn-
vedo, dada a grave doença do seu iniciador que veio a falecer em 29 de Dezembro de 1832. sul francês em Lisboa, Hermann, não se cansava de enviar para
A responsabilidade da interrupção da Balança do Comércio cabe portanto à guerra civil entre
Liberais e Absolutistas, pois a máquina montadapor Maurício de Morais funcionou sema
sua intervenção durante os três anos que precederama sua morte, não tendo aquele qualquer
Parascomunicados sobre o interesse que o comércio português
apresentavapara o seu paíszi. Comunicava, visivelmente satis- /
papel na elaboração nas Balanças comerciais destes anos.(Do estudo em preparação <<Balanças
de Comércio -- 1774-1830)>).Todos os dados referidos nos quadros n.os 1, 2, 3, 4. 5. 6. 7.
18, são extraídos destas Balanças de Comércio.
zi Vede,nestevolume, a correspondênciado cônsul Hemiann, em Lisboa(Apêndice lll)
OSLOQUKiO CONTINENTAL A DIPLOMACIA: O BLOQUEIO E O COMÉRCIO PORTUGUÊS

Mapa l
feito, o facto de a declaraçãofrancesade 21 de Novembro de
1806sobre o Bloqueio Continental não ter provocado represálias MOVIMENTO DA BARRA DO PORTO NOS ANOS DE 18%E 1807
inglesasimediatas às exportaçõespara França. Informava ainda
Zonas de tráfego do total de nwios entrados e saídos
que havia numerosos mercadores dispostos a continuarem os seus
fornecimentos a portos franceses,desdeque essaatitude inglesa

/ se não alterasse.Em Março de 1807,comunicava,com alarme.


os primeiros indícios de modificação da conduta inglesa para com
o tráfego marítimo destinadoà França.

Quadro 2

EXPORTAÇÃOOE PORTUGAL PARA TRANÇA


(em réis)

Ano Metrópole Ultramar Reexportação

1777
1789 64 440 070 569 540635 1 488 218
1796 23 260800
1800 385000 87 531950 2 457 600
180] 40 454610 658907 516 3 997060
1802 144911380 3 448080 000 47 880605
1803 57 410000 2 176979 979 31 861200
1804 66 447790 4 300974282 112134000
1805 125264350 3 322366712 60 644 170
1806 38 525820 5 209 217305 145329 160
1807 20 017 040 4 496 159 130 103 834940
1808
1809
1810

Na opinião do cônsulHermann, o comércio importador fran-


cêsem Portugal tinha atingido o máximo dos fornecimentos por-
tugueses e dos pagamentos franceses. Mas a necessidadedessas
mercadorias era tal que se fizeram planos, se procuraram merca-
1 -- Portos nórdicos não-bálticos 2 -- Portos bálticos 3 -- Portos mediterrânicos
dores e se definiram preçospara se promover o seu fornecimento

52
O BLOQUKiO CONTINENTAL A DIPLOMACIA: o BLOQUEIO E o COMÉRCIO poRmGUÊs

Quadro 3
por terra22, o que depois veio a ser realizado pelos próprios
franceses em regime de especulaçãoe alta de preçosa. Era ainda COMÉRCIOCOMA INGLATERRA

com os fornecimentos portugueses que se contava para a semen- (em réis)


teira de algodão em França. No fim de Setembro, as remessas
oficiais de mercadorias para França tinham terminado em vir-
tude do embargo aos barcos portugueses. Com estas medidas. 2 385001 249 1 689786 070
1777
de que o cônsul francês parece discordar, deixaram de seguir para 1789 4 162085 656 3 209 597521
França 1500 toneladas de algodão a. Napoleão, na sua estraté- 1796 4 951737 334 4 887 076 129
6 702 836204

2
gia, ao ter que entregar às armas a solução da resistênciaportu- 1800 8 911 061642
4 879 357 324 9 651 014 710
guesaao Bloqueio Continental, teve que anular uma fonte essen- 1801
1802 6 693 774 311 8 472 170155
cial para os seusabastecimentosem matérias-primas. Mas a lógica 5 587493 136 10 514250 356
1803
do <<bloqueio>>
não podia permitir outra solução. 1804 5 764 885 656 7 426492 334
1805 5 837705 848 8 865 210950
E se esta função de Portugal se verificava para com a França, 1806 6 587 150292 8 201 116990
1807 5 422 272 321 7 971 196005
era muito mais saliente no comércio inglês, que atingia, habitual-
1808 1 966 375040 802980620
mente, mais do dobro do francês. Nos anos já referidos para o 1809 4 531952 809 7 324270 330
Império de Napoleão, o comércio português com a Inglaterra

/ 1810 9 564761 528 10 219063 660


revelava a hipertrofia também verificada quanto ao comércio 1811 21 559960 503 4 323 864845
1812 17 334 364752 6 927 589310
francês. Os valores são, aproximadamente, aquelesque se apre-
sentam no Quadro 3, pág. 55.
Este comércio apresentavasaldo positivo para Portugal desde
1801 a 1810, mas permitia à Inglaterra adquirir em boas condi-
cavamo algodão, o açúcar, as madeiras, os couros ultramarinos
ções quantidades substanciais de matérias-primas e outros abasteci-
mentos. Com a sua manufactura ou revenda, largamente se com- (vide Quadro 4, pág. 56 ).
Além de seaproveitar destazona transitaria, cujas relações
pensava da balança portuguesa, que Ihe era desfavorável. No que interessavam sobretudo às camadas mercantis das cidades por-
diz respeito a Portugal, a distribuição do comércio inglês era mais
tuárias, o comércio inglês mergulhava no interior e interessava-se
harmónica do que o francês, pois apresentavauma participação
igualmente pela produção metropolitana. O facto não é de pequena
mais equilibrada de produtos ultramarinos e metropolitanos e
importância, para se compreender a vitalidade da união de inte-
ainda de produtos reexportados (sobretudo moeda espanhola,
ressesanglo.portuguesesna luta contra a hegemonia continental
numa percentagem
médiade logo do total). O vinho, o sal, o da França e a dificuldade desta potência encontrar, em Portugal,
azeite e as lãs continentais equilibravam ou, por vezes,ultrapas- além de indivíduos isolados, camadas sociais interessadas

22 Vide, neste volume, Apêndice 111, documento n.o 12.


zs Observador português económico e poiaico, 18a9, p. 11.6.
em relaçõespolíticas mais profundas entre os dois países.No caso
inglês, a produção continental é manifestamente mais importante
que a ultramarina; para esta ütima, a Inglaterra tinha outras fontes
.4
H Comparar çom o mapa fornecido pelo cônsul de França em Portugal ao Ministério
dos Estrangeiros de Fiança. Vida os documentos do Apêndice 111,no fim do volume. disponíveis.
OSLOQUKiO CONTINENTAL A DIPLOMACIA: O BLOQUEIO E O COMÉRCIOPORTUGUÊS

Quadro 4
nelasconsequênciassociais, fáceis de prever, que daí adviriam 25
PROVENIÊNCIAS DAS EXPORTAÇÕES PARA INGLATERRA Não era só, evidentemente, o algodão brasileiro que pesava nesta
Ano Reino Ilhas
conjuntura; mas o volume dos fornecimentos brasileiros, junta-
Brasi] Afia Reexportação
mentecom as outras cargas sul-americanas (menos bem prepara-
dase de aumento mais difícil) são bastante expressivase permi-

2 255945476 11048200 2 201898048 9 M0788


2 9138680M 143930m 2 758331814 70292W Quadro 5
5 968363360 9 085500 2 679215570 6 968800
3 935087275 EXPORTAÇÃO DE Ai,GOOÃO 26
3 7120W 4 045796050 619 400
6 150488160 43044W 3 399991626 4879 8M (em arrobas)
3 310050910 2 807601074
4 222461520 3 759345690 Entrada Exportação Exportação Exportação
Ano em Portugal para Inglaterra para França para outros países
4 710743560 2 534011910
5 779 815200 1 330471705
1776 25 519 S75 13 532,75 3 038,75
1777 32 146,25 55] 17 836,75 17 377,5
5 6733242M 1 047282560 9 648
1788 4 012,5 56 170,75
6 207067830 1 921282860 27 431
1789 376387,5 127 287 41 824,5
3 4859266W 216165560 264581 56 325
1796 376387,5
4 508484520 359709470 1 720 104070
1800 409387,5 199034
4 262557530 335095970 198872
1801 419032,5 21 234,5 66 228,5
1802 563 106 379463 189549,5 35 976
1803 595953,5 302278,5 149730 37 699
Dos produtos ultramarinos, o algodão ocupava o primeiro 1804 512235 228629 331915 58 139,5
1805 566004,5 294838,5 200 027 18 411,5
lugar tanto no comércio inglês como no francês, embora para 511465 347087 29 999
1806 195085,5
esteúltimo a percentagem emrelaçãoao total fossemuito mais 635479 102232 330 182 95 858,5
1807
elevada (vede Quadro 5, pág. 57). 1809 224248,5 91 879 2 344
Na véspera dos acontecimentos que iriam agravar a situação 1810 102 489 116 137 48 069 3 414
europeia e com a evolução da atitude da América do Norte, (via Castelã)
1811 47 515,75 18 965,5 10 797
aumentava a importância do algodão brasileiro. Para a França, o 33 886 106
1812 55 454
algodão português era de transporte mais fácil para o seu territó- 1813 129169 16 966 327
rio. Para a Inglaterra, constituía um dos meios mais seguros para
fazer face à irregularidade dos fornecimentos norte-americanos,
Inimigos possíveis: contingência grave, pois, sem aquela matéria-
25 Cf. entre outros, AKniK RuDroKD, 7'heEconomfc /llsfory Q/l?PzgZa/zd
-- /7ó0-/8óa,
-prima, ficava em perigo o exercícioregular de uma parte impor- 2.' ed., 1960, p. 91, e FKANÇols CROUZET, Z Zco/zom/e .Brí/a/z/zfque e/ /e .B/ocu.s Co/zff/ze/z/a/,
tante da máquina industrial inglesa que, recentemente,havia iniciado 1958,vol. 1, p. 339 e segs.Etc.
2õ Números recolhidos pela Senhora D. Mana Amélia Santos, para uma tese, em pre-
tão revolucionárias alteraçõestécnicase cuja paragem, em tempo de
paração,para licenciatura em Ciências Históricas e Filosóficas na Faculdadede Letras de Lis-
guerra e em plena transformação tecnológica, poderia ser fatal boa, das Balanças do Comércio(Referência arquivística na Bibliografia).

57
OBLOQUKÍO CONTINENTAL J D/7U0]14ACIH;O BLOQUEIO E O COMÉRCIOPORTUGUÊS

tem compreendermelhor as basesda firmeza britânica, em face o surto exportador português tanto de produtos ultramari-
do .Nb/z-.lizzpor/aria/z,4c/, decretado pelos americanos em 1806 e noscomometropolitanos é um fenómeno característico da histó-

# que rapidamente se gorou. Seos efeitos da guerra anglo-americana ria portuguesa do princípio do século e verifica-se para quase todas
de 1812-1814sobre a indústria inglesa não foram maiores, uma das asáreaseuropeias:entre 1789e 1806-1807,o comércio geral por-
razões está, sem dúvida, nos fornecimentos de algodão brasileiro. tuguês quadruplicou.
Estesnúmeros, como os que estão atrás citados, mostram Porém, nesteconjunto, não é possível confirmar-se, com o
que, pelo menos no que se refere a Portugal (cujo papel econó. relevo que Ihe tem sido dado, que se tenha verificado uma reex-
mico não tem, aliás, sido visto na justa medida), a opinião de portação maciça de .produtos ingleses para Espanha no sentido
François Crouzet de que <<navésperado Bloqueio Continental. de <<furaP> o Bloqueio Continental 30. Pelo contrário, as reexpor-
os mercados ibéricos estavam em parte perdidos>>27, carece de taçõesportuguesaspela fronteira espanhola,quer marítima, quer
fundamento. Do mesmomodo, tambémse não verifica um grande terrestre, sofreram no primeiro ano do Bloqueio Continental
abaixamento dessecomércio britânico, em seguida ao tratado de . 1807-- uma diminuição de mais de 40qo em relação ao ano
Amiens, apesar de todos os esforços franceses, políticos e até mili- anterior. Enquanto em 1806 as reexportações para Espanha eram
tares, empreendidos nesse sentido 28. 39qadas exportações totais, em 1807 foram somente 16qo do total,
subindoem 1809 para 45qo (embora num quantitativo bruto

/
Portugal ocupava o segundo lugar na exportação de algo-
dão para Inglaterra, logo a seguir aos Estados Unidos que expor- menor)e voltando em 1810para 25%. Mas a exportação portu-
tavam cerca de metade daquilo que a Inglaterra consumia: guesapara Espanha referia-se a produtos sobretudo do interior
e de proveniência ultramarina, com poucas manufacturas (vede
1803-1804-1805zp
Quadro6, pág. 60). Resta mencionar o contrabando. Contudo,
Milhares de libras emboraimportante, era muito dificultado pelas condiçõesde
guerra. A estesfactos não devem ser estranhos os grandes leilões
Estados Unidos 27 038
que muitos mercadores ingleses foram obrigados a fazer das suas
Portugal 9 597
mercadorias, de 1809 em diante.
Colónias inimigas ocupadasnas Antilhas 9 226
As reexportações,cuja percentagemjá foi referida, só numa
Colónias britânicas das Antilhas 6 164 escalamédia tinham proveniência industrial estrangeira; os pro-
índias Orientais 1 572
dutos mais frequentes eram os teddos, ferragens, bacalhau, queijo,
manteiga,louças, madeiras, medicamentos, alcatrão; dos produ-
No que se refere à França, a importância do algodão portu- tos brasileiros, o algodão, o tabaco e os couros, o açúcar, o anil,
guês era tão grande que, mesmo durante as invasões francesas o arroz eram os predominantes. O sal, o peixe, as frutas e o vinho
(1810), se montou uma cadeia de remessasde algodão para Cádis eram as exportações metropolitanas mais avultadas.
seguindodaí, em contrabando, para França. Estes elementos são indispensáveis para demonstrar que, além
do interessegeográfico, a posição comercial portuguesa era par-

27 FRANÇOIS CROUZET, , OP. C/f., I VOI., P. 145.


se Clf. Luz SORIANO,
//Zsfórfa da C;zzerraCfvf/, ll parte, l vol., p. 4. Mais recente-
28Vida no presentevolume, Quadro 3, p. 37.
mente. R. MousNIER e E. LABRousSE, J7isfofre (;énéru/e des (:7vf/isa/fo/z, V vol.,<<Le xyHleme
29 ,4.pzzdFKANÇois CROUZET,op. cff., l vol., p. 58. A posição dos países fornecedores
foi alterada para a ordem dos valores. siêcle>>,
p. 481. FRANÇolsCKouzET,ob. cfr., vol. 1, PP. 141-145.

58
OBLOQUKIOCONTiNKNTAL Á D/]UOJ14ÀCZA O BLOQUEIO E O COMÉRCIO PORTUGUÊS

Üw:,i.=u:n=.mW@$:Ç©$1B8
cavaa França em virtude dos grandes abastecimentos de produtos
coloniais que daqui recebia. Mas, como se disse, para levar a efeito
o Bloqueio à Inglaterra, não tinha outra alternativa. Ou desistia
do Bloqueio ou impunha o encerramentodos portos portugueses .
E a única maneira de o poder levar a efeito era pela força das
armas. Contudo, os interesses portugueses não podiam separar-se
H a\ (l a\ \Q
dos ingleses e ligar-se à França continental por um simples decreto.
3 \.o
Portugal, além de manter abertos os portos de Lisboa e Porto aos
barcosbritânicos que transportavam para Inglaterra os produtos
metropolitanose coloniais, trazendo os produtos industriais e ali-
mentaresindispensáveis para consumo intemo, constituía ainda uma
rq tn cl cn cl l\ la (q 8 Q
zonade apoio ao tráfego inglêsem geral. O facto era importante,
g R 8
pois o Bloqueio Continental e as medidas acessóriasque ]he estão
ligadas(a ocupaçãoda Holanda, etc.), provocaram, como é natu-
ral ..: em face do poder militar da França napoleónica -- uma certa
rarefacçãodo tráfego internacional que se reflectiu, de uma forma
X Cq QO ifl
-q' -Ü' \Q -l ao [\ a\ c-i cn -q' a\ n g sensível,embora não alamiante, nos portos portugueses.Ao mesmo
'-+ \O iO
B
(n
tempo, verificava-se,com isso, uma subida do tráfego realizado
por navios portugueses(lide Quadro 7, pág. 62).
Barcos portuguesese neutrais levavam aos portos europeus
a produção ultramarina e nacional não absorvida pela Inglaterra.
gifl Portugal experimentava, dessemodo, uma onda de prosperidade.
Cn O m \O QQ cq CQ (n t\ iÍ3
\D <= m Cn -q' Cn -< Situação que, produto da guerra e das condições excepcionais do
mercado europeu, não se manteve. Para o seu desaparecimento
foi decisivaa chegadade Junot a Lisboa e o encerramento
dos
portos portugueses à navegação inglesa.
Imposto pela força ou, melhor, com a certezada sua efecti-
0 vação pela operação em curso entregue a Junot e com as medi-
gã ê das tomadas em Melão pelo Imperador, ultima-se o Bloqueio.
OBLOQUE10 CONTINENTAL
A DIPLOMACIA: O BLOQUEIO E O COMÉRCIOPORTUGUÊS

Quadro 7
via, momentaneamente, diminuídas as vantagens da sua.posição
MOVIMENTO DOS PORTOS PORTUGUESES
económica e geográfica, limitado à navegação neutra o tráfego dos
1801-1815 3i
seusportos, pois a invasão vinha a afectar a .massaprincipal dos
seusfrequentadores: Portugueses e Ingleses. Mas a essacircunstân-
cia soube Portugal reagir adequadamente. Muito antes do agrava-
mento da situação militar de Napoleão na Europa, já existiam, em
1801 793 268 823 Portugal, todas as condições para um rápido desembarqueinglês,
1802 234 885 450 pemlitindo reabrir toda. a costa portuguesa ao tráfego atlântico,
1803 881 476 208 apóssetemesesde diâlculdadesque nunca tinham levado à intemlp:
1804 112 474 136
1805
çãototal. Desdelogo, a partida do governo e do rei para o Brasil
049 650 859
e a abertura dos seusportos ao comércio directo com a Inglaterra,
1806 728 786
1807 716 674
resultantedo domúlio marítimo desta, foi a primeira respostalógica:
1808 158 66 136 previsível, aos projectos franceses, goradas pela.fita de poder naval
1809 754 232 756 franco-espanhol necessáriopara alcançar o Brasil e isolar a Inglaterra
1810 849 498 987 do Continente. A evolução dos acontecimentos deu ocasião a que
1811 836 fosseconduzida em território português uma campanha militar, logo
1812 309 308 782 seguida,ao üim de nove meses,da saída das tropas francesas. Depois
1813 428 791 da<<Convenção de Sintra>>,verificou-se ainda o malogro das cam-
1814 923 442 814
panhas de reocupação por Soult e Massena, tudo antes da derrota

#'
1815 545 455 906
<<europeia>> de Napoleão. Vieram, assim, as relaçõesde Portugal com
a Inglaterra de que resultou uma situação portuguesa de dependên-
cia que muito ultrapassou a que existia antes das invasões francesas.
Depois delas, e dominando por completo o Continente europeu, Era, evidentemente, previsível a abertura directa dos portos bra-

/ Napoleão encontrava-se,mais uma vez e agora no plano da guerra


económica e da guerra total, perante uma outra realidade estraté-
gica, o Atlântico. Certo era, porém, que, no plano prático ime-
diato, não Ihe era possível atingi-lo na dimensão adequada. Supunha-
sileirosao tráfego europeu e a partida do Príndpe Regentepara o
Rio de Janeiro. No entanto, mesmo assim, a costa portuguesa e um
porto como o de Lisboa, com situação e equipamentopara porto de
apoio e témlino, abastecimentos e reparação de navios, constituíam
-seque o domínio político e militar de toda a Europa, ligado agora elementosde primeira ordem para a marinha inglesa,na sua luta
ao encerramentodos portos, privaria a Inglaterra dos intermediá- pela conservação do domínio dos mares. Por isso, ao mesmo tempo
rios indispensáveisà suavida económica.E, nesseaspecto,com as
Invasões, tentava impedir o uso da posição portuguesa pelo<<contra-
que sonhava com o poderio naval, Napoleão considerava necessá-
rio o encerramentodos portos portuguesesà navegaçãobritânica, /
/ bloqueio>>inglês, que baseavana costa portuguesa uma parte impor-
tante da sua<<montagem>>, uma fomla cada vez mais efectiva. A esse
apesar dos inconvenientes daí resultantes para o seu próprio abas-
tecimentode matérias-primas.Subestimavaa importância do mar
no domínio do território português, supondo-o possível sem se dis-
respeito e uma vez iniciadas as campanhas napoleónicas, Portugal
por de poderio naval e sem um estatuto político deHlnidoque a
saídado <<príndperegente>> tinha tomado completamenteimpossível.
n lide gráfico no final desteestudo(p. 165)
Naquela época, a força naval mercante oceânica britânica
(e de uma maneira geral o grosso da navegação mercante de todo
62
Ó3
O BLOQUEtO CONTINENTAL A DIPLOMACIA: O BLOQUEIO E O COMÉRCIOPORTUGUÊS

o mundo), não assentavano grande navio. O principal do trá- Quadro 8


fego era feito por barcosà velas2entre 100a 150toneladase OPEjtÁRiOS ESPECIALIZADOSDO ARSENAL DA MARINHA34
até menos, navegando, assim, com muito mais segurança, eco-
Ano Calafates e carpinteiros Outras profissões Total
nomia e rendimento, se dispusessede portos de apoio, desembar-
que e renovação das cargas possíveisnas suas viagens de ida e 1772
volta para a mãe pátria. A costa portuguesa oferecia-os em exce-
/ lentes condições e o seuvalor aumentava com a posição política
da Espanha,inimiga da Inglaterra.
1780
1788
1803
1804 :ê:
Lisboa era um dos portos de trânsito da navegação que atraves-
sava o Atlântico; com porto franco desdefinais do séculoxvm 1805
1806
(1797), para aqui convergiam mercadorias de todas as proveniên-
# cias, num activíssimo comércio que aumentou extraordinariamente,
sobretudo depois de 1801. Contudo, a sua parte no movimento
1807
1808
1809
geral português, nessevolume de navios, rondava pelos 45qo. Lis- 1810
boa distava, em média, três a quatro semanasde navegaçãoda
costa americana do norte(e menos tempo, em navegação directa),
um mês e quinze dias do Brasil e duas a três semanas dos portos o inventário do material em depósito e nele se encontravam, em
do centro europeu, chegando as relaçõesmarítimas com a Ingla- quantidade, todos os elementos para o recomeço da sua activi-
terra a realizar-se em menos de dez dias33: o paquete semanal dade. Entre 1803 e 1807, as folhas de trabalho mencionam repa-
Lisboa-Falmouth fazia, com frequência, o trajecto em quatro dias. rações feitas em navios ingleses que, para tanto, procuravam o
As suasinstalaçõesportuárias-- semdiminuir o interessegeo- porto. Deste modo, compreende-seque, perante a junta militar
gráfico de outros portos -- constituíam um imponente conjunto inglesaencarregada de examinar as condições estabelecidasna apres-
de manufacturas, armazéns, ancoradouros, estaleiros reais e parti- sada Convenção de Sintra, que suscitará protestos gerais por dema-
culares, barcos artilhados, etc. As folhas de serviço do Arsenal Real siado branda(e desnecessária),se alegasse, em sua defesa, que
da Marinha -- só interrompidas por brevesdias, quando da pri- <<libertaraimediatamenteo reino de Portugal do domínio dos Fran-
meira invasão -- revelam-nos, pelo número de operários, a gran- ceses,restituindo por isso aos habitantesa sua capital e fortalezas
deza destas instalações, para a época (vede Quadro 8, pág. 65). e os seus principais portos de mar>>; alegava-se ainda que <<aaber-
Além destes números, já de si bastante elucidativos, sabe-

/
mos também que o Arsenal Real da Marinha não se desmantelou tura do Tejo oferecia um abrigo imediato aos navios de guerra e
com as invasões, nem quanto ao pessoalnem quanto ao equipa- transporte que, nesta época do ano, só com grandes dificuldades
mento. Na verdade, logo a seguir à retirada dos Franceses,fez-se podiam conservar-sejunto à costa; e da sua presençadependia o
provimento e operações do exército>>.Concluía-se que, pela Conven-
ção, <«e abrira a 2 de Setembro o porto aos /lassos navios>>35
32 Elementos tirados de dados sobre o movimento geral dos portos de Portugal, nomea- A Convenção foi assinada a 30 de Agosto de 1808. E embora
damente Lisboa, Porto, Setúbal, Faro, Figueira da Foz e sobre a cabotagemao longo da costa
que tinha, ao tempo, a seu cargo a parte consideráveldo comérciointerno português.
Cf. também W. ENnn.o, .fllsrory clf Z,íverpoo/, p. 67. ay)zícf,P. MANToux, Z,ú Révo/zlffo/z
/ndzzs/rfe//e azz XHZZ/'ne sfêc/e, 2.' edição, Paras, 1959. s4 Arquivo Histórico da Marinha -- Folhas do Arsenal, Anos respectivos
33 Cf. notaanterior. s5C. CnABY,oÓ. cíf., vol. VI, Documento27, p. 66.
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Ó7
O BLOQUKiO CONTINENTAL A DIPLOMACIA. O BLOQUEIO E O COMÉRCIOPORTUGUÊS

justamente considerada branda para os invasores, provara, afi- essencialem toda essaestratégia. A Inglaterra que, para comba-
nal, que os Franceses não tinham conseguido assegurar a neutra. ter as iniciativas francesas, utilizava largamente, como se disse,
cidade do porto de Lisboa que seria, na sua proposta, garantida a bandeiraneutral; que procurara manter aberto o acessoao Bál-
pela esquadra russa aí fundeada. tico com o bombardeamento de Copenhague e outras medidas
Ao lado deste Arsenal de Marinha bem equipado existiam (dada a necessidade absoluta dos produtos daí provenientes) e
ainda os estaleiros particulares entre o Cais da Ribeira e o Cais realizava um tráfego quase sem obstáculos com as zonas tropi-
de Sodré3óe ainda, na outra banda,no termo da cidade,as cais,não podia dispensaro apoio das costase das ilhas portu-
imensas reservas de víveres indispensáveis à longa permanência guesas,para sustentartoda essaguerra. Pelo mesmomotivo, vie-
no mar, assim como as manufacturas de biscoito, os abasteci- ram os Franceses à Península. Pelos mesmos imperativos, não
mentos de madeira, velame e cordoaria, com as suas manufactu- a podiam recusar.
ras próprias e imponentes. Para levar a efeito o esforço que o Bloqueio impunha, os
No plano militar, o Arsenal de Lisboa não oferecia menos Francesesforam forçados a cortar a sua mais segura via de abas-
interesse.O barão de Thiébault, chefe do Estado-Maior do exér- tecimentoem produtos coloniais. A guerra total nestesprimeiros
cito francês em Portugal, parco de simpatia pelos Portugueses tímidos ensaios revelava-se, desde logo, como uma arma de dois
(embora os respeitasse, não os compreendia), descreve, com evi- gumes, perigosa tanto para quem a empreendia como para quem
dente apreço, os arsenais da cidade tal como os conheceu, isto era dirigida.
Em face do seu patente insucesso, logo no primeiro ano em
é, durante a ocupação: <<Devemos,não obstante, confessar que
o arsenal de Lisboa oferece imensos recursos: nele se reúnem ope- que se realizou, formou-se também o segundo objectivo das inva-
sõesfrancesasem Portugal: o domínio napoleónico da Península
rários de todas as especialidades; aí se faz tudo o que se rela-
Ibérica. Com esseinsucesso, tornou-se impossível dominar o levan-
ciona com a guerra; aí se encontram, independentementedas
tamentoespanhol motivado pela <<eliminação>> da dinastia Bour-
várias forjas e oficinas de fundição, outras oficinas e armazéns
bon na Espanha. Em vez de uma área de segurançana retaguarda
de tudo com que se pode prover ao vestuário e calçado dos sol-
do Império Francês, criou-se uma <<segundafrente>>que depressa
dados, ao equipamento dos soldados da cavalaria e trem de arti- a Grã-Bretanha aproveitou a fundo.
lharia; aí se encontra uma manufactura de armas de toda a espé-
cie, fundição de canhões.AÍ trabalham habitualmentetrezentos
operarios>>' '
Pode assim dizer-se que a invasão de Portugal pelos France-
ses,dentro do Bloqueio Continental, está explicitamente relacio-
nada com a estratégia marítima. É um capítulo da guerra atlân-
tica e por sua vez, um capítulo dos primeiros ensaiosda guerra
económica e total. Para a fazer, a França invadiu Portugal, zona

3õ JÚLlo DE CASTILHO,.4 Rfóefra de l,isboa, l.a edição, Cap. X a XIIII.


51 BPüoK nE 'tuxÊnÀu\x, RelaÍiolt de L'Expéditiolt de Portuga! falte en 1807-1808
par !e le' coros d'obsewation de }a .Arméede Portuga!, Paú.s, 18'1'7,pp. 2Q-21

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