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O Tratado de Methuen (1703)

diplomacia, guerra, política e economia

José Luís Cardoso


lsabelCluny
Fernando Dores Costa
Leonor Freire Costa
ConcepçãoAndrade Martins
NTITnn f'.,lnrnln vfnntnirn
\.J VXX\lUXo X VXVXX LVXX V

Jorge M. Pedreira

SBD-FFLCH-USP

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308406
O Tratado de Methuen

representantes nas cortes de Pauis, Londres e baia, são os temas centrais do texto
de lsabel Cluny. A participação militar portuguesa na Guerra de Sucessão,sua
justificação evicissitudes, suasimplicações de naturezafiscal e financeira e seu Leitura e interpretação do Tratado de Methuen
simbolismo político, constituem o núcleo de atençãodo ensaiode Fernando
Dores Costa.Numa abordagem genérica sobre esteenvolvimento português nos balanço histórico e historiográfico
jogos diplomáticos e políticos do início do século xvm, Nuno G. Monteiro anali-
sa as respectivas consequências para a condução da política interna e externa.
A compreensãodo significado,alcance e efeitos do tratado num dos sectores roséLuasCardoso
económicos a que faz menção explícita no seu articulado é discutido no ensaio
de Concepção Andrade Martins, que analisa a produção e exportação de vinhos
portugueses. A encerrar este conjunto de ensaios, Jorge M. Pedreira retoma a
análise do mito de Methuen na historiografia portuguesa e debate as circunstân-
INTKOnUÇÃO
cias históricas da conjuntura mercantil e financeira que explicam a assinatura
do tratado e as suas consequências para o desenvolvimento económico portu
guês, especialmenteno sector manufactureiro. Qualquer reflexão sobre o Tratado de Methuen, trezentos anos depois da sua
O propósito de cada um e de todos estes textos é o de proporcionar entendi- assinatura, terá necessariamente de contemplar as diversas opiniões, leituras e
mentos que convergem, por vias distintas, para a elucidação das diversas dimen- interpretações que foram sendo construídas acerca da sua importância e do seu
sões que o Tratado de Methuen permite contemplar. Apesar do esforço de significado histórico. Conhecer melhor a herança historiográfica transmitida, na
articulação que os autores procuraram respeitar, através do cumprimento de um sua diversidade de elementos convergentes e contraditórios, constitui, por con-
programa previamente delineado, manteve-se desde o início da preparação deste seguinte, requisito essencial para uma adequada compreensão e ponderada ava-
limo a convicção de que o leitor poderia beneficiar do confronto com textos dota liação do impacto que este tratado teve no desenho de uma estratégia de relações
dos de autonomia e individuação próprias. Assim, cada ensaio procura garantir comerciais externascom múltiplas motivações e implicações nos planos diplo-
níveis de auto-suficiência que tornem possível uma leitura isolada, ao mesmo mático, político, económico e financeiro.
tempo que torna desejável,mas não indispensável, a leitura dos restantes. O presenteensaioprocura aprofundar o diálogo com a historiografia do Tra
Estes ensaios foram objecto de apresentação prévia em dois encontros de âm tado de Methuen, elegendo como objecto de análise dois núcleos principais de
bits académicopromovidos pela Fundaçãodas Casasde Fronteira e Alorna documentação. Em primeiro lugar, os testemunhos de interpretação que foram
[Lisboa, Junho de 2003) e pela Associação Portuguesade História Económica e produzidos num período relativamente próximo da entrada em vigor do tratado,
Social (Coimbrã, Novembro de 2003). Aos promotores destas reuniões agradecem quer em Portugal, quer em Inglaterra. Sem se pretender cobrir de forma exausti-
os autores a oportunidade de discussão mais alargadaque lhes foi propiciada. va toda a literatura onde se encontram referências expressas a Methuen, seguir
Dois agradecimentos são ainda devidos às entidades que apoiaram cç)m en- -se-ãoas principais pistas trilhadas ao longo do século xvni por autores que
tusiasmo e tornaram viável a publicação deste livro, graças ao seu grande inte- entenderam bem a relevância de um tratado de comércio como pólo de reflexão
ressehistórico pelo tema em análise: o director da editora Livros Horizonte, sobre questões mais gerais relacionadas com a condução da vida política, e em
Dr. Rogério de Moura, e o Presidente do Instituto Diplomático do Ministério dos especial da política económica. Por esta razão, parece oportuno fazer anteceder
Negócios Estrangeiros, Embaixador Fernando de Casta'oBrandão. esse percurso de uma breve explicação sobre a inserção dos tratados de comér
cio no quadro mais geral do desenvolvimento de políticas económicas mercan-
Os autores tilistas no período histórico em escrutínio.
Um segundo grande núcleo de textos em análise será constituído pelas con-
tribuições sobretudo deta'minadas pelo genuíno interesse histórico em se estudar
o Tratado de Methuen, lendo em vista a elucidação dos problemas diplomáticos,
políticos e económicosque Ihe estão associados.A esseinteressehistórico não
será certamente estranho algum pendor ideológico na decifração do carácter
bondoso ou nefasto que, para intérpretes póstumos, o tratado terá revestido.
Serão neste âmbito discutidas as tesese ideias que têm mantido mais visibilidade

l
O Tratado de Methuen Leitura e interpretação do Tratado de Methuen

na historiografia contemporânea,ensaiando-sealgumas conclusões e ensina- europeias procuram definir estratégiasde desenvolvimento industrial e de su-
mentos que, sem se pretender de modo algum que sejam consensuais, se espera premacia comercial com inevitáveis implicações de disputa, concorrência e ri-
que possam contribuir para uma renovação da atenção histórica que o Tratado validade, parece inevitável admitir que eram diferentes os trunfos e capacidades
de Methuen plenamente justifica. que cada uma dessasnações europeias detinha. O que tornava remota a possibi-
Nesta abordagem,a passagemem revista das principais interpretações do lidade de se obterem reais benefícios comerciais recíprocos através dos tratados
Tratado de Methuen possibilitará ainda, assim o esperamos,um enquadramento celebrados. Por conseguinte, dificilmente poderia Portugal retirar vantagens
global dos contributos a desenvolver nos diversos ensaios que integram este imediatas de um tratado que constituía, acima de tudo, um aval de certificação
livro de um alinhamento político externo gerador de segurançana manutenção da
soberania territorial e política.

OS TRA:l:IDOS DE COMÉRCIO E A POLÍTICA ECONÓMICA MERCANTILISTA


TESTEMUNHOS INGLESES SOBRE O TRA:LADO

Para a generalidade dos autores mercantilistas, o binómio riqueza-poder re-


presentava o núcleo central das preocupações económicas e políticas. Poder signi- A regulamentaçãoe efectivaentrada em vigor do Tratadode Methuen só
ficava dinheü'o que por sua vez também era sinónimo de riqueza. E os ganhos de viriam a materializar-se a partir de 1 71 1. Os debates então havidos no Parlamen-
uma nação rica e poderosa mediam-se pela superioridade que soubessee pudesse to e jornais ingleses revelam uma aparente satisfação inicial com o seu clausulado.
impor a outras nações, no plano militar, naturalmente, mas sobretudo no plana Num discurso proferido em 1713na House ofl,ords em honra de JohnMeLhuen,
comercial. O objectivo de manter uma balançade comércio positiva constituía Lord Halifax, Charles Montagu, declarou expressamente o seu regozijo pelo au-
prioridade em torno da qual se estruturavam medidas e instrumentos de política mento substancial dos ganhos ingleses obtidos através do tratado luso-britânico
económica destinados a proporcionar o cumprimento de tal desígnio. e propôs que em cada cidade comercial britânica fosse erguida uma estátua a
As habituais e tradicionais políticas de incentivo e subsídio às exportações John Methuen como testemunho da gratidão pelo seu notável feito:
de produtos manufacturados, de contenção e forte penalização aduaneira na Mas desde cedo contou o tratado com a oposição do partido Whfg. O aplauso
importação dessemesmo tipo de produtos, a retenção de matérias-primas e a entusiástico expresso pelos Zoríes,então apoiantes do governo estabelecido, as-
forte tributação sobrea sua exportação,foram algumas das medidas universal- sim como pelos paladinos dos interesses comerciais em presença associadosao
mente consideradas e postas em prática. negócio da importação de vinhos e de exportação de tecidos, não foi prossegui-
A elas se juntavam formas mais elaboradas de organização e enquadramento do ao longo do século xvm de forma permanente e consistente. Veja-se,por exem
das actividades económicas fundamentais, nomeadamente através da criação plo, o testemunho que sobre a matéria nos foi legado por Adam Smith.
de companhias de comércio destinadas a operar no comércio externo e nos mer- Smith utilizou o exemplo do comércio entre PorLugale Inglaterra para criti-
cadoscoloniais mediante a institucionalização de práticas monopolísticas e de car o modelo baseadoem relações preferenciais de carácter mercantilista que
privilégio exclusivo. E ainda atravésda celebraçãode acordos e convenções não favoreciam a projecção dos interesses industriais e comerciais ingleses.
de âmbito bilateral, destinadosa estabelecerregrasde aceitaçãomútua e de No capítulo da riqueza das Nações que dedica à discussão crítica acerca da
benefícios partilhados, mesmo que de forma assumidamente desigual'. relevância dos tratados do comércio;, começapor considerar que as vantagens
É neste contexto que seexplica a assinatura de um tratado como o de Methuen. de se favorecer determinados interesses estrangeiros em detrimento de outros,
Se pudéssemos momentaneamente ignorar o ambiente político e diplomático mediante clausulado para o efeito estabelecidopor acordo bilateral, poderiam
que presidiu à sua assinatura, se pudéssemos ainda pâr de lado quaisquer con ser contrariadas pelo agravamento de preços no mercado interno. Ou seja, ao
siderações acerca dos interesses orquestrados pelos que, com maior ou menor eliminar-se a livre concorrência entre nações fornecedoras de determinados bens
entusiasmo, deram o seu aval e deixaram o seu nome associado à assinatura da de consumo, eslava a prejudicar-se os interesses dos consumidores nacionais.
tratado, diríamos apenasque estamosdiante de um acto de negociaçãocomer- Admite contudo a possibilidade de um país conceder {<ummonopólio deste
cial de compromissose responsabilidades,livremente assumido como gestode tipo, em seu próprio prejuízo, a certos bens de uma nação estrangeira, pois espe-
vontade soberana. ra que no comércio global entre eles venda anualmente mais do que venha a
Todavia, são sabidas as condições adversas que habitualmente assistem à comprar e receba, anualmente, um saldo em ouro e pratu>'
celebração de tratados bilaterais de comércio no período que corresponde ao da Por isso, conclui Smith que <<aprincipal vantagem do comércio com Portugal
assinatura do Tratado de Methuen. Numa época em que as diferentes nações reside no facto de estevir facilitar toda a comercialização externa indirecta de
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bens de consumo efectuada pela Grã-BreLanha;e, embora não sendo uma vanta- algumas medidas de política económica desencadeadaspelo marquês de Pom-
bal, nomeadamente no que se refere à criação das companhias monopolísticas
gem capital, é sem dúvida uma vantagem considerável>>;
No entanto, estereconhecimento expressode uma vantagemindesmentível para a agricultura das vinhas do Douro e para o comércio com o Brasil, as quais
não constituía razãosuficiente para que Smith considerasseo tratado de Methuen punham obviamente em causa interesses ingleses estabelecidos. De acordo com
como um bom negócio para a Grã-Bretanha. Por um lado, porque o ouro com que as suas palavras:
Portugal saudavao dc#c/f da sua balança comercial poderia ser obtido através do
comércio vantajoso com outras nações. Em segundo lugar, porque os consumi- {(Seas vantagens que em tempos gozámos em Portugal forem retiradas, se a natureza
dores ingleses eram obrigados a sacrificar parte dos seus interessesdevido às do comércio for alterada, ou se a política da corte portuguesa for a de abrir indiferen-
vantagens concedidas aos vinhos portugueses. Ainda que não o diga expressa temente o seu comércio a todas as nações da Europa; daí se segue que Portugal nada
mente, Smith deixa pairar a ideia de que a relaçãopreço-qualidadedo vinho contribui para compensar as despesas e riscos que a Inglaterra collstantemente en
português não era a.que melhor servia os interesses dos consumidores. volve na sua defesa, e que o interesse que a Inglaterra tem em manter a independên-
Atendendo a estasatenuantes, Smith acaba por fazer prevalecer o comentá- cia da coroa de Portugal é apenas um interesse igual ao que têm as outras nações
rio de que destetratado é, evidentemente, vantajoso para Portugal e desvantajo comerciais da Europa, as quais negoceiam com Portugal segundo os mesmos, ou até
se para a Grã-Bretanha>', observando que os privilégios dados aos industriais e melhores termos do que nós fazemos (...). Se o sistema de comércio entre os dois
comerciantesde lanifícios haviam já estadoem prática e tinham sido paísesfor totalmente alterado, e se não existir a possibilidade de recuperarmos as
abusivamente revogados. O tratado era, portanto, um <<fardoque representava o vantagens que perdemos, então se conclui que um novo sistema de política terá tam
apoio de um aliado muito fraco, tão desprovido de tudo no que respeita à sua bém de ser adoptado no futuro>>'
própria defesa>>'.Deste modo, e não obstante o excessode zelo nacionalista com
que avalia as perdas inglesas, Smith evidencia a questão política central que Para o autor inglês, não deveria haver qualquer dúvida sobre a importância
da aliança inglesa para Portugal manter a sua independência política. Por isso,
tinha justificado a celebraçãodo tratado, ou seja,a garantia de defesade um país
que detinha invejável situação geoestratégica. seria um equívoco pensar que a união celebrada por tratado se baseavana con-
Posição bem distinta desta, se bem que igualmente ditada por fervor nacio- cessãorecíproca de idênticas vantagens comerciais, independentemente do facto
nalista anti-britânico, viria a ser sustentadaem 1841por Friedrich List. Comen- de, pela via do tratado de Methuen, Portugal conhecer a possibilidade de escoa
tando expressamente os argumentos de Smith acima expostos acerca da bondade mento dos seus vinhos em condições vantajosas.
do tratado de Methuen para os portugueses,escreveuque: <(Semdúvida, este As vantagens comerciais concedidas por Portugal eram a única forma de
tratado deu aos portugueses um privilégio meramente nominal; ele conferiu aos compensarosinglesespela suaajuda política: <<O original e único princípio raci-
inglesesum privilégio de facto. O mesmo espírito se encontra noutros tratados onal da união entre as duas nações, é o de que as grandes vantagens comerciais,
de comércio assinadospelos ingleses. Sempre cosmopolitas e filantropos em obtidas por uma das partes, constituem a compensação pela protecção nacional
palavras, sempre têm sido monopolistas de forma intencional)>8. que é garantida à outra parLe>>:'
Esta era uma visão tornada possível pelo ambiente das relações económicas Assim, quer Philip Francêsquer Adam Smith comungam a mesma ideia de
internacionaisde meadosdo século xix, numa altura em que a supremaciae que o tratado deveria ser devolvido à sua fundamentação original de proporcio
pujança inglesas acicatavam espíritos nacionalistas noutros países europeus que nar vantagens económicas para Inglaterra e segurançapolítica para Portugal.
ambicionavam consolidar processossustentadosde desenvolvimento económico. Era entendimento de ambos que o tratado constituía uma valiosa moeda de tro-
O que sem dúvida demonsU'a como certos acontecimentos históricos na circuns- ca para os dois países, com a adicional vantagem portuguesa de ver escoada e
tância, um tratado de comércio firmado no início do século anterior -- podem ser incentivada a sua produção vinícola.
utilizados e instrumentalizadosao serviço de diferentestipos de interessese Vejamosagoraqual a interpretação desenvolvida do lado português.
compromissos doutrinais.
Regressandoao terceiro quartel do século xvm, vale a pena atender aos inte-
ressantes argumentos expressos por um autor razoavelmente desconhecido e A POSIÇÃOPORTUGUESA:
DE D. LUÍS DA CUNHA AO MARQUÊSOE POMBAS.

que, i:lado o local recôndito onde foram publicados, têm passado completamente
despercebidos.Com efeito, dois anos antes da publicação da riqueza das Na Nas interpretaçõesconvencionais do tratado, atribui-se habitualmente a
Cães,a interpretação inglesa sobre as relações político-comerciais luso-britâni D. Luís da Cunha o pioneiro protagonismo de denunciar os seus efeitos negati-
cas é expressade forma cristalina por Sir Philip Francêsquando comenta e discute vos para Portugal. Terá sido de facto essa a sua posição?
O Tratado de Meta uen Leitura e interpretação do Tratado de Methuen Í7

Pareceincontestável que em muitos dos seusescritosD. Luís da Cunha ofe- silêncio, em caso que se me mandasse pedir alguma informação. Eu rejeitei,
rece argumentos inequívocos que autorizam essetipo de leitura. E bem conheci- como devia, a proposição; e escrevi que se Sua Majestade estava inclinado a
da a posição que transmite no testamento Po/ífíco, segundo a qual teriam levantar a proibição dos panos, pela conveniência do maior consumo dos vi
concorrido três circunstâncias convergentes para a desgraçado tratado: a vonta nhos, me deixassetratar o negócio; porque naquele tempo os vinhos de Fiança
de de D. Pedro ll «comprazer com a rainha de Inglaterrn>, o facto de o embaixa- não entravam em Inglaterra, e que o grande desejo que os ingleses tinham da
dor em Portugal, John Methuen, ser irmão de um grande mercador de panos e, saída dos seus panos me faziam esperar, quando o Parlamento se juntasse, tirar
por conseguinte, querer trabalhar em casa e causa próprias, e ainda o facto de a maior utilidade que a que eles Ihe ofereciam; porém, sem que se me respondesse
mesmo embaixador ter conseguido convencer alguns fabricantes e negociantes a este ofício, me chegou feito o tratado que Vossa Senhoria sabe>>'s
de vinhos das vantagens que resultariam da sua colocação (menos um terço dos Apesar de sempre reiterar as reservas ao tratado e à forma como havia sido
direitos pagospelos vinhos franceses) em Inglaterra. E conclui do seguinte modo: negociado, sugere a sua observância à luz de uma reinterpretação da sua letra:

«Não há dúvida que a extracção dos nossos vinhos cresceu incomparavelmente, mas «Não quero dizer que Sua Majestade contravenha ao tratado; mas parecia-me que
sujeita a que poderemos perder todas as vezes que os ingleses deixarem de se confor como nele se estipulou somente a livre entrada dos panos de Inglaterra, e não que o
mar ao pé da letra com o mesmo tratado (...). dito senhor deixe de restabelecer as suas manufacturas, e menos que os seusvassalos
Contudo esta grande exportação de vinhos não é tão utilíssima como se imagina. sejam obrigados a vestir-se dos ditos panos»"
porque os particulares converteram em vinhas as terras de pão, tirando assim delas
maior lucro, masem desconto a generalidadepadecemaior falta de trigo, de centeio. Mantém-se assim fiel à sua concepção teórica relativa à natureza dos trata-
e cevada, de sorte que se o vinho sai de Portugal, é necessário que de fora Ihe venha dos e à sua importância para a regulação do direito internacional (muito influ-
maior quantidade de pãm>' enciadopela doutrina jusnaturalista de Grotius e Pufendorf):
«Tratadosnão são outra coisa mais que uns contratos, ou convenções que as
A sua oposição ao que o tratado representava tinha sido expressa bem cedo partes celebram entre si, para se obrigarem a fazer observar certos pontos que
e bem antes da respectiva assinatura. Com efeito, no início da sua missão duplo estipulam; de sorte que tantas são as convenções quantos são os tratados, cuja
mática em Londres, em 1697, D. Luís da Cunha dá conta, nos seusofícios para a diversidade de matérias Ihe dá também diferentes nomes, como são Tratados de
corte, das possibilidades de desenvolvimento do comércio dos vinhos portugue Paz,de Aliança, de Amizade, de Trégua,de Neutralidade, de Suspensãode Ar-
ses em Inglaterra e do carácter falacioso dos argumentos invocados pelos fabri- mas, de Garantia e de Comércio>>n
cantes de tecidos ingleses, segundo os quais a entrada de vinhos teria de ser Mas a presumíveljustificação formal no plano do direito, não pode fazer
compensada com a saída de tecido em condições igualmente vantajosas. Para ignorar o sinal claro de pragmatismo e realismo político que revela ao admitir a
D. Luasda Cunha não restavam dúvidas: <(Quea introdução dos panos, por mais sua inevitabilidade histórica quando peremptoriamente afirma que <<não temos
razões que para ele alegue D. João de Methuen, as quais ignoro para responder- escolha, antes somos obrigados a conservar a aliança defensiva e perpétua que
.Ihe, não seja meio para a saca dos nossos vinhos é assazclaro; porque esta só se temos com Inglaterra, ainda que sujeita à inconstância daquela nação, às delibe
experimentou depois que a guerra embaraçou o comércio desta coroa com a de rações do seu Pm'lamento, às dificuldades dos socorros, pela dilação do seu em-
.Flanca> 12 barque, e acidentes do mapa''
Mas a questão fundamental era o excessode produtos que a Inglaterra já Idêntica reserva moderadamente crítica em relação ao Tratado vai ser assu-
colocava em Portugal, pelo que a suspensãoda Pragmática que protegia a produ- mida pelo marquês de Pombal.
ção manufactureira portuguesa iria agravar sobremaneirao saldo negativo vi- Numa Carta de ofício a Marco António de Azevedo Coutinho, de 2 de Janeiro
gente nasrelações comerciais com a Inglaterra';. de 1 741, denuncia as irregularidades e gravames cometidos pelos ingleses]9. Não
Noutros momentos, D. Luís da Cunha acusa John Methuen de <lsebenquistar estava em causa o tratado, mas sim o seu não cumprimento e as infracções pra-
com as promessasque fez, assim como agorasó cuida em se adiantar com os ticadas. Exige reciprocidade de direitos e regalias, igualdade de tratamento pe-
projectos que propôs, prometendo ao ministro do imperador tudo o que não rante a lei.
executou, enganando-o assaz grosseiramente>>''
Chega mesmo a sugerir a tentativa frustrada de suborno: «como os Ingleses <<Suposto
que entre nós se entende comummente que a desigualdade dos tratados
costumam negociar com dinheiro, que poupa muitos argumentos, se me man que temos com Inglaterra, e especialmente no da introdução dos panos estipulado a
dou oferecer por Manuel Marques uma considerável soma para que guardasse 27 de Dezembrode 1703, foi aquela que fez o estrago que vimos na marinha e no
O Tratado de Methuen
]8 Leitura e interpretação do Tratado de Methuen

comércio de Portugal, contudo não é esta somente a causa de tanta ruína, porque a TESES E REVISÕES HISTORIOGRÁFICAS
nossa marinha e o nosso comércio ainda podiam florescer dentro dos limites dos
tratados, se nada mais houvesse. O que mais vivamente nos ofende são os abusos e as Conforme procurámos documentar e demostrar, não são absolutamente con-
infracções que palmada e clandestinamente se foram introduzindo apesar das con- vincentesas tesesque fazem remontar a D. Luís da Cunha e ao marquêsde
venções.Essasinfracções e essesabusos é que puseram a foice à raiz de todos os Pombal os argumentos de responsabilização do tratado pelos impedimentos ao
nossos interesses, inibindo a nossa navegação por modo absoluto. Em necessária desenvolvimento industrial português no século xvm. O mito de que Methuen
consequência, pereceu a marinha, e o nosso comércio passivo e activo ficou mono- seria, assim, a fonte do processo de desenvolvimento dependente do nosso país,
polizado a favor dos ingleses. Estes são os nossos grandes males. De sorte que não tem uma origem mais tardia e algo difusa, situando-se a sua matriz na primeira
padecemos na realidade a observância dos tratados, como se entendia. Contraria fase da construção do Estado liberal em Portugal.
mente padecemos porque eles se nos não observam>>:'. Com efeito, foi no quadro de algum fervor nacionalista anti-britânico que
rodeou os preparativos da Revolução de 1820 e os trabalhos das Cortes Consti-
Alguns anos mais tarde, comentando a nefasta possibilidade de celebração tuintes de 1821-1822que vemos surgir um renovado interesse pela aplicação de
de tratado comercial com a Espanha::, discorre de forma genérica sobre a natu- receitas e políticas económicas de feição proteccionista. C)pedestal simbólico
reza dostratadosvoluntariamente estabelecidosentre naçõescom poderesdife- que passou a sustentar a figura mítica do marquês de Pombal comprova a estima
renciados. atribuída aos heróis que, no dizer inflamado da época, tinham procurado resistir
A este propósito, considera que bestasconvenções sempre são leoninas em ao jugo inglês. Note-seque foi também neste período que foi pela primeira im-
razão de que entre duas partes contratantes aquela que tem a seu favor a presso o Zesfamenfo Po/ífíco de D. Luís da Cunha, que assim passou a incorporar
prepotência obriga a outra parte menos forte a que cumpra tudo o que Ihe pro a galeria de trunfos de autoridade contra a opressão inglesa.
mete, ao mesmo tempo em que nunca acha razõesque bastam para cumprir o As imagens então construídas sobre o carácter nefasto do Tratado de Methuen
que estipulou de sorte que, sendo o contrato igual e recíproco na sua convenção, - por vezespintadas em tons mais negros dos que se poderiam justificar se fos-
vem a reduzir-se na sua execução a cumpri-lo a potência menos forte em tropas sem dedicadasao tratado de comércio de 1810 foram sendo reproduzidas e
no que Ihe é oneroso e a não poder servir-se dele enquanto Ihe é útil>>:'. duplicadas ao longo do século xix. E acolheram novos adeptos entre historiado
Paraalém das imediatas consequências da abertura aos produtos manufac- res e publicistas que, independentemente da época em que formularam seus
turados espanhóis, que em muito prejudicariam a já debilitada estrutura produ- vaticínios, se empenharam em demonstrar que as relações políticas e comerci-
tiva nacional, chama a atenção para a rivalidade que iria suscitar junto da ais entre Portugal e a Inglaterra, marcadas por uma forte relação de assimetria e
Inglaterra, criando adicionais focos de tensão e conflito. Tem também presentes dependência desfavorável ao nosso país, foram o pecado original do desenvolvi-
as consequências no que se refere à perda de privilégios e exclusivos coloniais. mento económico português.
As relações comerciais com a Inglaterra serviam como bom exemplo dos O peso desta tradição interpretativa não pode ser ignorado. Curiosamente,
erros a evitar, uma vez que, em seu entender, o ü'atado de Methuen Linha provo- ela encontra o seu expoente máximo na obra de um autor que, não sendo portu
cado a ruína das manufacturas de lanifícios portugueses. O projectado tratado guês, não poderá ser acusado de excesso de zelo nacionalista. Com efeito, para
com a Espanha seria ainda mais nefasto. Sandro Sideri o Tratado de Methuen surge como explicação causal determinante
Mas a sua atitude crítica em relação ao tratado de Methuen é sempre mode de uma humilhante relação de dependência económica e política de Portugal
rada pela evocaçãodos imperativos de equilíbrio político e diplomático que di- em relaçãoa Inglaterra, à qual seficaria a dever o substancial atrasono arranque
tavam as estratégias portuguesas de alinhamento internacional. Assim: <eArespeito industrial português:'
dos interesses externos, aquele tratado do ano de 1703 foi concedido a um alia Mas apesar dos ecos orais que esta tese possa ainda ter, popularizada em
do natural e necessário para nos sustentar: de sorte o que Ihe damos sempre vem manuais escolarespré-universitários e serenamente transmitida ao longo de ge-
a constituir o preço (posto que caro) da nossa segurança (...). Acrescendo que o rações, é curioso notar que a mais relevante historiografia portuguesa sobre o
dito tratado se acha estabelecido de sorte que nos não embaraça com alguém)>::. Tratado de Methuen comunga pontos de vista que claramente contrariam as
Em conclusão, através dos seus próprios escritos, verificamos que também interpretações negativas que associam o tratado ao nosso mal-estar económico.
Pombaladmite a inevitabilidade política e diplomática de um tratado comercial- De facto, sempre que alguém procurou estudar seriamente as cláusulas, antece
mente desvantajoso. dentes e consequências do Tratado de Methuen, deparou-se com uma acumula-
ção de provas pouco úteis para a sustentaçãodas impressões que o senso comum
fez misteriosamente perdurar. Nas páginas que se seguem, procuraremos passar
O Tratado de Methuen í,eitura e interpretação do Tratado de Meüuen

em revista as principais contribuições para a construção da historiografia do no sentido de se celebrar acordo ou tratado comercial. Por conseguinte, o tratado
tratado. de 1703 não pode ser visto como uma mera contrapartida comercial de uma alian-
No capítulo dedicado ao signo de Methuen, Lúcio de Azevedo sustenta a ça política, uma vez que antes da adesãode Portugal à Grande Aliança havia indí-
teseda bondade e vantagens mútuas do tratado para as partes contratantes, ape cios óbvios de negociaçõesdiplomáticas na esfera comercial.
sar da primazia do direito da Inglaterra em declarar o carácter obrigatório e per- A interrupção da correspondênciade D. Luís da Cunha entre Dezembro
pétuo para Portugal que apenaspoderia renunciar ao estipulado caso a Inglaterra de 1702 e o início de 1704 - um período crucial para a negociação dos tratados
não cumprisse as suas obrigações:s. Ou seja, caso Portugal quisesse revogar o de Maio e Dezembro de 1 703 - assim como a quebra na correspondência com os
acordo, teria de aguardar que essefosse o desejo expresso pela Inglaterra. embaixadores de Inglaterra entre Fevereiro de 1703 e Outubro de 1704, torna
Socorrendo-se de fontes secundárias e informações não comprovadas difícil a reconstituição dos acontecimentose, de certa forma, permite avolumar
documentalmente, Lúcio de Azevedo faz eco dos rumores acerca do suborno a suspeita de que alguma coisa terá sido feita para justificar o desaparecimento
exercido sobre os negociadores portugueses e outras pessoas influentes na corte, de tão importante documentação. Conforme diz peixeira de Sampaio: <(Dir-se-ia
questão esta a que mais adiante voltaremos. Apesar de tratar a informação com ter havido o propósito de não deixar registado o que se passou naquele período
alguma precaução, não deixa de admitir que <(Emtudo isto é evidente a parte de das negociações dos tratados de aliança e do tratado de Methuen>>:'
desconfiançae de invenção malévola; com algum fundo de verdade, todavia, Este texto faz ainda eco das dúvidas e reticências, quer de D. Luís da Cunha
de onde os boatos procedessem>>:'. quer do marquês de Pombal, ao modo como o tratado foi negociado e posterior-
Mas o modo como lê e organiza a informação disponível sobre os movimen mente executado. Também peixeira de Sampaio considera que as ideias destas
tos comerciais na primeira metade do século xvm permite-lhe concluir que o duas importantes figuras políticas não levariam à revogação do tratado, mas sim
tratado não teve as consequências negativas que os seus detractores procuraram àminimização do seu impacto (conformejá vimos quando discutimos a posição
fazer crer. de Pombal relativamente à possibilidade de estabelecimento de um acordo co-
Idêntica posição é sustentada, no mesmo ano de 1928, por Luiz peixeira de mercial com a Espanhol.
Sampaio". Semelhantelinha interpretativa foi sugeridapor FranciscoAntónio Correia:g
Através de investigação original no arquivos do Ministério dos Negócios Es- Considera que as interpretações negativas do significado do Tratado de Methuen
trangeiros, efectuada em resposta a sugestão ou solicitação de Lúcio de Azeve- para PorLugalforam deturpadas e influenciadas pela visão e interessesfrance-
do, peixeira de Sampaio procura responder à questão de saber se o tratado deveria ses,não obstantea legitimidade do reconhecimento de que, na origem da tradi-
ser visto como imposição inglesa para favorecer a introdução de tecidos em Por- çãode crítica ao tratado de Methuen, estariam as posições de D. Luís da Cunha
tugal, ou como compensação a Portugal por ter passado a alinhar com as potên- e do marquês de Pombas.
cias da Grande Aliança, obtendo assim vantagens aduaneiras na colocação dos Para Francisco António Correia, o tratado não constitui a realização de uma
vinhos em Inglaterra. Ou seja: castigo ou prémio? política de monopólio comercial (dos vinhos portugueses em Inglaterra e dos
C)autor baseia-sesobretudo na correspondência oficial de D. Luís da Cunha, tecidos ingleses no mercado português): trata-se, isso sim, de um acordo prefe-
desde a instrução que enquadrou a sua missão diplomática em Londres, e na rencial, uma vez que não exclui inteiramente a concorrência de outros países,
qual se fazia expressa menção a que eventuais negociações de natureza comercial, apenas a restringindo através da preferência reciprocamente concedida pelas
designadamente as que decorressem de diligências já efectuadas por John naçõescontratantes.De facto, a concorrência de outros paísescontinuou a fa-
Methuen, teriam de ser objecto de cuidadosa apreciação pela corte em Portugal. zer-sesentir. O tratado não fixava regras derradeiras, uma vez que previa a pos-
Tratava-se, em suma, de reconhecer quer os esforços que os ingleses faziam sibilidade de se deixarem de praticar as regraspreferenciais.
no sentido de revogar as proibições impostas pela pragmática de 1684, quer as O tratado também não institui uma nova política: limita-se a dar continuida-
tentativas de penetração dos vinhos portugueses no mercado britânico. de ao tratado de 1654 que havia estabelecido as condições da fixação da feitoria
Conforme vimos anteriormente, D. Luís da Cunha sustentou a ideia de que os inglesa nos negócios da exportação do vinho do Douro e que tinha já consagrada
vinhos portuguesestinham já uma procura sustentada em Inglaterra que dispen- benefícios claros para os tecidos e manufacturas inglesas, designadamente atra-
sava a necessidadede negociação de contrapmtidas. Ou seja, demonstrou uma vés da sua cláusula secreta que na prática autorizava a declaraçãodos artigos
extrema confiança na capacidade de os mercadores de vinhos portugueses pode- inglesesimportados por PorLugalpor valores inferiores ao verdadeiros,a fim de
rem pressionar os meios políticos ingleses a uma atitude de abertura, sem com- pagaremmenos direitos. Conforme estipulado no artigo secreto:
pensações de enU'ada dos tecidos em Portugal. Dos seus textos parece depreender-se <<Queas fazendas, mercadorias inglesas e manufacturas na sua avaliação a
a intenção de ambas as partes, e as pressões dos respectivos interesses mercantis, pagar direitos, nunca excedam de 23 por cento, e sejam favorecidamente avalia-
D Tra indo de Methuen Leitura e interpretação do Tratado de Methuen

das, conforme o Regimento da Alfândega e das antigas leis do reino, e dado caso tra a Fiança e as suas pretensões hegemónicas relativamente à Península Ibérica,
que haja movimento de se levantar a avaliação, por razão de subir o verdadeiro no contexto da Guerra de Sucessãode Espalha. Considera absurda a ideia de
valor da fazenda ou mercadoria, se não fará senãopor consentimento, e em pre- que a assinatura de um tratado implicaria necessariamente um país vencedor e
sença de dois mercadores ingleses, residentes e moradores em Portugal, eleitos um país perdedor. Em seu entender as vantagens foram mútuas e especialmente
pelo Cônsul dos Ingleses>>:o. benéficas para Portugal, dado o fluxo de capitais ingleses que fertilizaram a va
A taxa de 23% correspondia ao somatório da décima (10%) da sisa (10%) lorizaram a região duriense. Apesar de não figurarem registadosno saldo da
e taxas de consulado (3%), o que significava uma imposição fiscal inferior à que balançacomercial, tais investimentos produtivos foram também importantes para
era paga pelos comerciantes portugueses. Para além disso, aos ingleses era ofere- a exploração de fontes de riqueza noutros sectores da vida económica.
cida a possibilidade de fixarem a seu arbítrio o valor das mercadoriassobre Três anos depois da publicação deste texto, voltaria o tratado a merecer a
o qual recairia o imposto. típica etiqueta de instrumento de humilhação e submissão aos interesses ingle-
No entanto, esta orientação das relações comerciais tinha sido abalada pela ses;'. E só no final da década de 50 se regressaria à b'adição historiográfica sus-
pragmática de 1684 e pela política económica definida pelo 3.' conde de Ericeira. tentada na obra de Francisco António Correia e de Lúcio de Azevedo,
Francisco António Correia considera pouco consistente a estrutura manu designadamente através da contribuição do ensaísta brasileiro Nelson W. Sodré
factureira portuguesa de inícios do século xvm, uma vez que as medidas protec- que argumenta que o tratado de Methuen, por si só, não poderá ser considerado
cionistas do conde de Ericeira eram insuficientes para dotar o sector industrial como factor explicativo da dependência portuguesa em relação à Inglaterra e da
de plena capacidade competitiva. Ao melhor estilo precocemente contra-factual, transferênciado ouro brasileiro para estepaís;s
interroga-se:
<(Poderemos
admitir a hipótese de que, mantendo-se a proibição para os pa-
NOVOS DESENVOLVIMENTOS HISTORIOGRÁFICOS
nos, a nossa indústria de tecelagem teria progredido de modo a assegurar-nos
uma independência das fábricas estrangeiras de lanifícios? Resta saber se, mes
mo em caso afirmativo, valeria a pena sacrificar os vinhos do Porto para obter A tesede FranciscoAntónio Correia antecipa a opinião elaboradae bem
essavantagem, que deveria afigurar-se muito duvidosa>>':. documentada por Jorre Borges de Macedo nos seus trabalhos sobre a indústria
l)e facto, tudo parece indicar que, por altura da assinatura do tratado de portuguesa no século xvm. Num texto sintético expressamente dedicado ao Tra-
Methuen, muito do esforço e empenho do conde de Ericeira tinha esmorecido e tado de MeLhuen;', Macedo contraria as interpretações unilaterais do tratado
soçobrado. A morte do conde em condições trágicas, em 1690, constituía uma cuja origem também faz remontar a D. Luís da Cunha e Alexandre de Gusmão.
espéciede sinal de reconhecimento da impotência e incapacidade para o país Para Macedo, a suposta superioridade e excelência dos vinhos portugueses, ra
enveredar por um rumo industrial. A presença de técnicos, mão-de-obra e equi- zão crucial para o acréscimo da sua procura no mercado inglês, estava longe de
pamentos estrangeirosnão era suficiente para garantir níveis de qualidade de poder ser comprovada. Contesta também a ideia de que o tratado pudesse, por si
fabrico que tornassem os produtos manufacturados portuguesescompetitivos só, influenciar a estagnaçãoda indústria no nosso país. Paradesmontareste
no próprio país. A não ser à custa de fortes medidas proteccionistas que desen argumento, coloca uma série de questões que viriam a revelar-se decisivas como
cadeavama compreensível fúria dos industriais e comerciantes ingleses. instl'umento de indagaçãoda história indusb'ial portuguesa, nomeadamenteno
A escassezde matéria-prima, as práticas de contrabando, as restrições políticas que se refere aos tipos e sectoresde indústria supostamente abrangidos, regiões
e religiosas à mobilização de capitais para aplicação produtiva, eram factores e grupos sociais afectados. Mesmo no sector directamente contemplado no tra-
adicionais que reforçavam as dificuldades do processo de industrialização tado, a conclusão de Borges de Macedo é a de que «tanto antes como depois do
poder ser conseguidocom êxito;:. Tratadode Methuen, continuou a existir indústria de lanifícios em Portugalcom
Francisco António Correia refuta as acusações do suborno praticado por John amplo e seguro coHSumo>>37
Methuen junto de algumas autoridades portuguesas,designadamente: Sebastião A sua explicação para a debilidade da indústria portuguesa no século xvm
de Magalhães(confessordo rei), Roque N4onteiroPaim (secretário de Estado), centra-seno papel do ouro do Brasil que, ao permitir saldo fácil da balançade
marquês do Alegrete (vedor da Fazenda e signatário do Tratado) e o duque de comércio, limitava as iniciativas de risco industrial. Em seu entender, a percep-
Cadaval, apesar de aceitar a ideia de que possam Ler recebido alguns presentes ção desta relação entre o ouro e o comércio externo havia na época sido compre
para captar as boas graças da cortei'. endida (ou pelo menos intuída) pelo cardeal da Mota, e pouco a nada valorizada
A verdadeira razão do sucesso de Methuen fica a dever-se à opção diplomá- por D. Luís da Cunha e Alexandre de Gusmão.Assim, da sua análiseparece
tica de alinhamento estratégico com a aliança inglesa-austríaca-holandesa con poder concluir-se que o Tratado de Methuen vem consagrar uma situação de
l O Tratado de Methuen Leitura e interpretação do Tratado de Methuen

facto, isto é, a incapacidade de arranque sustentado da industrialização portu- «A percepção de Methuen de que era essencial fazer boas ofertas a Portugal, assim
guesanos finais do século xvn, a qual viria depois a conhecer um paliativo de como a sua longa experiência portuguesa e a sua amizade com o rei, permitiram-lhe
regulação através da solução fácil do pagamento do deÚcft comercial com o ouro fazer assinaláveis progressos (...). Ele acreditava no suborno e no uso da força, mas os
brasileiro. Estados Gerais não Ihe asseguraram os recursos para garantir a realização de amea-
Noutro texto sintético", e em diferente contexto de discussão,Macedo ças ou promessas. Para alcançar uma atmosfera cordial, Methuen foi ajudado por
polemiza com as explicações simplistas dos processos de dependência e subde- Paul jfilho], que fez amigos entre a jovem nobreza e filhos de ministros, e pede assim
senvolvimento, cuja responsabilidade era atribuída à aliança inglesa e ao trata- coadjuvar a acção do pai)>"
do de 1703, sobretudo consagradas e popularizadas no já referido livro de Sandro
Sjderi A pressãopermanente e o acompanhamento político directo de John Methuen
ParaMacedo, o enquadramento político-diplomático da assinatura do trata- terão sido decisivos, em especial no período entre Setembro e Dezembro de 1702,
do é fundamental para explicar como ele constituía <<nãouma imposição de for- para fazer inflectir a neutralidade, resolver hesitações portuguesas e afastar a
ça, mas, muito mais, uma compensaçãoeconómicapara assegurara grande hipótese de uma aliança com a França. No difícil cenário diplomático da Guerra
viragem que Portugal acabava de dar, ao distanciar-se, com grande esforço, da de Sucessãode Espanha,John Methuen manifestou particular empenhoem
pressão franco-espanholas's. manusearargumentosde teor económicocomo meio de consolidar a aliança
A ideia que prevalece é a de que o tratado funcionava como instrumento estratégicacom Portugal. Prova disso reside no facto de um projecto inicial de
fiável na distribuição de vantagens, encargos e compensações. Deste modo, Por- acordo político (redigido por mão portuguesa no início do ano de 1703 mas con-
tugal e o Atlântico representavamum papelimportante na estratégiapolítico- siderado inaceitável pelos ingleses devido ao carácter excessivode exigências
comercial inglesa, mas também austríaca e holandesa. apresentadas)prever no seu articulado uma cláusula em que se estabeleciaque
Alguns dados sobre a economia portuguesa na primeira metade do século {(AInglaterra autorizará a importação de vinhos portugueses na Inglaterra e seus
xvm ajudam a compreender por que razão o tratado não foi assim tão nefasto, domínios a uma taxa alfandegária não superior à que é paga pelos vinhos france-
designadamentese for tido em atenção que os tecidos de lã são apenasuma ses,e Portugal autorizam'áa importação de tecidos ingleses>':
fracçãoreduzida do comércio inglês com Portugal,sobretudoimportante para a Esteé um primeiro sinal do teor do tratado comercial que só viria a ser Gele
obtenção no nosso país de bens alimentares, e que o vinho constitui a principal brado em Dezembro de 1703. A documentação analisada por Francis revela os
mercadoria para o comércio externo português, sendo a única em que as nossas interessesda Inglaterra em ter acessoprivilegiado ao mercado colonial portu-
vantagens poderiam ser ampliadas. guês,o que certamente seria facilitado pela celebração de um tratado de amiza
Uma parte substancial dos argumentosdesenvolvidos por JorgeBorgesde de e comércio. Essa era uma preocupação ventilada por John Methuen desde o
Macedo apoia-se na minuciosa evidência empírica trabalhada e discutida no início da sua missãodiplomática em Lisboa em 1691. Apesar de não existir evi-
livro e artigos preparatórios que A. D. Francis dedicou ao Tratado de Methuen, dência factual, nos ofícios e correspondência oficial de Methuen, de que alguma
seus antecedentes e consequências'o. Este é, sem sombra de dúvida, o trabalho vez tivesse discutido o problema da abolição das pragmáticas e as dificuldades
mais completo e rigoroso sobre a permanência dos Methuen em Portugal, base- de colocação de produtos manufacturados ingleses, o certo é que as instruções
ando-se em documentação inédita (sobretudo correspondência oficial e particu- dadasa D. Luís da Cunha, quando do seu estabelecimento em Londres em 1797
lar) até então nunca estudada de forma sistemática. dão conta de alguns esforços de MeLhuen com vista à alteração das relações
Com efeito, o estudo de Francis permite compreender o percurso de John bilaterais em matéria comercial':. Ou seja, o papel directo que John Methuen
Methuen desde a primeira fase da sua nomeaçãocomo embaixadorem Lisboa, desempenhou nos meses finais de 1703 correspondia de algum modo ao teor de
entre 1691 e 1696, e a influência que logrou exercer junto de figuras proeminen- iniciativas mais antigas em que o desejadofortalecimento da amizade luso-bri
tes na corte de D. Pedro ll (tais como o duque de Cadaval, o marquês do Alegrete tânica era seladopor compromissos de aceitaçãode mútuas contrapartidas co-
e o confessor Sebastião de Magalhães), para além do acessodirecto e fácil junto meFcidis44
do monarca português. A continuidade da sua acção foi garantida pelo seu filho Uma das questõesmais controversas na reconstituição e interpretação dos
PaulMethuen entre 1697 e 1702, um período importante para a gestãoda neu- acontecimentos que ocorreram no curto período que antecedeu a feitura e assi-
tralidade portuguesa na cena diplomática internacional. Mas foi de novo John natura do tratado, refere-seao modo célere com que tudo se passou,ficando a
Methuen quem se estabeleceuem Lisboa a partir de Maio de 1702, desempe pairar o rumor que algumas influências terão sido movidas a troco de benefícios
nhando um papel crucial na negociaçãodo realinhamento político português nunca comprovados. O estudo minucioso de Francis permite concluir que
com aspotências da Grande Aliança. Conforme sintetizou Francês: D. Pedro ll revelou a sua concordância de princípio quando soube do projecto
O Tratado de Meta uen Leitura e interpretação do Tratado de Meta uen 27

elaborado por John Methuen e que despachou o assunto para o marquês de Ale- de documentaçãoconstitui indício da eliminação de provas relevantes apenas
grete que, por sua vez, terá feito saber que tinha dado ordens a D. Luís da Cunha serve para contentar espíritos especulativos pouco interessados no rigor da prova.
para prosseguir em Londres as negociaçõesde acordo com essaorientação geral No entanto, não custa admitir que se tivessem verificado, neste caso, algumas
de concordância com o articulado que viria a ser subscrito por ambas as partes. práticas de conforto diplomático indispensáveis ao bom relacionamento entre
Sabe-se,no entanto, que D. Luís da Cunha nada fez em Londres nesse período e agentes decisores.
que só veio a saber do assunto quando o tratado já tinha sido assinado. O modo Os autores portugueses que habitualmente são considerados como princi-
como o diplomata português se referiu a este episódio, assim como a intensa pais inspiradores de uma oposição ao tratado de Methuen (D. Luís da Cunha e
propaganda francesa contra os supostos benefícios do tratado para Portugal, cons- Pombal) tiveram clara consciência da delicadeza da situação política e acaba
tituem as principais fontes da intriga em torno da questão de saber se houve ram por aceitar a inevitabilidade dos acordos celebrados.
prática de suborno a anteceder a assinatura. A utilização facciosa dos seus testemunhos está na origem de uma interpre-
Os documentos estudados por Francis permitem concluir que John Methuen tação propícia à consideração do Tratado de Methuen como embuste diplomáti-
gastou algumas somas para pagamento de serviços secretos antes e depois da co e político com gravesconsequênciaseconómicas. Apesar disso, a historiografia
assinatura do tratado, no montante aproximado de 9000 libras. E também sabido portuguesa tem revelado suficiente maturidade para demonstrar que o tratado
que durante a fase final da preparação do tratado ocorreu o matrimónio entre o não foi, nem nunca poderia ter sido, um estigma inultrapassável, o pecado origi-
filho do marquês do Alegrete e a filha do duque de Cadaval, sendo provável que nal do desenvolvimento industrial português.
o presente de casamento dado por John Methuen não tenha sido meramente Mais importante do que saber se a indústria estagnou como consequência do
simbólico': . No entanto, tais actosconstituíam prática diplomática corrente na tratado é perguntar se haveria condições estruturais sólidas para um desenvolvi-
época e não existem provas documentais ou quaisquer registos comprometedo- mento industrial mais acentuadodo que aquele que na prática se verificou.
res para o rei ou seus principais validos. Ou se teriam os vinhos portugueseslogrado conquistar uma posição de relevo
no mercado inglês, se tal não tivesse sido expressamente regulado pelo Tratado.
As respostas a estas questões não estão na agenda deste ensaio, mas serão certa-
NOTAS CONCLUSI\US mente esclarecidas noutros contributos deste livro.
Apesar de não se referir expressamente aos termos do Tratado de Methuen, o
No ano de 1703 Portugalcelebroudois tratadosinternacionaisde grande economista clássico inglês David Ricardo acabou por servir-se dele como pre-
significado. O primeiro consistiu no compromisso de aliança ofensiva e defensi- texto para demonstrar asvantagensde uma especializaçãoprodutiva com base
va com a Grande Aliança constituída pela Inglaterra, Holanda e Áustria contra num sistema de vantagens comparativas. O seu modelo de comércio internacio-
as pretensões francesas na Guerra de Sucessão de Espanha. O segundo foi o nal é exemplificado com dois países(Portugal e Inglaterra) que entre si trocam
tratado comercial com a Inglaterra, celebrizado com o nome do embaixador in- dois produtos (vinho e tecidos). Algo paradoxalmente, um tratado de teor
glês que negociou as respectivas cláusulas. mercantilista, destinado a regular interesses convergentes entre homens de cor-
Os dois tratados de 1703 correspondem ao desfecho natural de um processo te e de negócio, acaba por servir os propósitos e os argumentos de um sistema de
de alinhamento diplomático com custos elevados para Portugal, devido às amea- /aissez-paire nas relações económicas à escala internacional.
ças à soberania nacional provenientes do eixo franco-espanhol. O preço a pagar
pela-defesa da soberania assegurada pelas potências da Grande Aliança, e em
particular pela InglaLerra,tinha um inevitável significado económico.
As vantagens garantidas aos ingleses na colocação de lanifícios não consti-
tuíam novidade ou alteração substancial dos acordos e privilégios comerciais já
estabelecidosnoutros tratados firmados pelos dois países(designadamenteos
tratados de 1642 e 16541.Porém, tais vantagens não podem ser apenasconcebi-
das como benefício para uma das partes. Para além da segurançapolítica no
complicado cenário internacional, Portugal beneficiava também da criação de
condições favoráveis de incentivo à produção e exportação dos seus vinhos.
O agitado fantasma do suborno que supostamente terá antecedido a assina-
tura do tratado não tem comprovação documental. A suspeita de que a ausência

l
O Trcltado de Meta uen Leitura e interpretação do Tratado de Methuen

NOTAS 1972. Para uma discussão geral desta problemática cf. Minam Halpern Pereira, <<1)ecadêncial> ou
subdesenvolvimento: uma reinterpreatação das suas origens no caso português, in Po/éticae Econo-
Parauma abordagemsintética das doutrinas e políticas económicasde caráctermercantilista, mia. Fo#uga/ nos sécu/os xm e .xx. Lisboa: Livros Horizonte, 1979, pp. 50-72
assim como da diversidade de interpretações que têm suscitado na historiografia do pensamento 25Jogo Lúcio de Azevedo, E»ocas de PoHuga/Eco/IÓJl?ico.Esboços de líísfóHa. Lisboa: Livraria
económico, cf. Lars Magnusson, À4ercantfJfsm.Tbe Sbaping otan Economfc l anguage. London and Clássica Editora, 1928
New York; Routledge, 1994. Um bom e recente exemplo da continuidade e actualização de estudos ?6Íbjd. PP. 400-401
de casos nacionais relativos ao mercanLilismoé dado por Andrea FinkelsLein,Harnlony and üe 27Luís peixeira de Sampaio,Paraa história do Tratado de Methuen. O Insfifufo, 1928,Vo1.76,
Balance.An Inteilectua! History ofSeventeenth-Century EnglishEconomic'fhought. Ann Aibot: The n.' l (reeditado in Estudos HJsfóHcos.Lisboa: Ministério dos Negócios Estrangeiros, 1984, pp. 125-141
University of Michigan Press, 2000. 28/bjd., P. 134
: Veja-se a transcrição deste discurso fn A. D. Francês, The À/eíbuens and Po#uga], í69]-]708. 29Francisco António Correia, O Tratado de Methwen. Separarada f?evlsfa do Instlfuto Superior
Cambridge: Cambridge University Press, 1966, pp. 354-355 de Conlércjo de l.ísboa, 1930, n.o XXIV
3Adam Smith, .'ln /nqulry IBID [be Nafure and Causei oÍ üe Wea/ü oÍNa]ions. 1776 (G]asgow " José F Borges de Castra, Co/acção dos Tufados, Convenções, Corlü'alas e Actos Púb/ecos Ce/e-
Edition, Oxford: Oxford University Press,1976),Livro IV. cap. VI. irados entre a Coroa de Poaugal e as mais Potências desde ] 640 até ao Presente.l.isboa: \mprensa
4/bjd. p. 74. Nacional, 1856, Tomo 1, p. 201
P. 81 11Francisco António Correia, of). cít., p. 26.
6 /bjd., P. 76. 32Cf., Carl A. Hanson, Ecor]omfae Sociedadeno Rodara/ Barroco, ] 668-] 703. Lisboa:Publica-
/bfd., P.80. ções D. Quixote, 1986, pp. 287-300
8 Friedrich List, Sysfê/ne NaÍJona/ d'Écon0/77ie Po/clique. Paris; Gallimard, 1998, p. 174. (1.' ed. 3; Estaquestão da presumível prática de suborno é tão aliciante como impossível de demonstrar.
alemã; 1841). Mas sempre que se aborda o problema dos interesses privados implicados na assinatura do tratado,
Sir Philip Francês,[Fina[ note to] Letter on the Jea]ousyof Commerceby Monsieur De Pinto. ocorre implicitamente sugerir que estamos diante de um acto público que não ignora prerrogativas
/n lsaac de Pinto, Essas on Cfrcu/afia/] and Credlt. London: J. Ridley, 1774, pp. 241-242. Por razões de alguns participantes directos nas negociações. É nesta linha de interpretação que se inscreve o
políticas, Sir Philip Francês,autor da tradução e anotações à edição inglesa deste livro de lsaac de argumento de Magalhães Godinho segundo o qual, por detrás de Methuen estariam os interesses dos
Pinto, fez substituir o seu nome pelo de um seu familiar que surge no frontispício da obra, o Reveren- proprietários portugueses de vinhas, subscritores directos do tratado, ou seja,o marquês do Alegrete
do S. Baggs.Este detalhe é relatado e explicado por Richard H. Popkin, lsaac de Pinto's criticism of e o duque de Cadaval. Cf. Vitorino MagalhãesGodinho. As frotas do açúcar e as frotas do ouro, in
Mandeville and cume on luxury, Studies o/} Uo/paireand fhe Eighfeenü Cenfury. 1976, Vol. CLIP À4ffoe À4ercadoría, t/copia e Prática de /Vavegac Sécu/osmi/-xvli/. Lisboa; Direi, 1990, pp. 477-495.
P.1712 " Cf. A. A. Santos Júnior, Antecedentes históricos do Tratado de Methuen. Separarade Econo-
o/bjd.,p. 241 mia e /ifnanças. .'mais do /SCEF, 1933, Vol. 1, n.o l
n D. Luís da Cunha. ZestamenfoPo/ífícoou Cada Escuta ao Senhorãei D. /osé /.Antes do Seu 35Cf. Nelson Werdeck Sodré. O Zrafado de À/eüuen. Rio de Janeiro: Instituto Superior de Estu
Governo (1748). Lisboa; Impressão Régia, 1820, p. 38 dos Brasileiros, 1957
]2 Ofício de 19-10-1697, in D. Luís da Cunha. /nsD'raçõespo/ítlcas a Marco .'lntónio de .'lzevedo ;' JorgeBorgas de Macedo, O Tratado de Methuen. /n Joel Serrão (ed.), Dicionário de HJstóHa de
CoulinÀo (1736). Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugue Po#uga/. Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1966, Tomo 111,pp. 48-55
37 ibid P. 53
ses, 2001 (edição e introdução de Abílio Diniz Silva), p. 39. /hj

Cf. ]sabe] C]uny, D. Z,uís da Cunha e a /dela de ]))p/onlacia eln Poituga]. Lisboa: Livros Hori- '' JorgeBorgesde Macedo, Diplomacia, agricultura e comércio transitário: factores subalternizados
zonte, 1999, pp. 60-62. no estudo do Tratado de Methuen. In Nova Economia ein PoHuga/. Estudos elll Homenagem a Ántónio
Ofício de l O-11-1697,in D. Luís da Cunha, /nsü'raçõespo/ífícas a À4arco.'lnfónio de Azevedo À4anue/ Pínfo garbosa. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 1989, pp. 75-93
Cot/tIMão [1736). Lisboa: Comissão Naciona] para as Comemorações dos Descobrimentos Portugue- /h]
:'ibid P. 77
ses, 2001 (edição e introdução de Abílío Diniz SiivaJ, p. 216, nota 92. 40A. D. Francês, Tbe À4eüuens andPoitugaJ, ] 69]-] 708. Cambridge: Cambridge University Press,
15/bjd., pp. 295-296 IQRR

n /bjd., P. 297 n /bíd.,p.lzo


n D. Luas da Cunha, Tradução e Pnra#irasi dos 7}afados de ;bz e Comércio, fn lsabel Cluny, 4zJbjd., P. 195
OP.cjf., P. 47). 4:1/b.íd., pp. 187-192
8 D. Luís da Cunha, Insü'raçõesPo/éticas(...), p. 276. ql Convirá ter presente que Methuen não agia apenasem nome da causa pública inglesa. Os seus
Sebastião Joséde Carvalho e Meio, Escr]fos Econón]fcos de ].ondres, ] 74]-] 742. Lisboa: Biblio- próprios intereses particulares e familiares estavam a ser jogados com o tratado, uma vez que um seu
teca Nacional, 1986 [introdução e edição de José Barreto) irmão era produtor de tecidos em Inglaterra, em Bradford-on-Avon, um seu genro (Humphrey
zo/b.íd., p. 5. Simpson) era importador de vinhos e ele próprio, John Methuen, se dedicava à produção de vinho
Sebastião José de Carvalho e Meio, Bnrecer sobre um pro/acto de tratado de comércio colll a em Portugal (cf. Francês,op. cft., p. 204)
Espanta [1750), publicado por Luís Ferrandde A]meida, nmZS, 1981,n.' 8. 45/bjd., p. 202.
z:ibid., p. lll
23/bfd., p. 131
2- Cf. Sandro Sideri, Traje an(i Poder. Injorllla/ Co/orgia/is/llfn .'lng/o-Poauguesef?e/atlons
Rotterdam: Rotterdam University Press, 1970. A tradução desta obra (C07]ércíoe Poder; Co/onialfsmo
/njor177a/nas ne/anões ''lng/o-Pode/guesas. Lisboa; Cosmos, 1978) coil heceu impacto significativo no
ambiente universitário português da década de 80. Posição semelhante à de Sideri viria a ser susten-
tada, ainda que de forma independente e autónoma, na antologia organizada por Armando Castão,
Á l)oillinação Ing/esa eJll Po#uga/ (CoJn 3 sextos do Sécu/o mx em .{rlfo/ogíaJ. Porto; Afrontamento,
Da Restauração a Methuen: ruptura e continuidade

Leoa or Freire Costa

Sebastião José de Carvalho e Meio, num dos seus escritos produzidos en


quanto ministro plenipotenciário em Londres (c. 1741), avaliou a herança dci
século xvn nas relações entre Portugal e a Inglaterra'. As transacções entre os
dois reinos, espartilhadas num monopólio de jacto inglês, resultariam de um
quadro legal seiscentistapromulgado no contexto da acesarivalidade anglo
.neerlandesa.ParaClarvalho e Meio, os Actos de Navegação, mais do que o trata-
do comercial assinado em 27 de Dezembro de 1703, explicavam o triunfo da
organização mercantil inglesa e, por conseguinte, a debilidade dos agentes por
tugueses.SÓmais tarde, já no governo, consideraria o marquês de Pombal os
efeitosdos acordos intergovernamentais.Não porque presumissepoder alterar
os alinhamentos diplomáticos fixados em 1703. Antes porque entendeu
minimizar o ascendente inglês nas relações externas de Portugal. Na prossecu
ção deste objectivo, preocupou-se com o incumprimento do artigo XV do tratado
de aliança defensiva assinado a 16 de Maio de 1703, que consagrava a reciproci-
dade dos privilégios comerciais concedidos por Portugal aos seus aliados ingle
ses e holandeses'. Além disso, o ministro tratou de modificar o espírito do tratado
de 1654. Por um lado, condicionou a margem de manobra do cônsul-geral nas
avaliaçõesda alfândega,ao impor a presençado Juiz Conservador,oficial portu-
guês de nomeação regia. Por outro, interditou os comissários ambulantes no trá
fico luso-brasileiro, na presunção de que encobriam interessesingleses na
colónias
A historiografia atendeu a esta longevidade da conjuntura diplomática da
Restauração, atribuindo, por isso, menor importância aos possíveis elementos
de ruptura trazidos por Methuen. Esqueça-sea corrente politicamente compro-
metida com o EstadoNovo que, ao sublinhar os traços de continuidade entre
1640 e 1703, atribuía à Inglaterra o lugar, único, do <<aliado naturab> na constela-
ção de poderes da segunda metade do século xvu4. Outras abordagens, mais re-
centes,preferiram atender ao comportamento das exportaçõesde vinho e à
manifesta potencialidade do mercado inglês, antes do acordo comercial de
Methuens . A especialização produtiva, que transformaria Portugal num expor-
tador de vinho com consumo na Europa, não resultaria, portanto, das vantagens
fiscais obtidas em 1703relativamente ao produto francês, as quais apenasterão

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