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1_ Recordando uma discussão ros, ora para afirmar, ora para negar sua
já antiga: o impacto de Methuen influência sobre os rumos e as caracterís-
sobre o desenvolvimento ticas da história econômica de Portugal e
econômico português do seu império.
Na verdade, o Tratado de Methu-
Não é intenção nossa refazermos aqui o
en foi objeto de críticas e debates desde o
longo itinerário historiográfico das dis-
dia seguinte à sua assinatura, tanto na
cussões e interpretações a respeito do
Inglaterra quanto em Portugal. Tais polê-
Tratado de Methuen (dezembro de 1703).
micas intensificaram-se durante o século
Trata-se apenas de mencionar algumas
XIX e entraram pelo século XX, caben-
obras e autores que possam exemplifi-
do então ao historiador João Lucio de
car em termos contemporâneos a per-
Azevedo, ao escrever, nos anos 20 do sé-
manência dos debates sobre a dependência
culo passado, seu conhecido livro Épocas
inglesa e o papel aí desempenhado pelo
de Portugal Econômico, dar ao VII e último
referido tratado.
capítulo da referida obra o título bastante
O Tratado de Methuen, ou, me-
significativo de “No signo de Methuen”.
lhor dizendo, os tratados firmados em
João Lucio, tal como outros autores an-
1703 entre Portugal e Inglaterra (além da
tes ou depois, associou as cláusulas co-
Holanda, no caso do primeiro tratado)
merciais de Methuen – seus prós e con-
resultaram dos problemas trazidos para a
tras – à nova conjuntura resultante da
política externa portuguesa pela questão chegada do ouro brasileiro:
da sucessão da coroa espanhola, após a
morte de Carlos II. O oiro das minas, que através da Inglater-
Entre nós, foi provavelmente Fer- ra se espalhava pela Europa, preenchia
nando Novais quem melhor examinou as a diferença (o déficit comercial) (Azevedo,
1947, p. 405).
circunstâncias político-diplomáticas e os
problemas econômicos que levaram Por- Esse tipo de associação – entre as
tugal a ceder às pressões anglo-holande- cláusulas de Methuen e o afluxo aurífero
sas e tomar partido contra a França e a das minas do Brasil – estava destinado
Espanha (Novais, 1979, p. 22-31). Antes a uma longa existência, conforme aí se
e após a tese de Novais, no entanto, a alu- punha em relevo uma série de conse-
são ao Tratado de Methuen é uma cons- qüências econômicas decisivas atribuídas
tante entre os historiadores luso-brasilei- àquele afluxo: sua importância para a
zante, hostil à Grã-Bretanha, como fez primeiro deles, ou seja, o das relações eco-
Kenneth Maxwell, parece-nos um pouco nômicas anglo-lusitanas, assim como, em ca-
exagerada e um tanto anacrônica (Fal- ráter complementar, o sétimo e último,
con, 1982; Maxwell, 1968). Conforme relativo ao material produzido após 1777.
destacamos naquele nosso trabalho, de Inclui-se no primeiro grupo uma grande
acordo aliás com outros historiadores tan- variedade de textos, em geral produzidos
to portugueses como brasileiros, é neces- por Carvalho e Melo, correspondentes ao
sário relativizar bastante a interpretação período de 1738 até 1777. O que unifica
do sentido das idéias e práticas pomba- ou confere sentido a essa variedade de
linas concernentes às relações anglo-lu- textos é a permanente contradição que
sitanas, pois, na verdade, elas atendem neles se observa entre a antiga aliança in-
a exigências político-econômicas bastan- glesa e o crescente choque de interesses
te contraditórias. econômicos entre Portugal e Inglaterra.
Os textos produzidos por Sebas- Do ângulo que aqui mais nos inte-
tião José de Carvalho e Melo constituem ressa – as formulações mais tipicamente
uma documentação extremamente rica econômicas – os textos selecionados foram
e que nos oferece uma visão bastante reunidos em fases ou etapas cronologica-
ampla de toda uma constelação de pro- mente sucessivas, ao mesmo tempo em
blemas em relação aos quais o futuro que buscamos selecionar, no âmbito de
Marquês de Pombal foi levado a se mani- cada uma delas, aqueles documentos que
festar mesmo antes de chegar ao poder. consideramos como os mais representa-
Cronologicamente, tais textos abran- tivos das idéias econômicas, ou político-
gem o período situado entre 1738-1739 e econômicas, de Pombal. Teríamos então
as seguintes fases:
1777-1782, isto é, desde a chegada de
Carvalho e Melo a Londres, em outubro a. Londres (1738-1742) e Viena
de 1738, até o período que se seguiu (1745-1749);
à sua demissão, em 1777, quando escre- b. os primeiros anos da governação:
veu suas Inspeções e Apologias, a fim de de- 1750-1762;
fender-se dos ataques e das acusações c. a governação entre 1762 e 1774;
de seus inimigos. d. apogeu e crise da governação –
Entre os sete grupos em que clas- 1775-1777;
sificamos os textos pombalinos (Falcon, e. queda e exílio em Pombal –
1982, p. 280-281), interessa-nos aqui o 1777-1782.
2.1_ A primeira fase – Londres cadores ingleses nos portos do Brasil e que em
(1738-1742) e Viena (1745-1749) Inglaterra é hoje impraticável a redução da tarifa
Destaca-se nesse período a correspon- da Alfândega aos termos artigo secreto de 1654.
dência diplomática londrina, na qual Car- Acrescente-se, ainda, que, em uma
valho e Melo registra minuciosamente suas das cópias dos Gravames, consta “Feito
conversações com os ministros ingleses, no ano de 1740 em Londres”, enquanto
assim como os rumores mais diversos que a Exposição dos Fundamentos tem a data
acerca de ameaças aos interesses portu- de 6 de janeiro de 1741. José Barreto, em
gueses na América e na Índia. Queixas e 1986, publicou, em edição da Biblioteca
reivindicações expostas em longas expo- Nacional (de Lisboa) uma coletânea dos
sições misturam-se às elucubrações do Escritos Econômicos de Londres (1741-1742),
enviado de D. João V acerca das reais ou de Sebastião José de Carvalho e Melo, da
supostas maquinações britânicas contra os qual constam várias cartas de oficio e
legítimos interesses e aos direitos de Portugal. particulares dirigidas por Carvalho e Me-
Selecionamos aqui, como dos mais lo a Marco Antonio de Azevedo Couti-
representativos, dois textos constantes do nho e ao Cardeal da Mota. A Relação dos
Códice 635 da Coleção Pombalina da Bi- Gravames está anexada à carta de oficio
blioteca Nacional de Lisboa (fls. 236-274): dirigida a Marco Antonio de Azevedo
a Relação dos Gravames que ao Comércio e Vas- Coutinho, em 2 de janeiro de 1741 (Car-
salos de Portugal se tem inferido e estão atualmente valho e Melo, 1986, p. 33-95).1 1 A Relação dos Gravames...
inferindo por Inglaterra com as infrações que dos Podemos acrescentar a esses dois e a Exposição dos fundamentos...
pactos recíprocos se tem feito por este Segundo Rei- aparecem em vários
textos polêmicos alguns dos temas abor- manuscritos, os mais antigos
no; assim nos atos do Parlamento que publicou, co- dados por Carvalho e Melo em sua cor- em versões integrais e,
mo nos costumes que estabeleceu; e nos outros diver- respondência com Azevedo Coutinho os mais recentes, sob o título
sos meios de que se serviu para fraudar os Tratados de Substancia dos gravames...
e com o Cardeal da Mota, tais como: a
Após compará-los,
do Comércio entre as Duas Nações. desconfiança em relação às verdadeiras resolvemos reuni-los
Vem em segundo lugar, a Exposi- intenções e aos planos da Inglaterra em conforme a seguinte ordem:
ção dos Fundamentos porque El Rei N. S. se relação às disputas luso-espanholas em BNL (Biblioteca Nacional de
acha hoje desobrigado da observância dos artigos, Lisboa), Códice 635,
torno da Colônia do Sacramento; as sus-
fls. 216-231 e 236-274; Códice
a saber 11º do Tratado de 1654 e 11º e 13º do peitas nutridas pelo enviado português 687, fls. 275-282; F.G. (Fundo
Tratado de 1661, que permitem os navios e mer- em relação à fidelidade dos cristãos-no- Geral) 10.513 e 10.514.
aquelas que, no seu próprio entendimen- lor intrínseco. Contra o que pa-
to, constituem as Máximas gerais do comér- rece à primeira vista, se prova
cio que formam o espírito da Nação Inglesa: esta Máxima por muitas razões
que são demonstrativas;
1. não é a quantidade absoluta senão
5. toda Nação deve procurar no co-
a respectiva (relativa) que decide
mércio que faz receber os gêneros
das riquezas e das forças de qual-
alheios em materiais indigestos
quer Nação;
e crus e transportar os próprios
2. entre dois Estados que têm uma
para os introduzir nos domínios
Balança desigual no negócio re-
estranhos depois de serem digeri-
cíproco, se considera que aquele
dos e beneficiados pelas manufa-
de cuja parte está a diminuição fa-
turas. São muitas as razões e inte-
ria um notório interesse quando
resses que provam esta Máxima;
anualmente lançasse ao mar em
6. sendo tão grandes os interesses do
ouro um peso competente à pro-
comércio com os estrangeiros,
porção da vantagem ou da maioria
são ainda maiores os seus lucros
que sobre ele ganha o outro Esta-
quando ele se faz para as pró-
do com quem faz o comércio;
prias colônias. Não só é este o
3. o puro ganho que pode provir de
comércio mais útil mas também
qualquer Ramo do comércio não
o menos arriscado.2
é o único objeto de quem nele
trafica. Principal ou juntamente se Depois de haver assim decifrado
deve atender à navegação que o os princípios que norteiam a política bri-
mesmo comércio pode ocasionar. tânica, Carvalho e Melo passa a analisar
E com grande razão porque a na- os impedimentos e os prejuízos causados aos
vegação mercantil é a fonte de on- portugueses e que constituem a própria
de derivam as riquezas dos povos; essência dos Gravames.
4. ensina pela experiência com um Os impedimentos consistiam em ve-
aparente paradoxo que o comér- xações e discriminações impostas pelos
cio de mercadorias grosseiras e ingleses aos navios, mercadorias, mari-
volumosas é mais vantajoso a um nheiros e comerciantes lusos que aporta- 2 BNL, Códice 635,
Estado do que o dos gêneros vam à Inglaterra, ou que de seus portos fls. 216-231 e 236-274; Códice
mais finos e preciosos no seu va- tentavam extrair algum produto – o que 687, fls. 275-282.
tornava impossível a utilização de barcos ses e irem estes por conta dos comissários
portugueses no tráfico com os portos ingleses debaixo dos navios emprestados,
britânicos, donde se conclui que: com o que perdemos ali a parte do comércio
que sempre nos tratados se reservou precí-
A falta de nossa navegação, ou impossibi- pua a respeito dos vassalos deste Reino.3
lidade que para ela constituíram os impe-
dimentos acima referidos, foi a verdadei- A exposição dos fundamentos dá se-
ra causa da ruína do nosso comércio e não qüência ao discurso dos gravames, adu-
somente o Tratado de 27 de dezembro de zindo, porém, novos argumentos. Em
1703, causando aquela impossibilidade primeiro lugar, há as circunstâncias que
gravíssimos e essenciais prejuízos à Coroa comandaram a assinatura dos já referidos
e aos particulares deste Reino. tratados com a Inglaterra – na verdade,
A seguir, são expostos em seqüên- extorquidos à fraqueza e à necessidade
completas em que se achava mergulhada
cia numérica os referidos prejuízos, os
a nação portuguesa –, tanto assim que,
quais poderíamos assim sintetizar: os co-
com o passar do tempo, foram os mes-
missários levaram para fora do Reino o
mos ingleses percebendo a exorbitância
ouro que resultou dos seus ganhos à cus-
daquelas convenções e não quiseram exi-
ta dos comerciantes e armadores lusos,
gir o seu cumprimento, mesmo porque,
na medida em que eles se apropriaram
também caberia aos portugueses, pelo
dos fretes e seguros, obtiveram lucros
Tratado de 1703, exigir acesso à América
como fornecedores e também como
inglesa. O comportamento inglês não se-
compradores dos produtos locais, finan-
ria fruto apenas da eqüidade, mas tam-
ciando assim e dominando a produção
bém da conveniência política, já que não
agrícola, impedindo por todos os meios
desejavam perder o seu tradicional ami-
a construção de navios em Portugal, e,
go e aliado; por razões muito parecidas,
em suma, especulando tanto em Lisboa
aliás, Portugal teria rejeitado as ofertas
quanto em Londres com o sacrifício da de alianças feitas pela França e pela Es-
pobreza dos lavradores e comerciantes panha. Argumenta, ainda, o mesmo dis-
nacionais, com reflexos até mesmo no curso com o fato de terem mudado as
tráfico da metrópole com as colônias. circunstâncias que haviam levado aos re-
13° prejuízo: Faltaram por aqueles prin- feridos tratados, uma vez que, com as
cípios os frutos que deviam ir passar ao descobertas de ouro e diamante no Bra-
3 BNL, Cód. 635, fls. 236-274. Brasil por conta dos lavradores portugue- sil, mudaram também as bases do co-
passado em Lisboa sobre a insistência de alguns conservar mas estreitar a amizade entre
negociantes ingleses e holandeses que de acordo Mim e El Rei Britânico”, sem perder de
com outros portugueses pretenderam em diferen- vista que o interesse inglês é maior pelo fa-
tes ocasiões fazer na mesma cidade um violento to de gozarem os seus negociantes gran-
monopólio do Pão (1753).8 des privilégios em Portugal e que sem eles
A fim de melhor ilustrarmos a si- “padeceria grande quebra o comércio e o
tuação em que se achavam então as re- conceito publico da Nação Inglesa”.
lações com a Inglaterra, selecionamos Em nota escrita à margem do do-
aqui dois documentos muito significati- cumento, o próprio Carvalho e Melo
vos: a Instrução para D. Luiz da Cunha recomenda que o enviado fique muito
(Manuel) que partiu para Londres9 e as Me- atento ao que se passa no Parlamento de
mórias Secretíssimas para o Ministério de Lon- Londres a respeito do que ali procurarem
dres,10 sendo ambos os textos datados de inovar ou tiverem inovado em prejuízo
12 de agosto de 1752. do comércio desses Reinos e dos vassa-
A Instrução para D. Luiz da Cunha los deles. No entanto, logo a seguir, vem
Manuel arrola alguns princípios gerais, ti- uma observação taxativa:
picamente mercantilistas, acoplados a di- Deveis saber que a Aliança entre esta Co-
versas considerações e recomendações roa e a da Inglaterra é tão antiga como
respeitantes às relações entre Portugal natural e que se acha firmada pelo Trata-
e Inglaterra. Ao primeiro tipo pertence, do da Grande Aliança do ano de 1703,
pelo qual se estipulou uma liga perpétua
por exemplo, a seguinte máxima:
que se acha na sua observância.
Sendo certo que a Balança do Comércio é a As memórias secretíssimas para o Mi-
que hoje regula a Balança do poder da Eu- nistério de Londres seguem o mesmo ca-
ropa; e que do individual conhecimento do
minho tortuoso, aparentemente contra-
estado do comércio de cada potência depen-
ditório, da Instrução acima: oficialmente,
de a justa estimação que se pode fazer de
deve-se persuadir aos ingleses que Portu-
suas forças presentes e empresas futuras;
gal deseja conservar sua amizade e alian-
aplicareis um especial cuidado em averi- 8 BNL, Seção Pombalina,
ça, dada a existência de interesses recí- Códice 639.
guar e me informareis por vias particulares.
procos; em segredo, porém, Carvalho e 9 BNL, Seção Pombalina,
Ao segundo grupo acima mencio- Melo aponta a verdadeira natureza da Cód. 610, fls. 74-77.
nado correspondem algumas recomenda- política inglesa e, a seguir, indica os remé- 10 BNL, Seção Pombalina,
ções interessantes: o enviado deve “não só dios mais adequados. Cód. 610, fls. 78-97.
total isenção.11 sões na região do Prata, levando Pombal Cód. 610, fls,78, 80, 91, 93 e 95.
alterada, uma vez que as companhias a mesmo Comércio, ou não tinha nascido, ou
reduziriam ao par, fazendo cessar prova- se achava quase inteiramente arruinado.
velmente as exportações de ouro para a Continuando, o documento con-
Inglaterra; enfim, tinha-se como provável clui que a alegação era inverídica e, ainda,
que a elevação dos preços das mercado- se as companhias não tinham acionistas
rias importadas pelas companhias para as ingleses, foi por culpa do desinteresse
colônias far-se-ia acompanhar de um au- dos próprios vassalos britânicos, uma
mento equivalente dos produtos coloniais, vez que elas não os excluíram da sua ins-
em detrimento dos lucros dos ingleses. tituição (Carvalho e Melo, 1823, tomo
Convém aqui lembrar, talvez como III, p. 192 et seq.).
simples curiosidade, que foram os ingle- Em 1767, uma enxurrada de pan-
ses que nesse documento fizeram refe- fletos que eram autênticos libelos foram
rência a uma suposta intenção pombalina publicados pela Bolsa de Londres contra
de criar ainda mais duas companhias de a política econômica pombalina, tendo
comércio, uma para a Bahia e outra para um deles um título muito sugestivo: Pen-
o Rio de Janeiro, alegação essa não com- samentos ocasionais sobre o comércio português e
provada através de fontes lusas. Aliás, o a inexperiência de conservar a Casa de Bragança
contrário parece ser muito mais exato, no trono de Portugal, com uma completa discus-
visto que, em 1769, nas respostas às 24 são da perniciosa natureza de algumas novas leis
queixas do governo inglês, a 8ª delas, con- Pragmáticas concernentes ao comércio moderna-
tra as companhias do Grão Pará e Ma- mente feitas neste Reino.14
ranhão e de Pernambuco e Paraíba, que Em 1768, foi publicado em Lon-
teriam provocado um endividamento ge- dres, no London Chronicle, um artigo inti-
ral, tanto de portugueses quanto de ingle- tulado O presente estado da nação britânica,15
ses, teve a seguinte resposta: no qual o autor destaca o declínio do co-
mércio com Portugal, declínio esse que é
[...] é fato notório que a Corte de Lisboa
atribuído às medidas econômicas lusas,
não teve alguma intenção de esterilizar ou
diminuir o comércio com o estabelecimento prejudiciais aos comerciantes britânicos,
14 Academia das Ciências
das companhias, pois, não as formou para o que estaria a exigir prontas providên-
de Lisboa, Ms. 167,
a Bahia e o Rio de Janeiro onde o mesmo cias do governo inglês. Série Vermelha.
comércio estava florescente para o comum Em 1769, provavelmente, foram 15 BNL, Códice 636, fls.
benefício; mas sim para os Países onde o redigidas as Respostas que o Marquês de 57v-62v.
que existia nas áreas abrangidas pelas por ocasião da chegada a Lisboa de Ro-
companhias já instituídas, e a melhor bert Walpole, como embaixador extra-
prova dessa afirmativa foi a supressão ordinário. No entanto, o motivo ostensivo
das frotas e a declaração do comércio li- de tal visita foi a disputa dos exportado-
vre para os vassalos de S. M. entre aque- res de vinhos do Porto, ingleses em mai-
les lugares e o Reino. oria, com a Cia. Geral da Agricultura das
Finalmente, a questão dos chama- Vinhas do Alto Douro acusada de práti-
dos comissários volantes. A proibição de co- cas nocivas ou discriminatórias em rela-
missários particulares, ou volantes, irem nas ção aos interesses do comércio britânico
frotas para o Brasil, tida pelos ingleses co- – é claro, contrárias aos tratados em vigor.19
mo prejudicial aos seus interesses, justifi- Bem no estilo da governação pombalina,
ca-se em função dos danos causados por respondeu-se aos ingleses através de uma
tais comissários aos comerciantes hones- Dedução Compendiosa do que a Junta da Com-
tos do Brasil e do Reino, uma vez que eles panhia Geral da Agricultura das Vinhas do
não passavam de aventureiros a serviço de Alto Douro praticou sobre as ordens respectivas
casas de segunda categoria em Portugal. à qualificação e vendas dos Vinhos da ultima co-
Acrescente-se, ainda, que os ingleses são lheita do ano próximo passado de 1771.20
os primeiros a temer e opor dúvidas quan- Nesse último texto – Dedução Com-
to à ida de comissários portugueses aos pendiosa... – há uma análise das verdadei-
portos da Inglaterra para adquirir direta- ras intenções dos comerciantes ingleses,
mente mercadorias para as companhias as quais seriam contrárias ao espírito e à
de comércio, conforme rumor que circu- letra do Tratado de 1703, com base no ar-
lara e logo provocara protesto britânicos gumento de que a compra dos vinhos é
18 Arquivo Histórico ao tempo de Lord Kinnoul (1760). a contrapartida da entrada dos lanifícios,
Ultramarino, Cód. 1193, Já implícita em diversas queixas logo, não podem eles pretender arrui-
e Arquivo Nacional da Torre anteriores sobre a proibição dos comissá- nar a agricultura e o comércio dos vi-
do Tombo, Manuscritos
da Livraria, 3. rios volantes, a questão dos impedimentos nhos sem causar sérios prejuízos à eco-
19 BNL, Seção Pombalina, impostos pelos portugueses à ida de na- nomia de Portugal e, por conseguinte, ao
Códices 637-638. vios estrangeiros aos portos de suas co- comércio dos lanifícios, atingindo assim
20 ANL, Códice 692, fls. 69-81.
lônias, reacendeu-se na década de 1770,18 a própria Inglaterra.
mo principal pressuposto da sua defesa a emanam todos os cabedais que podem fazer
total identificação de seus atos com a um reino opulento, rico e respeitado sem
vontade de D. José I, não lhe competin- nunca se diminuir a torrente das riquezas e
do, portanto, assumir a responsabilidade prosperidades que dele se derivam.
por eles. Tal identificação, real ou apenas E ainda:
alegada, entre Pombal e o falecido mo-
narca, teve ainda o inconveniente de tra- Sendo o ouro o mais importante de todos os
gêneros, porque em si contém cabedal apu-
zer a público matérias que constituíam se-
rado, sólido, perpétuo e independente de to-
gredo de Estado, especialmente no caso
das as contingências e perigos do comércio;
da Contrariedade com que contestou aque-
porque a estimação uniforme e universal de
le Libelo Infame, daí resultando, por deter-
todas as Nações do Mundo estabeleceu nele
minação de D. Maria I, a abertura de pro-
a medida mais justa para regular os preços
cesso contra o antigo ministro, em 26 de de todas as mercadorias; e porque é o nervo
setembro de 1779. O processo arrastou- mais forte de todos os Estados para susten-
se ao longo de dois anos e concluiu pela tar o vigor enquanto dure nos seus tesouros
culpa de Pombal e sua condenação; toda- a segurança deles...24
via, atendendo ao precário estado de saú-
de do velho Marquês dos serviços por ele Quanto às Dezessete Caras e ao Com-
prestados ao seu falecido pai, a Rainha pendio Histórico que as comenta e respon-
assinou Decreto perdoando Pombal, em de, parece certo admitir-se que aquelas
6 de agosto de 1781, mas obrigando-o a foram escritas sob a orientação de Pom-
manter total silêncio. bal, sendo obra inteiramente sua o segun-
Desse conjunto de textos produzi- do. Em termos gerais, esses textos reite-
dos por Pombal após seu afastamento do ram a visão pombalina a respeito da sua
poder, vamos aqui destacar somente dois maneira de caracterizar a situação da agri-
deles: a 4ª Inspeção – Sobre o Comércio Na- cultura, do comércio e das manufaturas
cional, e as Dezessete Cartas em associação antes e após as providências por ele to-
com o respectivo Compêndio Histórico. madas. Lembra bastante o teor das Obser-
Na Inspeção sobre o Comércio Na- vações Secretíssimas e repete em muitos pas-
cional, afirma Pombal: sos o que se encontra nas Inspeções. A
tônica permanece a mesma:
Nada pode ser mais útil e necessário a um
Estado do que o Comércio. Porque ele é a o negócio e o comércio de Portugal foi outro 24 BNL, Seção Pombalina,
mais caudalosa e inexaurível Fonte de que objeto da atenção do Ministro: ele sabia Cód. 695, fls. 232-380.
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