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As ongens da dependência

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II.
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dumntn guardando las biancas torrt! dondt viven
lo, ingleu1.
F. e. Lon.cA

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COMERCIO E PODER
Colonialismo informal nas 2.1. lntroduçãQ
relações anglo-portuguesas As relações anglo-portuguesas tiveram início cm' 1373:) mercê
,-r''' -�

de um tratado de aliança contra Castela, sendo mais tarde, em 1386,


renovadas com o Tratado de Windsor (t). Esse ano marca, porti�-to,···
o começo d;:i. mais velha aliança existente entre dois países, pelo menos
SANDRO SIDERI no domínio da civilização ocidental. Embora a aliança tenha sobre­
vivido ao longo dos séculos, as relações de força entre os dois países
e a import::i.ncia liist6rica de cada um deles conheceram alterações
de relevo, das quais a mais importante foi a perda, a partir do
século xvn, da posição dominante de Portugal em beneficio da Ingla7
terra (2).

(1) Em 1532, o rri de l'ortugal a��inou urna «protecção gr.ral» para os comer­
ciantes ingleses, sendo o mesmo feito pelo rei de Inglaterra; D. MAc P1tl!RSON,
Anna/.J o/ Ccmmtm, Manufaclum, FiJhm·CJ a,1d Navigatwn (Londres, 1805), I, 5�.
Um tratado comercial quase internacional foi as.�inado entre o rei de Inglaterra,
Eduardo III, e os comerciantes de Lisboa e P�rto, em 1353. Outros privilégi�
foram estabelecido-; cm 1367; D. PACHECO 02 AMORIM, Rda;õts Ccmtrciai, dt Por­
tugal com a lng/attm1 (figueira da Fm:, 1937), pág. 14.
(2) «Até I J80, a posição de Portugal foi politicamente igual à da Ingla­
terra é comerci:1lmcnte foi-lhe supcrion,; V. M. S111LL!NGTON e A. B. W. C11APMAN,
Th C-Ommtrcial fülalion, o/ F.11gland and l'ortugt1! (Londres, 1908), pág. 294.
EDIÇÕES COSMOS • LISBOA
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�00RIJF.NADAS co>1fnc10 fi roIJF.I\

Esta inversão nas relações luso-britânicas verificou-se não apenas No entanto, mesmo durante este período a supremacia portu­
por factos e acontecimentos exteriores à acção de cada um dos dois guesa começou a dar sinais de fraqueza e decllnio, principalmente
países, mas também como o resultado das políticas seguidas espe­ devido à sua escassa populaç.ão e à enorme dificuldade e lentidão
cialmente no campo económico, e que conduziram, consciente ou na pass�em Q.Lm._ç!.l_t�!idadc l!le_<:lje_val p�ra_ _ q_ .!"1.�".º. �.<?i:r.1e':1 mercan­
inconscientemente, à situação atrás referida. � consequentem�-�-tc no desinteresse generalizado pelas acti-
tilist;-c
Ao anali�ar as relações entre Portugal· e a Inglaterra foi neces­ , vidades comerciais. Depois de uma época em que a sua epopeia
sário desprezar toda e qualquer ligação que cada um dos dois países marítima se executou em pleno, Portugal não soube encarar a nova
tivesse tido com terceiros. realidade, nem conseguiu estruturar-se de forma a poder adminis­
Além disto, ao descrever o desenvolvimento destas relações, trar eficazmente o impfrio.
teve de se ter em conta as estruturas económicas de ambos os países A perda da inclr.pcndt:ncia cm 1580 reforçou todas estas tendên­
em conjunto com as alterações que nelas se foram registando. Sendo cias regressivas c acelerou a desagregação do império; as condições
do conhecimento geral os estudos respeitante.� à história económica então criadas levaram Portugal a um maior apoio por parte da Ingla­
inglesa, decidiu-se incidir a análise na evolução portuguesa, embora terra. A partir de então, e a sirnação repetir-se-ia, o apoio polltico
o seu estudo e divulgação fora de Portugal raramente tenham sid0 era contrabalançado por concessõeE de carácter económico cada vez
objecto de pesquisa e investigação. Isto é devido ao facto de a Ingla­ mais onerosas. Estas concessões, por sua vez, enfraqueciam a <;conomia
terra ter alcançado uma posição de tal maneira importante no con­ portuguesa, ou pelo menos impediam o seu possível crescimento;
texto histórico internacional que o papel reservado a Portugal foi de o papel de Portugal nas esferas políticas internacionais reduziu-se
carácter puramente secundário. Daqui o poder concluir-se ter sido a substancialmente e a necessidade crescente de maior ajuda da Ingla­
importância política e económica da Inglaterra para Portugal muito terra conduziu à c1J11crssão de privilégios de carácter económico.
mais relevante q11e a importância de Portugal para a Inglaterra. Em breve, os cidadãos ingleses que entretanto se começaram a esta•
belecer em Portugal viriam a usufruir maiores benefícios que os
2.2. DecHnio da Supremacia Portuguesa Até 1640 reservados aos próprios portugueses (4). Além disso, as estruturas do
comércio internacioPal dos dois países (especialmente as estabelecidas
No inicio as relações anglo-portuguesas foram dominadas por
Portugal, mercê do prestigio alcançado pelas suas descobertas, das
vastas possessões ultramarinas e da sua marinha. Até então, nem a
co11stituíu o pockr ckuni11;11,1c ,. a ln�lat�rr,1 11111 satélite bastante humilde. Li�boa
França nem a Inglaterra estavam organizadas para desafiar o mono­
tnrnara-�c umn gr:rndr• c:npi1nl crn11�rri,1I ···"de: certo mocln ,1 capital r.omcrcial dn
pólio comercial da Espanha e de Portugal, quer na África, Ásia ou Europa - enrp1a11to J.011d1rs não tinha ainda atingido a sua futura grandeza»;
América. Só no reinado de Henrique VIII (1509-47) se constituiu SlR R1c11AJtO LoIJGI!, Thr English Factcry at Lisbon, Transaclions Royal llistoric11/
uma armada para a «pequena Inglaterra (quatro ou cinco milhões SncirlJ•, 1933, XVI, 212.
de habitantes) com o fim de suster pela força as novas monarquias (4) B. KEENE, cmbaixar:lor cm Li�boa em 1746, citado por M. CnEKE,
francesa e espanhola» (3). [)ictalor o/ Porlugnl (Londrc�, 1938), pág. 22. Tem sido muito correctamente
realçado que frequentemcnlc a adopçãu <le certas políticas económicas que condu­
zem a um maior poder para unia duda nação só é poss!vel se exiHir ali um dese•
(3) G. M. TRF.VELYAN, Hi.Jtory o/ E11gla11d (Garden City, 1953), li, 46 t 16. quilíbrio inicial nas relações de puder cm favor dessa mesma nação; Hmsc11MAN,
«Não restam dúvida.1
_ de que durante todo este primeiro período (até 1580) Portugal oft. cit,, pág. 13.

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COORDENADAS COMJ!RCIO B PODlll\

após o Tratado de Methuen) reforçaram o domínio inglês e reduú­ A sujeição ecopg__rn.�co-política imposta pela Inglaterra começou
ram substancialmente a capacidade econó�ica de Portugal. com o Tratado de._ 1642 {reinado de Carlos 1), que abria aos navios
Também a composição dos, produtgs.) trocados entre os dois ingleses os portos cle-Aftugal e das pos�essões coloniais da África
países beneficiava largamente a Ingfãterra, pois, enquanto esta impor­ e do Oriente, concedia privilégios especiair, aos comerciantes ingleses
tava d � Portugal �rtigos de luxo, as suas exportações para este país residentes em Portugal e estipulava a obrigatoriedade para Por­
_
cons1st1am essencialmente em produtos de primeira necessidadi::. tugal de adquirir os seus navios em Inglaterra. Este tratado anulou o
A darmos crédito ao relatório de um enviado inglês, Seaburgh, a anteriormente celebrado com a Holanda (1641), que tinha por
Portugal, em 1688, onde se afirmava que os Portugueses «consideram fim o reconhecimento da independência portuguesa, e segundo o qual
os nossos comerciantes como os homens que hão-de arruinar Por­ seriam os Holandeses a fornecerem os navios necessários para a rota
�ugal» ( 5), podemos
_
constatar como os Portugueses se apercebiam do B rasi_ko-
Já da sua posição altamente desfavorável. Em 't654� ainda durante a guerra da R�stauração, n�vo acordo
.
fo1 celebrado· com a Inglaterra, que prometia «paz e amizade» (7),
considerado como «o mais vantajoso de todos os acordos comer­
2.3. O Preço Pago Pelo Reconhecimento da Casa de Bragança ciais feitos por Cromwell» (B), de tal forma que apenas em 1656,
e mercê da ameaça de urna esquadra inglesa, Portugal ratificou
Ao alcançar a independência em 1640, depois de sessenta anos o tratado (9).
� e domínio esp�nhol, a e�trutura económica e política de Portugal Nele se confirmava o que já tinha sido acordado em 1642,
tinha enfraquecido notonamente. Do ponto de vista económico, tendo-se alargado o âmbito das concessões até então concedidas aos
.o país tinha perdido o monopólio do comércio com o Oriente e além Ingleses e elevado «a nível de tratado ... todos os privilégios [incluídos
disso o promissor comércio do açúcar do Brasil começava a. 'mostrar os de carácter civil e judicial] que os mercadores ingleses jamais
indícios de grave crise ( 6 ). Do ponto de vista político, sobressaía tinham beneficiado em Portugal» (to). Este tratado, «revelador do
a urgente necessidade do reconhecimento de Portugal como pais enorme potencial de urna Inglaterra» ( 11) «consciente da sua força
independente sob o domínio da casa de Bragança, facto que foi
extremamente oneroso para D. João IV, dadas as relações harmo­
niosas então existentes en�re a Inglaterra e a Espanha. (7) H. V. L1VERMORB, Portugal &tory, Portugal aNi Brazil (ed. H. V. Liver­
more, Oxford, 1953), pág. 65.
(8) M. AsHI,IIY, Fina,u;fol and Co111mercial Policy under the Cromwe/lian Protec­
torate (Londres, 1934), pág. ·148.
(6) P. R. O., F. S. P., Portugal, 16. (º) «As vantage;ns obtidas pelos lngleses eram exageradas e a animosidade
ª
( ) Do relatório do presidente da fábrica inglesa de Surat: «Os Holandeses que ele (o tratado) criou em Portugal foi grande. A ratificação demorou dois
nesta altura (1 662), na lndia, são os grandes senhores dos mares ... El es prevale­ anos e finalmente foi obtida sob a ameaça da armada de Blaltc»; J. OI! ALMADA,
_ Para a HiJtória da Aliallfa Lwo-Britá11ica (Lísbo1:1, 1955), pág. 24.
ceram até aqui sobre os Portugueses, pois estes não utilizavam oa rota do Cabo
mau do qu� ci�co navios por ano; H. M. C. FtNCH, I, 151, citado por E. Lipson, ( 1 º) LtVl!RJ.lORE, op. dt., pág. 65. ili Inglesa não eram alvo dos tribunais
The &onom� H1Jtcry of Eng/and (Londres, 1947), II, 276. Numa conversa particular, comuns portugueses e o seu Juiz C,onservador tomou-se um magistrado de grande
Jorge Borges de Macedo informou-me que durante a ocupação espanhola os finan­ importância.
ceiros portugueses emprestaram grandes somas de dinheiro à coroa espanhola , (") F. MAURO, ú Portugal e/ l'Atlantique au XVJie Siecle, 1570-1670 (Paris,
_
o que causou dificuldades no financiamento do açúcar e do comércio asiático. 1960), pág. 459.

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COORDENADAS <:OMl'RCIO li PODF.R

superior e decidida a usá-la com o máximo proveito» (t2), em breve e.,pecialmente para Inglaterra, e ouro (16), Este comércio triangular,
se tornou na Magna Carta dos comerciantes ingleses residentes em Portugal, África Ocidental e Brasil, no qual os têxteis e os produtos
Portugal ( 13), oferecendo-lhes o comércio com as colónias, incluindo manufacturados scrvian1 para. comprar em África os escravos para
o Brasil, embora para esta última possessão Portugal mantivesse as plantações do nra�il, onde por sua vez se produzia o açúcar que
o monopólio dos fornecimentos de vinho, farinha, azeite e bacalhau, seria exportado para a Europa, apresentava um montante apreciável
e o monopólio da importação do pau-brasil ('4), Fora isto, a Ingla­ de lucros e mostrava-se ao� outros países europeus como um objectivo
terra adquiriu igualmente o direito exclusivo de fretar navios para altamente tentador. No caso concreto do Brasil, de 1600 até ao ter­
Portugal em caso de necessidade. ceiro quartel do st<culo xv11 a «única fonte fornecedora de açúcar
O comércio directo entre Portugal e as suas possessões da África para a Europa» (t7), pode ver-se at� que ponto era «relevante
Ocidental significava fundamentalmente partilha importante nos a economia colonial portuguesa no contexto da economia euro­
lucros do tráfego negreiro ( 1 s), ao mesmo tempo que o 'Circuito peia)) (1 ª).
para o Brasil oferecia açúcar, em parte reexportado para a Europa, A partir de 1670, porém, os preços do açúcar e do tabaco (outra
exportação brasiicira) tiveram uma quebra acentuada, devido à
concorrência das plantações coloniais inglesas ( t9), enquanto os pro­
( 12) A. D. W. CHAPMAN, Thc Commcrcial Relations of England and Por­ dutos de origem estrangeira, especialmente ingleses, que Portugal
tugal, 1487-1807, Tro,uoctions Royal liistoricol Society, Sfrics 11!, I, 166. exportava para as suas colónias, começaram a adquirir uma posição
( 13) E. PRl!STAGE (cd.), Chapem in ,foglo-Portugum Rclatioru (Watford 1953), de relevo no total dos produtos exportados (20), o que significa que
pág. 170. Os Ingleses organizaram-se cm comunidade.� chamada.1 f<:itorias, que
desempenharam um papel importante na vi<la económica de Portugal. Os C·'.lmcr­
ciantes ingleses que negociavam com Espanha e Portugal foram abrangidos pelos
estatutos das corporações, em 1577. Durante a ocupação espanhola em Portugal, (16) G. N. Cuni:, Tlu Wea/t/r of Eng/,ind from 1496 to 1760 (Londres, 1946),
foram expulsos dos dois países. «As condições que foram necessárias para favore­ pág. 106.
cerem estas «han111rn no pa.s.sado, clesaparcceram na sua grande maioria no (17) A produção e coi11crcialirnçào do açúcar foi largamente financiada
século Xvtl... Só num estádio de bastante fraqueza económica, de dependência pelos mercadores hola,,clrsrs que, duranic a ocupação militar holandesa de uma
relativamente à ajuda dos seus aliados, tais feitorias como as <lo Porto e Lisboa eram parle do Brasil (16'.10-165·1), aprc.ndcra1n o <<know how>l da produção açucareirl\,
toleradas>); LoooF., op. tit., pág. 224. pocknda dcsenvolv�-la nas suas colónia.� cla.s Caraíbas, quando fossem afastados
( 14) füses bem foram reservados como monopólio da Companhia de Comér­ do ílra.sil.
cio do Ilrasil, fundada em 1649 pelo jesulta. António Vieira. Só mais tarde, 1667, ( 1 R) MAuno, op. cit., pltg. 502. O autor também alirma que «no sfrulo XVII
a Holanda e a França conseguiram obter não só o privilégio de comerciar com as o império atlântico conhccr.u o progresso da sua economia com base no Brasil»
colónias portuguesas, como também urna soma considerável, no montante clc (pág. 479). O llnsil co11tril111i11 para a passagem de Portugal <lc urna «economia
4 milhões de cruzados, em troca do seu reconhecimento do Drasil, Angola e São mercantil (economia de circulaçiio), baseada no comércio com as Indias Orientais,
Tomé como colónia.1 portuguesas. Contudo, o tratado só foi ratificado por Por­ para uma economia de produç�o» (pág. 497),
tugal em l 663 e o pagamento só foi efectuado depois da a.,;sinatura do tratado (t9) Ver nota 44.
de 1669; V. M. GomN110, Portugal and her Empire, Ntw Cambridge Modem History (2º) «Uma grande 1;ane <las cargas que safam, consistiam em bens transa­
(Cambridge, 1961), V, 394-95. cionados de outros pafses ruropeus, a quem a Inglaterra abastecia na maior parte,
( 1 11) Os navios ingleses tinham de navegar enquadrados na frota da Mais de 80 navios, grandes e pc<juenos, estavam encarregados da exportação anual
Companhia de Comércio do Brasil, e durante várias décadas os mercadores de manufactura.� cle alnodão d,� Londres, lhistol e de outros portos da costa ociden­
inglese, esforçaram-se, cm vão, para poderem negociar com o Dra.sil por conta tal inglesa para Portugal». C. R. DoxER, TIII! Golden Age of Brazil, 1659-1750.
·própria. (Berkeley, 1962), pág. 25.

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COORDllNADAS COM(RCIO ll PODBR

a abertura das colónias portuguesas ao comércio com outros países, dízima, 10 % para a sisa, 3 % para o consulado, direito alfandegário
se por um lado provocou um incremento desse mesmo comércio, criado em 1592 para custear as despesas com navios afundados ou
por outro lado traduziu-se num agravamento da posição portuguesa capturados), e concordou que tais nív'-'!is de direitos alfandegários
em relação aos circuitos comerciais já referidos. O comércio triangular não fossem alterados sem o prévio conhecimento de dois comer­
era lucrativo para Portugal enquanto fosse directamente controlado, ciantes ingleses nomeados para o efeito pelo cônsul britânico e.m
e o seu lento desenvolvimento provocava um incentivo na criação e Portugal. O nível máximo d!: 23 % aplicava-se a todos os produtos
expansão das manufacturas em Portugal. A partir da assinatura dos importados de Inglaterra, muito embo;·a o seu objectivo principal
tratados de 1642 e 1654 com a Inglaterra, com todas as desvantagens fossem os têxteis, que constituíam o elemento mais importante na
que deles advieram para Portugal, reduziu-se significativamente a estrutura do comércio externo inglês (23). Por volta de 1620, grave
percentagem dos produtos manufacturados portugueses exportados depressão económica atingiu a Inglaterra, principalmente neste
para as colónias. sector (24), e nessa altura, por razões evidentes, o mercado portu­
Desta maneira, quando o comércio passou de triangular a guê& foi extremamente útil para o escoamento desses produtos,
quadrangular com a entrada da Inglaterra, o pólo de irradiação o que provocou, subsidiariamente, uma expansão dos fretes marí­
deslocou-se para este país. A inclusão da Inglaterra neste esquema, timos ingleses e da sua própria marinha. A acção da Inglaterra
contrapondo à lenta taxa de crescimento de Portugal uma expansão nessa altura foi de «intensa protecção à sua navegação, e este sector
acelerada do comércio e uma organização política e administrativa de actividade juntamente com os têxteis e as restantes manufacturas
eficiente, colocou Portugal numa posição cada vez mais secundá­ foram amplamentr. contemplados no tratado de 1654» (25). Final­
ria (21), o que levaria, um século mais tarde, o ministro britânico mente, os ingleses residentes em Portugal foram também isentos, ao
Hay a afirmar que «na sua generalidade os Portugueses no seu contrário dos próprios portugueses, do pagamento da dízima. Duma
comércio com o Brasil mais não são que simples intermediários dos maneira geral, este articulado admitia mais uma vez a <<natureza
produtos transaccio'nados» (22). Ainda por cima, o governo portuguê� feroz de um contrato em que o ae;ordo de reciprocidade não desem­
prescindiu dos seus direitos de soberania em cobrar impostos, fixando penhou qualquer papel» (H), o que também foi demonstrado pela
uma taxa única de 23 % para todas as mercadorias inglesas (1 O% de

(23) Em 164-0, os tecidos de lã representavam entre 80% e 90% das expor­


(21) «A economia dominante exercia, pelas suas próprias mudanças exte­
tações de Londres; F. J. F1s111;.R, Loncion's Export Trade in the Eearly Seventeenth
riores, um objectivo especifico, uma acção influenciadora sobre outras economias, Ccntury, Economi& History Reuiew, Segunda Série, Vol. III, n.o 2, 1950.
cujo papel estava redui.ido à adaptação. A escolha de taxas ou níveis de consumo
(24) Os observadQres de então pensavam que a causa da crise era, ou uma
e investimentos agregados, feita pela economia dominante, determinària então o
balança comercial deficit.iria (Mun), ou algum dcíeito nos mecanismos do comér­
nlvel daquelas variaveis na economia dominada. Eis o significado técnico que se
cio externo, com níveis de troca artilicialmente baixos por parte da Inglaterra
deve atribuir à proposição segundo a qual as alternativas políticas nacionais de (Malynes); J. D. GouLD, The Trade Crisis of úie Early 1620's and English Econo­
certos pai.ses são decisões de poHtica económica mundial»; Pl!Rl\OUX, op, cil,,
mic Thougbt, Jou1714J of Economic His!ory, vol. XV, n.0 2, 1955.
pag. 4a.
(22) Carta de Hay para Egremont em 18 de Março de 1763, P. R. O., (25) N. W. Sool\Í!, O Tratado de Methuen (Rio de Janeiro, 1957), pg. 17.
F. S. P., Portugal 89 / 58; cm CttRISTBLOW, Grcat Britain and the Trades froro (26) MAURO, op. cit., pág. 460. Apenas cm 1713, segundo o Tratado de
Cadiz and Lisbon to Spanish America and Brazil, 1759-1834, Tiie Hispanic Ame­ Utrecht, a Espanha permitiu à Inglaterra facilidades parciais para comerciar
rican Hi.Jlorical Reuiew, 1947, XXVII, 4. com as suas colónias.

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C00RnP.t-lADAS COMÚRCIO E PODER

recusa com que a Inglaterra deparou por parte da Espanha, ao No entanto, e em relação a este sr.gundo ponto, os territórios portu­
tentar obter o mesmo tipo de privilégios (27). gueses nessa altura em poder da Holanda passaram directamente para
O tratado de 1654 constitui portanto um marco histórico nas as mãos dos Ingleses, e posteriormente, muito embora a Inglaterra
relações anglo-portuguesas, pois «estabeleceu inequivocamente as garantisse a manutenção da comµosição actual do império português,
relações de força que iriam durar por todo o século seguinte e que urna parte sub:itanc-ial dos lucros do comércio colonial viria a reverter
podem ser descritas como um autêntico dikto.l» (28)-(*). A partir ern seu benefício. O preço pago por Portugal por mais esta ajuda foi
dele se revelaram também as alterações estruturais que se tinham tremendo: o dote da princesa Catarina de Bragança elevou-se a
entretanto registado em ambos os países e o modo como o domínio dois milhões de coroas portuguesas (J2), o mais alto pago até então
das rclaçiics pendeu para o lado da Inglaterra: em troca de uma na Europa, cedeu-se Bo111b;1im e Tânger, e autorizou-se a instalação
promessa de paz e amizade, a Inglaterra organizou um «esquema de quatro famílias i11gksas cm cada uma <las capitanias do Brasil.
de completa dominação económica» (29), reduzindo Portugal ao A aliança anglo-portuguesa foi portanto de «importância crucial
papr.l de «simples vassalo comercial». Com efeito, «se fossem levadas para a política externa inglesa», baseada na «integração <lo comércio
a cabo as ideias de Cromwell quanto à política navàl inglesa no num monopólio nacional, ocupando o Estado um papel de relevo»,
Me<literrftneo, o papel de Portugal seria muito importante para ou, cm menos palavras, 11a construção de um império voltado para
a Inglaterra, não só como b�se de operações na Europa meridional o comércio internacional (3J). Com efeito, «os tratados altamente
contra a Espanha e a França, mas também pelas imensas potenciali­ favoráveis que foram a�sinados com Portugal possibilitaram aos
,-!ades oferecidas pelo seu vasto império>� comerciantes ingleses o acesso às possessões portuguesas no
Um outro tratado foi firmado cm ��1Jor ocasião do casa­ Oriente» (34); assim se c:0111preende que na perspectiva de Carlos II
mento de Catarina de Brag:wça, irmã de Afonso VI, com Carlos II o seu casamento rom Catarina de Bragança tenha sido considerado
de Inglaterra. Confirmaram-se mais uma vez as resoluções dos acordos como «uma condição importante para a Restauração inglesa» (B),
anteriores, e incluiu-se uma cláusula de carácter secreto pela qual Como resultado dos três acordos já referidos, o número de comer�
a Inglaterra garantia a Portugal o seu apoio contra um eventual ciantes ingleses rcsi<lcnles cm Portugal e colónias aumentou rapi­
ataque espanhol (31), e a sua ajuda na defesa das colónias portuguesas. damente. A. dimensão da comunidade inglesa cm Portugal seguiu
de prrto a evolução das relações entre os dois países; assim, apenas
(27) A vantagem elo tratado seria futuramente maior porque o valor da em Lisboa, o número de firmas inglesas subiu a 60 logo depois
maior parte dos tecidos importados era fixado e os direitos cobrados não acom­ do tratado de 1654, enquanto a feitoria do Porto, extinta sob o
pa.nhavam a evolução dos pre_ços. A. D. FRANCIS, Tlu Mtlhums and Portugal (Cam­ domínio espanhol, foi rc:il,crta. Com a introdução das políticas pro­
liridgc, 1966), pág. 191.
(28) . C. R. Hoxr.R, Vi cissitudes oí the Anglo-Portuguese Alliance, l 6G0-l700, teccionistas c:m Portugal por volta de 1690, tendo cm vista o esta-
füvi.rta da Faculdade de Úlr111, 1958, III, 16.
(•) Em alemão no original; significa exiglncia ab soluta, impost:i pelo (32) Em 1688, uma coroa equivalia a cinco shi//ings em ouro.
m11.i� forte, sem outra justilicacão que não seja a força. ( N. do T.). (33) C. H1LL, Rtfom1ation 11 Industrial Revolution (Londrc.s, 1967), págs. 129-
(20) LtVERMORll, op, cit., pág, 65. -130, «Mais tarde, Tânger foi :1bandonada (pela Inglaterra] aos Mouros, em vez de
(3º) A. K. MANCIIESTER, British Pre-tmirunu in DrtUil (Chapter Hill, 1933), ser restituída a Portugal, como deveria ser, de acordo com os termos do tratado»;
p:l gi; . 9 e 13. LODGE, op, cit., pág. 21 Í,,
(�1) Depois ela Paz dos l'irer,éus com a França, a Espanha �tava pronta (34) ASIILEY, op, cil., pág. 15.
p:irn u�ar o �cu pocl,�I', a fim de submeter Portugal novamente. (35) HtLL, op. cil., p.lg. 129.

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COORDl!NADAS CO �I ÉllC Iú I! PODl!I\

belecimento de manufacturas, as firmas inglesas existentes em Lisboa mente ao Brasil e o emprego da navegação inglesa na rota do Brasil
desceram para doze, muito embora o seu capital se estimasse em é devera$ vantajoso para este Reino [a Inglaterra] (40),
600_.-�libras. Posteriormente ao Tratado de Methuen, celebrado Os privilégios de ordem fiscal, civil e judicial concedidos aos
em )703; o nível económico da comunidade ,inglesa atingiu novos membros da comunidade ingle,a em Portugal e nas colónias consti­
limites;· e aproximadamente noventa firmas exerciam prosperamente tuíram a base sobre a qual o sistema comercial atrás referido se
a sua actividade em Portugal. O entreposto comercial mais impor­ formou e conduziu ao estabelecimento da supremacia inglesa.
tante localizou-se na cidade do Porto, activamente dirigido para o
comércio vinícola e controlando parte da respectiva produção e a
quase totalidade do transporte para o estrangeiro (ló). Este último 2.4. A Composição do Comércio Anglo-Português: Os Produtos
Gector foi sendo gradualmente transferido para as mãos dos Ingleses, de Origem Metropolitana e os Produtos Colo.ruais
em parte devido à pequena dimensão da marinha portuguesa (37),
mas fundamentalmente devido à política proteccion.ista inglesa, esta­ Por volta de: 1 GSO� as exportações portuguesas para Inglaterra
belecendo direitos de importação mais elevados sempre que o vinho consistiam principalmente em azeite, fr�t�s, sal e _vinhp, produtos
fosse transportado ern navios estrangeiros, de tal modo que os arma­ de origem metropolitana, e.J1.ç_(l�3_r,_ tabaco!r_c�?.,vo.da fodia e, puro,
dores portugueses começaram a desinteressar-se de exportar os produtos oriundos das colónias. As-1mportações portuguésas' de
produtos portugueses não só para Inglaterra como também para as Inglaterra eram essencialmente os panos de lã e outros t�xteis, baca­
colónias. Esta concorrência, afastando por completo o transporte lhau e outros produtos alimentares, e manufâctú' r'ã'�.- n;v'e'rêférir:re'
._,.,/'-...J'- _ ___......__,,.
' i ..,..

,
no entanto, o desfasamento verificado nas razões de troca cnando
...A. .......'\

português (custos mais elevados e direitos de importação agra­


vados de 15 %) (38), não foi o resultado de um processo espontâneo sérias dificuldades à economia portuguesa.
mas, sim, uma situação cuidadosamente prevista e enquadrada na Com efeito, enquanto os preços dos produtos metropolitanos
pol!tica dos Actos de Navegação (39). Com a efectivação deste pro­ portugueses declinavam consideravelmente (41), «o preço do milho,
cesso, a Inglaterra teve acesso a uma importante percentagem do do vestuário e dos outros produtos essenciais para Portugal aumen­
preço dos transportes entre Portugal e as colónias, especialmente o tava» (42). Simultaneamente, decresciam as remessas de metal
Brasil, dada a total inviabilidade de a marinha portuguesa servir tão precioso (prata), provenientes da vizinha Espanha.
vasto império. O cônsul inglês em· Lisboa, Maynard, escrevia na Os preços do açúcar e do tabaco baixaram (4l) como resultado
altura: «dez a doze grandes navios [ingleses] dirigem-se anual- da concorrência exercida nos mercados europeus pelas produções

(40) Boxl!R, TM Go/á,n Age... , pág. 24.


(41) l 750-1850 (Paris, 1955), pág. 243.
GoDINH(), Prix et Monnai.rs aux Portugal,
(36) Ver Board ofTrade, Com. MS, Serus I. O. 18, n.0 194. (42) BoxBR, Th4 Go//Ún Age ... , pág. 25.
(31) «Cerca de 2/3 da armada portuguesa foram destruld0/1 dura11te a (4 ) Segundo MAURO (op, cit., pág. 246), o preço do açúcar branco dimi­
3
guerra de 164-0-1649 contra a Espanha»; H. ScHBRBR, Storia <Ú/ Commucio di Tutu nuiu cm Lisboa de 3800 réis por arroba em 1650, para 1000 réis por arroba
le NazioM, na Biblioteca dcll'Economista, Segunda Série (Turim, 1864), IV, 471. em 1675, mantendo-se a produção estacionária. s�gundo Godinho (Portugal, a.,
(38) J. L. Az1:.vaoo, Épocas d, Porti,gal Económico (Lisboa, 1947), pág. 431, Frotas do Açúcar e as Frotru; do Ouro, 1670-1770), (EnsaÍIJs, Vol. II, Lisboa, 1968),
de anónimo M. S., «Causas da Rulna do Comércio Português», Col4Cfl!D Pomba­ págs. 300-301), o preço do açúcar em Lisboa diminuiu de 3800 réu por arroba
lina, <:od. 687, Biblioteca Nacional, Lisboa. �m 1650, para 1300 réis por arroba em 1688, enquanto que o preço do trigo
(39) Ver Capítulo IV, última secção. aumentou de 7200 para 7600 réis durante o me.,mo perlodo. Também Celso

46 47
COORIJENAIJ.\S r.0Mtnc10 E POD!!R

das plantações inglesas (e também holandesas e francesas) estabele­ que a produção inglesa, oriunda da colónia americana da Virgínia
cidas nas Indias Ocidentais entre 1640 e 1660 (44). e «ajudada pela polltica protcccionista dos transportes, consubstan­
Em 1661, para encorajar a produção de açúcar nas colónias, a ciada nos actos de navegação, em breve provocou a retirada nos
Inglaterra fixou direitos preferenciais para as produções provenientes mercados inglês e europeu do tabaco brasileiro» (47). Tal facto ori­
dos Barbados e da Jamaica. Portugal, perante tal facto, apresentou ginou que nos Enais do século xvn dois terços das importações inglesas
enérgicos protestos tendo cm linha de conta os acordos estabelecidos, de tabaco fossem reexportadas para a Europa (48).
mas também porque grande parte do açúcar que entrava em Ingla­ De acordo com a opinião expressa pelo historiador americano
terra como proveniente das plimtaçõcs inglesas das Índias Ocidentais, Hamilton (49), a organização colonial portuguesa constituía um
e sujeito portanto a menores direitos de importação, era na reali­ exemplo clássico de 111011npólio absoluto no comé,cio: as vinhas e
dade açúcar brasileiro vendido por contrabando (� �). oliveiras não podiam ser plantadas nas colónias e apenas os panos de
Para além de estabelecer estes direitos preferenciais e tendo linho e algodão destinados aos escravos e aos brancos de baixa con­
como objcctivo a conquista de mercados internacionais para o açúcar dição social po<liam ser produzidos no Brasil. Apesar da opinião
das suas colónias, a Inglaterra conseguiu reduzir o preço de venda controversa de Hamilton, não corresponde à realidade a sua afir­
a um nível tal que as plantações brasileiras foram obrigadas a sus­ mação de que os Portugueses, nas suas colónias, tenham encorajado a
pender a produção, de modo que passou a ser possível (aos Ingleses) «produção de açúcar, mas proibido a instalação de refinarias» (50),
não só fornecer o seu mercado interno, como também vender o Pelo contrário, a refinação do açúcar em Portugal tinha sido proibida
açúcar proveniente do Brasil (de contrabando) nos mercados euro­ por carta régia de 1:>50 ( s 1 ), � só depois de 1785 é que as refinarias
peus (H). Idêntica situação se pa�so11 com o tabaco, de tal modo
Europa, os nossos plantadores nos Barbados e noutras ilhas foram forçados a
Furtado (17ie Econoniic Growth of Brazil, Ilerkeley 1963, pág. 17), escreve que «no vender o seu próprio açúcar ao baixo preço de seis, sete ou oito shillin gs por quin­
terceiro quartel do século xvn os preços do açúcar sofreram uma baixa de 50% tal; foi este baixo preço que desencorajou os plantadores brasileiros... O aumento
relativamente ao nível inicial, e mantiveram-se ncsi_e nível durante o século do consumo de açúcnr dc•J-rws a possibilidade de aumentar os nossos preços»;
seguinte». A parte final da transcrição de Furtado não se enquadra com os dados Gr:1,, op, cit., pág. 45, e /\s111.F.Y, op, cit.,· pág. 131.
de Mauro, o qual apouta, para 171 O, uma subida do preço do açúcar para 2400 réis, (47) MANCHESTER, op. cit., pág. 22. Tem sido muito correctamente realçado
por arroba. que «a queda nos preços fdo tabaco] ... levou as classes médias e inferiores (na
(«) «Obtivemos dos Portugueses, que abasteciam a maior parte da Europa, Inglaterra e noutras ricas regi,ies da Europa] a adquirir novos hábitos de consumo>>
o comércio do açúcar brasileiro. Segundo os cálculos de Sir Josiah Child, os Por­ ( R. DAVIES, English Forcign Traclc 1660-1700, &o,nomü: HiJlory Revüw, Segunda Série
tugueses importavam para a Europa 100 000 ou 120 000 quintais, e vendiam o VII, n.0 3, 1954, 151). Iufclizmcnte a classe média portuguesa era muito pequena,
açúcar branco entre 7 a 8 f. por·quintal; no entanto, logo que a., plantações inglesas de tal modo que o� rncrcados c.strangciros eram muito importantes para a sua
aumentaram a produção, no que respeita ao açúcar, forçaram ao abaixamento produção de tabaco. A política de baixos preços praticada pelos Ingleses criou um
do preço do açúcar brasileiro para 50 shillings ou 3 f. por quintal;... e desde cn tão mercado para a sua produção colonial e ao mesmo tempo eliminou a competição
afa.�t.ámo-los praticamente de todo o comércio deste lado Jo Streights-Mouth»; estrangeira.
J. GBE, 1k Trade anil Nnvigation 0/Gm.1! Britain Coruideréd (Glasgow, 1750), pág. 44. (48) Jhid., pág l !i2.
(H) O açúr.ar de contrabando proveniente do B_rasil apareceu também em (49) E. J. HAMILTON, The Role of Monopoly in the Overseas Expansion and
grande quantidade no mercado de Amesterdno; MAURO, op. cit., pág. 230. Colonial Trade ofEuropc ílcfore 1800, Amuican Economic Rwitw, Maio 1948.
(46) M. Ene,.x, The Brazilian Sugar Cycle of the Sevcnteenth Ccntury ( 50) /bid., págs . 39-40.
and the Rise ofWest Indian Competition, Canbbtan StuditJ, Vol. 9, n.0 1, Abril 1969. (51) E. FRI!rnn ou o,.,vmnA, Elmu11toJ para a lliltória do Mrmicrpio de Luhoa
«Mas antes de r.onscguirmos correr com o açúcar brasileiro daquelas zonas da (Lisboa, 1906), XV, 216, nota ele pé de página.

48 49
COORDENADAS COMi.HCIO 1! POIJJ;R

foram proibidas no Brasil, de modo a favorecer a indústria portu­ trava numa situação de urgente necessidade em aumentar as suas
guesa ( 52). Hamilton aponta o exemplo da França, cujas colónias exportações vinícolas, as quais, até ao último quartel do século xvu,
sempre gozaram de uma certa liberdade económica, e, embora não tinham pequena procura por parte da Inglaterra. Os Ingleses prefe­
lhes fosse autorizada a refinação do açúcar, os seus produtos tinham riam, então, os vinhos dpo cl.irete, importados de França, aos vinhos
privilégios de colocação no mercado metropolitano, tal como os pesados de Portugal. Não é de admirar, portanto, que até 1680
produtos coloniais ingleses os tinham em relação à Inglaterra, A polí­ as terras do Alto Douro fossem em larga escala incultas ( s S),
tica inglesa de redução das importações do açúcar e do tabaco do A série de guerras iniciadas por volta de 1670 levou a Ingla­
Brasil, em contrapartida de um sistema de acordos preferenciais com terra, dado o cancelamento das suas relações com a França, a pro­
as suas colóuias (5J), agravou a situação da lialança <lc pagamento� curar alternativas para as compras de vinho. O vinho da Madeira
portuguesa ( 54). Muito embora ue aventasse a hipótese de descobrir foi o primeiro a ser fornecido e teve boa aceitação, quer do ponto
novas minas de ouro no Brasil, o facto é que Portugal se encon- de vi,ta gastronómico, quer do ponto de vista monetário. Esta arran­
cada levou os comerdantes ingleses de Lisboa e Porto a iniciar o
(112) Jbid., X V, 435. plantio de vinha no Alto Douro. Criou-se assim como que um enclave
(113) «Por volta de 1700, o escoamento de bens das colónias portuguesas inglês no norte de Portuga.l, cujo impacto nas exportações portuguesas
para Inglaterra através dos portos de Lisboa e Porto era difícil e lento de se exe­ viria a ser de grande importância, muito embora as distorções que
cutar»; Manchester, op. cit., pág. 23. prôvocou na economia portuguesa tenham sido bem mais graves
(64) AsHLEY, op. dt., pág. 146. Eis os números disponíveis do comércio que o próprio impacto nas exportações ( 56). As exportações de vinho
anglo-português:
para Inglaterra subiram rapidamente de 20 tonéis, em 1675, para
Períodos lmporlaç4e.r de Exporlafôes para
quase 17 mil tonéis, em 1683, tendo então declinado consideravel­
Inglaterra Inglaterra mente, para conhecer nova ascendência depois de 1690 e até ao
tratado de Ryswick, assinado entre a Inglaterra e a França em 1697,
(valores cm libras esterlinas) onde nova ameaça se fez sentir sobre as exportações vinícolas portu­
1662-1663 145,061 § 86,691 § guesas, pela reabertura, estabelecida nesse acordo, do mercado
1667-1668 167,178 § 67,692 §
1690-1702 358,000 § § 200,000 § §
dade, enquanto a Inglaterra exportava manufacturas de lã directamcntc para
!699-1700 . 337,000 .. � 279,000• • •
Portugal, só parte do açúcar português (proveniente do Brasil) chegava a Ingla­
lcrr<l, sendo a maior parte enviada para Itália com o fim de ser traruaccionada cm
( §) Estes dados referem-se apenas à cidade de · Londres e foram extraídos troca de seda e outros produtos. Du mesmo modo, o bacalhau da Terra Nova che­
de AddilioMI MSS, Museu Britânico, 367 885; MAURO, op. cit., pág. 140. gava a Portugal directamentc sem ser registado pelas alfândeg as iugle;sas; LIPSON,
( § §) C. W1rnw0Rrn, Commerce de la Grande Bretagne 1697-1773 (Paris, 1777), op. cit., III, 96. Anteriormente a 1685, as exportações inglesas para Portugal alcan­
págs. 109-110. çavam uma média anual da ordem das 350,000 libras; H. M. C., IX, parte II,
(• H) MAURO, op. cit., pág. 140, e Board of Trade Com. MSS, Série IE 31 12 (1671), citado por LIPSoN, op. cit., II, 111.
citado por Ül!APMAN, op. cít., pág. 168. Encontra-se cm W. ScHLOTll, E. BoooY (55) No último quartel do século xvn a falta de mão-de-obra na agricultura,
SCHI.IMPl!TllR, G. N. CLARK e A. M. IMLAH, uma discussão exaustiva dos problemas sobretudo nas regiões vin!colrui, era tão grande que se tornou neccuário atrair os
increntes ao uso das estat'3ticas oficiai., inglesas com vista a estimai' inclusive a nc.arciros através de elevados a..lários. ·- F.DR At.MllIDA, Hi.Ilória d, Porlugal (Coim•
«balança geral». Queremos aqui realçar o problema mais difícil de estimar «balanças bra, 1922-1929), V, 325-26.
especificas», devido à natureza triangular do comércio anglo-português, Na rcali- (55) SoDRB, op, cil., pág. 20.

50 51
COORDl!NADAS c0Mírnc10 i; ronEI\

inglês aos vinhos franceses. Os dados relativos à importação de vinhos Parece provável que os vinhos portugueses tenham sido objecto
na cidade de Londres, nessa altura, mostram claramente a natureza de um tratamento preferencial, e, se ainda restam algumas dúvidas de
secundária das importações provenientes de Portugal em compa­ que tal tenha acontecido na década de 1680, isso seria um facto a
ração com as francesas ( 57). No entanto, quando a oferta francesa
já não podia corresponder à procura ingles�, as importações de vinho Inglaterra contra a frança, situação que se repetiria mais tarde, 1701-13, com a
português aumentaram r-apidamente. Os dados de Schorer indicam guerra da Sucessão de Esp:inlm.
que o volume das importações de vinho em Londres, nos anos de 1682, IMPORTAÇÕES INGLESAS DE VINHO PORTUGUÊS
1683 e 1685, igualou o registado em 1686, 1687 e 1688: 63 200 tonéis,
Ano Tonlis An" Tonli., An" Tonlis
tendo os vinhos franceses substituído os portugueses nos anos de 1686
a 1689. Partindo do princípio de que as quotas anuais referentes às 1675 20 1Gü6 289 1697 4774
importações de vinho português estão conectas (para o que se 1676 83 IG87 327 1698 4057
deve ter em atenção a nota 57), notemos que o sct1 volume passou de 1677 176 1688 540 1699 8703
1678 199 1609 579 1700 7757
3600 tonéis no período 1675-1688, para 5500 tonéis no período 1679 1013 IG90 1115 1701 7408
1698-1702, e só após a assinatura do Tratado de Methucn (no 1680 1003 1691 2964 1702 5924
período de 1703 a 1707), o volume das importa<;ões de vinho por­ 1681 1718 1G92 6052 1703 8845
tuguês se elevou a 8200 tonéis. 1682 13 860 IG93 8200 1704 9924

�ºº
1683 16 772 1694 9454 1705 8449
1684 1611 1695 3983 1706 §
(61) H. ScuoRBR, Der Methuenvertrag, :(tit1chrift fur dit gernm/e Staa/swis­ 1685 12 105 IG9G 6668 1707 9000 §
stmchajl, 1903, pág. 607, apresenta o seguinte quadro:
J, BoRGl!S DE MACEDO, Probltma.i de HiJtória da Indústria Por/ugutsa no
IMPORTAÇÕES DE VINHOS PELO PORTO DE LoNDRES
Slcu/o XVIII (Lisboa, 1!JG3), png. 53.
B. N. L., Fundo Geral, M. S. Cod. G9'.?6.
(Milhares de tonéis)
Stt!LL!NGTON e C11A r�tAN, op. cit.; 11ágs. 334-36.
Ano Fr=tse1 Portug LJms E1panhói1 Rtnarws
§- FRANCIS, op. cit., png. 364.
Enquanto a média anu:i\ das exportações de vinho para o perlodo 1678-87
1682 13.9 5.5 u é de 10 500 pipas, Sodré (op. cit., pág. 21) refere apenas 7700 pipas.
1683 16.8 5.6 1.3 Segundo O. l3nowN1Nr: (The Trcaty of Commcrce Between England and
1684 1.6 § Não disp. 1.3 France in 170G, Trmwirlin11.r R,(ynl //i.r/oricn/ Socitty, Nova Sf.rie, Vol. li), os vinhos
1685 12.2 4A 1.5 franceses exporti'\dos parn lnglatcrrn durante o período 1675-96 montav:un a uma
168G 12.8 .3 4.2 .8 média anual de 15 000 IPnéis, c11q11:rnto os vinhos portugueses não excediam
1687 15.5 .3 3.6 .9 os 300 tonéis. Estes valores contradizem os apresentados por Schorer e Macedo.
1688 14.2 .5 3.3 .9 «Trata-se do pcrlodo (anos setenta) em que o vinho do Porto foi pela primeira vez
1689 11.1 .6 4.7 .5 produzido; ern 1670, 1-00 pipas (201 lunéis) foram enviadas para Inglaterra»;
Gomm10, Portugal and Ha E,11pirt., V, 387. Em 1682, o nome do vinho do Porto
§- Valor extraido do quadro seguinte. ainda não existia, e o vinho da região do Douro era ainda conhecido por vinho
de Lamego; GomN110 1 L� Portugal ti son E:mpire, 1680-1720, pág. 23, artigo não
O perlodo 1682-1685 abrange a proibição de todos os produtos francr.se1 em publicado para o volume V [ dn Ntw Cambridge Modern HiJto�y, que o Prof. V, Maga­
J nglaterra; 1689-97 refere-se à guerra da Liga de Augsburgo, conduzida pela lhães Godinho pôs gentilmente à minha disposição. Segundo Azl!Vl!DO (op. cil.,

52 53
COO RUENADAS COMÉRCIO B PODliR

partir de 1690 ( 58), A. proibição exercida sobre a importação de todos Nesta perspectiva, e enquanto a Inglat�rra aproveitou todas
os produtos franceses no primeiro dos períodos indicados pode ser a as alternativas possíveis para assegurar o seu abastecimento de
causa que conduziu, embora indirectamente, ao tratamento prefe­ vinhos, os pesados direitos de importação exercidos e a real .ou poten­
rencial conferido aos vinhos portugueses. No entanto, não se deverá cial capacidade da França foram condições por si suficientes para
esquecer que, muito embora os direitos de importação exercidos sobre manterem o baixo nível dos preços do vinho português, o que se
os vinhos portugueses fossem inferiores aos respeitantes aos vinhos traduziu, para a Inglaterra, não só num controlo sobre as divisas
franceses, o que é um facto é que eles sofreram um aumento apre­ necessárias à aquisição deste prnc:!uto, como também num contri­
ciável, em termos absolutos, a partir do nível de f, 7.1 O.O estabele­ buto importante para as suas finanças (60).
cido em 1660 ( 59). Perante tais factos, não é difícil perceber por que razão as expor­
tações portuguesas de vinhos não conseguiram resolver o grave pro­
pág. 393), a média anual das exportações de vinho do Porto para o período blema causado pelo défice da balança de pagamentos.
entre 1678 e 1687 foi aproximadamente de 7700 pipas (cerca de 4000 tonéis),
Se gundo A. Gut:RRA TliNREIR0 ( Douro, Porto 1942, II, 25), as exportações de
vinho do Porto atingiram 6800 pipas cm 1607-96, lendo aumentado para 7000
pipas cm 1697-1706. Para J. LOPES AMORIM (Influlncia da Política Aduaneira da Grã­ 2.5. As Tentativas de Est;.ibelecimento de Manufacturas em
-Bretanha sobre o Combcio de Vinhos neste Pais, Porto 1942, pág. 58), a exportação
Portugal
de vinho do Porto para Inglaterra diminuiu, depois de 1693 e até 1702, altura cm
que se registou novo aumento. CHAPMAN (op. &it., pág. 170), afirma que o con­
sumo inglê:< de vinhos portugueses rondou os 6000 tonéis anuais na última década A legislação proteccionista em Portugal teve a sua aplicação a
do século xvu; mas de acordo com Goo1N110 (Le Portugal et son Empire, pág. 24) partir de 1670, destinada especialmente à indústria têxtil (61). Esta
só 4-200 tonéis eram exportados para Inglaterra durante o período 1688-1697, primeira tentativa de industrialização, embora imposta pela grave
M11cwo apresenta números idtnticos. situação económica (62), principalmente como consequência do
(õ8) Segundo SooRIÍ (op. cit., pág. 21), em 1688 os vinhos franceses pagavam
cm Inglaterra direitos <lc importação de 53 f. por tonel, enquanto os vinhos portu·
gucscs pagavam apenas 24 f.. Informações recolhidas noutra fonte (G. P. P. P.,
Cmd. 8706, LXXXV, 1898, 137-39) parecem indicar que cm 1685 os vinhos f ran­ (60) Em 1689, de um total de 687 000 libras de receita.! alfandegárias,
ceses, de uma maneira geral, pagavam menos 4 f. que qualquer outro vinho impor­ 152 000 libras eram conseguidas através de um novo direito, introduzido em 1685,
tado. Isto é, para além da taxa indicada pelo Tonnage and Poundage Subsidy, E. 7 !Os, e incidindo sobre o vinho (e vinagre). Ver uota 58.
que incidiam sobre os vinhos franceses e portugueses em 1660 (os outros vinhos 61) «Os Portugueses cstai>:lcceram uma fábrica própria e progrediram
pagavam menos), outra taxa foi estabelecida em 1685 segundo a qual os vinhos com muito sucesso, depois da proibição sobl'e todos os nossos panos de cores»;
franceses eram tributados em f. 8 por tonel, e os vinhos portugucscs em f. 12. Tlv. British Merchant, 1713 (C. King ed. Londres, 1721), III, 42. «Já no pcrlodo
S egun do o mesmo P. P. (pág. 7), em 1692-93 uma taxa extra de 25% recaiu sobre 1671-1601, a produção de ma11ufac1uras de lã se multiplicou na região da Covi­
os produtos franceses, enquanto que em 1696 mais f. 25 por tonel foram impostas lhã e Fundão». GoDINIIO, Le Portugal el son Empire, pág. 10),
aos vinhos franceses. hto está praticamente de acordo com o ponto de vista de (62) Ver tamb�m Goo1NHO (As Frota.s ... , pág, 302), segundo o qual a crise
A. D. FRANCIS (J. Methuen and thc Anglo-Portuguesc Treatles of 1703, Historical e! reforçada pelo abrandamento <la entrada de prata de Espanha cm Portugal.
Joumal, 1960, Vol. III, n.0 2), segundo o qual, ·em 1692, «os vinhos francoc:i Ainda, �do GoDINHO (Prix ... ), as tentativas de iadw�ção de Portugal
pagavam ... mais que qualquer outro vinho», mas em 1685 os vinhos francoes contradi:i:em a opinião de E. J. H AldlLTON (War IJlld Pricu in Sapin, 1651-1800, Cam­
pagavam 1'. 8 por tonel e os restantes f. 12. bridge Mas.,. (1947), baseada na ('.xperitncia espanhola da mesma época. O prin­
. (69) Act 12, Carlos II, in G. B. P. P., Cmd. 8706, LXXXV, 1898, 137. cipal argumento de Hamilton assenta no facto de, dado o fenómeno corrente
Ver também a nota anterior. dos salários não acompanharem o movimento dos preços, a acumulação de capital

54 55
COORDl'.NADAS COMl'rncro I'. PODl!R

défice registado na balança de pagamentos, foi fundamentalmente dade através d� industrialização. Esta polftica identificava-se de tal
resultado da polltica «colbertista» do Mru:Quês de Fronteira e do maneira com a pessoa do Conde, que ·não subsistiu ao seu suiddio,
.Gonrl.r-..da Eriç_tlf_a (secretário de Estado de 1675 a 1690), e das ideias em 1690; realment1\ a ausência de uma forte burguesia mercantil,
de Duarte Ribeiro de Maced_p, Inicialmente, traduziu-se no resultado a ignorância dos IJurocrnlas, a desorganização do próprio aparelho
da análise do Conde da Ericeira sobre a situação em Portugal e dos de Estado e a oposição ela aristocracia latifundiária foram suficientes
seus desejos de transformar as potencialidades portuguesas em reali- para a destruição d,,s ideias do Conde, posteriormente à sua morte.
Estes determinantrs negativos foram reforçados pela atitude da
Igreja, que claramente preferia a hipótese do livre-câmbio em pre­
e os inve.stimentns se concentram nos períodos de al\:i de preços. Assim, quando juízo do desenvolvirnr.nto da indústria nacional, pois se tal acontecesse
os prrços sofrem um rápido acréscimo os lucros também aumentam, pois a r:liíe­ estabelecer-se-iam em Portugal artesãos ingleses de religião angli­
rença entre preços e salários aumenta e .o capital assim acumulado é utilizado em cana, e além disso tal industriali7.ação poderia levar os Judeus a
investimentos cuja rentabilidade depende dos custos relativamente baixos da
mão-de-obra empregada. A teoria de Gol>!NllO baseia-se na distinção entre revolução
uma nova posição de relevo e influência na vida portuguesa ( 63).
técnica e investimentos. Quando os preços diminuem, os lucros também decres­ Mas para além de todas estas carncterísticas, a política do Conde
cem devido à rigidez dos salários. O poder de compra aumenta, a! venda, dimi­ da Ericeira constitufu uma reacção à situação criada para Portugal
nuem e a preferência pela liquidez torna-se maior. Assim, a parte correspon• pela assinatura dos vários tratados com a Inglaterra ( 64) e aos privi­
dente à mão-de-obra no custo total de produção aumenta, tornando-se então lucra­ lég;os, deles decorrentes, concedidos aos ingleses residentes no
tivo substituí-la pela máquina. O aumento de produtividade assim cons,:guido
pais (65). Consequentemente, a aplicação de tal pol!tica conduziu à
contrabalança a querla dos preços no mercado, enquanto o desemprego reduz o
efeito cio aumento elo poder de compra. Então, e lentamente, os preços começam a restrição na importação <le prtnos ingleses, encorajando por outro
aumentar novamente (na opinião de Gc,mNIIO, isto deve-se a forças cfclicas actuando
a longo prazo), enquanto que os salários não acompanham esta nova subida e, por
outro lado, aumentam os lucros, bem cerno a acumulação de capital. O poder de (63) FRANr.1s; T/,e Afet/111enJ ...1 págs. 205-206.
compra e a prefrrência pela liquicl·!Z diminuem, o que ni conduz ir a um novo ( 54) Sr.gundo MACEDO, a nolftica industrial do Conde da Ericeira foi mais
aumento d� vendas. É, necessário que os investimentos acompanhem este aumento uma reacção a uma crise financdia que tinha reduzido significativamente os meios
de procura, e que o emprego reforce a procura global. Então, a produtividade de pagamento portugueses cio que uma tentativa para controlar o dom!nio inglés
desce lentamente, os preços sobem assustadoramente até uma nova depressão n:i viela económica Je f'ortug:il. Contudo, não se pode negar que esta crise e,ti-·
atingir a economia. De acordo com esta teoria, a., alteraçfíes tecnológicas (ou inova­ vcsse também li�nda li halanç:i de pagamentos portuguesa e ao carácter peculiar
ç�) nparecem como uma rencção à depressão e à queda dos preços, até que as dos tratados <lc 1642, IG�4 e 1661. Como se indica pelos números apre,entados
forças criadas por estn., altefações produzam uma revitalizaçiio na actividade na nota 54, n balança r,or11r1cial «caminhava a passos firmes de�favoravelmente
económica, bem corno um aumento nos preços. Ncstn altura, os inve1timc11tos para Portugal, que tinha dr pagnr as merr.adorias inglesas em metal precioso.
passam a desempenhar um importante papel, embora simultaneamente criem a Tal processo era contrnrio a todas as teorias económicas <laqueia altura» (C11ArMAN 1
ba.�e para uma nova crise. GoOINIIO provou a sua teoria para o caso português e op. cit., pág. 168).
concluiu que da., quatro tentativas de industrialização ( 1670-5 / 1690, 1769/70, (65) «O Trntado (de IGG 1] exigia demasiado a Portugal e dava pouqu!s­
1B20/22, 1834/35) só a segunda não se verificou num trend acentuado de baixa simas garantias para a sua manutenção como país economicamente independente,
de pr�ços. Infelizmente, as estat!sticas dos salários são escassas, mas- indicam a O pagamento das s0mas exigidas pelo governo ingles como compensação, a manu­
amtncia de um grande desíasamento entre preços e salários durante os perlodos de tenção dos privilégios am ingleses residentes em Portugal, a limitação do mon­
indmtrialização mencionados. Isto indica que esses mesmos. períodos não se loca- tante dos impostos a pagar pelos comerciantes inglese,, tudo isto eram íactores
. lizam na fase ascendente do ciclo, mas podem ser localizados na sua fa.,e des­ que levaram o país mais forte a controlar o mais fraco»; S1t1LLINGTON e CHAPMAN,
cendente. op. cil., pág. 205.

56 57
COORDENAD AS C.OM!\nc,o ll POD!!K

lado a imigração tle art-::sãos ingleses para trabalharem as matérias­ das mauufacturas nacionais tiveram tal impacto que «no período
-primas locais, que, além de serem abundantes, poderiam em caso de 1698 a 1702 apenas algumas centenas de peças [de panos de lã]
foram Jm_p.9_rtadas de lnglaterra» (7t).
_de neces�.idade ser aumentadas com a importação de lã espa­
nhola ( 66). De l 677 até ao fim do século, Portugal proibiu, pela A.' ��acção.ingÍesa /a este declínio das suas exportações de manu­
imposição das Pragmáticas Sanções, a comercialização dos panos facturas pã:ra 'fíortugãÍnão se fr.z esperar e baseou-se na r��2 �os
de origem estrangeira, fechando assim o mercado português aos preços na esperança de eliminar a concorrência nacional. Cón-tucfó,
produtos ingleses ( 67), num momento crucial para a expansão �rodutos portugueses eram de «preço bastante inferior ao dos
\manufacturcira
- inglesa (68). produtos ingleses» (n), de tal modo que a predominància nacional
Os protestos da classe comercial inglesa contra a obrigatorie­ se fazia sentir não só nos mercados do interior do pais, como tam­
dade de a população portuguesa usar apenas tecidos fabricados cm bém nos centros populadonais do litoral, muito embora nestes últimos
Portugal surgiram com os primeiros resultados da política do Conde já se fizessem sentir os efeitos da rnncorrência inglesa.
da Ericeira ( 69), já que nos finais do século, com a criação das primei­ Durante o mesmo período, as madeiras do Brasil e a exportação
ras fábricas de tecidos na Covilhã e cm Portalegre, e de chaµéus clt" sal, embora a comercialização deste último produto já estivesse
em Braga, se conseguiu reduzir as «compras tle panos ingleses num controlado pelos Holandeses, que o distribuíam para os mercados
total de cem mil libras por ano» (70). Os efeitos no desenvolvimento 1 europeus, contribuíram igualmentt" para uma melh,oria substancial
da balança de pagamentos portuguesa ( 73). Estas alterações, conse-

(66) Srn R ICIIAKU LouGE, The Trealics of 1703, Clwpters i11 A11glo-Portug11m
Relations (ed. E. Preslage, Walford, 1935), pág. 156. (71) S.11LLINGTON e ÜIIAPMAN, op. cit., pá1;. 222. Segundo T/ie British Mer­
(67) Esta medida ajudou as tentativ�.s espanholas em estabelecer uma chan/ (li, 86), só se mandaram 10 493 peças de panos de lã para Portugal durante
indústria têxtil nacional, na medida cm que reduiiu substancialmente o grande o período em que vigoraram as Pragmáticas Sanções, 1685-1703.
fluxo de produtos ingleses que eram introduzidos ilegalmente em Espanha através (7 2) MAc.:1mo, op. cil., pág. 41. Segundo D. Luiz da Cunha (embaixador
de Portugal, G. ll., P. l'. Cmd. 547, XLVII, 1844, 3:!5. O contrabando de pro­ português na corte inglesa), a bombazina i11glesa era vendida em Lisboa a 27 000 réis
dutos ingleses para Portugal (especialmente panos), mbrcluuo depois tias Leis a peça; G. DA CuNIIA Dl\ V1LLA l3oAs rnoslra que o seu equivalente, o côuado, era
Sumptuárias, atingiu considerável importância. produzido ao preço de 15 000 réis e vcntlido a 21 ou 22 000 réis.
(6 8) Através dos números apresentados na nota 54 para as exportações (73) «Portugal alimenta-se graças ao seu sal - o sal que salvou o Estado
inglesas para Portugal, e das cstin:iativas de Davis (op. cit., pág. 160) sobre as expor­ Português da ruína financeira em 16691> (MAURO, op. cit., pág. 275). A exportação
tações inglesas (e reexportações), para os anos 1663-69 e I G99-l 70I, respectiva­ Je sal conslitu(u sempr-e um elem.c:11:0 importante na balança comercial portu­
mente de f. 4, l milhões e f. 6,4 milhões, a pane 911c cabe a Portugal no lotai guesa. As quantidades p.ira exportação eram fixadas pela Roda da Reparti;do e o
das exportações inglesas foi calculada em 1% e 5% para cada um Jus períodos preço de venda mantido constante (cerca de 1,3 réis por litro) por todo o
considerados. século xvlll r: parte do século x1x, mui lo embora as vendas realizadas fora da alçada
(69) Quando um movimento análogo se espalhou em Inglaterra no prin­ da Roda pudessem alcançar preços mais elevados. A exportação de sal diminuiu
dpio do século xvu, a única oposição durante o debate parlamentar baseou-se no .durante a primeira metaue do século xvm, mas rcs1abeleceu-sc na segunda metade
facto de «ser difícil aceitar u�a lei pela qual não distingu.imos as nossas esposas desse século. Essa diminuii,ão foi devida à descoberta pelos InglcsC3 do sal-gema
das nossas criadas de quarto» (E. Li PSON, A P/an,ud Economy or Free Enterprise em Marburg, perto de Norwich, ,:m 1670, cuja produção chegou ao mercado
(LondrC3, 1944), pag. 55, e Thl Economic HiJtory ... , III, 45: The Hou.re of Commo/lJ nos finais do século xV11, passando a ser exportada para a Holanda, Hamburgo,
Journal, 1, 548). regiões do Báltico e Noruega (G. D. RAMSAY, Eng/ish Overseas Trade-Londres, 1957,
(70) Thl British Mcrcha11/, Ili, 83 e 87. pág. 157). Na década de 1760, a cidade de Setúbal desenvolveu um comércio

58 59
COORDENADAS COMl'.RC:JC r-. PODER

quência da firme determinação do Conde da Ericeira em diversi­ nação das suas actividadcs, organização no fornecimento d.e matfrias•
ficar a economia portuguc3a, podiam ter trasformado por completo -primas, estandardização das vendas e tarif as fiscais, e garantia quanto
a posição de dependência de Portugal face à Inglaterra. Para a exe­ à qualidade dos produtos fabricados. Tomaram-se igualmente medi­
cução desta polltica montou-se um sistema de leis, não só conducente das tendentes a facilitar a comercialização dos produtos, tal como se
à criação de manufacturas, mas fundamentalmente para a coorde- tinha feito cm 1658 ao promover a produção do linho. A contraba­
lançar tudo isto, os manufacturciros nacionais tinham que comba­
directo com a Irlanda, onde os comerciantNi portugueses vrndiam o sal a prrços ter hábitos trarlicionnis da população portuguesa em preferir con­
inferiores aos consrguidos pelos Ingleses. sumir produtos �slra11gciros e a co11corrência inglesa, especialmente
nos artigos de lã (7�).
Exportações mldias anuais do sal Esta polltica económica, se bem que perfeitamente realizável
Ptrfodos
de Setúbal segundo os seus criaclorr�. nao foi levada a cabo com o êxito que se
(milhões de litros) esperaria.
IGB0-1690
Em primeiro lugar, as Pragmáticas Sanções não se tornaram
54
1691-1705 91
realmente cfect ivas ate 1685-1689 (? S); além disso, os seus objectivos
1706-1720 54 referiam-se mai3 a artigos de luxo que propriamente aos têxteis e
1721-1735 41 fornm mais propicias a prejudicarem o comércio inglês do que a
1736-1750 59 incitarem a produção 11acional ( 7 6). Finalmente, a política de esta­
l751-17G6 67
belecimento de manurac:turas necessitava de uma complementação
na estrutura adminislrativa governamental, o que não sucedeu por
Fonte: VrndNIA RAu, Rumos e Vicissitudes do Comércio do Sal Portuguts
total incapacidade ele resposta da máquina oficial portuguesa.
nos Séculos x1v a xv111, Revista da Farnldade de útras, III Série, 7, 1963, pá gs , 21-24 .
Na 1íltima décacl;1 cio século xvu, as exportações portuguesas
Convr.rterarn-sc o� meios apr�entaclo� na fonte em litros, u.�ando o factor 1
moio = 780 litros.
traduziram no entanto 11111a certa evolução: os preços dos produtos
exportados aumentaram ligeiramente e foram acompanhados por
um acréscimo de prornrn, prinr.ipalmente como resultado da neutra­
Exportações
· portuguesas de sal para a Europa
Anos
e Amlrica do Norte
lidade portuguesa na guerra da Liga de Absburgo (1689-1697).
(milhões de litros)
Muito embora o aumento regi�tado não alterasse significativamente
a situação deficitária i:la balança de pagamentos, dada a subida gene-
1776 102 f. 43,000
1777 110 66,4-00
1783 170 91,000
17CJ5 (14) MAcr-.no, 0/1. cit., p:�- 31-32.
152 129,000
1797 170 (75) Fr-.ANCI�, J. Met/wm . .. , pág. 104.
141,000
1799 (16) lbid. É acerca disto que GooINJtO afirma ser correcto o facto «daquelas
112 114,000
1800 manufacturas fazerem mais concorr�ncia às francesas do que as manufacturas
80 71 ,600
inglesas11 (As Frotas ..., pág. 303). Contudo, não se deve inferir daqui que o protec­
cionismo fosse «uma das razric.� para explicar o desenvolvimento do com�rclo
Fonte: MAcrno, op. eit., pág. l!i7. porluguts com a lnglal�rra e o declínio do comércio com a França,,,

60 61
C O O ll D E N A D A S
III. A consolidação
ralizada nas importações (77), transmitiu uma certa ilusão de desen­
volvimento da economia e conduziu a uma retracção no esforço de da dependência
industrialização do país (7B). Ao mesmo tempo, a situação no sector
das manufacLuras em Inglaterra deteriorava-se devido à queda dos
preços dos respectivos produtos, de modo q1;1c o. interesse inglês O comércio, na verdade, encontrará os seur
pelos mercados da Península Ibérica aumentou significativamente, e próprios circuitos, mll.I st não for regulamentado­
também porque a procura, quer em Portugal quer cm Espanha, se poderá cau.rar a ruiria da Nação.
dirigia especialmente aos artigos de lã e para os preço3 pretendidos S11< fl\ANCIS fiREWSTE� ( J 702}
nos fins do século (a Inglaterra apreE-entava-sc muito mais especia­
lizada na produção que a França, a Holanda ou os Estados Ale­
mães, e consequentemente em posição de prima:iia para a expio-
. ração e expansão em tais mercados) (79).
A descoberta de filões de ouro no Brasil aumentou o seu inte­
resse em controlar de novo o mercado português. A relação íntima
entre importações e exportações que tinha surgido por volta de 1690
forneceu aos Ingleses a solução para o tipo de compromisso que pre··
tendiam alcançar em Portugal. O Tratado de Methuen irá constituir 3.1. Antecedentes Económicos e Políticos ao Tratado de Methuen
o instrumento necessário ao restabelecimento da situação de depen­
dência económica e política de Portugal e1n relação à Inglaterra, Vimos no capítulo anterior que o declínio dos preços e quanti­
criada com os acordos firmados em pleno século XVII e que a polí­ dades vendidas dos produtos coloniais portugueses ( 1), as alterações
tica do Conde da Ericeira tentou em vão destruir. desfavoráveis nos preços dos produto8 de origem metropolitana
e a suspensão dos fornecimentos da prata espanhola constituíram
razões de peso para Portugal tentar a estruturação de um sector
manufactureiro a fim de evitar a grave crise financeira que amea­
(71) MANCIIESTER, op. cit., pág. 24. çava a economia portuguesa.
( 18) O incremento dos preços dos produtos tradicionais desde 1690 e a Esta tentativa não foi tão bem sucedida como se esperava;
subsequente desaceleração da industrialização são usados sem convicção por contudo, pôs em perieo a posição dominante da Inglaterra e colocou
Godinho, como causa e efeito para assentar na sua teoria (ver nota 62), seg·undo a a wa indústria têxtil em sérias dificuldades.
qual os investilllcntos se realizam nos períodos de baixa dos preços. O problema
era mais político (oposição à industrialização por grupos poderosos muitas ve1.es
A situação internacional (com a Guerra da Suce,são d.e Espanha
ligados aos interesses ingleses) .e social (falta de vontade cm aceitar um tal pro­ em 1701-13 a Inglaterra mais uma vez pegou em armas contra a
grama, dadas a mentalidade e as aspirações) do que puramente económico. Godinho
não deixou de reconhecer este facto noutras obras (As frotas ... , pág. 305, e Portugal
and Her Empire, págs. 396-97). (1) Os lucros do comércio brasileifo eram de apenas 10% durante a última
(1Q) H. E. S. Fmrn1t, Ànglo-Porlugum Trade, 1700-1770, tese de doutora­ década <lo século xvn. Esse comércio era feito por uma frota anual constituída
mento não publicada, .Universidade de Londres, 1961, citada por cortesia do por 30 navios para a Baia, 30 para Pernambuco, 8 para Paraíba; FRANCIS, Tk
autor, pág. 70. Methutns..., págs. 17-18.

62 6J
COORDENADAS C<1MJ'.RCIO !'. PODJ\R

França) levou Portugal a uma posição de capital importância, missão de fazer r·:grcssar Portugal ao espírito da aliança anglo-portu­
militar e económica, para a Inglaterra. De importância militar guesa foi confiada a Methucn ( 6), que não só cumpriu o carácter
porque na Guerra da Sucessão os portos portugueses viriam a servir <liplomático do �eu objectivo como também realizou um acordo comer­
de «refúgio e apoio logístico à esquadra inglesa», já que foram cial cm que se voltavam a e0ncedcr à Inglaterra os privilégios estabe­
pontos cruciais nas operações navais inglesas no Atlântico Sul, em lecidos nos tratados assinados anteriormente, no século xvu. A ideia
complemento das operações no Mediterrâneo, . e que mais tarde de que os «privilégios unilaterais não tinham efeitos de criação de
facilitariam as vitórias do general inglês Marlborough no conti­ comércio» (') foi suficiente para os Ingleses perceberem, e disso
nente (2), De importância económica porque o mercado português tinham tido o exemplo nas décadas anteriores, que não podiam
continuava a ser um dos principais objectivos ela Inglaterra (3), manter a sua posição de domínio sem oferecerem a Portugal um mer­
nele se incluindo também o enorme e atraente mercado brasileiro, cado cstávd para os sr.ns proclulos. J\ publicação da última elas Prag­
onde o ouro, embora descoberto em 1693-95, só na primeira década máticas Sanções cn1 1698, proibindo a importação de panos de lã
<lo século xvm viria a conhecer elevados níveis de produção (4). e outros tecidos, tinha provocado um estrangulamento grave no
As relações entre os dois velhos aliados l'lgravaram-sc na altura comércio externo inglf·�, e 111uito cm bora, pelas razões já apresentadas,
em que Portugal assinou um tratado de aliança com a França e as consequências reais <lesta sanção não fossem mais eficientes que as
com a Espanha, em Junho de 1701, segundo o qual os portos portu­ registadas na aplicação das leis pragmáticas anteriores, o que é facto
gueses boicotariam qualquer navio inimigo dos seus novos aliados, é que provocaram uma séria ameaça à subsistência de um sector
entre os quais se contavam, portanto, os navi.os ingleses (5). A difícil vital da economia inglesa. E esta ameaça s6 não tomou pr�s
mais alarmantes pelo facto de em PÕrtugal o podcrsc ·e·ncontrar. nas
(2) A. T. MAIIAN, TI14 llljfuence o/ Seaf>ower upon lfülory (Nova Iorque, 1957), riiãõs' ae·ü111a aristocracia latifundiária totalmente..desintex�ssada. da
pá�. 185 e 191. aciivícíaãêmãnüfaciureira ( B). Foi então que a Inglaterra aproveitou
(l) No começo do século xvm 3.!! exportações inglesas para Portug11I consti­ pà'ra legálízar"'"'õs· seus ·111t<;rcsses por intermédio de Methuen, e só
tuíam 10¼-l 1% cio total da� exportações britânicas. 11esta perspectiva se pode aceitar a posição de V. M. Godinho ao
(4) · nox1rn, The Goldm Age ..., pág. 35. Pa�sados apena.s dez anos sol.,re a
assinatura do Tratado de Methuen, escrevia-se no British Merchanl (Ili, 80) que afirmar que «o tratado ele Me:�u� � r�gis� a.. (�.�d. a�e��a�� :� t� uma
- _ . _ . - -
ele (Tratado) «asscgurnu-nos uma parte daquelas Minas para sempre, ao obrigar
o Rei dl! Portugal a admitir no seu Pa!s os nossos Panos de Lã e a nunca proibir
quaisquer das nossas Manufacturas de Lã». Pela citação �eguinte, pode ver-se
bem como era urgente a entrada de Dinheiro no país: «quando a quantidade (6) John Mcthuen era filho dr. um abastado industrial t�xtil de Bradford­
de Dinheiro for tão grande <:orno a que existe em qualquer dos nossos Vizinhos, -011-Avon, e também tinha estado integraJo no comércio da lã, mantendo-se em
podem tr.ntar-se algumas das suas Manufactura�. .. nào há Dinheiro �uli­ estreito contacto coir, os mais in1pnrtantcs produtores e comerciantes. Tinha sido
cient� ern Inglaterra rara o fazer; mas assim que o tivermos, entidadel1 privadas igualmente o enviado britânico a Portugal de 1691 a 1696; ver FRANCIS, 1k­
poderão continuar o comércio (pesca); não são necessários Encorajamentos ou Me1/11u.n.r..., págs. 1-5.
Corporações; Con.riderations on lhe Ea.rl-lndia Trade, 1701, reproduzido em J. R. MAC· (7) MANClll:STER, of>, CÍI., pág. 23,
ClJLLOC11, Early Eng/iJh Tracts and Commerce (Londres, 1856), p;\�. 594-95. (8) Goo1N110, Le Portugal et son Empire, pág. 26. Contudo, o facto de­
(�) Sc1101tER of>. cit,, pág. 198, acredita que o perigo de ter um neto de «até 174-0 a melhor qualidade cm tecidos de lã (sobretudo importados de França,
Lu� XIV no trono espanhol lançou Portugal para O! braços dos Ingleses, embora ver car,ítulo II, pág, 62), permaner.er pefeitamente secundária (H. E. S. Fmtl!R,
�te (o Rei de Espnb), habituado a usar a sw1 capacidade de negociação em seu of>. cit., pág, 222), pode rwistrar que as Pragmática.� Sanções podiam, ar,csar de
ravor, não perdesse tal oportunidade. tudo, ser reforçadas.

64 6S
COORDl!NADAS COMÉRCIO B POD!l�

�ção de facto» (9). Tal pos1çao não minimiza totalmente a impor­ ao fornecedor pendia mais para Portugal do que para a França,
tância deste acordo, já que o considera mais uma consequência de pois, enquanto ao· primeiro o vinho era pago pelas manufacturas
um longo e complexo processo do que uma causa primeira. vendidas a Portugal, o vinho francês era pago em metais preciosos,
Não se devem igualmente subestimar as poderosas forças de pres­ pra ta especialmente ( t 1 ). Pela mesma altura, e como já se referiu,
são existentes cm Portugal e que favoreciam uma evolução dos a eclosão da guerra fechava os portos i11gleses aos vinhos franceses
acontecimentos identificada com os objectivos do tratado de Methuen. e finalmente, em Abril de l 703, uma convenção assinada conjunta­
Uma das principais era, sem dúvida, a aristocracia, francamente mente pela Inglaterra, Holanda e Áustria estipulava um embargo
interessada na expansão do comércio vinícola, e cujo leader prin­ total ao comércio francês ( 12).
cipal, o Marquês do Alegrclc, foi dos rcprc�cntantcs mais in/luc11tcs Após as conversa�'.Ões do Tr,tlaJ(l de Mclh11cn cm Maio de 1703,
nas conversações conducentes à assinatura do Tratado de 1703 (10). os exércitos franco-espanhóis invadiram Portugal (particularmente
Para além desta posição de classe tinha-se generalizado a ideia de que o Alentejo), tendo várias manufacturas sido destruídas (como a de
a aplicação da política comercial do Conde da Ericeira reduziria o Portalegre) ou encerradas ( ll). Por outro lado a situação na agri­
volume de importações, e consequentemente o montante das res­ cultura era desfavorável, c.oncretamente pela ocorrência da fraca
pectivas receitas alfandegárias, tendo-se preconizado em contra­ colheita de 1702, facto que aliás foi habilmente aproveitado por
posição que uma garantia_ dada à entrada em Portugal dos produtos Methuen durante as conversações, ao obter o acordo do seu governo
franceses e ingleses provocaria uma situação de mais fácil escoa­ em enviar alimentos para acudir às carências da população de Lisboa
men!(), p.<!-ra esseun�r:.r}O� _p;;i.Jses.,.dQ. �çúc::<J,r brasileiro. No entanto,
tal posição não poderia de modo algum agradar à Iriglaterra, pois os
acordos preferenciais celebrados com as suas ,colónias produtoras
de açúcar seriam largamente prejudicados com esta eventual tomada (11) Os reis de Inglaterra, Guilherme e Maria (1689-94), proibiram todo
de posição de Portugal. Pelo contrário, uma vez que tanto na Ingla­ o comércio com a França, porque «a importação de vinhos, vinagres e aguarden­
tes franceses» levaram à exaustão o tesouro desta nação... e causaram grande
terra como nas suas colónias não se produzia vinho, e uma vez con­
prejuízo a este reinoi>; W & M. C. 3.-1., citado por M>.NC11EsrnR, op., cit.,
cluída a neces!:idade imperiosa de o importar, a decisão em relação pág. 32.
(17) «Desde a sua Sllbida ao trono, Guilhcnnc III tinha provocado guerras
com a França , e a importação de vinhos franceses pela Inglaterra tinha sido proi­
bida ou sujeita a pesados encargos. O resultado tinha sido um aumento na procura
(9) Goo1N110, As Frotas ..., pág. 304. de vinhos portugueses, quer do vinho do Porto, quer do vinho da Madeira»; LODGI!,
(1 O) Desde a assinatura do Tratado, o Marquês do Alegrete, Roque Mon­ The Treaties of 1703, pág. 164-. A proiliição total durou até 171 O, isto é, sete anos
teiro Paim (Secretá.rio de Estado), o jesuíta Sebastião de Magalhães (confessor do depois de o Tratado de Methuen ter tido tempo para influenciar o paladar inglts
rei) e o Duque de Cadaval foram repetidas vezes alvo de acusaçüe, de suborno. � criar um mercado imp0rtante para os vinhos portugueses, Segundo SMrrH,
Embora seja difícil apurar a verdade , documentos do parlamento britr.nico atestam (op. cit., I, 417), estes impostos traduziam-se em, pelo menos, 75% para as impor­
que , durante a sua missão" Portugal, Met.huen recebeu 44 000 moedas e jóias em tações francesas.
ouro e 216 000 cruzados (cerca de f. 18 000) do tesouro portugubl, No mesmo (13) «Assim o aproveitar desta oportunidade, quando Portugal estava nova­
ano, o Duque de Cadaval e o Marquês do Alegrcte, <Cdois grandes proprietários mente comprometido em guerr:i com a E.spanha, quando os espanhóis, juntamente
de vinhas... sentindo dificuldades cm colocar os seus vinhos em virtude da concor• r.om a França, invadiram aqut:le paLi e, se não o destruíram, acabaram com aa
rtncia francesa ... proibiram a importação de vinhos e aguardentes estrangeiras ... manufacturas de panos portuguc:sc:s ( a invasão foi feita pelas regiões onde as princi­
o que vibrou um rude: golpe no comércio francês»; GODINHO, As Frotas ... , pág. 306. pa.is manufacturas estavam localizad?.s)»; 7M Briliih Merchanl, II, 39.

66 67
C:OORDllNADAS
C O M i'-: R C I O ,. r O D I'. R

e Porto ('4). No tratado de paz de Utrecht, em 1713, «a pos1çao da permutou o apoio p:1lf1 ico e promessas de alargamento 'cios terri­
Inglaterra face a Portugal e a situação deste com a Espanha foram tórios coloniais (Tratados de Aliança), por concessões económicas
altamente lesivas dos interesses portugueses, de tal modo que a depen­ e obtenção de privilégios (Tratado Comercial), <<tendo as desiguais
dência ei::onómica em relação à Inglaterra se acentuou ainda mais, vantagens da aliança sido largamente compensadas pela submissão
diminuindo, consequentemente, qualquer' esperança de libertar o económica e polltica» ( P).
pais do jrigo inglêM (15), O Tratado comercial de 1703 englobava apenas três artigos, que
voltavam a abrir o mercado português aos panos de lã e outras
manufacturas inglesas, na condição de que os vinhos portugueses
3.2. O Tratado de Methuen
entrados cm Inglaterra fossem onerados num nível inferior em 2/3 aos
O tratado comercial que Methuen negociou com o governo direitos praticn.tlos sobre os vinhos franceses ( 18).
português foi assinado em Dezembro de 1703, e constituiu certa­
mente um dos acontecimentos mais importantes nas relações já (11) JArnr-. ·coRTESÃo, Alexandre de Gwmão e o Tratado de Mt1drid (Rio de
seculares entre Portugal e a Inglaterra. No entanto, e muito embora Janeiro, 1952 5G), ll, 113, que se refere sohretu<lo às ideias de A. Gusmão «Grande
a sua ocorrência tenha dado a Methuen o lugar de devido relevo 1 mtrução».
na história inglesa (16), muitas vezes se tem sobrestimado a sua ( 18) «i\rt. I: Sun l\!ajcstade Sagrada o Rei de Portugal compromete-se,
tanto cm seu próprio nom,' como no dos seus sucessores, em permitir daqui por
importância, identificando-o como o ponto de partida do predomínio diante, cm Portugal, os panos de lã e as manufacturas de lã britânicas, como
económico-polrtico inglês sobre Portugal. Num sentido lato, o tra­ era costume até s�r proibido por lei; contudo sob a seguinte condição:
tado de Methuen mais não foi que o resultado lógico de uma situação /\rt. o II: ;\ qual é, que Sua Majestade Real Britânica fique, em seu pró­
vinda do sécl'lo xvn, com a assinatura dos tratados de 1642, 1654 prio nome e no dos seus sucessores, obrigada, daqui por diante, a permitir a entrada
e 1661. Dentro do espírito dos acordos então firmados, a Inglaterra de vinhos portugueses cm lnr,laterra, de tal modo que em qualquer altura, haja
paz ou haja guerra entre 0s reinos de Inglaterra e da França, nada mais será pedido
por esses vinhos, sob o uomc de taxa ou imposto, ou sob qualquer outro titulo,
(14) Os números seguintes mostram as exportações inglesas para Portur,al direcla ou indirectamcnte, na sua importação pela Inglaterra em barris ou outros
no que respeita a bens alimentares: recipientes, do que o que for pedido por igual quantidade ou medida de vinho
francês, deduzindo ou abatendo a terça parte do imposto. Mas se em qualquer
(Milhares de quarter.i) (Milha1res de barris) altura esta dedução ou abatimento, que será estabelecida antecipadamente, for
Ana Tn'go Cmt,io Farinha C,vtrda Mtint,iga de qualqu,'r modo atacaria ou prcjuclicida, será jmto e legal, ela parte de Sua
Majestade Sagrada o Rei d� l'nrtup;nl. proibir novamente os panos de lã e o resto
1701 7,1 ,·las manufacturns ele lã l,,i1,11,icns;
1,0 0,0 1,3 0,2
1702 /\rt. 0 I 11: Os lllais altos dignatários, lor<lcs plenipotenciários, compro•
27,8 2,8 0,1 5,6 0,4
1703 80,6 mclen,-se por sua honra ratiíic:ir rstc Trntado; e no espaço de dois meses a ratifi­
27,8 2,0 30,4 1,3
1707 cação será permutada,->; s�11111, of!. cit., i:, 44. Uma nota a páginas 513 da edição
132,1 3,9 2,5 1,7 0,1
Cannan de Smith (Nova Iorque, 1937) acrescenta: «com três pequenas excepções,
'Britânico' por 'Bretão', 'lei' por 'Leis', no Artigo I, e por 'cm vez de' de 'antes da
FRANCIS, Tk M,thunu ... , Apêndice 3, pá gs . 362-63. expressão «igual quantidade ou rneclida de vinho Francês», no artigo II, a tradu­
(1 � ) LoDGr., Tk English Fatto,y... , pág. 222. çiio é idêntica com a que <' nprcscntada cm A Collection of ali Treaties of Peaa,
(111) «&te hábil ministro [Methuen] merece bem ter uma estátua em cada Alliance and Comrnerce btlwm, Grenl flritain and 01/rer Powtr! from IM Revolution in 1688
cidnde comercial úa Inglaterra». Tk Briti.rh Mmhant, III, 60. lo lhe Premi Time (1772), 1, (i 1-62,

68 69
COOKUéNADA S COMÍ.hCJO ll �ODER

Este tratado, curto em extensão e simples em conteúdo, preconi­ O valor absoluto dos direitos que oneravam os vinhos portu­
zava duas consequências básicas: o mercado português, metropoli­ gueses podia ser facilmente elevado segundo a necessidade da Ingla­
tano e colonial, era legalmente reaberto aos produtos ingleses, e por terra, o que na verdade aconteceu, sem isto constituir qualquer
violação ao tratado. Além disto, e muito embora o Trataria de
outro lado a Inglaterra constitula o mercado por excelência dos
Methuen concedesse um tratamento preferencial aos vinhos portu­
vinhos portugueses. Assim, importanclb vinhos portugueses em pre­
gueses, em prejuízo dos vinhos fr anceses, provocou grandes dificul­
juízo dos franceses, a Inglaterra podia encarar com optimismo o
dades ao comércio português pela concorrência que se começou a
seu sector de exportação, especialmente o têxtil, garantido que estava verificar com o vinho cspa11hol.
o mercado português como consumidor dos seus produtos. Em Com efeito, uma vez assegurado o controlo do mercado portu­
termos absolutos, os direitos preferenciais estabelecidos no Tratado guês e brasileiro, a Inglaterra nivelou os direitos (alfandegário e sisa)
eram apenas aparentes, pois era um facto que já desde 1690 os direitos exercidos sobre os vinhos portugueses e espanhóis. Finalmente,
de importação exercidos sobre os vinhos portugueses er.1 m infer: ü res em 1831 os direitos alfandegários para qualquer tipo de vinho foram
aos que incidiam sobre os vinhos franceses (19). Este ponto foi clara­ fixado� em 5 s. 6 d., com uma única excepção de 2 s. 9 d. para os
mente explicitado em comentário produzido pelo British Merchant vinhos da colónia do Cabo (21). (Ver capitulo VI, pág. 201).
sobre o acordo dos direi.tos: Embora não existisse um limite máximo para o valor dos direitos
que podiam incidir sobre os vinhos portugueses, a única crítica de
«Nó3 ('.ngles es] fizemos isto [reduzir os direitos sobre os vinhos portuguese� J que o tratado foi alvo, uma vez sujeito à aprovação do Parlamento
antes ?e estipularmos fazt-lo através do nosso Tratado (de Methuen), e foi do inglês, consistiu no facto de alguns dos seus membros protestarem
nosso interesse fazt-lo, embora tal redução não tenha sido objecto de qualquer
contra a violação de um direito fundamental, e recentemente adqui­
Tratado. Não· fizemos qualquer Altr.ração nos Direitos que já tínhamos estabele­
cid�, para bem de Portugal, embora Portugal tenha levantado a Proibição sobre rido, do legislativo britânico: a fixação dos níveis dos direi tos alfan-
muitas das nossas manufacturas de Lã a nosso favor, e comprometido a nunca
mais proibir nenhuma .. falar-se da possibilidade de darmos uma Contrapartida
é um Disparate, nunca demos nada a Portugal em troca de ter levantado esta (21) G. B. P. l'., Cmd. fl7ü6, LXXXV, 1898, 148. Pelo menos desde 1767
Proibição, a não ser o que era de nosso interesse conceder, embora a Proibição (G. O. P. P., Cmd. 8706, LXXXV, 1898, 147), mas provavelmente ainda antes , a
ainda tenha continuado» (20). diferença entre as tarifas sobre os vinhos portugueses e espanhóis tinha sido gra­
dualmente reduzida. S1m.. t.1NG1'0N e C11APMAN (op. cil., pág. 255) apresentam as
s�guintes tarifas, cm números redo11dm, para c,s vinhos trazidos para Londres pelos
navios ingleses em 1742:
( 19 ) O facto de os Portuguesc.<; soorestimarem este facto pode dever-se a
desleixo, mas também à ignorância do regulamento, que era nessa altura bem TAIUJ'AS
VJNIIOS
romplicado. Algo de parecido tinha sucedido aos negociadores holand eses que,
durante as conversações de paz de Breda (1667), pediram e obtiveram dos Ingl eses
a revogação do Acto de Navegação de 1660, em favor do seu país. Des conheciam Portugucscs f. 24 por tonel
que em 1662 outro Acto, muito mais restritivo para o comércio holandês, fora Espanhói.s f. 25 por tonel
promulgado pela Inglaterra, Os Holandeses pensaram assim que tinham ol>tido Alemães E. 31 por tonel
vantagens nas conversações de Brcda, mas os Ingleses nunca lhes permitiram franceses E. 52 por tonel
qualquer conces5ão.
(2º) The BritiJh Merchant, III, 39. Em 1325 o vinho deixou de estar sujeito a imposto.

70 11
COORDllNA0AS <:OMl'.RCIO F. PO0l!I\

dcgários (22). No entanto, ninguém em Inglaterra protestou pelo As tarifas que o tratado refere eram as aplicadas já cm 1685
facto de Portugal, segundo o tratado de 1654, se ter sujeito às pressões e totalizavam, de acordo com o «Tonnagc and Poundage Subsidy >>,
inglesas e ter fixado um nível máximo de 23 % a exercer sobre todos 8 libras/tonel sobre os vinhos franceses e 12 libras/tonel sobre os
os produtos importados de Inglaterra. vinhos portugueses 1'. csp:1 nhóis. Crmtudo, cm 1688, as tarifas sobre
Nesta prrspectiva, em troca das concessões feitas à Inglaterra, os vinhos franceses ti11liatn aumentado para 54 libras/tonel, enquanto
Portugal não só não obteve uma redução real dos direitos de impor­ as exercidas sobre os vinhos portugueses apenas tinham subido
tação ingleses sobre os seus vinhos como também não conseguiu para 24 libras/tonel. 1v1uilo embora os direitos que oneravam �s
estabilizar o nível desses mesmos direitos, pretensão que D. Luís vinhos franceses tivessem descido para 47 libras/tonel, nos finais
da Cunha, forte opositor ao Tratado de Methuen, frequentemente do século xv11, apresr.nt;ivam ainda um valor quase duplo do das
tinha solicitado (23), O British Merchanl resumia o conteúdo do tra­ tarifas exercidas �obre os vinhos portugueses (2s).
tado de 1703 como um instrumento «que proporcionava um novo As relações peculiares entre Portugal e a Inglaterra podem igual­
e grande Mercado para as nossas Manufacturas de Lã, Mercado mente caracterizar-se comparativamente pelo facto de que, quando
esse a que já estamos ligados há dez anos e de que poderemos dispôr dois anos mais tarde Portugal assinou um tratado comercial com
para sempre e tudo isto sem sermos forçados a qualquer alteração às os Países Baixos, não só obteve tarifas inferiores em 1 /3 à taxa então
nossas Leis Vigentes» (24). prat:cada, como também a garantia de que elas não seriam alte­
radas (26). Como já tivemos ocasião de assinalar estes requisitos não

(22) Além disso, foram criados empréstimos a partir das receiw dos direitos
sobre os vinhos, de tal modo que qualquer redução de tais direitos tinha de ser r. u itla­ mais perigosos ccmcorrcnltS no ntercaclo ponuguês. M.1.cF.t>O (op. cit., pâg. 43)
d05amentc evitada. é de opinião conu·ária e afirma que o mercado português 5C encontrava cm l 70�
(23) D. Luls da Cunha propôs que Portugal estendesse a proibição à imi:,or­ igualmente aberto aos pano. � franceses e holandeses, assegurando assim uma certa
tação de panos de baix a categoria, na event u alidade de os Ingleses não qll-!rcrem concorrência e eliminando q11alq11er possível monopolização do mercado portu­
reduzir os d ireitos que exerciam sobre a importação dos vinhos portug u eses. Em 18 guês por parte cla Inglaterra. O n,c�mo autor realça ainda o facto de que, para
de Janeiro de 1700 escrevia D. L u fs da. Cunha; <<0 qu e os Ingleses querem<! rr.cllio­ Portugal, a exportação de vinho constituiu uma contrapartida neccs.iária para a
rar as suas manufacturas e arruinar as que agora criámos em Portt1gal»; Lúcio importação de panos ingleses. Contudo, o problema no último quartel do século XVII
oe AzEveoo, op. cít., pág, 398. O mesmo D. L u fs sugeriu igualmente que <<os residia tão só em produzir manufarturas no próprio pais, de modo a não ser neces­
navios rortuguescs fossem autorizados a transportar para Inglaterra açúcar, tabaco sário confiar exdusivamcntc, llll t'm grannc parte, nas exportações de vinho para
e todos os outros produ tos das colónias portuguesas, o que mais tarde a Inglaterra, pagar bens que teriam de ser importados. O hábito de beber cerveja, que MACEDO
injustamente, proibiu>>; L. T. SAMPAIO «Para a Hist6rin do Tratado de Mcthuen>>, menciona ( Jbid., pág. 49) com:> u m novo desenvolvimento cm Inglaterra, deveria
O /11.rtitu/o (Coimbra, 1928), 76, IV Série, S, 9. tê-lo alertado para o facto de nilo haver grande coisa a esperar tio comércio do
( 24) T/iL Dritilh Merc/111111, III, 60. Basicamente, a mesma opinião é expressa vinho. Pior ainda para o caso do vinho português, já que nào se tratava da concor­
por Francis ( Mel/tum ... , págs. 120-122), que afirma que o Tratado «originado pelos r�ncia directa exercida pd.t cerveja, ma.� sim dos seus efeitos no paladar ing!es.
problemas do comércio dos panes de lã ingleses ... satisfez as necessidades inglesas (25) A. Gulll\l\A 'J'i.NnErno, Douro, O 1/atado dt Methutn (Porto, 1943);
sem envolver qualquer compromisso no que respeita a uma acção parlamentar pág. 41, apêndice A. Ver também capitulo II, nota 58.
imediata sobre o lançamento de impostos sobre os vinhos. Além disso, muito ( 26) A1.GllMfll!N RtJKSAI\CUIEP, Haia, St. Cm. Tractatm, 1705, n. 0 48. Segundo
embora o Tratado estipulasse manter os direitos sobre os vinhos portu g ueses, não G. VAN DEI\ H .1. un: ( RtlatiotB Anglo-Ho//andaists, Lovaina, 1932, pâg. 199), um
�e repetiu a medida anteriormente tomada para estabilizar esses mesmos direitos ... tratado semelhante ao a.1sinado posteriormente por Methuen fora oferecido aos
O Tratado deu à Inglaterra u ma vantagem sobre a sua rival, a Holanda, e os Pafses-Baixos e recusado. Se isto é verdade, pod•!rá ser explicado pelo facto de q u e
comerciantC'S ingleses de panoo foram protegido� du rante algu m tempo dos se1u «o embargo em panos não rrn igualmente importante para a Holanda como para

12 13
Ci:OOROhNADAS COMf.llCIO l! POIJl!ll

foram contemplados no Tratado de Methuen e a sua inexistênda bulda à Inglaterra, no todo das exportações portuguesas, subiu apenas
no texto dos acordos permitiu à Inglaterra aumentar os direitos de 3,5% para 5,6%, As importações portuguesas de têxteis ingleses
consoante as suas necessidades. conheceram um aumento percentual do seu v_alor da ordem dos 29%,
para os períodos de 1700-1704 e 1706-171 O, tendo Portugal suuido
à. posição de quarto melhor cliente da Inglaterra, neste sector ( 28).
3.3. Efeitos na Economia Portuguesa Dez anos após a assinatura do Tratado de Methuén o British
Aferchant escrevia: «Desde a assinatura. do acordo com Portugal,
As conseqüências do Tratado de Methuen foram imediatas temos alcançado volumes de exportação, no que respeita às manu­
e bem significativas: enquanto as exportações inglesas para Portugal facturas de lã, verdadciramrnte espa11touos para esse pais, volumes
aumentaram de uma média anual da ordem das 295 mil libras para de exportação nunca dantes atingidos, podendo considerá-los bem.
o perlodo de 1697-1700 para uma quota anual da ordem das 652 mil superiores aos que até agora realizámos com a própria França» ( 29).
libras no período de 1706 a 1710, as exportações portuguesas para Os vinhos portugueses exportados para a Inglaterra, com valores
Inglaterra conheceram médias anuais, para os mesmos períodos, da ordem de 1 L4 milhões de galões irnperiais nQ_ período de 1697
de 172 mil e 240 mil libras, respectivamente. As importações portu­ a 1702 (aproxim.Jl..lli!.mcnte �ª- de todos os vinhos importados
guesas provenientes de Inglaterra aumentaram 120 ¾ durante os pç!_0ngiaterra, comparativamente com 55 % atribuídos à jmp_pr­
dois perlodos já mencionados, contra um aumento de apenas 40% t�ção de vinhos J:SPE.l!hs>js) s11liiram para � milhões de galões_n.o
nas exportações. perlodo de 1703-171QL obtendo uma quota de mercado da ordem
Como resultado desta evolução, o défice da balança comercial dos 653/��--êiiqü'ãnto a quota reservada aos vinhos espanhóis descia
portuguesa aumentou, no mesmo período, de 128 mit libras para para 303/cj. Neste último período, os vinhos franceses detinham
412 mil libras, ou seja um aumento percentual c.le 235% (27). Cumu­ apenas 1 % do mercado inglês, muito embora com a revogação,
lativamente, a percentagem atribuída a Portugal no todo das ·expor­ em 171 O, da proibição de importar produtos franceses, a percentagem
tações inglesas aumentou de 9% (1697-1700) para 14,9% (1706-10), tenha subido para 7% (Jo). Por outro lado, embora Portugal fosse o
mas pelo contrário, e para os mesmos períodos, a percentagem atri-- terceiro melhor cliente dos produto� ingleses, logo a seguir à Holanda
e aos Estados Alemães (2 milhõen de libras e 0,9 milhões de libras
a Inglaterra, e os Holandeses resistiram fazendo concessões aos vinhos cum receio de respectivamente de produtos exportados), a sua posição como ven­
comprometerem o seu futuro ·cômércio com a F�ança»; FRANCIS, Some Reflections dedor era bem mais modesta, pois encontrava-se em sétimo lugar
on thc Methuen Trcatir.s, Acla do V Colóquio lnlernacional de Estudos Luso-llrasi,
entre os principais fornecedores da Inglaterra.
leiros (Coimbra, l %5), 11, 328. A nova situação criada pela assinatura do trntiPo
anglo-português e os seus efeitos no comércio de panos levaram prov;i.velmenlê os A importância do comércio a11glo-port11guês e o seu controlo pela
PalsCll-Baixos a tentar enfraquecer o monopólio inglês naquele comércio, ofe.­ Inglaterra pode também avaliar-se pelo facto de entre 1710 e 1714,
recendo a Portugal melhores condições para a colocação dos seus vinhos.
(27 ) WH1Twonrn, op. cit., págs. 109-10, e H. M. C., House of Lords M. S. S., (28) H. E. S. FmrnR, op. cil., pág. '.267, apêndice III. P. R. O,, C. O. 388-25,
1706-1708, págs. 253-55, quadro n.0 1, anexo estatístico. Estes lotais não incluem pág. 417.
o bacalhau da Terra Nova, que Portugal também recebeu; House of CommoflJ ]úu1- (2Q) Tlie British Merchaut, I, 27.
nals, XV, 163. O Briti.ih Merclwnl (III, 24) afirmou que «as exportações ingl_esas (30) Ver Anexo ·Estatístico, Qiiadro n. 0 4. «À sombra do Tratado de
para Portugal desde o Tratado elevaram-se a 1,3 milhões de lilira.s por ano, ou Methuen, a Inglaterra começou a inundar Portugal com têxteis, bem corno outros
mesmo a um montante mais elevado». bens manufacturados e alimentares»; CoRTP.SÃO, op. cil., I, 72.

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