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O Tratado de Methuen (1703)


diplomacia, guerra, política e economia

José Luís Cardoso


lsabelCluny
Fernando Dores Costa
Leonor Freire Costa
Conceição Andrade Martins
Nuno Gonçalo Monteiro
Jorge M. Pedreira

SBD-FFLCH-USP

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A Diplomacia Portuguesa e a Guerra
de Sucessão de Espinha

lsabel Cluny

A participação portuguesa na Guerra de Sucessãode Espanhafoi, de certo


modo, um dos acontecimentos mais marcantes das relações externas do Portu
gal setecentista com a Europa dos reis:. Contudo, os estudos actualizados sobre
o tema são ainda insuficientes, mesmo tendo em consideração os que nos últi
mos anos vieram a prelo com a intenção de discutir as clivagens internas que se
manifestaram na corte, e no governo de D. Pedro 11,quando foi necessário deci-
dir qual dos blocos seria conveniente apoiar.
Assim, se é exacto afirmar que hoje são bem conhecidas as diferentes posi-
ções assumidas relativamente à Guerra de Sucessão de Espalha:, o tema da par
ticipação portuguesa nesta guerra não tem sido até hoje objecto de novas leituras
realizadas à luz da documentação existente. Por isso, pareceu-nos ser relevante
questionar neste estudo a presença de Portugal num conflito que, sendo ainda
de natureza dinástica, continha já em si os princípios orientadores da nova or-
dem internacional. Terminada a guerra, através das negociaçõesda paz de
Utreque, o comércio marítimo passaria a deter um papel determinante na
regulaçãodos conflitos internacionais, relegandopara segundo plano as dispu-
tas dinásticas e territoriais no continente.
Utilizando alguma documentação já conhecida, e recorrendo também a ou
tra menos explorada, esta investigação centra-se, precisamente, nas reacções e
informações de embaixadores de Portugal nas cortes europeias, nomeadamente
as de D. Luís da Cunha, Enviado em Inglaterra, de Francisco de SousaPacheco,
Embaixador na Holanda e de Joséda Cunha Brochado, Enviado em Fiança. Com
os seus informes, deram a conhecer os preparativos para a guerra, em curso um
pouco por toda a Europa, e despertaram na corte de Lisboa interesse pela discus-
são sobre a influência que o novo conflito iria ter na alteraçãodas relações
estabelecidas entre o poder soberano e os povos europeus
Procura-se neste ensaio averiguar, não só o tipo de argumentos usados pe-
los diplomatas para defenderemuma ou outra posição no conflito, como tam
bém a função que es.testiveram na discussão havida nas instâncias internas de
decisão política. Neste sentido, proceder-se-á à análise dos discursos dos em-
baixadores para entender em que medida foram ou não determinantes na mu
52 oral.d.deM.fb«n 'iy A Diplomacia Poüuguescie a Guerrade Sucessãode Espalha 53

dança de posição política e diplomática assumidapelo rei, quando este foi A determinação do Império levaria à formação da Grande..'fiança da Maia,
chamado a decidir. em 7 de Setembro de 1701, constituída em torno de dois objectivos: defender os
interesses de Carlos de Habsburgo e impedir a Fiança de intervir na Península
Ibérica.
PORTUGAL E A EUROl=ANO FINAL DO SÉCULOXVII Ao lado do Império alinharam de início as Províncias Unidas e o Brandeburgo.
Mais tarde, em 1702, a precipitada declaração de Luís XIV. relativamente à pos-
Quando o século xvn caminhava para o fim o reino mantinha-se desde há sibilidade de Filipe V conservar os direitos da coroa francesa,faria convergir na
algum tempo alheado dos últimos conflitos internacionais. GrandeAliança a Inglaterra, cujo poderio naval reforçaria, a partir de então e de
Considerando a paz e a estabilidade como alicerces fundamentais para a forma significativa, a capacidade naval do bloco anti-bourbónico.
consolidação da independência nacional, adquirida trinta anos antes à custa de Por seu turno, Filipe de Anjou, contava em 1701 com o apoio de Fiança, de
enormes esforços humanos, militares e diplomáticos, o monarca, D. Pedro ll, uma parte de Espanha, bem como das suas dependências italianas. Também os
parecia decidido a defendê-la a todo o custo. principados alemães do Reno e o duque de Sabóia sogro de Filipe V -- pareciam
Apesar da sua determinação em não se envolver nas disputas entre coroas inicialmente inclinados a auxiliar o novo rei. Seria precisamentea definição dos
europeias, a ausência de herdeiro directo ao trono do país vizinho obrigou-o, dois blocos que obl'içou Portugal a reavaliar a sua posição, uma vez que o Império
bem como aos principais dirigentes do reino, a manter-se vigilante e a debater o e os seus aliados pareciam decididos a impor o candidato austríaco, dando início
assunto ouvindo pareceres sucessivos. a uma guerra que previsivelmente teria como palco principal a Península Ibérica e
De facto era impossível ignorar que a situação política em Espanha já dera ense- que viria a ficar conhecidana história por Guerra da Sucessãode Espinha. Até à
jo, em 1698, à apresentação,pela trança, Inglaterra e Holanda, de um projecto de data o reino tinha conseguidopassarà margemdos conflitos internacionais--
partilha dos domínios da coroa espanhola pelas casasBourbon e Habsburgo, projec- nomeadamente dos que cessaramcom a assinatura do tratado de Riswick -- invo-
to esseque fora firmemente rejeitado pela nobreza espanhola. Na altura, o Conselho cando a sua condição de neutralidade. A posição política de Portugal mantivera-
de Estado, receoso com o possível desmembramento da <(monarquia espanhola>>, .sedurante muito tempo obstinada, no tocante à indisponibilidade para o
induziu. em 1700, o rei moribundo a fazer testamento em favor da casa Bourbon, na envolvimento nas questões europeias, como documenta de forma exemplar a
pessoa de Filipe de Anjou, neto de Luas XIV com a obrigação deste renunciar à coroa /nsfrução entregue a D. Luís da Cunha, quando foi enviado para Londres em 1697
de trança. O cumprimento imediato deste testamento por parte de Luís XIV (Novem- AÍ se lê que: <<Poderápor algum acidente deixar de ajustar-sea paz e continuar a
bro de 1 700), negando os anteriores acordos com Holanda e Inglatena, causou algu- guena e procurarem os Minisüos de El-Rei de Inglaterra ou dos estrangeiroscoli-
ma surpresa às diversas nações europeias, que levaram algum tempo a reagir. gados,persuadir-vos que seria mais conveniente que eu deixasse a neutralidade e
Os protestos, relativos ao incumprimento dos tratados, viriam no entanto a que entrasse na liga. Nunca respondereis de maneira que possam entender que
soar tarde demais, obrigando as incipientes <<redesdiplomáticap> a encetaram me não poderei coligar com eles, nem também com a trança e que os deixeis
contactos e a desdobrarem-seem informações, tentando a todo custo um enten- sempre com esperanças,e sem desengano,não Ihe dando nas vossasrespostas
dimento entre os dois pretendentes ao trono. Tudo em vãos motivo para confiarem ou desconfiarem>>'
Em Abril de 1701 os acontecimentos precipitar-se-iam fruto da decisão do Esta opção daria lugar, ao longo dos anos, a esforços diversificados de em-
duque de Anjou se dirigir para Madrid e tomar posse do trono que Ihe fora lega- baixadores estrangeirossedeadosem Lisboa, no sentido de fazerem reverter a
do em testamento. À data destes acontecimentos, Lisboa, tal como as outras seu favor a opção de neutralidade uma vez que, quer a posição geoestratégicado
cortes da Europa, não ficou indiferente. Desde há muito que os embaixadores reino, quer a possedo império colonial tornavam apetecívela realização de ali-
portugueses alertavam o reino para a possibilidade de confrontos entre preten- anças. Exemplo dessa aspiração é dado a conhecer precisamente por uma curio-
dentes à coroa do país vizinho. sa nota informativa que o embaixador inglês, John Methuen, enviou em 1692
A posição inicial de D. Pedro ll foi a de reconhecer como monarca legítimo o para a sua corte. No ofício, ao descrever a audiência que mantivera com o rei
neto de Luís XIV Essadecisão ia ao encontro da que fora adoptadapor outras português, e ao referir-se à cordialidade dispensadapela rainha, sugeriu que a
casasreinantes, uma vez que ainda se pensava que Filipe de Anjou renunciaria sua origem germânica fazia prever uma aproximação aos interesses aliados'
ao trono de Fiança. De facto, numa primeira fase, os monarcas europeus não Aparentemente, o acessoprivilegiado que Linha junto das principais instâncias
questionaram a legitimidade de Filipe, com excepção da Austria, que reagiu vio- de decisão, bem como a simpatia que conseguiu granjear na corte, ser-lhe-iam
lenta e decididamente ao ver preterido o direito ao trono de Carlos, filho segun bastante úteis, quando anos mais tarde voltou a Portugal para negociar, entre
do do Imperador Leopoldo. outros, o famoso tratado comercial.
54 O Trata do de Meth uen
Y' A Diplomacia Portuguesae a Guerra de Sucessãode Espalha

Apesar de serem muitas as facções que continuavam a pensar ser preferível pessoais, nomeadamente das motivações alheias aos interesses do Príncipe.
a neutralidade portuguesas, a verdade é que a constituição dos dois blocos poli Ora, à luz destes preceitos passaremos a analisar as informações que três em-
tidos e militares não permitia ao país persistir no alheamentodas querelas di- baixadores portuguesesenviaram para a corte, quando a Guerra da Sucessão
násticas europeias. de Espanhadeixou de ser um cenário provável, para se tornar uma realidade
De facto, até então Portugal nunca despertara muito interesse nas potências inevitável, em Maio de 1702.
europeias, mas as novas circunstâncias políticas tornavam o país alvo de grande O pretexto para o deflagrar do conflito foi, como é conhecido, o reconheci-
atenção por parte das alianças em confronto, surgindo o reino a seus olhos como mento por Luís XIV do pretendente Jaime 111,um Stuart, como rei de Inglaterra.
uma possível potência auxiliar em caso de guerra. Mias,na realidade, o que estava em causa para os aliados era a paz e a segurança
As constantessolicitações por parte dos aliados a partir de Junho de 1701 - da Europa, contra as ambições expansionistas de trança'
data em que Portugal no seguimento do tratado de partilha da monarquia espa A guerra começou por ser um conflito dinástico, mas tornou-se rapidamente
nhola se aliou com a França-- obrigaram o Conselhode Estadoa centrar as suas em muito mais do que isso. A segurança e o equilíbrio de poder entre diversas
discussões, não na política interna como era habitual, mas na política externa, e casassoberanasda Europa estava em perigo devido à possibilidade de união
por essarazão, os informes dos diplomatas viriam a assumir particular impor- entre a coroa de Espanha e França. A preocupação dos países aliados já não se
tância, pois seria neles que alguns dos conselheiros iriam recolher argumentos cingia apenas à segurança e estabilidade da Península Ibérica, mas também à
para elaborar os pareceres que a seu tempo facultariam ao monarca. sua propna segurança.
Assim, por se considerar que as notícias, os juízos e reflexões dos nossos Paralelamente a esta incerteza, os Bourbon coligados ameaçavam também o
diplomatas creditados na Europa detiveram um papel relevante na política in- domínio dos mercados dentro e fora do continente. Este conjunto de razões con-
terna e contribuíram, certamente, para as decisõestomadasna corte de Lisboa, tribuiria de forma significativa para que as diversas casas soberanas unissem
decidimos fazer incidir o estudo sobre as informações enviadas. forças em torno de objectivos comuns, dos quais se destacavama defesada se-
gurança continental e a garantia da liberdade nos mares.
C)bservadoresprivilegiados dessaunião, os nossosdiplomatas com as suas
0 EMBAIXADOR COMO INFORMADOR
informações e relatórios ajudaram a esclarecer as mudanças políticas ocorridas
na Europa durante a Guerra da Sucessãode Espanta e após a realização dos
Uma das mais importantes funções dos embaixadoresfoi, desde sempre, tratados de paz de Utreque'
informar a corte sobre os acontecimentos que se passavam no país onde exercia
o seu ministério. Essaactividade de informação, a partir do século xvn, surge
perfeitamente teorizada, não só quanto aos objectivos, mas também quanto aos PORTUGAL NAS PRINCIPAIS CORTES DA EUROPA
meios a utilizar.
Pecquet no l)iscours sur /'aH de negociar chegou mesmo identificar essa Nos anos finais do século xvn as embaixadas de Raia, Paria e Londres foram
tarefa com a de <<journaliêre».Na sua opinião, o embaixadordevia dar a conhe- respectivamente ocupadas por Francisco Sousa Pacheco, José da Clunha Brocha-
cer ao rei que representava tudo quanto viesse ao seu conhecimento, advertin- do e D. Luís da Cunha. Se é certo que nenhum deles pertencia à nobreza titular,
do no entanto que era essenciala exactidão dasinformações transmitidas, pois também se torna evidente que as suas nomeações se enquadram já num previsí-
estasnão deviam ser nem subvalorizadas, nem <«oloridau>,tendo o diplomata vel cenário de guerra.
a obrigação de distinguir entre o que <<pensavasaber>>
e o que sabia na realidade. Com efeito, à excepção de Cunha Brochado que assumiu a representação de
Paralelamente,reconhecia ser obrigação do embaixador apresentar, Portugal, fruto das circunstâncias do momento', quando o marquês de Cascais
detalhadamente, as razõesde determinadas opiniões que transmitia, de modo abandonou Parasem 1699, os outros dois ministros públicos terão sido escolhi-
a que a corte pudessepesar o valor das mesmas.Por fim, advertia o diplomata dos em função do seu perfil
sobre a tentação de lisonjear o monarca pelas ordens de que era incumbido. SousaPacheco9pareceter sido nomeado,entre outras razões,por dispor de
apontando-lhe ser sua missão esclarecer situações e não deLurpá-las. Deste meios para se sustentar e por não haver necessidade de nomear um titular para
princípio derivava um outro dever do embaixador, o de apresentar reflexões uma república como a holandesa, onde o cerimonial relativamente apagado não
próprias sobre os factos observados e submetê-las ao julgamento do monarca, exigia representaçãode alto nível. Durante a estadia na Maia, como Enviado
tal como se pertencesseao seu conselho, exigindo-se pois, ao representante Extraordinário entre 1693-1709:', SousaPachecorevelou capacidades,quer de
régio, isenção na forma de transmitir os factos e esquecimento de conveniências negociação,no âmbito dasrelações comerciais, quer políticas, no âmbito da in
Í O Tratado de Meth uen A Diplomacia Portuguesa e a Guerrct de Sucessão de Espanta
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formação relativa lb movimentações políticas da república e das cortes que com contexto, teve oportunidade de tecer considerações diversas sobre formas de
ela se relacionavam. alteração da prática diplomática portuguesa e sobre os atributos e natureza das
Por sua vez, D. Luís da Cunha, com formação em leis e experiência na magis- funções dos embaixadores nomeados. Os seus conselhos referiam-se a dois
tratura, foi também nomeado Enviado Extraordinário a Londres em 1697, a fim aspectos fundamentais: a necessidade de Portugal enviar representantes capa
de substituir o visconde de Fonte Arcada. A sua origem social, se bem que não zes de negociar os seus interesses na difícil conjuntura que se avizinhava e a
pertencesse à nobreza tiLulada, era conceituada, dadas as funções exercidas pelo importância de escolher ministros públicos que, pelo seu nascimento ou pelo
pai junto do rei e todo o envolvimento familiar':. Escolhido para dar seguimento conhecimento do Mundo, pudessemcircular próximos das instâncias de deci-
às negociaçõesjá em curso, a sua missão era evitar esclarecer qual a posição de são das cortes europeias.
Portugal face uma possível integração na Liga (Ausburgo),bem como impedir Entre 1700 e 1701, ao referir as propostas de paz apresentadaspela Fiança,
que Guilherme 111concedesse<<cartasde represálias aos seus súbditos, relativas apontou ser bom caminho na corte consultar a experiência, testemunha eviden-
à cobrança da dívida do tempo de Cromwell". te de que as propostas às vezes eram <<cavalitosau>,
razão pela qual aconselhava
Tal como SousaPacheco,D. Luís da Cunha estaria encarregadode prestar prudência. Presumindo que enquanto Luas XIV fosse vivo não haveria guerra e
informações sobre a vida política da corte londrina, e como os outros dois diplo- que o rei de Espalha, seu neto, seguiria o avâ e só após a morte deste tomaria,
matas protagonizou uma diplomacia de informação materializada em ofícios eventualmente, outro caminho em relação à paz, o diplomata parecia confiante
detalhadossobre ascircunstâncias vividas internacionalmente, quando do fale- que a guerra ainda podia ser evitada, ou pelo menos não teria lugar brevemente.
cimento do último Habsburgode Espanta. Em Janeiro de 1701 considerava ser essa solução do agrado dos vários países.
Em relação a Cunha Brochado sabemos que a sua nomeação como Secreta uma vez que muitos ainda desejavamo entendimento, nomeadamente a Holanda,
rio de Embaixada em Paria, se ficou a dever à formação em leis e experiência na cujas vantagensem procurar alternativas à aliança com o Imperador eram evi
magistratura. Ao contrário de D. Luas, a sua origem social era relativamente dentes, pois de contrário teria de enveredar por uma guerra demasiado incerta.
modesta e por essarazão nunca conseguiu ultrapassar, ao longo da vida, o grau Em missiva do mês seguinte (Fevereiro de 1 701), ao reflectir sobre a solicita
de Enviado, apesardo mérito que Ihe era reconhecido.Em Pauis,durante a esta- ção do reino tomar partido, sugeriu, cuidadosamente, que se aguardassepela
dia, competiu-lhe gerir asdificuldades inerentes ao termo de uma aliança, reagi posição de outras nações. Dias mais tarde voltaria a mencionar a vantagem de
zada pouco tempo antes e do seu posto enviou sempre informações precisas manter a tranquilidade e a paz na Europa. Paralelamente solicitava notícias das
sobre a evolução da situação política europeia, desde a morte de Carlos 11.0 seu decisões do Parlamento inglês, decisões essasque Ihe pareciam essenciais para
cartório exibe hoje em dia uma das melhores correspondências diplomáticas em sustentamum parecer fundamentado.
matéria de reflexão sobre a <<arte da diplomacia>>. Apesar da falta de informação de que se queixava, acrescentou acreditar que
Vejamos pois como cada um dos diplomatas se referiu às possíveis alianças se o Parlamento inglês fosse tão favorável ao rei britânico, como o escocês,seria
de Portugal, quando terminou o reinado de Carlos ll e na Europa se constituíram de esperar que a paz e o equilíbrio europeu ficassem preservados. Quanto às
dois blocos rivais: um, em luta pela hegemonia continental, liderado pela trança notícias de Holanda, afirmou que tudo levava a crer que o Imperador ficaria
e o outro predisposto a assumir a hegemonia marítima, sob o comando de Ingla isolado e que o sossegodo continente não seria ameaçado.
terra Assim, ao longo de 1700-1701a atitude de Cunha Brochado foi no sentido
de aconselhar prudência aos ministros portugueses, a fim de ganharem tempo
nas negociações com Espinha e não darem azo à inquietação dos franceses.
JOSÉDA CUNFIA BROCFIADO Aparentemente ainda acreditava que a guerra poderia ser evitada. A par destas
considerações mostrava-se ansioso por informações e directrizes de Lisboa, de
Vivia em Pauisdesde 1694. Foi Secretário de Embaixada e alcançou, como modo a poder negociar em Parascom mais segurança.
dissemos, o lugar de Enviado Extraordinário depois de frequentes pedidos para O maior receio de Brochado prendia-se com o poderio enorme de LuasXIV e,
a corte, nomeadamente para o confessor do rei, no sentido de Ihe ser atribuída a caso a França pudesse dominar a Espanta através de Filipe V questionava: <(Qual
Enviatura. ficaria o comércio de Inglalerra se os franceses fossem senhores de Cádiz e do-
A sua vontadede se aplicar à diplomacia, e de contribuir com juízos fun minassem as Índias ocidentais? [...] Holanda como ficaria segurasucedendo a
damentados para esclarecer a corte sobre a situação política internacional, le- trança no direito de Castelãpara a reduzir ao domínio antigo?>>';. Peranteeste
vou-o a propor, no final de 1700, a colocaçãonas cortes europeias de cenário, não admira que preferisse evitar que o reino se envolvesse numa alian-
Embaixadores, em vez dos simples Enviados que era tradição nomear. Neste ça precipitada: <<E
certo que todos nos hão-de solicitar para a guerra futura com
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A Diplomacia Portuguesae a Guerrade Sucessãode Espanha

mais de mil promessasespeciosas;que nos meterão em grande risco em que o os períodos de paz eram vistos com alguma estranheza, uma vez que a diploma-
meu parecer seria de guardar as máximas gerais e antigas de amizade da Casa de cia, enquanto solução de conflitos, ainda não era um princípio consensual.
Fiança enquanto as coisas não tomarem jeito>>". Brochado temia que o país, ao não tomar partido, no final da guerra não
Com o decorrer do tempo, e com a evolução da situação política internacio- tivesse <amigoalgum, porque ninguém nos olharia como a um reino necessá
nal, a prudência expectante deu lugar à defesa de uma participação activa do rio>>,sugerindo que Fiança e Espanha não ficariam na obrigação para com Portu-
reino, no sentido de preservar a segurançainterna: «Opartido que tomou El- gal, e que por outro lado Inglalerra e Holanda não estariam ao nosso lado porque
.Rei N. Senhor, é o da política mais segura pois obrigando a um vizinho e a um a neutralidade portuguesaos teria prejudicado. A argumentaçãode Cunha Bro-
aliado conserva os seus Estados em paz, enquanto outros fazem a guerra pelos chado é a de um diplomata que via para além da guerra e que já pensava em
nossos interesses.Enquanto as coisas não tomam jeito em que hão-de ficar, função da paz a negociar findo o conflito.
não tinha Portugal necessidade de expor o seu sossegoe aventurar-se a uma Contrariamentea estaposição,ainda que utilizando de forma irónica ar-
guerra de que os Holandeses nos farão vítima. As nossas costas não seriam gumentos semelhantes, Gomes Freire de Andrade'' reconhecia a falta de pre-
menos insultadas pelos franceses do que agora o podem ser pelos ingleses. paração do reino para o confronto militar e apostava numa aliança com a Fiança.
El-rei de Françae os espanhóis antes folgariam de fazer a guerra no nosso Na corte escreviaque: <<Opresenteestado em que se acha a maior parte da
Alentejo»:'. Europa não há dúvida que perturba o nosso sossego,já envelhecido no largo
Como se constata em Setembro de 1 701, Brochado parecia inclinado a apoiar descanso da paz: esta ociosidade e esta ocasião dão matéria a vários discursos
a ligação aosBourbon, por receio de ataques às nossasfronteiras, quer terrestres, tão alheios da profissão de quem os forma, como inúteis para o fim a que se
quer marítimas,não tendo invocado a defesado Brasil como prioritária. destinam>>:o
As suas hesitaçõesiriam prolongar-se durante mais algum tempo, tendo em Abril As apreciaçõesa que teria dado ouvidos apontavam na direcção da coligação
de 1701 afirmado frontalmente estar em desacordocom a neutralidade: <<Eunão com a trança, razão pela qual se inclinava também para essa solução, bem dife-
aprovo a neutralidade porque ainda que pendente a guerra seria útil ao comér- rente da posição cautelosaadvogadapor Cunha Brochado. Com efeito, o diploma-
cio e se não exporiam as nossas praças marítimas, contudo depois da guerra da ta português em Pu'is que chegou a equacionar o apoio aos Bourbon, acabaria por
paz geral que precisamente se há de seguir ficaríamos sem amigo algum, porque mudar de posição depois de muitas hesitações, de buscas constantes de informa
ninguém nos olharia como a um reino necessário,França e Espanha nos deve- ção e de discussões assíduas com os seus homólogos nas cortes de Londres e Haja.
riam nenhuma obrigaçãoe Inglaterra e Holanda tomariam a nossa indiferença As constantes insinuações da diplomacia francesa relativamente à deslealdade
por um verdadeiro prejuízo aos seus intentou>:'. portuguesa para com a coroa de trança, Brochado mencionava que, se no passado
Se até esta altura Cunha Brochado se tinha mostrado indeciso, sobre a possi- a trança apoiara o duque de Bragança, também os ingleses já tinham sustentado o
bilidade da guerra, não há dúvida que naquele momento estava certo que o futu- reino aquando da paz dos Pirinéus. Ora, seria precisamente essaanterior aproxi-
ro da Europa passaria pelo confronto militar. mação a Inglaterra que tornava viável o rompimento da aliança firmada com a
A argumentação que apresentou implicava a discussão das consequências Fiança e a consequenteaproximação à Grande Aliança, em 1703:'
que advinham às pequenaspotências do alheamento dos conflitos internacio- Possivelmente, esta reviravolta na política externa portuguesa, que surpre-
nais. As preocupações que expressou iam no sentido de não se confundir neu endeu os franceses,agitou o reino, e deixou os nossos diplomatas numa situação
oralidade com inacção governativa, sugerindo a realização de um tratado de comprometida, poder-se-ia ter evitado caso o país tivesse mantido a atitude
neutralidade sob condições rigorosamente estabelecidasentre partes de modo a expectante que o diplomata em Parassempre aconselhou, como provam as suas
retirar vantagens da opção tomada. palavras datadas de Fevereiro de 1701: <<Nóssomos grandemente solicitados na
Outro aspectoimportante a considerar nos pareceres de Cunha Brochado nossa corte, mas não sei se tomaremos o melhor partido, que seria de não tomar
relaciona-se com a necessidade de prevenção militar face a uma eventual parti algum enquanto os outros o não tomam>>::.De facto, se pouco tempo antes
cipação na guerra. Relativamente a esta matéria o Enviado utilizaria um dos D. Pedro ll não tivesse cedido às pressões internas dos que apoiavam o <<partido
argumentos mais frequentes da época, e muito invocado por todos aqueles que francês>>-- como comes Freire de Andrade, possivelmente o conde Galveias e
emitiram parecer sobre a posição de Portugal no conflito que se adivinhava. sem dúvida o duque de Cadaval a aliança com F'rança,em Junho de 1701, não
segundo o qual <olonga paz de que gozamospoder ter causadoalguma desor teria sido reafirmadae em 1703 a aproximaçãoà GrandeAliança poderia ter
dem assim na disciplina como nas obras e nas defensap>:'. sido negociadade forma menos precipitada.
Este argumento viria a ser usado por várias figuras da época, levando-nos a Nada disso aconteceu e Portugal, contrariando todas as expectativas, resol-
crer que, ou a guerra contra Espanha já tinha sido de certo modo esquecida, ou veu romper com o bloco Bourbon, apoiando-se na acção determinada de Cunha
r'
O Tratado de Methuen A Diplomacia Portuguesa e a Guerra de Sucessãode Espinha

Brochado em Paras,pois este diplomata, apesar das dúvidas levantadas, seguiu Holanda sem rei. Curiosamente, no parecer elaborado por Gomes Freire de
as instruções de Lisboa e os conselhos de D. Luís da Cunha, permitindo assim Andrade, já referido anteriormente, também se invocava este mesmo argumento
que <com menos escândalo contravir aos olhos do mundo a uma aliança, cuja e com palavras idênticas: <<Nãose admitem que o Império para nós tem as quali-
tinta. ainda estava fresca>>::. dades de remédio inocente, que Holanda reino sem rei e que Inglaterra tem rei
A actuaçãodo Enviado contribuiu, de forma directa, para a mudança de sem Majestade, agora sem sucessão e com suspeitas de vida breve>>:;
alinhamento político, diplomático e militar de Portugal na guerra de Espanha e Aparentemente,Freire de Andrade terá consultado o ofício que D. Luís
indirectamentefavoreceua colocaçãodo reino, a partir de então e por largo enviou ao Secretáriode Estado.De facto, o parecer de D. Luís da Cunha é
tempo, sob a esfera de influência britânica. Todavia, enquanto cumpria a sua muito completo e a argumentaçãomuito bem fundamentada.Em primeiro lu-
missão em Paras,Brochado não podia prever o desfecho desse novo alinhamento gar salientava que, caso Carlos 111conquistasse o trono, seria no fim de uma
e, uma vez alcançado o intento, ou seja o pretexto para a ruptura das alianças, guerralonga, que arruinada a monarquia espanholae a impediria de causar
recebeu as recredenciais e regressou a Lisboa, tal como era sua vontade e segun- qualquer dano a Portugal. Em segundo lugar, lembrou a amizade com a França
do confidenciava a Mendo de Fóios Pereira, ainda decorria o ano de 1701. no passadorecente e advertiu que caso Filipe V conservassea coroa, o poder
das duas casas reinantes seria tão grande, que a prudência recomendava tomar
o apoio da coligação bourbónica desde o início. Avançou também o argumento
D.LUÍSDA CUNHA da concessãoimediata das barreiras, linhas de defesa da fronteira portuguesa,
cuja vantagem Ihe parecia justificar a presença portuguesa na guerra ao lado
Seguindo as /nstruções que apontavam no sentido de afastar Portugal dos con dos Bourbon, uma vez que a outra aliança só poderia oferecer o mesmo depois
flitos internacionais, o Enviado Extraordinário D. Luís da Cunha, em Londres desde de ganhar a guerra:'
1697, manifestou desde cedo a sua preocupação em alcança um lugar de desta- Em relação a uma aliança com Inglaterra, argumentou que a falta de estabi-
que, no contexto internacional, para a diplomacia portuguesa, evitando confundir lidade política, devido ao sistema de alternância no poder dos dois partidos, e a
neutralidade com ausência de protagonismo em política externa. desigualdade das relações económicas entre os dois reinos, imposta pelos britâ-
Ao dedicar-seao estudo da diplomacia rapidamente compreendeu que em nicos, impedia um entendimento justo e vantajoso para Portugal.Entendia que
Portugal,para além da pouca importância que se dava aos critérios de recruta- as trocas praticadas empobreciam o país e que a situação poderia piorar se hou-
mentodos embaixadores,também havia pouca exigência com a sua formação. vesse guerra, pois os ingleses ver-se-iam afastados do comércio espanhol, <(a'ris-
Essanegligência levou-o, como fizera anos antes Cunha Brochado, a recolher o cadosno de Flandreo>,e sem <<utilidadeno do Impériu>. Ora, perante essas
maior número de ensinamentos que pudessem ser úteis aos futuros embaixadores. circunstâncias, D. Luís temia que os ingleses se voltassem para o ouro português,
O estudo dos tratados, cada um com a sua história, era para D. Luís da Cunha enchendo o reino não só de géneros <<ilustreu>,como também de comerciantes
a <(maior aplicação de um Ministro que deseja ter bom sucesso nos negócios>>pois, ambiciosos.
do correcto entendimento dos tratados entre casasreinantes, dependia a sua actu- Quanto à Holanda, D. Luís admitia que a república pouco auxílio prestaria a
ação enquanto diplomata. Na sua opinião, a principal razãopela qual os Príncipes Portugal, dado estar ameaçada a sua própria segurança. Por outro lado, acusava
mantinham nas cortes estrangeiras embaixadoresprudentes e vigilantes, era para -a de ter atacadoas possessões
portuguesasna Afia e América, o que dificilmente
terem acessoa toda informação necessária,de modo a avaliarem correctamente a o coração dos portugueses poderia esquecer.De notar, que ao contrário dos outros
conveniência de celebrar determinados entendimentos e medirem as consequências pareceres da época, não há menção à religião como motivo de afastamento quanto
destes,antes de realizarem uma aliança ou firmarem qualquer tratado::. à possível coligação:'
Partindo deste conceito de prática diplomática é relativamente fácil enten- Depois de expor as suas razões, relativamente às poucas vantagens que Por
der a atitude por ele assumida quando foi chamado a dar um parecer sobre a tugal retiraria de uma aproximação à Grande Aliança, acabaria por se declarar a
posição de Portugal face à sucessão em Espanha. favor da trança, embora deixasse claro que emitira o parecer <<forçadopela obe-
A primeira vez que parece ter-sereferido ao assuntofoi num informe trans- diências. No entanto, não deixou de destacar as vantagens económicas que Por
mitido ao Secretário de Estado:', a seu pedido. Começando por lamentar ser tugal poderia relirar de uma coligação com a França, sublinhando que as trocas
ouvido quando as circunstâncias já não permitiam a neutralidade, passoupor com aquele reino eram menos danosaspara o comércio português do que as
isso à discussão sobre as vantagens de uma ou outra aliança. efectuadas com a Inglaterra, pois os franceses compravam o vinho, tabaco e açúcar
Referindo-se à Grande Aliança confessou que a imagem que tinha das três e deixavam em troca moeda. Ao invés, os ingleses tiravam de Portugal a moeda
potências era a de um Império sem naus, uma Inglaterra sem majestade e uma e deixavam no reino os seus produtos.
C)Tratado de Methuen A Diplomacia Portuguesae a Guerra de Sucessãode Espanto

Outro aspectosobre o qual considerou útil reflectir foi o da possibilidade de se segurar da sua inacção, porque não se juntasse ao partido contrario.
a marinha francesa poder, ou não, apoiar os navios portugueses. Embora reco- De forma que, respeitada por todos a bandeira Portuguesa, seria este Reino o
nheça que a frota francesa pudesseser insuficiente, adiantou que seria mais único centro de todo o comércio das Nações da Europa e em qualquer tempo que
fácil comprar navios e defender o comércio por mar do que montar um exército Sua Majestade quisesse entrar na guerra para decidir a questão com mais
em terra, tarefa essaque em seu entender seria muito mais dispendiosa e exigen- evidencia de sucesso doutros aliados ou as mesmas Coroas] Ihe dariam as mesmas,
te em recursos humanos e financeiros. ou talvez maiores vantagenu>:'
Esclarecida a sua posição sobre a necessidade de organizar a defesa do país Apesar de ser esta a versão que ficou para a memória histórica que hoje
antes de integrar qualquer aliança, D. Luís concluiu o parecer com um argumen- temos sobre a posição de D. Luís da Cunha, face à Guerra da Sucessão de Espalha,
to próprio de um diplomata do princípio do séculoxvni, ao apontar asvantagens o parecer que anteriormente citámos não confirma estaversão sobre a sua opção
de uma aliança de sangue dinástica entre a casa Bourbon e a casa de Bragança, inicia[ em re]ação ao conflito, mesmo tendo em conta afirmação que o abre: {<1.
..]
talvez atravésdo matrimónio entre o jovem rei de Espanha,Filipe V. e um mem- eu a desejo (à neutralidade) ainda com maior ânsia que aqueles que tanto a têm
bro da família real portuguesa. Neste texto, D. Luís da Cunha evidenciou uma persuadido a V. Majestade se contra o desejo se não opusera o que discordo,
ideia de Europa comum aos diplomatas, de uma Europa dos reis ou Sociedade de porém como esta conjuntura creio, que já é passada[...]>>;:
Fk:z'naipes:'
, pois implicitamente reconhece que o equilíbrio entre casas reinan- D. Luís talvez tivesse aconselhado a neutralidade, se as circunstâncias o per-
tes tanto passaria pelo direito das gentes, como pelos laços familiares estabeleci- mitissem, mas uma vez chamado tardiamente a dar parecer, aconselhou a apro-
dos pelos seus soberanos. ximação ao bloco Bourbon
Terminada a leitura do parecer emitido pelo diplomata português em Lon- Provavelmenteos acontecimentos ocorridos entre 1701 e 1703 devem ter
dres, parece evidente qual o alinhamento proposto. Então como explicar que contribuído para a mudança de opinião do embaixador em relação às alianças,
anos mais tarde, nas suas obj'as:9,desse a entender que a sua opção sempre se pois tal como Cunha Brochado terá sido posto perante a evidência da força da
orientara mais no sentido da neutralidade? Grande Aliança, nomeadamente no mar.
De facto, numa das suas obras mais emblemáticas --MemóHas da Boz de l./troque Pelo que fica exposto depreende-se que o embaixador viveu mudanças polí-
oferecida ao rei D. Jogo V em 1714, o diplomata apresentou uma versão um ticas e diplomáticas que o obrigaram a passar sucessivamente da defesa da neu
pouco diferente do parecer que acabámos de analisar. Começou por afirmar que o tralidade, ao apoio a uma coligação com a Fiança; de uma posição crítica para
rei D. Pedro ll desejou <(dilatar>>as negociações <mtéver com maior certeza o cami- um moderado e finalmente explícito apoio à Grande Aliança. Evidentemente
nho que tomavam as coisau>. Seguidamente revelou as pressões de Fiança e Romã que, por detrás destas alterações estiveram circunstâncias internacionais, como
sobre Porlugal e recordou a atitude de grande sabedoria do rei, pois ceder de boa o bem sucedido ataque a Cádiz por parte dos ingleses, ou a falta de resposta da
vontade representavaentão uma das melhores políticas a seguir, nomeadamente França às pretensões de D. Pedro. Por outro lado, deve ter pesado a actuação
se declarasse a neutralidade naquela ocasião. Todavia, segundo as Memórias, o exímia da diplomacia inglesa em Portugal, que se apressou a garantir a seguram
monarca tivera receio de perder as vantagens que a trança e a Espanha Ihe faziam, ça do Brasil, a posseda colónia do Sacramento e a prometer a salvaguardadas
quando os ingleses ainda nada ofereciam e «eraincerta a resolução das Potências barreiras continentais. Por último, a eventual fuga para Portugal de alguns notá-
marítimas>>.As circunstâncias teriam então ditado a coligação com a Fiança:'. veis de Espanha, como o Almirante de Castelã.
D. Luís confirmou também nas À4emóríasque: «sendoo dito senhor servido Ora, se estes acontecimentos moldaram a actuação da política externa por-
querer-nos ouvir sobre esta matéria>>Ihe apresentou a sua opinião sobre os ingle- tuguesa, a capacidade de adaptação de D. Luís da Cunha às novas /nsfruções --
ses,ou sobrea facçãoque governavana época, e recordou ter advertido a corte que contrariavam os pareceres que havia transmitido para a corte -- é reveladora
não Ihe pa'ecer estar o governo inglês disposto a declaJ'arguerra a Fiança e <apoiar da preparação do embaixador para o cargo que assumira anos antes.
o direito da casa da Austria>>. Uma vez desvendadas as razões para a diversidade de opiniões dos nossos
Não deixou de sublinhar que tinha alertado o monarca sobrea possibilidade diplomatas falta-nos contudo verificar em que medida, realmente eles contribuí-
de Guilherme superar as dificuldades no Parlamento e conseguir uma Armada ram, ou não, para formar as opiniões dentro do Conselho de Estado e da Guerra
de 20 naus «sustentando a causa de uma das duas partes>>. e no país em geral.
Ora, perante esta eventualidade D. Luís teria aconselhado o rei a manter a A questão que prece colocar-sede novo e que necessita de mais aprofundada
neutralidade <<oumelhor dizer vender a mesmaneutralidade a quem Ihe fizer investigação é a de perceber em que medida foram os embaixadores através das
melhor conveniência. Pois era certo que estando bem armado por mar e não notícias e pareceres enviados que mudaram a opinião dos Secretários de Estado,
podendo alguma das Potências conseguir a sua aliança estimariaJn muito poderem e de certa forma do rei, ou se foram estesque aospoucos contribuíram, com as
r'
64 O Tratado de Meta uen A Diplomacia Portuguesa e a Guerra de Sucessão de Espalha

suas /nsfruções, para modificar as opiniões dos nossos embaixadores, permitin- As preocupações que manifestou seriam premonitórias, pois ao acentuar a
do-lhes conduzir de outro modo asnegociações.Até ao momento a actuaçãodos necessidadede impor como condição nos tratados a realizar, que a paz não seria
dois diplomatas já estudados parece apontar para a segunda conclusão. Vejamos concluída sem que o arquiduque fosse rei de Castelã, Sousa Pachecoparecia
por fim se a actuação do nosso representante na Haia também vai no mesmo adivinhar que no final da Guerra da Sucessãode Espinha, a paz seria firmada
sentido. não com Carlos 111,mas sim com Filipe V apesardos inconvenientes que a situ-
ação traria a Portugal3'
As suaspalavrasforam muito cautelosase permitem concluir, emboranun-
FRANCISCODESOUSAPACHECO ca o diga abertamente, que a sua preferência era a neutralidade;;. Pouco tempo
depois recebeu a confirmação que o monarca pretendia integrar a Grande Aliança.
Nomeado para Haia em 1693 , aí permaneceu até 1709 altura em que faleceu O seu esforço encaminhou-se então no sentido de persuadir o Pensionário que o
sendo substituído pelo conde de Tarouca. Ao contrário dos diplomatas anterior- paístinha pouca proveito em aderir à Liga se os aliados não oferecessemcondi-
mente referidos, cousa Pacheconão possuía formação académica, não desempe ções vantajosas. Paralelamente, acentuou ser uma das maiores preocupações
nhara quaisquer funções administrativa ou judicial e a sua origem social modesta réguasa de evitar a união das coroasde trança e Espanha.
não Ihe permitiu receber o grau de Embaixador. Por sua vez, a sua prática diplo- Se na Haia o seu papel foi pressionar a República a conceder vantagens para
mática não pretendeu alargar-se à reflexão teórica sobre diplomacia. Todavia, a a integração de Portugal na liga, a sua acção junto do governo de Lisboa manifes
sua actividade enquanto diplomata foi de capital importância para Portugal,já tou-se no sentido de insistir nas questões de segurança a negociar no tratado
que durante a estadia na Europa deu atenção às negociações conducentes aos futuro, pois entendia que <<a neutralidade assegurao sossegoe os frutos do co-
tratados de paz de Riswik, sanou o diferendo entre Portugal e a corte Imperial mércio, mas a segurança do reino é mais importante que os benu>:'
em 1698 e acompanhou as movimentações internacionais a seguir ao falecimen- As missivas posteriores revelam desconfiança relativamente às propostas de
to de Carlos 11,informando a corte sobre tudo o que se passava. Methuen, uma vez que o ministro inglês oferecia a Portugal o que as duas outras
Foi precisamente no exercício da sua função de informador que a realização potências coligadas negavam. Levantando a hipótese de Methuen estar a negociar
da aliança entre a França e Portugal, em 1701, o colheu de surpresa, dado que por conta própria, SousaPachecoaconselhavaprudência nas negociações.
nos despachosrecebidos nada fazia prever esse desfecho que contrariava, de Apesar das suas advertências, o tratado de aliança defensiva com a Grã-
certo modo, as informações que ele próprio enviara. -BreLanhae os EstadosGerais foi rapidamente concluído em Maio de 1703 e na
Um ano depois,ao adivinhar desinLeligênciasem Lisboa quanto às alianças, mesma data concluiu-se a aliança ofensiva e defensiva com o Império, a Grã-
Sousa Pacheco sustentou que o segredo das negociações não devia servir de preLex -Bretanha e os Estados Gerais.
to para a falta de informação dos diplomatas;'. De facto, no decorrer desse ano de Ao longo do tempo os diversos informes de Sousa Pacheco, tal como os dos
1702 tinha mantido a corte informada sobre a situação internacional, destacando o outros diplomatas, foram-se modificando. Inicialmente pretendeu evitar qual-
perigo que o império português correria caso a guerra viesse a coloca' ingleses e quer conflito com a Fiança, por entender que a neutralidade de Portugal seria
holandeseslado a lado, conta'aas forças bourbónicas. Nesseofício advertia que a acatadapor LuasXIV A sua grande preocupação incidia já na defesa e segurança
França seria incapaz de defender, na totalidade, quer as suas costas marítimas, quer do reino e na necessidade de impedir a união das coroas Bourbon.
as de Espalha, razão pela qual seria pouco provável ter alguma possibilidade de Confrontadocom a possibilidade de realizaçãode um tratado de neutralida-
defender a costa portuguesa. A insegurança no mar levou-o a aconselhar o governo de, levantou algumasobjecções,por desconhecero potencial bélico de cada
a apetrechar uma armada que, no seu entender, não seria um seguro certo, mas sim potência. Os seus conselhos apontavam no sentido de protelar as negociações,
uin factor dissuasorface às ambiçõesho]andesasno Brasi] e na Índia. de modo que a decisão só fosse tomada quando fosse previsível qual dos blocos
No início de 1703 os seus ofícios parecem ganhar mais consistência, graças poderia assegurara melhor defesado reino.
a um melhor conhecimento do que se passavaem Lisboa. Todavia, ele próprio Por sua vez, as propostas de Methuen mereceram-lhe desconfiança, na me-
fez questão de salientar que Lal não se devia à Secretaria de Estado, mas sim aos dida em que as vantagens comerciais sempre Ihe pareceram menores face às
contactos que manteve na Raia com o embaixador imperial. questões de segurança.
Por essaaltura apercebeu-seque no reino se projectavauma mudançade Em conclusão, a posição do diplomata na Holanda era cautelosa e, se bem
campo político-diplomático e, consequentemente, ponderou a realização de uma que não tivessemanifestadograndeapreço pela aliança com a trança, temia
liga com o Império, preocupando-se em fazer um balanço das vantagens que também os riscos que o país iria correr ao coligar-se com o bloco anti-
dela se podiam retirar. bourbónico. Daí ter defendido um tratado muito claro sobretudo em aspectos
O Tratado de Meta uen 67
A Diplomacia Portuguesa e a Guerra de Sucessãode Exponho

de segurançanacional, sobrepondo-os aos de natureza económica ou de alar- rio. Em segundo lugar o descontentamentodos Grandes de Espalha ao serem
gamento territorial. preteridos pelos nobres franceses e por último, o incumprimento por parte de
No essencial, tal como os outros diplomatas, a acção de Sousa Pacheco pare- LuÍs XIV dos b'atados realizados havia pouco tempo com Portugal.
ce ter contribuído para alertar a corte para alguns aspectosa considerar nos C)manifesto terminava com estaspalavraspor certo colhidas no informe do
tratados a realizar, mas as suas hesitações quanto às alianças acabariam por ser diplomata português em Espinha: <<Dissolvidoo tratado e continuando os fran
desvalorizadas face às propostas apresentadas por Methuen em Lisboa. mesesa dar os maiores indícios de haverem de reunir os dois eslados,e pelo
Passadasem revista as posições dos diplomatas portuguesesnas diversas contrário sofrendo os espanhóis cada vez mais impacientemente o jugo francês,
cortes da Europa convém lembrar que nem todos os embaixadores tiveram inici- determinou sua Majestade El-Rei de Portugal prestar atenção ao embaixador do
almente ao lado do bloco Bourbon, nem defenderam a neutralidade. Imperador e aos de Inglaterra e Holanda, que há muito o convidavam para a
Uma notícia enviada de Espanha, possivelmente por Diogo de Mendonça aliançD>'g
Corte Real, sobre o crestado da Guerra e a introdução Filipe V em Espanha>>:' Efectivamente, D. Pedro ll assim entendeu decidir, e ao assinar os tratados
revela que o diplomata sempre se manifestou ao lado da Grande Aliança e, em- de aliança ofensiva e defensiva, em 16 de Maio de 1 703, Portugal viu reconhecer
bora o seu informe utilize alguns dos argumentostambém invocados nos pare- para além das cláusulas de natureza política e militar relativas à participação na
ceres que acabámosde analisar, o certo é que as conclusõesretiradas são guerra, muitas das suas pretensões territoriais tanto no continente, como no Brasil.
diferentes . A influência da diplomacia na redacçãodos tratados foi decisiva, como se
«Levado destas ponderações, me persuado a que acertam os que entendem, pode observar pelo clausulado aprovado. Todavia, na tomada de decisão, a sua
ser o mais útil no presente estado, abraçar Portugal a liga com Inglaterra, e intervenção foi mais visível no campo da informação relativamente à situação
Holanda, ficando sempre essasduas potências com força da obrigação de nos internacional,do que na argumentaçãoa favor de uma ou de outra coligação.
prestarem forças que sem dúvida serão escusadas;porque unidas connosco em lJáralelamenteconfirma-se que, tal como os membros da corte, também os diplo-
virtude da liga; ou hemos de ficar em tranquila paz, entrado Carlos no governo matas se dividiram em relação à posição a tomar, mas é manifesto que muitos
de Espalha, ou havemos de ser incluídos na paz, quando se trate e se conclua dos argumentos usados na discussão interna foram os apresentados pelos em-
sem essesucesso; e com as armas nas mãos se fazem mais honrados e convem baixadores.
entes todos os tratados>>3a. Por último, constata-seque o papel dos diplomatas cresceude importância.
Ao contrário dos pareceres anteriores, este apontava claramente a Grande Primeiro, nos momentos que antecederamos U'atados,pelas ]'azõesacima ex-
Aliança como a melhor opção. Refutando a ideia da conveniência de uma reso- postas.Numa segundafase, quando em tempo da guerra tiveram de fazer valer
lução posterior, quando fosse previsível qual o bloco mais seguro, entendia ser ci os acordos com as potências aliadas. Por último, no final do conflito, em 1713,
apoio de Portuga]determinante para o sucessode qualquer das forças em con- durante as conferênciasda paz, quando ao cona'ário do previsto inicialmente, a
fronto. Relativamente às objecções sobre a união com os <<hereges>>,
lembrava Portugaljá só restava concluir <©restabelecimento do público repouso>> e sus-
que uma liga não era um casamento e que a unidade com Fiança e Espanha não pender uma guerra que poucas vantagens trouxera ao reino. Â guerra sucederia
traria ao reino qualquer vantagem política ou económica. <©alívio, a prosperidade e abundância que são as produções da pazl>,como afia
mou D. Luís da Cunha, um dos obreiros da paz de Utreque.

CONCLUSÃO

Entre diplomatas vivia-se a mesmadivisão a que se assistia entre governantes,


quando forçados a optar por um dos blocos em confronto na Sucessão de Espanha.
E apesardo papel acrescido que tiveram nesta situação política delicada, fica a
certezaque foi ao rei que competiu tomar a decisão final.
A sua explicação veio a público através do <<Manifestode el-rei D. Pedro ll
em que se justifica a resolução que tomará de ajudar a nação espanhola [...])>,
datado de 1704. Nele sintetizou as razões da intervenção portuguesa. Em pri
meiro lugar a enorme insegurança causada pela possibilidade de uma união das
coroas de Espinha e Fiança, pondo em risco a estabilidade do reino e do Impé-
O Tratado de Meta uen A Diplonlacici Portuguesa e a Guerra de Sucessãode Espanta

NOTAS " Idem, ibident.


15Ideia, ibidem
: A expressãoé de Lucien Bély e ilustra a existência de uma ideia de Europa, na qual os direitos n Biblioteca Pública da Ajuda, PA, 49-x-39, 3 de Abril 1701, fl. 198 v.
pessoais dos soberanos se sobrepunham por vezes, em matéria das relações internacionais ao direito 17 Idem . ibideill.
das gentes. 18Bernardino (Gomes)Freire de Andrade, fidalgo da casa real de D. Pedro 11,conselheiro do rei
Cf. Ferrand de Almeida, Á co/unia do Sacranlenfo na l»oca da Guerra Sucessãode Espanta. vogal do conselho ultramarino, governador de S. Tomé [1688-90), sargento-mor de batalha em 1704
FLUA Coimbrã, 1973;Nuns G. Morteiro, Identificação da política setecentista. Notas sobre Portugal e mestre-campo-general no Algarve e Alentejo (1707). Prisioneiro durante a guerra de Espanha, hou-
no início do período joallino, .'lnáJiseSacia/, n.' 157, 2001, pp. 961-987; lsabel Cluny, Guerra de ve dúvidas sobre o seu comportamento, depois justificadas. Morreu em 1714, os seus descendentes
Sucessãode Espalha e a diplomacia portuguesa,Punépo/e,n.' 26, 2002; O conde de Zaroucae a foram condes de Bobadela. Po/fuga/ l)ícíonáno/. . .,Í vol. 1, p. 500. Francisco de Sonsa Pacheconuma
dfp/onlacia moderna, dias. de dout., cap. V. UNL, 2003; David Francis, The H/st Peninsu/ar WaC carta de 1708 dirige-se-lhe como <<MeuPrimo>>,Cx. 4 D.o 23, ANTT, MNE.
1702-1713, London, 1975 ]g Carta de Games Freire de Andrade para Dinis de Mello e Castra, conde de Galveas. BN, Cod.
' Insü'ração a D. Luas da Cunha, Out. 1697, Visconde de Santarém, (2uadro E/emendar, Tomo 11365, fl. 41 e Mss. 28, n.o 95, fl. 3
XVlll, PP. 190-202. zoA insistência inglesa com Portugal foi muito maior depois de conhecidas as intenções france-
4SP-89, Secretaries of State: State Papers Foreign, Po/traga/, Public Record Office, 18-22 Junho de sasnas fronteiras dos PaísesBaixos espanhóis e nos territórios italianos que perteílciam à monarquia
1692 espanhola.
: Cf. Tristão da Cunha Ataíde, Portuga/, Lsboa e a Cone rios reinados de D. Pndro /r e D. /oão V BPA, 49-X-38. n. 179.
menlóHas /zisfóHcas.Lisboa: Chaves Ferreira, 1990, p. 142. 22ANTT, Min. do reino, m.o 6, n.o 22, fl. 204, 9 de Julho, 1738.
6Luís XIV desdeRiswick fora impedido de impor a hegemoniafrancesa.A sucessãode Espanta 23Também assume esta posição na obra Tradução e Porá#ase dos Zrafados de Bnz e Col?tércio
dava-lhe nova oportunidade de dominar o Atlântico, o Mediterrâneo e a ltália espanhola. [...],BIU, 49«1-6,H. 307
7 No século xvn a Europa vivia ainda em torno do sistema territorial do Império, cercado por 24Mendo de Fóios Pereira ainda devia ser o Secretário de Estado, porque só foi afastado em 1702
fronteiras militares definidas em trono de três eixos: a oeste,uma linha de defesaentre Melãoe Gand, e Jaséde Faria, secretário interino, desde Abril de 1702, só recebeu plenos poderes em Janeiro de
onde se confrontavam Habsburgo e Bourbon; ao norte a margem sul do Báltico servia de fronteira entre 1703
7

suecos e alemães; ao sul, do Adriático à Moldávia, a fronteira entre otomanos e Império austríaco. No zsBN, Cod. 11365 f1.41. e mss. 28, n.o 95 fl. 3. ;brecer de Comes Ereire de,'lndrade
final da guerra da Sucessãode Espanha a Europa mudou. A partir de então apenas dois espaçosse zbSobre este assunto voltaria a referir-se nas Insü'rações /nédífas a À/arco .'lnfónio de .{zevedo
constituíram; o continental, dominado pelo Império e o marítimo, de influência britânica. Coulinbo,Imp. Univ. Coimbrã, 1929,p. 39
8Em 1695, Joséda Cunha Brochado foi nomeado Secretário da Embaixada, quando se negociava zzSobre a coligação de protestantes com católicos assumirá mais tarde que se deve estarao lado
a mediação portuguesa na paz geral, [1697 - Riswick) . Devido ao afastamento do marquês de Cascais da ius\iça. Tradução e Parafhrasi dos Tratados de Paz e de Comércio celebrados em Utrecht, Baden e
foi nomeado como Enviado Extraordinário na mesma corte, permanecendo até Maio de 1704, altura .{nvers, BPA, 49-Xl-6, f1. 308.
em que devido ao alinhamento de Portugal na Guerra da Sucessãoda Espanha, ao lado da Inglaterra, :' Segundo Lucien Bély, na Europa de então os direitos pessoais dos soberanos reduziam muitas
Holanda e Império, abandonou Fiança. Desejou representar Portugal no congressode Utreque, mas a vezesasrelaçõesinternacionais a assuntosde família entre um conjunto de príncipes, que podiam
sua posição social não o permitiu. Cf. Ana O. Antunes, Carta ao Duque de Cadaval, 1710, D. Aluno usar a guerra, ou o casamento para alcançar as suaspretensões.
.áJvaresPeneirade À4e/o,].o Duque de Caçava/ r] 638-] 727), Lisboa, 1997, p. 280. 29Cf. À4en?ónusda Pnz de L/fraque, Pref. Gestão M. Matos, tip. J. Fernandes, Lisboa, 1931. Tam-
9 Filho de Manuel de cousa Pacheco. O irmão, Filipe de Sousa Pacheco, serviu na casa real bém nas Instruções Jnédffas/. . ./, Coimbrã, 1 929
durante 13 anos (1677-1691). Primeiro soldado da 3.' guarnição de Cascais e da Costa, mais tarde 30Na relação dos seus serviços datada de 1738 afirmou claramente: <<Nãotive parte no tratado de
como capitão de mar-e-guerra. Embarcou em 13 armadas, esteve no Estreito, Sabóia e Mazagão. aliança que o sr. Rei D. Pedro contraiu com França e Espanha>>,
ANTT, Min. reino, Brevere/anão dos
Ao falecer em 1691 deixou a vençade 380 000 crz. ao seu herdeiro universal, Franciscode Sousa serüços de D. Luas da Cunha.
Pacheco.Três anos depois este foi Enviado à Holanda. Em 1 709, foi-lhe concedida autorização para 31À/eillórías da l)oz de Utreque, pp 64-65.
receber a capela a que renunciou a religiosa do concelho de Castanheira, Joana Glória. Fidalgo da ': BN, cod. 674, }hrecer de J). l,uís da Cambasobrea Guerra da liga, s/d
Casa de Sua Majestade. (ANTT, À4ercês de 1). Pedra 11, L. 7, fl. 366, D. Jogo V L. 3 , fl. 126; rabi/ilações ]a BN, cod. 8580, Cartas de Erancfsco de Sonsa /bcbeco, ano í 702, fl. 154
a/omi/lares do Santo O#cio, Dil. 1694, m.o 106. 34ANTT. MNE. L. 808, fl. lol
o Em 1698, foi a Viena como Enviado Extraordinário de D. Pedro 11,para apresentar o pesar do 35/denl, fl. 100.
monarca relativamente ao comportamento do marquês deArronches, embaixador português na cor- 36/deJll, fl. 114.
te Imperial [desde 16941. Cf. Luís Ferrand de Almeida, ne/anõesentre Portuga/ e a Àustúa; Missões 37BN cod. 439, Notícia do estado da Guerra na Introdução de Felípe $.' Hespanha
diplomáticas portuguesas em Viena de Austria nos fins do século xvn, p. 137, Assírio e Alvim. Lis
boa,2002 39Manifesto de el-rei D. Pedro 11,Maio de 1704, visc. Borges de lastro e Julio F Biker, Supp/eJnento
' O pai, D. António da Cunha, era trinchante da casareal no tempo de Afonso VI e de D. Pêdro ll, à co/acçãodos ü'atadosconvençõese cona'aros/. . ./ Imp. Nac., Lisboa, 1873, t. X, pp. 139 e seg.
deputado da Junta dos Três Estados, Guarda-Mor da Torre do Tombo. A mãe, D. Mana Manoel de
Vilhena era irmã do 3.o conde de Vila-Flor, D. SanchoManoel e filha de D. CristovãoManDeI
de Vilhena. O tio-avâ, D. Rodrigo da Cunha, destacou-sedurante a Restauração.O primo, D. António
Manoel de Vilhena, era Grão-Mestreda Ordem de Malta, e o sobrinho, D. Luís da Cunha Manual,
viria a ser figura eminente e controversa da governação pombalina
12Sobre a questãodas dívidas do tempo de Cromwell cf. texto de Leonor FreiraCostaincluído
neste livro
13Cunha Brochado, citado por Mana Rosalina Delgado, /osé da Cunha Brochado, o Nome/71e a
sua época, Univ. Lusíada, Lisboa, 2000, p. 79
A participação portuguesa na Guerra de Sucessão
de Espanha: aspectos militares

i l lllHllf
Ferrando Dores Costa

ll lll Neste capítulo destacam-se, em síntese, alguns dos aspectos mais marcantes
dosprimeiros e decisivos anosda participação militar portuguesa na Guerra de
Sucessãode Espanha e identificam-se vários problemas de interpretação que
11 apelam para que futuras investigações sobre os domínios mais especificamente
bélicos tragam novos resultados.
l ll l l:'l
lE

l
11

A crise europeia de primeira grandeza que decorreria da falta de sucessão do


rei Cardosll de Espalha foi prevista com grande antecedência e há muitos sinais
de que na corte de D. Pedroll seanteviu um envolvimento do reino de Portugal.
A afirmação de um tal propósito tinha uma dimensão militar. O redimen-
sionamento do exército do rei de Portugal foi, muito antes da morte de Carlos ll
em 1700, enunciado por várias vezes. Logo em 1693 se publicou uma ordem
régia destinada a fazer aumentar as forças, justificada pelo estado de guerra em
que se achava toda a Europa, argumentando-se que isso tornava conveniente que
se armasseo reino para um qualquer acidente (assim se dizia) que pudesse
sobrevir. Previu-se nesse ano a criação de um exército com vinte mil infantes e
quatro mil cavalos. Para tal, definiu-se que cada um dos terços existentes deve-
ria ser acrescentado até aos mil homens, os novos oficiais seriam consultados
pelo Conselho de Guerra e a Junta dos Três Estados aprontaria o dinheiro para
tal necessário:. Tal como se evidenciou uns anos depois, tanto pelo panorama
constante do documento do rei apresentado nas Cortes de 1697-1698, como pe'
las descrições feitas do exército nos primeiros anos do século xvm por observa
dores estrangeiros, a previsão do crescimento da força em 1693 foi uma dessas
numerosas obras feitas pelos príncipes no papel, que demarcavam intenções
semproduzirem quaisquer efeitos. Na realidade, a possibilidade de levantar uma
força dessadimensão implicava, antes do mais, os meios financeiros de que o rei
não dispunha e a sua hipotética obtençãoimpunha, ainda nestetempo, uma
reunião das Cortes de modo a convencer os três estados, na realidade, o braço

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