Você está na página 1de 8

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

DISCIPLINA: HISTÓRIA IBÉRICA I – FLH 0261 - 2022


Professora: Dra. Ana Paula Torres Megiani
Aluna: Bruna Aparecida Biasotti.
Nº USP: 13647872

Relatório analítico-reflexivo sobre as aulas: “Dois reinos e uma só Coroa:


Sebastianismo e União Ibérica entre 1580-1640” e “O fim da União das
Coroas Ibéricas e a Guerra de Restauração Portuguesa”.

Conforme vimos durante as aulas, a incorporação de Portugal na


Monarquia Hispânica foi decorrente da crise dinástica que ocorreu com o fim
dos herdeiros da Casa de Avis, que reinavam em Portugal desde 1385.
No reinado de D. João III (1521-1557) todos seus nove filhos faleceram
antes que pudessem assumir a Coroa portuguesa, restando apenas o neto D.
Sebastião que nasceu no mesmo mês da morte de seu pai, o príncipe D. João,
em janeiro de 1554.
Desde o século XV o reino de Portugal mantinha a tradição de casar
seus príncipes e princesas com os principais membros da realeza do reino
espanhol, os Habsburgos; como exemplo podemos citar o rei português D.
Manuel (pai de D. João III), que se casou com três princesas espanholas, e o
Imperador Carlos V que se casou com a filha de D. Manuel.
Por conta desta tradição, que aproximava as Coroas dos dois reinos, era
muito provável que em algum momento acontecesse de o governo das
monarquias recair sobre um mesmo rei.
E realmente foi o que aconteceu em 1580.
D. Sebastião, como mencionado anteriormente, foi o último herdeiro
direto da dinastia de Avis, por esse motivo era muito querido pelo povo
português, considerado como o “rei prometido”, pois representava a segurança
de autonomia do reino.

1
Seu reinado durou pouco, cerca de 10 anos (1568-1578), pois em 04 de
agosto de 1578 D. Sebastião perdeu a vida combatendo no Marrocos, onde
tentou colocar em prática sua idealização de guerra santa contra os infiéis, já
que lutava contra um exército de mouros.
Possivelmente desde muito novo D. Sebastião teve contato com essa
idéia de cruzada santa em defesa do cristianismo, pois foi educado por
religiosos jesuítas. Também pode ter sido influenciado muito provavelmente
pelas narrativas e novelas de cavalaria que circulavam pelo reino.
O rei não era casado e não tinha filhos, o que resultou em um tremendo
problema para o reino português. Foi uma tristeza muito grande, principalmente
pelo fato de o corpo de D. Sebastião não ter sido encontrado no campo de
batalha, e isso acarretará na crença da população portuguesa de que o rei
estava vivo, mas perdido.
Quando a terrível notícia chega a Portugal, o cardeal D. Henrique (irmão
do rei D. João III), que era o parente mais próximo de D. Sebastião, assume o
controle do reino, porém já é idoso, não tem filhos, e governa até 1580 quando
também morre.
Nesse momento iniciou-se uma disputa pela Coroa de Portugal entre D.
Antonio Prior do Crato, primo de D. Sebastião (supostamente era um filho
ilegítimo do irmão do rei D. João III) e Filipe II rei da Monarquia Hispânica, que
era tio de D. Sebastião e neto pelo lado materno do rei português D. Manuel.
D. Antonio poderia ter sido a opção para evitar o fim da Dinastia de Avis
no comando de Portugal; chegou até mesmo a ser proclamado rei na cidade de
Santarém, porém não teve apoio muito forte especialmente por parte da
nobreza que o acusava de ter sangue não-puro (sua mãe seria uma cristã
nova), dessa forma não poderia ser admitido como rei.
Ao mesmo tempo Filipe II, que acompanhava há tempos o que acontecia
no reino vizinho por meio de seu intermediário e Valido D. Cristovão de Moura,
já estava com o exército pronto para ocupar o território português e assumir a
Coroa.
Houve combates entre D. Antonio e o exército de Filipe II, que saiu
vencedor. D. Antonio acabou por exilar-se na França, e assim teve fim o poder
da Casa de Avis em Portugal.

2
Então, em 1581 Filipe II oficializa a união das Coroas portuguesa e
espanhola sob seu poder, e cria uma espécie de constituição com as novas
regras a serem seguidas na administração do reino anexado – o Pacto de
Tomar. Entre outras determinações, o rei comprometia-se a manter os mais
importantes cargos civis, assim como os cargos da Igreja, de Portugal e de
suas colônias em mãos de portugueses, e no geral garantiria os particularismos
do reino.
Para felicidade dos portugueses que apoiaram o monarca espanhol e
festejaram sua coroação juntamente com a população portuguesa, a sede da
corte foi transferida para Lisboa, de onde o rei passou a governar, e onde
permaneceu até 1583, quando Filipe II decidiu retornar para Madri, para não
mais voltar a Portugal.
Antes, porém, Filipe II providenciou o sepultamento do corpo de D.
Sebastião, que supostamente havia sido encontrado no Marrocos;
possivelmente como forma de tentar por fim à expectativa e crença de parte do
povo português no retorno do rei prometido que ainda estaria perdido.
Mas é após a partida de Filipe II do território português que os boatos
sobre o retorno de D. Sebastião ganham mais força, espalhando-se por todo o
reino e chegando até ao ponto de surgirem três supostos D. Sebastião em
várias partes de Europa. Todos são perseguidos e mortos a mando de Felipe II.
Podemos considerar essas manifestações que ficaram conhecidas como
“Sebastianismo” como forma de representação da resistência e do desgosto do
povo português em relação à união das duas Coroas.
Os anos que se seguiram foram de tensão, rebeliões e revoltas contra o
domínio espanhol em território português, marcando o desgosto principalmente
pela ausência do rei.
No reinado de Filipe II (1556-1598), a Monarquia Hispânica mantinha
sua grandeza, como pudemos ver durante a aula na análise do quadro
“Alegoria da Batalha de Lepanto” do artista Tiziano, em que o rei é enaltecido
como o grande defensor da cristandade, que triunfou sobre os infiéis (turcos),
incluindo na pintura símbolos divinos, como o anjo que recebe o herdeiro do
reino (filho do rei, que seria destinado a dar continuidade às obras de seu pai),
enfim, mostra o rei como o vitorioso sob o mal árabe.

3
Já no reinado de seu filho, Filipe III, os sinais de crise econômica e
começaram a surgir, indícios do início da decadência do império, como a
diminuição da entrada de riquezas, principalmente a prata proveniente das
colônias, e aumento de gastos e despesas por conta dos conflitos militares com
a França e Países Baixos, além da manutenção dos luxos da corte, resultando
num desequilíbrio entre receitas e despesas.
Para piorar, as colheitas nos campos também não iam bem (por diversos
fatores, incluindo o clima), e o reino como um todo enfrentava uma situação
muito crítica, com o aumento da inflação, miséria, crescimento da violência com
roubos e assaltos cada vez mais frequentes.
Não existia um pensamento econômico na época, para que pudesse
analisar e entender o que estava acontecendo, identificar onde estava o
problema e buscar uma solução concreta para resolvê-lo. Desse modo, a
justificativa que explicaria todas essa situação calamitosa recairia sobre um
bode expiatório: os mouriscos, descendentes dos mouros que haviam se
convertido ao cristianismo ainda no século XV e que vivam no reino espanhol.
Em 1609 toda a população mourisca foi expulsa do reino e exilada no
norte da África, limpando assim a mancha que o reino católico pensava
carregar por conta da permanência desses habitantes em seu território. No
entanto, essa ação pode ter piorado ainda mais a crise espanhola, já que
muitos camponeses que cultivavam as plantações eram mouriscos.
O Rei Filipe III parecia estar indiferente ao que acontecia nos seus
domínios, pois se afastou cada vez mais da sociedade, delegando a
responsabilidade pela administração do reino ao seu Valido, o Duque de
Lerma, e preferindo ocupar-se com assuntos de etiqueta régia e cerimoniais de
corte.
Nesse tempo começou a serem escritas várias peças de teatro no reino,
que refletiam a realidade vivida, derivadas do surgimento do pensamento
crítico, também é a época em que o espanhol Miguel de Cervantes escreveu a
obra Dom Quixote, cujo enredo podemos interpretar como a representação do
momento que o reino estava vivendo: relembranças das glórias do passado
que tomavam o lugar do presente, o modo de viver desconexo da realidade,
que não era aquela idealizada, como se não quisessem olhar para o mundo
real que estava à sua frente.

4
Ainda no reinado de Filipe III, o reino espanhol envolveu-se em um
grande conflito militar – a Guerra dos Trinta Anos contra a França, o que piorou
ainda mais a já desestabilizada economia.
Em 1619 o rei viajou até Lisboa para fazer seu juramento, jurar também
seu filho (o futuro Filipe IV) e reafirmar as definições do Pacto de Tomar, após
muita pressão da população, que exigia sua presença, pois já fazia mais de 30
anos que o povo português tinha um rei “ausente”. Novamente Portugal
recebeu o portador das duas Coroas com muitos festejos.
Dois anos depois, Filipe III faleceu, e em seu lugar passou a reinar seu
filho Filipe IV. Assim que assumiu o trono, o rei decide trocar o ministro Duque
de Lerma, nomeando em seu lugar o Conde Duque Olivares.
O novo ministro era extremamente centralizador, e para superar as
crises que o reino vinha enfrentando, ele propôs centralizar todos os assuntos
econômicos e administrativos em torno do poder real. Esse projeto
desrespeitaria as diretrizes do Pacto de Tomar, já que poria fim à autonomia
que Portugal tinha na Monarquia Hispânica.
O primeiro grande projeto de Olivares foi a tentativa de unir os exércitos
(União de Armas) dos territórios que compunham a monarquia, sob o comando
do rei. Nessa hipótese, Portugal e todas as outras regiões ficariam sem
soldados. Essa proposta resultou em rebeliões na Catalunha e em Nápoles, e
posteriormente em Portugal.
A rebelião portuguesa foi fruto da revolta da Catalunha, pois Olivares
exigiu que o exército português combatesse os rebeldes catalães, lutando a
favor da Monarquia Hispânica. Portugal se recusou a obedecer à ordem do
ministro, e em 1640 declarou sua independência (no caso, podemos considerar
como a segunda independência de Portugal, a primeira foi em 1142 com D.
Afonso Henriques).
A União de Armas, que tinha o propósito de unificar as forças da
Monarquia Hispânica acabou por causar o conflito que resultou na separação
de parte significativa do reino, assim vemos como Olivares deu um tiro no pé.
Tiveram início então os combates que marcariam a luta pela liberdade
de Portugal e pela restauração da Coroa governada por um rei natural, nascido
em solo português, já que o rei espanhol seria um usurpador estrangeiro.

5
Em 1640 D. João, Duque de Bragança (a maior Casa da nobreza
portuguesa desde o século XVI), que tinha parentesco com o rei D. Manuel, foi
aclamado rei de Portugal, tornando-se D. João IV. As Cortes portuguesas
foram convocadas, como era costume, para validação e reconhecimento dos
cargos e funções do governo, bem como para validar os direitos da sociedade.
A elite portuguesa ficou dividida, muitos continuaram apoiando a
permanência do reino na Monarquia Hispânica sob domínio de Filipe IV. Para
aqueles contrários à liberdade de Portugal e o reinado de D. João IV, o destino
era a expulsão do reino, com a perda de direito a todos os bens, inclusive ao
título de nobreza.
A Guerra de Restauração estendeu-se por 28 anos, um período de
combates militares e de situação indefinida em termos políticos e também de
processos para reconhecimento da validade da restauração pelas outras
nações. Inclusive o padre Antonio Vieira serviu de “embaixador” em Roma,
para tentar articular a aceitação da independência de Portugal com o papa.
Quase que simultaneamente a esses acontecimentos, chegava ao fim a
Guerra dos Trinta Anos (em 1648), cujo um dos resultados foi o
reconhecimento da independência Holanda pelo reino espanhol, além disso, a
França, que era um dos maiores inimigos dos espanhóis, saiu vitoriosa do
conflito e ainda mais fortalecida.
Já em 1659, França e Espanha assinaram o Tratado dos Pirineus, um
acordo de paz que aproximou os dois reinos, com finalidade de se protegerem
da influência e aliança entre Inglaterra e Portugal, pois o reino inglês apoiou a
independência portuguesa desde o início, e em 1654 já tinham firmado um
acordo.
A ajuda da Inglaterra teria papel fundamental para Portugal na garantia
da autonomia do reino, bem como no fortalecimento militar para os combates
que ainda estavam sendo travados pela guerra de restauração. A longo prazo,
Inglaterra se beneficiou, pois Portugal iria utilizar o ouro que seria encontrado e
extraído da colônia brasileira para bancar os custos da parceria que iria
perdurar por muito tempo.
A Guerra de Restauração, além de um conflito militar foi também uma
guerra de propaganda, de narrativas de ambas as partes do embate. Os
impressos eram distribuídos por todo o território dos reinos, bem como

6
chegavam a outras cortes européias, possibilitando ao leitor conhecer as
justificativas de cada monarca, inclusive havia muita disseminação de notícias
falsas.
Finalmente em 1668 o reino espanhol reconheceu a independência de
Portugal, chegava assim ao fim a União Ibérica.
Com a separação de Portugal, o reino espanhol teve duas grandes
perdas: a de um grande espaço de ocupação territorial, e a enorme perda de
recursos financeiros, já que todo território português deixou de ser devedor de
tributos, então a situação econômica já fragilizada sofreu uma piora.
Essa perda da grandeza no reino espanhol refletiu-se também nas artes
da época, conforme vimos em aula. Como um dos maiores exemplos dessa
afirmação pode ser citado a obra “Las Meninas”, pintada em 1656 por Diego
Velázquez, principal artista da corte de Filipe IV. Neste quadro pode ser
interpretado como um símbolo do declínio da coroa espanhola, já que nela o rei
é apresentado fora da cena principal, sem destaque ou prestígio (aparece
apenas como um reflexo no espelho), da mesma forma que estaria a
Monarquia Hispânica naquele momento.
Contudo, o tempo da chamada União Ibérica pode ser interpretado como
uma época de expansão de trocas de costumes e culturas entre povos de
diferentes partes dos continentes europeu, americano, africano e asiático (onde
localizavam-se a capital da monarquia e seus territórios descontínuos, e suas
colônias). A circulação de mercadorias, pessoas, costumes, etc.
proporcionaram muitas trocas entre as diversas populações, não só trocas
materiais, como também influência de idéias e assimilação de costumes.

As informações deste relatório foram baseadas no conteúdo das aulas


mencionadas anteriormente (incluindo slides e áudios), e também nos livros
“Portugal, uma retrospectiva: 1580” (Editora Tinta da China, 2019) da
professora Ana Paula Megiani, “A Guerra de Restauração 1641-1668” (Livros
Horizonte, 2004) de Fernando Dores Costa, e “História de Portugal” (A esfera
dos livros, 2009) de Rui Ramos, Bernardo Vasconcelos e Sousa e Nuno
Gonçalo Monteiro.

7
8

Você também pode gostar