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A privança no Portugal restaurado

A historiografia sobre o 3.º conde de Castelo Melhor 1


Vinicius Dantas

Introdução

Em um congresso realizado na Universidade de Oxford em meados de 1990,


historiadores de diversas áreas debateram sobre a importância de uma personagem
central na política das monarquias européias do século XVII: o valido ou privado. Estes
indivíduos intervinham directamente nas decisões de governo, actuando como uma
espécie de «primeiro-ministro», em conjunto ou até mesmo em lugar de seus reis.

Como é sabido, a partir do valimento de D. Francisco Gómez de Sandoval y


Rojas (1598-1618), duque de Lerma, na Espanha de Felipe III (1598- -1621), as cortes
européias testemunharam uma proliferação de validos. Mais que um fenômeno
ocasional, o valimento se tornava um modelo de modernização administrativa que
poderia ser reproduzido em diversos contextos. De uma forma geral, ao dividirem as
suas prerrogativas com um privado, os monarcas concentravam o processo de decisão
política, agilizando as decisões. Nesse sentido, governar com validos era uma prática
política, que também produzia importantes impactos institucionais.

Ao folhearmos as páginas do livro originário do referido colóquio,


encontramos dezessete capítulos sobre casos de valimento nas monarquias hispânica,
francesa, inglesa e polaca, entre outras. Uma única menção à privança em Portugal foi
feita na conclusão da obra, em uma citação sobre o marquês de Pombal e os ministros
do século XVIII. Na historiografia sobre a monarquia portuguesa, se já se conhecem os
aspectos essenciais do valimento durante o governo dos Filipes (1580-1640), ainda são
escassos os estudos sobre a privança na segunda metade do século XVII e a primeira do
XVIII. Da regência de D. Luísa de Gusmão (1656-1662) ao reinado de D. José (1750-
1777), homens como António Conti, D. Luís de Vasconcelos e Sousa, 3.º conde de
Castelo Melhor, D. João da Mota e Silva, frei Gaspar da Encarnação e Sebastião José de

1
Abreviaturas utilizadas: ANTT (Arquivo Nacional da Torre do Tombo), BNP (Biblioteca Nacional de
Por (...)
Carvalho e Melo, marquês de Pombal, influenciaram, em maior ou menor grau, as
decisões régias como privados ou validos de seus reis.2

Apesar dos numerosos trabalhos existentes sobre o valimento de Luís de


Vasconcelos e Sousa, 3.º conde de Castelo Melhor, durante o reinado de D. Afonso VI
(1662-1667), uma parte considerável dos autores adoptou uma perspectiva de estudo
biográfico-descritiva. Como resultado, em lugar de uma análise institucional e política
da figura do favorito, muitos historiadores limitaram-se a fazer julgamentos morais
sobre as suas acções. Nesse sentido, Castelo Melhor foi estudado ora como um
«ambicioso cortesão» que manipulava o favor do rei, ora como um «vitorioso estadista»
responsável pelos sucessos da coroa portuguesa na guerra contra a Monarquia
Hispânica. Nas páginas seguintes, nos concentramos nas interpretações sobre a privança
do conde de Castelo Melhor na historiografia específica sobre o ministro e nos trabalhos
sobre o reinado afonsino.

A trajectória do 3.º conde de Castelo Melhor

Nascido em Pombal em 1636, Luís de Vasconcelos e Sousa era o


primogênito de João Rodrigues de Vasconcelos e de Mariana de Lencastre. Seu pai
destacou-se durante o governo de D. João IV (1640-1656) como conselheiro de guerra,
governador de províncias no reino e governador do Estado do Brasil (1650-1654). Em
1657, Luís de Vasconcelos e seu irmão Simão serviram em campanhas militares na
região de Entre Douro e Minho, onde João Rodrigues exercia o cargo de governador das
armas. Com a morte de seu pai em 1658, Luís de Vasconcelos e Sousa se tornou o 3.º
conde de Castelo Melhor.

En 1660, através do matrimónio com D. Guiomar de Távora, Castelo


Melhor obteve o ofício de reposteiro-mor. Um dos vinte e seis ofícios maiores da casa
real, o de reposteiro-mor incluía obrigações como a arrumação da cadeira e da almofada
do monarca no momento de suas refeições e do culto na capela real. Dessa forma, o
ofício garantia ao seu titular uma proximidade física com o soberano, que poderia se
transformar em laços afetivos e políticos mais amplos 3.

2
Elliott, John H. & Laurence Brockliss (eds) (2000), The world of the favourite, Yale University Pre (...)
3
Menezes, Luís de, conde de Ericeira (1945), História de Portugal Restaurado, Porto, Livraria Civili (...)
Em 1661, ano em que Castelo Melhor ingressou na casa real, a regente D.
Luísa de Gusmão e os seus conselheiros mais próximos tomavam medidas para conter a
influência do valido Antonio Conti Vintimiglia sobre o rei D. Afonso VI. Entre 1656 e
1662, Conti tinha passado de tendeiro do pátio da capela real a fidalgo e conselheiro 4.
Com o desterro de Conti em Junho de 1662, o monarca e os condes de Atouguia e
Castelo Melhor tomaram o poder anunciando a formação de um novo governo. Pouco
tempo depois, Castelo Melhor conquistava a privança do soberano. No mesmo ano, era
nomeado para o ofício de escrivão da puridade, tornando-se o mais importante ministro
da monarquia 5.

Na época em que Castelo Melhor conquistou o valimento de D. Afonso VI,


o modelo de privança que tinha-se difundido na Europa a partir da experiência do duque
de Lerma na Monarquia Hispânica passava por importantes transformações. Na
monarquia francesa, a morte de Mazarino no início de março de 1661 marcou o começo
do chamado «governo pessoal» de Luís XIV, quando as funções governativas do valido
foram repartidas entre três ministros que trabalhavam sob a coordenação do soberano 6.
Na Monarquia Hispânica, com o falecimento de D. Luís de Haro em dezembro de 1661,
Felipe IV seguiu o exemplo de Luís XIV e governou sem valido até a sua morte em
1665 7. A monarquia portuguesa, que estivera vinculada aos monarcas castelhanos e
seus privados durante os sessenta anos de união das coroas ibéricas, testemunhava a
afirmação de Castelo Melhor como valido em um momento em que esse modelo de
governo perdia força no contexto europeu.

Apesar das vitórias militares conseguidas sob o comando de Castelo Melhor


no conflito contra a Monarquia Hispânica, a oposição nobiliária ao seu valimento não
tardaria em surgir. Esta, liderada pelo infante D. Pedro e pela rainha Maria Francisca
Isabel de Sabóia, conseguiu que Castelo Melhor fosse desterrado da corte em Setembro
de 1667. Durante o seu exílio, entre 1667 e 1685, Castelo Melhor transitou por
territórios da Monarquia Hispânica e pelas cortes francesa, turinesa e inglesa. Retornou

4
Sobre as mercês concedidas durante o valimento de Conti, veja-se o pioneiro artigo de Gastão de Mel
(...)
5
«Carta Patente Instaura o ofício de Escrivão da puridade, e nomeia para ele o Conde de Castelo Melh
(...)
6
Como sabemos, tais mudanças não significaram a extinção do valimento. Cf. Bérenger, Jean, «La supre
(...)
7
Acerca do «modelo» de privança de Luís de Haro e da influência do governo «pessoal» de Luís XIV no
(...)
a Portugal em 1685 e faleceu como um dos conselheiros de Estado de D. João V em
Agosto de 1720. Apesar de sua curta experiência como favorito (1662-1667), o
valimento de Castelo Melhor foi fundamental para os debates sobre as formas de
governo no Portugal da segunda metade do século XVII e no XVIII.

A historiografia sobre o valimento de Castelo Melhor (1880-1940)

Apesar das muitas referências anteriores na literatura, o primeiro estudo


histórico específico sobre o 3.º conde de Castelo Melhor foi escrito na segunda metade
do século XIX 8. Em O conde de Castelo Melhor no exílio, o historiador português
Fernando Palha (1851-1897) escreveu um trabalho pioneiro sobre os dezoito anos de
desterro de Luís de Vasconcelos e Sousa, trazendo importantes informações sobre a
trajectória do conde durante esse período. Entretanto, em seu livro Palha oscilava entre
a demonstração da sua admiração pelo ministro de D. Afonso VI e a ênfase na suposta
incapacidade do soberano 9.

Na primeira metade do século XX, antes das comemorações da Restauração,


dois historiadores contribuíram efetivamente para o surgimento de um novo olhar sobre
o reinado afonsino e sobre o valimento de Castelo Melhor. O primeiro foi o britânico
Edgar Prestage (1869-1951) e o segundo o português Gastão de Melo de Matos (1890-
1971).

Em seus diversos estudos sobre o Portugal seiscentista, Edgar Prestage


contribuiu de maneira significativa para um melhor conhecimento do governo do conde
de Castelo Melhor (1662 -1667) e dos seus dezoito anos de desterro (1667-1685). O
historiador, em um artigo sobre a devolução de Tanger aos portugueses, publicado em
1917, ressaltou as preocupações do então desterrado Castelo Melhor no âmbito
diplomático. No mesmo ano, publicou um estudo sobre parte da correspondência de
Castelo Melhor no exílio. Neste trabalho, Prestage revelava a existência de uma
documentação até então inédita, que permitiu preencher importantes lacunas sobre o

8
Ao longo do século XIX diversos literatos se ocuparam com o estudo do reinado de Afonso VI. Como
ex (...)
9
Fernando Palha, O conde de Castel Melhor no exílio. Ensaio biográphico, Lisboa, Imprensa Nacional,
(...)
período de desterro do conde 10. Na década de 1930, Prestage voltou ao tema a partir da
perspectiva das relações internacionais. Destacando a importância da correspondência
diplomática para o entendimento do reinado de D. Afonso VI (1662-1667), Prestage
chamava a atenção para a inexistência de um estudo específico sobre a acção
governativa do conde Castelo Melhor. O autor situou o reinado afonsino no contexto
mais alargado do jogo político entre as monarquias européias do século XVII,
sublinhando a pressão exercida pelos franceses na corte lisboeta. De acordo com
Prestage, os interesses franceses, personificados na princesa Maria Francisca Isabel de
Sabóia e no representante de Luís XIV na corte portuguesa Saint Romain, foram
determinantes para a queda de Castelo Melhor. Nesse sentido, o conde não teria sido
derrubado somente por uma conspiração palaciana, mas também pelos agentes de Luís
XIV 11.

Além dos trabalhos de Prestage, os artigos de Gastão de Melo de Matos


foram fundamentais para a revisão dos estereótipos e interpretações moralizantes do
governo de Afonso VI e Castelo Melhor. Em seu estudo crítico da Anticatastrophe, uma
das principais fontes sobre o reinado afonsino, o historiador português ressaltou a
importância da deposição do favorito no contexto da Restauração de Portugal. De
acordo com o autor, a queda do valido foi mais importante que a própria deposição do
monarca, pois revelava a existência de diferentes facções cortesãs vinculadas aos
interesses ingleses e franceses na corte portuguesa 12.

Apesar das fundamentais contribuições de Prestage e Matos e do surgimento


de novas perspectivas para o estudo do reinado afonsino, nas primeiras décadas do
século XX ainda permaneciam as interpretações tradicionais sobre o período. Nesse
sentido, os autores que escreveram sobre o valimento de Castelo Melhor dividiram-se
entre defensores e detractores do valido. Entre os primeiros encontrava-se o jornalista
César da Silva (1859-1942) que, em um romance histórico sobre Castelo Melhor,
enfatizou as potencialidades do ministro de Afonso VI. De acordo com Silva, desde
cedo Luís de Vasconcelos e Sousa tinha demonstrado o seu talento para o governo. Com
o seu ingresso na corte lisboeta, aos vinte e cinco anos de idade, não havia dúvida de

10
Edgar Prestage, «O conde de Castelo Melhor e a retrocessão de Tánger a Portugal» in Separata do Bol
(...)
11
Prestage, Edgar (1930), «Castel Melhor e a rainha D. Maria Francisca» in Miscelânea de Estudos em h
(...)
12
Matos, Gastão de Melo de (1935), «A Anticatastrophe: estudo crítico», in Separata do 2.° Volume do
(...)
que iria «celebrisar-se». Uma opinião contrária à de Silva foi exposta em um artigo do
médico e filósofo Eduardo Burnay (1853-1924). Em seu estudo sobre as relações entre
Castelo Melhor e um suposto grupo de envenenadores do duque de Sabóia, Burnay
afirmava que Castelo Melhor foi um homem «sem grande alma, que em certo momento
13
assumiria aventurosamente um papel à altura do qual se não mostrou» . Outros
exemplos desta dicotomia são os trabalhos dos historiadores Ângelo Ribeiro (1886-
1936) e Mario Sampayo Ribeiro (1898- -1966). Se o primeiro, em um capítulo de um
volume da História de Portugal dirigido em conjunto com Damião Peres (1889-1976),
advogou em favor de Castelo Melhor, o segundo associou-se com o partido oposto 14.

A Restauração portuguesa e o valimento (1940-1990)

Com as comemorações do tricentenário da Restauração de Portugal em


1940, foram publicados diversos trabalhos sobre a conjuntura política dos primeiros
trinta anos da dinastia dos Bragança e, em consequência, sobre o reinado de D. Afonso
VI e a privança de Castelo Melhor. Apesar do forte conteúdo nacionalista de parte
considerável dos estudos destes anos, alguns autores contribuíram efetivamente para a
compreensão do reinado afonsino. Em 1944, o já citado Gastão de Melo de Matos
publicou «O sentido da crise política de 1667», um dos mais importantes artigos sobre
os anos posteriores à Restauração. De acordo com Matos, apesar dos muitos escritos
sobre o final do reinado afonsino, poucos historiadores tinham ido além da visão
romântica dos acontecimentos da corte portuguesa. Embora reproduza parte dos
estereótipos sobre o período, uma das maiores inovações da interpretação de Matos é a
aproximação entre as conjunturas de 1640 e 1668. Para o autor, as lutas políticas na
corte portuguesa no final do reinado de D. Afonso VI não poderiam ser entendidas fora
do contexto da tomada do poder por D. João IV em 1640 15.

No início da década de 1960, o historiador português Jorge Borges de


Macedo (1921-1996) publicou um ensaio sobre o valido de D. Afonso VI. Para o autor,
a importância histórica da figura do 3º conde de Castelo Melhor dificultava uma análise
mais apurada desta personagem. Para Macedo, apesar dos muitos estudos, os

13
Silva, César da (1922), O conde de Castelo Melhor. Chronica episódica do reinado de D. Afonso VI, L
(...)
14
Ribeiro, Ângelo (1937) «A organização da vitória» in Damião Peres & Ângelo Ribeiro (orgs), História
(...)
15
Gastão de Melo de Matos (1944),, «O sentido da crise política de 1667», Anais da Academia Portugues
(...)
historiadores costumavam tomar partido contra ou a favor do valido, impedindo assim
um estudo rigoroso da sua ação. No seu entender, pouco se sabia ainda sobre a sua
biografia e as suas ideias 16.

Para que algumas das questões colocadas por Macedo fossem respondidas,
foi necessário um conhecimento mais aprofundado dos primeiros anos do Portugal dos
Bragança e da figura do valido em sua acepção institucional. Nesse sentido, um dos
trabalhos mais importantes foi escrito pelo historiador português Luís Reis Torgal. Em
seu livro Ideologia política e teoria do Estado na Restauração, Torgal estudou as idéias
políticas que fundamentaram o governo dos primeiros anos da dinastia dos Bragança.
Entretanto, diferente da análise de Gastão de Melo de Matos, a interpretação de Torgal
afastou-se das teses nacionalistas sobre a Restauração portuguesa. Sobre o reinado de D.
Afonso VI, o autor considerou a ascensão de Castelo Melhor como uma simples troca
17
de poderes entre sectores dominantes . De acordo com Torgal, apesar dos muitos
escritos políticos do Portugal do século XVII, poucos autores debruçaram-se sobre a
questão do valimento, o que sugeria a importância periférica da figura do valido no
contexto português 18.

O valimento de Castelo Melhor na recente historiografia sobre o Portugal


restaurado (1990-2009)

Além de Torgal, durante as décadas de 1970 e 1980, autores como Martim


de Albuquerque e Antonio Manuel Hespanha publicaram estudos que contribuíram de
forma decisiva para um melhor conhecimento da política no Portugal do século XVII.
Estes trabalhos não só refutaram a tese da existência de um «absolutismo português»,
como também destacaram a coexistência entre o poder central e uma multiplicidade de
jurisdições no Portugal da Época Moderna. Tais idéias se tornaram o ponto de partida
para a formação de um novo paradigma de análise das questões políticas do Portugal
restaurado, fornecendo aos historiadores novas idéias para o estudo de velhos temas.
Assim, assuntos já anteriormente investigados foram revisitados sob outro ângulo de

16
Macedo, Jorge Borges de (1961), «O conde de Castel-Melhor. Ensaio biográfico», in Os grandes portug
(...)
17
Torgal, Luís Reis (1981 [1978]), Ideologia política e teoria do Estado na Restauração, Coimbra, Imp
(...)
18
Torgal (1981 [1978]), Ideologia política…, v. 1, p. 162.
observação. Esta mudança foi influenciada pelo diálogo entre a historiografia política
modernista portuguesa e outras tradições historiográficas 19.

Entretanto, esse novo paradigma coexistiu com estudos que ainda


reproduziam parcial ou integralmente os tradicionais juízos de valor sobre o reinado
afonsino e o seu ministro, apresentando Castelo Melhor em tom apologético como um
«patriota» à serviço da «nação» portuguesa. Apesar do tipo de abordagem escolhida,
tais trabalhos foram fundamentais pela divulgação de novas fontes arquivísticas para o
estudo do período 20.

Para que se delineasse uma nova compreensão do valimento de Castelo


Melhor foi necessário passar do estudo individual à análise do papel institucional do
valido. Esta perspectiva foi alcançada através da comparação da história de Portugal do
século XVII com a das outras monarquias européias do mesmo período. Um dos
principais responsáveis por essa nova abordagem foi o historiador do Direito António
Manuel Hespanha. Ao destacar a existência de uma multiplicidade de jurisdições no
Portugal do século XVII, as transformações estruturais do reino durante o período
filipino (1580-1640) e o papel renovado das cortes no governo de D. João IV, Hespanha
trouxe importantes inovações aos estudos sobre o poder na Época Moderna 21. A partir
das contribuições metodológicas e historiográficas de Hespanha, o reinado afonsino
ganhou destaque, sobretudo através dos trabalhos de Pedro Cardim e de Ângela Barreto
Xavier.

No seu livro sobre as Cortes portuguesas do século XVII, Pedro Cardim


refletiu sobre os impactos do valimento de Castelo Melhor nas instituições e destacou
que o governo do conde retomou certos aspectos do valimento do conde duque de
22
Olivares na Monarquia Hispânica . Em outro trabalho, o autor dissertou sobre a
natureza pragmática e improvisada da política do valido de D. Afonso VI. De acordo
com Cardim, Castelo Melhor, durante os seus cinco anos de governo, não seguiu

19
Entre os trabalhos fundamentais nesse processo de revisão historiográfica: Albuquerque, Martim de (
(...)
20
Black, Maria Luísa de Bivar (1996), Um escrivão da puridade no poder. O conde de Castelo Melhor. 16
(...)
21
Além dos já citados trabalhos «O governo dos Áustrias…» e As vésperas do Leviathan…, veja-se do
mes (...)
22
Cardim, Pedro (1998), Cortes e cultura política no Portugal do Antigo Regime, Lisboa, Cosmos, p. 31
23
qualquer projecto político ou idéias previamente definidas . Em outro texto sobre a
casa real portuguesa, Cardim lembrou o desequilíbrio engendrado pela privança de
Castelo Melhor na distribuição de ofícios e cargos palacianos. Assim, com a
acumulação dos processos de decisão política e com o seu monopólio dos mecanismos
de distribuição das honras e mercês da coroa, o valido de Afonso VI despertou a
oposição aristocrática 24.

Além de Cardim, Ângela Barreto Xavier também contribuiu efetiva- mente


para um melhor conhecimento do papel governativo do conde de Castelo Melhor. De
acordo com Xavier, com a promulgação do novo regimento do escrivão da puridade em
1663, Castelo Melhor teve a legitimidade necessária para o seu valimento. Assim, em
sua curta experiência de governo, o favorito foi o principal responsável pelas decisões
da coroa portuguesa, afastando-se dos mecanismos tradicionais de consulta aos
25
conselhos e tribunais . Xavier também dedicou um artigo aos impactos institucionais
do governo de Castelo Melhor no interior da rede de conselhos e tribunais da coroa
portuguesa. Assim, destacou as possibilidades de controle da monarquia pelo valido e as
semelhanças entre a política de Castelo Melhor, a dos validos castelhanos e a do
marquês de Pombal no século XVIII 26.

Em um livro sobre as cerimônias de casamento de D. Afonso VI realizadas


em 1666, Ângela Xavier, Fernando Bouza e Pedro Cardim recuperaram a dimensão
simbólica do valimento de Castelo Melhor. Recentemente, em sua biografia do rei D.
Afonso VI, Xavier e Cardim recolheram e sintetizaram as suas aportações anteriores
sobre o governo do valido 27.

Na recente historiografia política sobre o Portugal do século XVII, o


valimento de Castelo Melhor também foi estudado a partir das relações internacionais.
Rafael Valladares, em seu livro sobre a Restauração de Portugal, destacou o papel de
Castelo Melhor na condução das negociações entre as coroas castelhana e portuguesa. O
23
Cardim, Pedro (2002), «O processo político (1621-1667)» in António Manuel Hespanha (coord.), José
M (...)
24
Cardim, Pedro (2000), «A Casa Real e os orgãos centrais de governo…», op. cit., pp. 52-56; Idem, O
(...)
25
Xavier, Ângela Barreto (1998), “El Rei aonde póde, & não aonde quer”. Razões da política no Portuga
(...)
26
Xavier, Ângela Barreto (1999), «The ‘valimento’ of Castelo Melhor (1662-1667). Reasons of State in
(...)
27
Xavier, Ângela Barreto, Pedro Cardim & Fernando Bouza Álvarez (1996), Festas que se fizeram pelo
ca (...)
autor também refletiu sobre os significados da presença de um valido no governo no
Portugal restaurado. Nesse sentido, após a Restauração de 1640, foi recorrente a
associação entre o valimento e os impactos da política do conde duque de Olivares em
solo português, o que posteriormente dificultaria a consolidação de Castelo Melhor.
Para o autor, a figura do valido evocava um modo de governo directamente ligado à
acção dos reis castelhanos. De facto, a identificação directa entre valimento e governo
dos Áustrias se confirma pela inexistência de uma reflexão específica sobre o valimento
em Portugal. Assim, para Valladares os debates sobre o valimento no contexto
portugués parecem não ter ido além da oposição ao governo dos Filipes 28.

A dimensão diplomática da privança de Castelo Melhor também foi


discutida por José Carlos Janela Antunes em sua dissertação de doutoramento. A partir
do estudo das relações franco-portuguesas na segunda metade do século XVII, Janela
Antunes concluiu que a aliança matrimonial entre D. Afonso VI e Maria Francisca
Isabel de Sabóia permitiu a formação de um partido francês na corte portuguesa. De
outro lado, o interesse de Luís XIV na continuação da Guerra da Restauração foi
contrariado pela negociação de paz entre as coroas ibéricas, mediada pelos enviados
ingleses e liderada pelo conde de Castelo Melhor 29.

Além dos autores que se debruçaram sobre o reinado afonsino e sobre o


valimento de Castelo Melhor, outros historiadores, que estudaram temas relacionados
com a conjuntura de 1662-1667, também fizeram importantes observações sobre a
30
ascensão do conde e a sua privança . Por exemplo, em sua biografia de D. Pedro II,
Maria Paula Marçal Lourenço estudou as facções cortesãs que determinaram a queda de
Castelo Melhor e o seu desterro da corte lisboeta em 1667. Além disso, Lourenço
destacou o papel de Castelo Melhor no contexto das tensões e rivalidades entre D.
Afonso VI e seu irmão D. Pedro 31.

Em nossa dissertação de mestrado e em outros trabalhos posteriores,


estudámos os debates sobre o valimento nos primeiros anos do Portugal restaurado e no

28
Valladares, Rafael (1998), La rebelión de Portugal (1640-1680). Guerra, conflicto y poderes en la M
(...)
29
Antunes, José Carlos Janela (2003), Le Portugal de la «Restauração». La politique du comte de Caste
(...)
30
Sobre os rendimentos da casa de Castelo Melhor durante o governo do valido. Cf. Salvado, João Paulo
(...)
31
Lourenço, Maria Paula Marçal (2007), D. Pedro II. O pacífico (1648-1706), Rio do Mouro, Círculo de
(...)
período do governo de Castelo Melhor. Chegamos à conclusão de que, apesar da
inexistência de uma extensa literatura de «espelhos de favoritos» em Portugal, a questão
do valimento parece ter sido uma preocupação constante dos autores que reflectiram
sobre as questões políticas da coroa portuguesa 32.

Castelo Melhor e o império: os Estados do Brasil e da Índia (1662-1667)

Além da discussão sobre os impactos da privança de Castelo Me- lhor no


reino, o seu governo também foi situado em um contexto imperial. Em uma perspectiva
geral, estes estudos têm enfatizado a acção dos vice-reis e a política ultramarina da
coroa portuguesa durante a privança de Castelo Melhor. Como um exemplo do primeiro
caso, o historiador brasileiro Evaldo Cabral de Mello destacou a importância da
actuação do vice-rei D. Vasco de Mascarenhas, 1.º conde de Óbidos, para o reforço da
autoridade de D. Afonso VI no Brasil. De acordo com Cabral de Mello, durante cerca de
quatro anos de governo, as acções políticas do conde de Óbidos produziram a
subordinação dos poderes locais e das capitanias à autoridade do vice-rei. Nesse sentido,
as medidas centralizadoras de Óbidos tiveram impactos efectivos na governação, sendo
as mais eficazes desde a criação do governo-geral na América portuguesa em 1549.
Estudando os acontecimentos que culminaram na deposição do governador da capitania
de Pernambuco Jerónimo de Mendonça Furtado, em Agosto de 1666, Cabral de Mello
destacou as disputas políticas entre Furtado e o vice-rei. Estas tensões pareciam ser o
resultado de contendas familiares e de lutas de facção entre aliados e adversários do 3º
conde de Castelo Melhor. Assim, Cabral de Mello relacionou as lutas políticas da corte
portuguesa com as disputas entre as autoridades locais no ultramar durante o valimento
de Castelo Melhor 33.

De outro lado, a política ultramarina de D. Afonso VI e de Castelo Melhor


tem sido estudada frequentemente no contexto dos debates sobre a intervenção da coroa
portuguesa no Estado da Índia na segunda metade do século XVII. De acordo com
Sanjay Subrahmanyam, apesar dos clamores do vice-rei da Índia António de Melo de
Castro e do jesuíta Manuel Godinho, D. Afonso VI e Castelo Melhor deram pouca
atenção aos problemas do Estado da Índia. Além da perda de Cochim em 1663, o

32
Dantas, Vinícius Orlando de Carvalho (2009), O conde de Castelo Melhor: Valimento e razões de
Estad (...)
33
Mello, Evaldo Cabral de (2003 [1995] ), A fronda dos mazombos: nobres contra mascates,
Pernambuco, (...)
governo de Castelo Melhor ficou marcado pela entrega de Bombaim aos ingleses em
1665, como parte do dote da rainha Catarina de Bragança 34. Esta tese de um descaso da
coroa portuguesa com a Índia durante o valimento de Castelo Melhor, foi desenvolvida
pelo historiador norte-americano Glenn J. Ames. De acordo com Ames, durante o
governo do conde a coroa portuguesa não tomou medidas que fortalecessem a
autoridade régia no Estado da Índia. Na opinião de Ames, esse desinteresse era
consequência directa das opções políticas de Castelo Melhor, pois as preocupações do
valido se limitavam aos assuntos continentais. Absorvido pelos problemas da Guerra da
Restauração, pelos assuntos diplomáticos e pela luta política na corte, Castelo Melhor
não dedicou a atenção necessária às questões do Estado da Índia 35.

Conclusão

Como vimos, apesar dos muitos trabalhos que direta ou indiretamente


lidaram com os cinco anos de governo de Luís de Vasconcelos e Sousa, poucos autores
atentaram para os aspectos institucionais da sua privança. Nesse sentido, até há pouco
tempo, predominavam as interpretações baseadas no julgamento moral ou no
engrandecimento das acções de Castelo Melhor. Esta perspectiva de análise tem as suas
origens nos discursos de apologia e de oposição ao valido presentes nas fontes coevas e
dos períodos posteriores. Assim, a historiografia sobre o tema polarizou-se em dois
grupos principais. Para os que repudiaram as acções do ministro, Castelo Melhor foi um
ambicioso cortesão que não mediu esforços para a conservação da sua privança,
facilitada pela «incapacidade» do rei D. Afonso VI 36. Já aqueles que engrandeceram o
seu governo argumentaram que o valido fora injustamente condenado pelos seus
opositores. Exercendo um papel fundamental nas vitórias portuguesas da Guerra da
Restauração, Castelo Melhor demonstrou toda a sua capacidade como «estadista» em
favor da «nação portuguesa», correspondendo à confiança do rei.

A interpretação de Castelo Melhor como um cortesão inescrupuloso não


leva em conta o seu papel decisivo na condução da política da coroa portuguesa em seus
aspectos militar e diplomático durante o reinado de D. Afonso VI. A direcção do valido

34
Subrahmanyam, Sanjay (1993), O império asiático português, 1500-1700. Uma história política e econô
(...)
35
Ames, Glenn J. (2000), Renascent Empire? The House of Braganza and the Quest for Stability in Portu
(...)
36
Apesar de uma acusação comum aos reis que governaram com validos, no caso de D. Afonso VI, a
«incap (...)
permitiu importantes vitórias militares que determinaram o fim da Guerra da
Restauração e a paz com a Monarquia Hispânica em 1668. De outro lado, a imagem de
um vitorioso estadista que só agia em função dos interesses da monarquia carrega
consigo boa dose ingenuidade. Tal concepção não atenta para o facto de que, seguindo o
exemplo de outros validos, Castelo Melhor pôs em prática estratégias para a
conservação da sua privança e para a consecução dos seus próprios interesses.

Esta oposição parece ter sido o resultado de uma separação entre o governo
e o valimento de Castelo Melhor. Neste sentido, apesar da existência de uma ténue linha
de demarcação dos diferentes «papéis sociais» exercidos pelo ministro, estes só poderão
ser entendidos em suas relações intrínsecas. É necessário situar a experiência de Castelo
Melhor no contexto das práticas políticas da Europa do século XVII, aproximando-o de
outros validos que governaram no período. Na recente historiografia sobre os validos
encontramos numerosos estudos que partem deste princípio, oferecendo diversas
possibilidades de investigação para o estudo dos favoritos no governo e nas cortes 37.

Referencia en papel
Vinicius Dantas, « A privança no Portugal restaurado », Ler História, 64 | 2013,
201-214.
Referencia electrónica
Vinicius Dantas, « A privança no Portugal restaurado », Ler História [En línea],
64 | 2013, Puesto en línea el 11 noviembre 2014, consultado el 04 mayo 2016. URL :
http://lerhistoria.revues.org/263 ; DOI : 10.4000/lerhistoria.263

37
A bibliografia sobre o valimento é vastíssima. Listamos aqui alguns trabalhos essenciais: Tomás y V
(...)

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