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DAMIÃO PER

PROFESSOR OA UNIVERSIOAOE DE COIMBRÃ

1700-1704

PORTUCAI.ENTEEOITORA, L.OÀ
BARCELOS
1931
CAPÍTULO V

Negociações laboriosas

A NOTÍCIAdo bom acolhimentofeito em Por-


tugal às solicitações de M.ethwen e de
Shonnenberg, espalhando-se, deu
deu logo
origem a boatos e mais boatos, afirmando-se
no estrangeiro que fera mobilizado o exército
e que se tratava já do casamento de uma das
prmcesas com o arquiduque de Áustria (:).

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õ mês de Fevereiro passou-Ée na discus-
gob a influência das primeiras impressões,
são das exigências do govêrno' português, não
que eram boas, fera comunicado a Francisco se chegando a conclusão alguma.
de cousa Pacheco, em 9 de Janeiro de.1703,
Houve várias conferências,em que inter-
que se resolvera entrar na Grande Aliança. vieram,por parte de Portugal,José de Faria,
Em resposta Pachecolouvou a deliberação, Secretário de Estado, e Roque ponteiro Paim.
<<pois que ella se não encaminha mais que a Com êles discutiramJogo Methwen e Francisco
segurança desse Reino» (:). Shonnenberg
' Mas não tardou que as negociações co-
Os pormenores destas conferências cons-
meçassema correr mal. Em 23 de Janeiro de tam de um extensoofício que, na noite de
1703, comunicava a Secretaria a Pacheco a re- 23 para 24 de Fevereiro,o Secretáriode Es-
sistência oposta por Francisco Shonnenberg tado escreveu ao marquês de Alegrete, rela-
às pretensões portuguesas.
tando-lhe o estado das negociações e pedin-
Acusando a recepção dêste ofício, o mi- do-lhe o seu parecer.
nistro português informava o seu govêrno de Este documento, que é curiosamente datado
Shonnenberg era pessoa. astuta, contra de <<Lisboa 23 e já 24 de Fev.' de 1703»,
cujas habilidadestodas as cautelas seriam pou reproduz também, com minúcia, as principais
cas: levantava agora dificuldades porque vira aspirações portuguesas encontrando-se por isso
o empenho com que o govêrn.o português se nele o germen de algumas das cláusulas dos
dispunha a aderir à Grande Aliança ('). tratados de 16 de M.aio de 1703, permitindo
avaliar, em muitos pontos, até onde chega-
ram, mais tarde, as transigências do govêrno
(i) Ofício de 6 de Fevereirode 1703.Torre do Tombo: português.
egos/odos oá7zc/os
de r. S. Puc#eco, tomo 12.'. . Por todos os motivos, êste ofício é uma
' (z) «D. Francisco
he hü homode hú carácterex
peça histórica de grande valor. Eis o seu teor:

«Mandame Sua M.ag.ú' que D.s g.de pella meia


noute p.' casa a escrever a V. Ex.' para o informar
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do q tla passado neste negocio das conferenciar, do dio. E suposto disserâo, ã seus aMõg os nâo põ'
estado em que ultimamentefica, para q V. Ex.' Ihe digo dar maiores a respeito dos excessivos gastos,
diga seu parecer. E não permitindoa hora poder q fasião nas outras partes com esta guerra, do q
fazer a larga relação,q era necess.'de tudo, direi Ihe avia de custar a poderosa armada, q avião de
somenteo mais essencial. E he que viemos a con- mandara Espanta,e do q Ihe avia de custartra-
ferir juntamente na Secret.' de Estado toque M.on- zerem, e sustentarem em Portuga] os ]2$ homes de
teiro, e eu com D. João Methuen,e D. Fran." tropas veteranas, e os cabos, engenheiros, Artilhei-
Schonenberg, e que despois de vários debates, que- ros, oficíaes de fogo, e mineiros, q lhes pedíamos,
rendo estes ministrossaber o q nos avião de dar e elles avião de pagar separadamentea sua custa,
a dinhr.' em cada hü anho p.' Sua Mag.ü' laser não nos deixarão sem esperança, de q dandosejhe
esta guerra, em q o mesmo S." declarou, q alem noutra conferencia o desengano, de q Sua mag.e
dos 12$ 1nf." e 3$ Cav." q avia de sustentara não podia entrar nesta guerra, sem se Ihe darem de
sua custa queria ter a dos Alliados, ll$ 1nf." Por- subsídio p.' ella neste l.' anno os 3 milhoês, e
tugueses,e 2$ Cavalos que com 10$ infantes e dous em cada hu dos outros,virião elles final-
2$ Cavalos dos quaes l$ hão de ser ligeiros, mente nisto.
e l$ dragoês de tropas estrangeiras, e veteranas, « Porem disserão ser necess.' que se ajustasse
el os Aliados hão de mandar, e sustentar a sua com o Embax.or de Alemanha o ponto da cessão
custa, com q se perfis o numero de 40$ combaten- das praças, q Sua Mag.' pretendia se Ihe dessem
tes; feita a conta, se achou que alem de 4$ quin- no Continente de Espanta, q suposto Roque M.ou-
taes de polvora em cada hü ando, armas para os teiro dissese, q o Embax.'' Ihe avia assegurado, q
ll$ Infantes e 2$ de sobresalente, que nos hão de por elle não se desfaria o negocio, queríão elles, q
dar, comohü trem de 10 peçasde artelhariade o Embax." se declarase mais, dando hua resposta
bronze, de 12 athe 24 e outro igual trem dos mes- positiva, e com a qual soubessem q el Rey nosso
mos calibres, q hão de trazer as tropas estrangei- S." se contentaua.
ras, se necessitaem cada hü afino p.' este exercito «Com q sem pasarmos adiante nas conferen-
campear seis meses na Camp.' dons milhoês de cias com elles, foi RoqueM.outeirono dia seguinte
cruzados,e p.' este primr.'. em q se hão de laser a tella como Embax."e reconheceo
quantose
as despesas extraordinárias p.' a prevenção do exer- avia enganado com a generalidade das suas pala-
cito, outro milhão mais. E assim o declaramos a vras. Porquerepugnou muito a dar praça ajgüa em
estes ministros, q finalmente víerão a dizer, darião Espanta, repetindo as razoês já dadas, e q todos
p.' o l.' annodoesmilhõese meio,e p-' cadahü consideramos, de Ci alienando esta cessão os ânimos
dos sucessivos hü milhão e 500$ crusados de subsí- dos Castelhanos,seria destructivo da mesmaempresa,

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q coM o seu favor se esperava Conseguir; e opere. k.i de ]ng].à e os Estados (gerais obrigariâo ao ã
cendo em lugar deltas as Felipínas, ou Canarias, e nesta parte fosse Justo, e racionavel, e o assinale,
vendo Ci isto não se Ihe admetiapassoufinalm.tea e q.d' o nãoquizese
fazer,o desenganarão
deq
chegar a oferecer com as mesmas Ilhas Canarias as não havido de intentar mais cousa algua contra Esp.'
praças de Galiza desde a Guarda, athe Vago ou em visto elle não convir nos meios, com q som.tese
lugar destas na EstremaduraAlcantara, Valença de Ihe podia fazer a guerra com o efeito que se pre-
Alcantara, e Albuquerque com as d." Canarias. tendia, sobre o q da mesmasorte votarão os minis-
porem q de nenhüa sorte se podia ceder praça tros ser igualmente inadmissível, e assim o mandou
algüa em Castellaa Velha, nem Badajosna Estre- el Rey declarar aos q avião feito as propostas.
madura. «Nesta manhã foi o Emb." a propor a Roque
«Porem desenganadode que el Rey não que- Monteiro em lugar das Canariasa Orão, com o
ria ceder do q nesta parte havia proposto no Proje- fundamen.t' de ser mui abundante de trigo, de q
jecto, e estava tão resoluto, a q se Ihe avião de este Reino necessitatanto. E M.ethwen,e Schonen-
dar todas as praças, q nelle avia declarado,q nem berg, me escreverãopedindome,q nesta noute tive-
permitira se Ihe propuzesehu papel em q elle dava semos conferencia; e vindo a ella disserãoque vi-
razões, porque o negava, foi buscar o P.' Confessor, nham a oferecesse ser mediadores na composição
a ]astimarse de q não se quizesem admetír as suas com o Embax." de Alemanha, a qual se poderia
razões, e se Ihe fechase a porta a ouvilo, qd' não ajustar, contentando-seSua Mag.d' com alguns pra-
viese em conceder tudo o q se Ihe pedia, sendo ças das que queria em Espanha, e admitindo em lu-
isto mesmoruina do que se intentava; e propospor gar das outras, principalmente das de Castella a ve-
equivalentede tudo o que se pedia em Esp.' dar o lha, e de Badajos, alga outi'o domínio de tantos,
Emp." a Ilha de Cerdenhap.' o S." Inf.' D. Fran." como tinha aquella M.onarchia,fora do seu conti-
com titulo de Rey, e cazalocom hüa filha sua. Man- nente. O qual poderia escolher el Rey, porque de
dou Sua M.ag.de q esta nova proposta se vise na outra sorte desenganados elles de que este tratado
Junta de Ministros, a quem se tem partecipadoeste não se podia ajustar desistirião delle, e que assim
negocio, e todos conformementedisserão, que não nos pediãoo propuzesemos
a el Rei, suposto
eu
era admissível, e com elles se conformou Sua M.ag.de Ihe haviadito, q conhecendo
a resolução,em q Sua
como tombem no que votarão sobre outra proposta, Mag.d' estava de não ceder das praças, que havia
q neste mesmo tempo fes D. João Methuen a Mendo pedido, estavacerto não havia de admitir outro alga
de Polos, de q el Rey mandase ajustar o Tratado partido. Porque el Rey não tinha ambição de dilatar
com elle e com Schonenberg, q o assitião, e ficaria domínios p.' admitir equivalentes, q.do as praças q
sendo condicional a respeito do Emp." ao qual a queria era somente p.' assegurarmelhor a defensa

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dd gêu Reino éoói estas, como obras exteriores toda a brevid.' com reposta de V. Ex.' sendo que
delle. Com o q depois de algüas horas de debate athegoranão tem chegado,com a que estou espe-
se acabou a conferencia, de q dando conta a Sua rando de V. Ex.' outro Correo, q ha quatro dias
Mag.a' me ordenou, q de tudo a dese por esta despachei por ordem de Sua Mag.de a saber da
carta a V. Ex.' de quem queria saber o voto antes saude de V. Ex.' q estimaremseja'já tão perfeita,
de tomar a resoluçãoque nos termospresentespa- comoa seíe devodesejara V. Ex.' e que o
S." Reformador se ache com a mesma. Ao ser-
rece será a decisiva neste neg.' sobre o qual esti-
mada eu poder informar com mais particularidadesa viço de V. Ex.' estarei sempre com a mais pronta
vontade.
a V. Ex.' se mo permitiraa pressa,e hora,emq
el Rey quer q faça esta carta, p.' a mandar logo
pella manhãa. «D.' g.dea V. Ex.', Lisboa23 e já 24 de Fevr.'
de 1703.
«SÓ direi a V. Ex.' q em hüa de Diogo de
Mendoça dis elle q as levas se vão continuandocom
utilidade em Castella, q já se tem levantadotremmil Muy obrigadoServ." de V. Ex.'
cavallos, q el Rey passou decreto p.' se tomarem,
alem de milhão e meio, q importão os juros, e mer- José de Faria
ces, cujo pagam.to mandou suspender, sete milhões
e meio de dinhr.' ê prata,que escapouda frota, p.' S.' Marquez de Alegrete (')
q se forme exercito, ou ao menos haja 40$ soldados
efectivos em Esp.' p.' sua defensa,e q tendosepor
impossive], q toda esta gente se possa leuantar em
Espanta, se dis virão Irlandeses,q servem em trança, A-pesar do carácter secreto que, como é
porem que se entende, q com este nome menos natural, - as conferências tinham, alguma cousa
odioso, e mais admissível aos Hespanhoes serão transpirara destas dificuldades relatadas pelo
Franceses, os soldados q virão. E declarando eu Secretário de Estado, José de Faria.
isto em hüa conferenciaa D. Jogo M.ethuem,ficou O embaixador francês, tendo tido conhe-
meio aprehensivo, e vindo depois Schonenberg, e
disendolhe o mesmo, não mostrou despresar esta no- cimento de boatos que corriam, escreveu ao
ticia, como o avia feito de outras semelhantes, que govêrno dando-lhe conta da indignação mani-
vierão de Castella, fazendo pouco caso deltas. A
hora não dá lugar a mais.
«Sua Mag.de deseja q este correo volte com (í) Torre do Tombo: ms. i'444, fo1. 116 a 118

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testada por M.ethwen, o qual se dispunha ciam demasiadas,visto que Portugal deixava a
mesmo a voltar para a Inglaterra ('). neutralidade, perdendo assim a liberdade de
Enquanto se discutia em Lisboa, tinham comércioque ela Ihe garantia. Quanto às for-
seguido para Londres projectos dos: tratados ças militares, nenhum exagêro via nos .pedidos
de aliança a realizar. feitos; devia ter-se em conta que, enquanto
Em toda a parte, as principais pretensões se não colhesse o fruto da guerra, Portugal
portuguesas foram mal recebidas, afirmando-se seria rudemente experimentado ('), sendo certo
que eram muito exageradas. que o território portuguêsviria a ser o princi-
Em 19 de Fevereiro realizou-se uma con- pal teatro da guerra ('). Se, porém, isto se
'gerência entre o Pensionário e o ministro por- não verificasse, o govêrno português não in-
tuguês na Haja. M.ostrou o Pensionárío os sistiria em manter em armas um tam elevado
papéis que recebera por via de Londres, con- número de homens O govêrno português es-
fessando que, por estarem em português, tava certamente disposto a muitas transigên-
ainda os não conhecia de modo a poder tratar cias, a todas as que fossem justas e razoá-
a fundo de cada um dos artigos; e, exibindo veis, mas seria bom também não esquecer que,
uma carta de Shonnenberg <(em que Ihe dizia se se queriade factoobter a adesãode Por-
serem extraordinárias as nossas propoziçoens >», tugal, não se devia opor uma resistência de-
preguntou a Francisco de Sonsa Pacheco que masiada às suas pretensões. Poderia assim
pensava deste assunto. O ministro português
respondeu que as reclamações Ihe não pare- (i) «enquanto se nào lograva o fruto que se esperava
della, sabia rmtyto bem com repetidas experienciasquantos
males e extrações se padecido pelas mesmas tropas amigas e
(i) O ofício do embaixador francês chegou a Paria em que os sucessosdas inimigas não estavãotanto nas mãos
24 de Fevereiro. Consta isso do ofício de Brochado,expedido dos homes que a esperança das boas expediçõens pudesse
no dia seguinte, ofício em que o ministro português,comuni- dar logo hü justo titulo para as vitorias». Ofício de 20 de
cando as informaçõesque colhera,dizia que constavater o Fevereirode 1703.Tôrre do Tombo: Reg/s/odos o/77c/os dé
embaixador francês comunicado ao seu govêrno que M.ethwen f'. S. /)ncáeca, tomo 12.o. '
. uoltaoa para Inglaterra desconfiado de sua negociação, e (z) «Em todas as partes poderia ser a guerra deffen-
que em alguns práticas pcirtlcuLares fizera conhecer Q grande siva para os Franceses,mas que nas nossas fronteyras' a
f/zdzy/cação
com gire par//a». Biblioteca Nacional: Cartas de havião de querer fazer mais forte e vehemente».(Ofício ci-
José da Cunha Brochado, taX.436. tado, de 20 de Fevereiro de 1703).

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perder-se uma oportunidade boa para o início Em 19 de Março houve nova conferência
das hostilidades ('). ministro português e o Pensíonário.
entre o ministro
No dia seguinte houve nova conferência. Intrigava Pacheco o rumo que as negociações
O Pensionário declarou a Pacheco que as Pro- levavam, particularmente o facto de se ter ela-
víncias-Unidas tinham grande interêsse em con- borado um contra-projecto,
contra-projecto, retirando
retirando às pro-
tinuar as
as negociações,
negociações, mas que em Londres messas que Methwen fizera em Lisboa o ca-
elas estavam correndo muito mal, havendo já rácter de firmeza que deviam ter. Nisto havia
um contra-projecto, de que, porem, se não qualquer cousa cujo alcance êle não atingia
esperava resultado algum. era impossível conceber que um diplomata tam
Comunicando ao seu govêrno os pormeno- experimentado tivesse assumido compromissos
res destas conferências, o ministro português ) que excediam as autorizações que Ihe tinham
prudentemente, aconselhava que se amparasse sido dadas (').
O Pensionário respondeu que não conhe-
cia bem o assunto, mas que realmentese dizia
(i) « .. .se a Liga queria que nos entrassemos na sua <<que M.' de Methuin havia feito propozíçoens
alliança se não devia de revestir de difficuidades,se não pro- de seu proprio movimento». Podia, porém,
curar logo trattar sobre este projectopara se não perdero afirmar que tanto o govêrno britânico, como
facto que se podia receber nesta proxima campanha». (Ofício
citado. de 20 de Fevereiro de 1703). o das Províncias-Unidas, desejavammuito a
desejavam
(:) «O certo he que a nossa aliança he de hü grandís- aliança de Portugal.
simo interesse para a liga pela poderoza diversão pelo con-
tinente, e por abrir a porta aos grandes de Hespanhapara
a sua declaração,e para o povo para a sua revolta, tirando
também um grande interesse das expediçoens marítimas que (') . . . os extraordinários caminhos que novamente se
Ihe serão mais fáceis a executar dos nossos portos, adonde tomavão, sendo hü delles querer formar outro projecto, sem
poderão ter guardadas as suas armadas, porem tombem se fazer a menor reflexão a tudo o que se havia passadono pri-
deve avertir que nos não devemosentrar nesta aliançaso- meiro, e que em segundo lugar via que M.r de Methuin que
mente pelo interesse que nos devem fazer as Potenciasda he hü Menistrode quemEIRey e a RQade Inglaterrase ser-
liga, senão por aquelle mayor que devemos tirar de se não virão tantas vezes para estas negociações agora se achasse
cõbinarem jamais as duas Monarchias sendo tanto para temer tão ligeiro que sabre hüa meteria tão importante fizesse
que a sua União seja a nossa ruína, e assim não devemos avanços tão essenciais sem hüa ordem particular para elles ».
desprezaresta negociaçãosenãotrattar de facilitar as condi- Ofício de 20 de IHarço de 1703. Tôrre do Tombo: /i\?.gzs/o
ções della». (Ofício citado, de 20 de Fevereiro de 1703) dos o/72'c/os de /'. S. .f)acãeco, tomo 12.o. '

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No entanto, a-pesar destasboas palavras, sar de bom númerode ingleses, ciosos do pres-
o tom geral das conversas e das atitudes, le- tígio das suas forças navais, e que não podiam
vava Pacheco a desconfiar: <<. ..a estas duas compreender como o comandante de um pe.
Naçoens se abrio outra porta para alguma queno número de navios, pertencentes a uma
grande esperança de terem seguros os seus marinha enfraquecida,havia' de expedir ordens
Estados, e o seu Commercio, porque o calor ao comandante da grandiosa frota britânica.
com que pertendião a nossa aliança junto à Por outro lado, o embaixador português
frialdade com que agora vejo falar nesta em Londres tinha ordens para interromper as
mesma materna he fora do natural, em contrá- negociaçõesse o artigo não fosse aceite na
rio aos veziveis interesses que tiravão desta mesmaforma em que se achavaescrito (').
diversão >>
. ( ' ). Ao mesmo tempo, ventilava-se na Holanda
A causa do desacordo não residia apenas um outro ponto de litígio: a questão do paga-
no montante das forças militares requeridas por mento do resto da indemnizaçãoajustada em
Portugal. 1669. Este era, em Lisboa, um dos assuntos
Em Inglaterra causara má impressão a onde a resistência de Shonnenberg se mostrava
proeminênciaque o govêrno português preten- mais forte.
dia para o comandantedas forças navais por- Debalde, para quebrar essa resistência.
tuguesas, sempre que estas operassemconjun- ministro português na Haja redobrava de es-
tamente com unidades britânicas ou holandesas. forços. Expondo os termos de conciliação, de
Nottíngham, Secretário de Estado, opu- que o govêrno português queria usar, Pacheco
nha-se com todas as suas fôrças a que tal oferecia-se ao Pensionário para ir demonstrar
pretensão fôsse deferida. A oposição de Not- perante os Interessados a razão que assistia
tinham era de grande importância, já porque a Portuga] nas suas reclamações('). Se con-
se tratava de um vulto importante na política,
já porque os seus argumentostraduziam o pen' (i) D=.Luas da Cunha, Memórias, $ 270.
(z) «Nas contasdo sal, em queEI Rey e VossaSe.
nhoria, com a sua costumadamoderação,estava nos termos
(i) Ofício de 20 de Março de 1703.Torre do Tombo mais racíonaesque se podiamdesejar me admiravaque esta
Registo dos officios de F. S. Pacheco, \ama Và.' dependencia se contasse como hum grande obstáculo para a
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seguisse fazer cabalmente, como julgava, essa Era transparente o intuito do Pensionário
demonstração,os Estados-Gerais poderiam en- Ele não queria comprometer-se,nem crear di-
viar a Shonnenbergas ordens necessáriaspara ficuldades a Shonnenberg
que pusesse ponto à sua oposição. d Como acreditar que o ministro holandês
M.as o Pensionáriomais uma vez se en-
em Lisboa deixasse por tanto tempo o seu
tríncheirou no desconhecimento que tinha, rela-
govêrno na ignorância--de que amargamente
tivamente a certos pormenores da negociação, se queixava o Pensionário de assuntos tam
e alegou mesmo que só conhecia o texto do importantes? Compreendendo muito bem a situa-
projecto do tratado de aliança ofensiva, pedindo ção, o ministro português objectou estar con-
ao ministro português que Ihe emprestasse 0 vencido de que os esquecimentosde Shonnen-
do tratado de aliança defensiva, se o tinha,
berg eram na Raia muito bem tolerados, pelo
pois nesteé que se tratavado pagamento
da menos. Não devia, porém, esquecer-se que
indemnização. as delongas, por êle promovidas, poderiam vir
a ser de muito prejudiciais conseqüências('),
ultima concluzão, como se via pois que Sua A/lagestadenão
pertendia outra cruza mais que examinaremse as rezoensde
uma e outra parte, vendoseo que era liquido, e o que parecia (i) «.... ao que disse que não podia entender esta ma-
litigiozo, e sobre a disputavel haver uma amigável composi- terna, parecendome muito mais natural que sendo ella desta
ção, servindo este preliminar para não haver depois o mais naturezase não havia de contentar esta Republica das omis-
seguro motivo que possa interromper ou esfriar a boa inteli- soens do seu ministro quando elle fosse o culpadonellas, e
gencia que Sua Magestade procura conservar com esta Repu- como eu via que esta queixa vinha já de largo tempo,
blica por mais firmes obrigaçoens,e que eu Ihe havia ex- sem ver o remedio pela reprehenção, nem o castigo pelo ha-
posto várias vezes estar instruído desta meteria, não só em verem mandadorecolher, enviando logo outro em seu lugar,
forma de a expor em huma,ou muitasconferenciar,masde me persuadia que estes Estados havido cooperado em alguma
a disputar com os mais cientes e interessadosnella, e como forma nas omissoensde que se queixavão do seu ministro. e
aqui se achavão os Deputados da Companhia para o que que falando Ihe como amigo me parecia que a anciã que
pertencia a este negocio, Ihe repetia que estava prompto para havido testemunhadono principio para este ajuste se havia
hir mostrar as rezoens da justiça da nossa cauza e que como agora diminuído paresendolhesque a concluzãodo trattado
me ouvissem, e aos Deputados poderiam formar hum juízo os faria entrar em dumadespezasem poder tirar neste estio
certo de todos os fundamentospara por elles julgarem os os frutos que havido de lograr della, e que se esta era a sua
termos em que devia ser a amigável composição». Ofício de consideração se enganavão nella porque achandose aqui e em
22 de Maio de 1703. Tôrre do Tombo: #eg/s/o dos o/77c/os Inglaterra todasas cruzas promptas quecomprehendemos ar-
de F. S. .f)acãeco, tomo 16.o. tigos da nossa aliança, não faltava mais que o Archiduque
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ãó àué o Pensionário respondeu então «qtié
âépec+o,depois de uhá conferência entre Ro-
se dispunhão logo a ajustar a materna do sal, que M.onteiro Paím e Shonnenberg
e que esperavão que todas as difficuldades se E, ao encerrar o ofício de 24 de Abril,
o Secretário inseria ainda esta boa notícia.
franqueassem de maneira que este negocio fi-
casse com toda a brevidade concluído >>. que o ministro português só recebeu mais de
M.al pensava Francisco de Sonsa Pacheco
um mês depois, num dos últimos dias de
Maio (').
que redigia já um ofício inútil, como inútil
tara êste último esforço despendida. Escrevia Agora as boas-novas sucediam-se. Em
em 22 de M.aio, e, seis dias antes, a 16, ti- l de Junho, já na Haja havia sido recebida
nham sido assinadosem Lisboa dois tratados: uma carta de Shonnenberg comunicando << que
um. de aliança defensiva, entre Portugal, a estavão todas as difficuldades levantadas e o
Inglaterra e as Províncias-Unidas; outro, de trattado se estava pondo a limpo para assi-
aliança ofensiva e defensiva, entre Portugal, narse» ('). A satisfação era grande e a an-
ciedade também : <<nenhum dos M.inistros desta
a Inglaterra, as Províncias-Unidas e o Im-
Republica escrevia Francisco de Sousa Pa-
pério (').
' Contudo, ainda em 24 de Abril, o Secre- checo--duvida do sucesso delle, porem ainda
tário de Estado oficiada a Francisco.de Sousa assim esporão com impaciencia que chegue
Pacheco comunicando-lheas resistências que este tratado, parecendo-lhes que antes desta
continuava a mover o ministro holandês. Po- essencial formalidade poderá haver alguma
rém, precisamente
na tarde dêssedia, as ne- duvida nelle » (;).
gociações tinham começado a tomar melhor Esta suposição era, porém, como vimos,
infundada. Transigências de parte a parte ti-

para se por em execução a guerra, e que para a.jornada


deste Príncipe fazíão muito mal estas suas irrezoluçoens,
(í) Ofício de 29 de Maio de 1703. Torre do Tombo
porque não podia deliberar-se a sua viagem sem estar ajus- Registo das officios de F. S. Pacheco, lama \SP.
tado e concluídototalmenteestetrattado». (Ofício citado, de
22 de Maio de 1703). :
(z) Ofício de l de Junho de 1703. Tôrre do Tombo
Regato dos officias de F. S. Pacheco, \oma '16P.
(i) V. êstes tratados e art." anexos em: Borges de
(3) idem.
Castra, Co/. de frafados, 11, 140a 189.
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citam finalmente conseguido limar as arestas tugueses í l .OÕOinfantes e 2.000 cavaleiros, ê
da penosa negociação. estrangeiros,veteranos, 10.000 infantes e
Jogo Methwen actuara em Inglaterra. .\ 2.000 cavaleiros; com os 12.000 infantes e
irritante questão da preeminência do comando 2.000 cavaleiros, portugueses e sustentados
português, nas operações conjuntas das arma- pelo erário português, Portugal poria em cam-
das portuguesa, inglesa e holandesa, não se panha nada menos de 40.000 homens. O su-
tornou óbice invencível, vindo aquela disposi- bsídio necessário para os 11.000 infantes e
ção a ser aceitepelos ingleses. Ficou consti- 2.000 cavaleiros portugueses, que os aliados
tuindo o artigo 20.' do tratado de aliança deviam sustentar, era avaliado em 2 milhões
ofensiva. anuais, pedindo-se ainda um milhão suplemen-
O litígio relativo ao pagamento do resto tar no primeiro ano de guerra. Quanto a ma-
da indemnização que os holandeses exigiam terial de guerra pretendia-se que os aliados
--a chamada qzzesfão do sa/--foi arrumada fornecessem4.000 quintais de pólvora, por ano;
com uma transigênciamútua: em vez do mi- armaspara os 11.000 infantes, e mais duas mil
lhão que pretendiam anteriormente, os holan- de reserva; e dois trens de 10 peças de artilha-
deses contentavam-se com 850.000 cruzados, ria com todos os apetrechos necessários.
que Portuga[, por seu dadose obrigou a pa- No tratado não se fez reduçãonos efecti-
gar, êle que anteriormente sustentava nada vos pedidos por Portugal ('), nem tam pouco
dever.O acordoficouconsignado
no art. l.', no material de guerra ('), mas o subsídio
dos anexos ao tratado de aliança defensiva. ficou reduzido a metade do que se pedia: um
Um igual espírito de boa harmonia permi- milhão anual, com o suplemento de 500 mil
tiu arrumartambéma irritantediscussão
do cruzadosno primeiro ano de guerra (').
montante dos efectivos militares, dos subsídios A parte fundamental dos acordos residia
e do material de guerra. Em Fevereiro ('), no artigo l.' do tratado de aliança ofensiva.
Portuga] pretendia que os aliados sustentassem
21 .000 infantes e 4.000 cavaleiros, sendo por-
(') Tratado de aliança ofensiva, art." 11,111e IX
(z) Idem, art.'; IV, XI e XII.
(í) Cf. o doc. de págs. 119 a 125. (s ) Idem, art." V e VIII.

136 137
Estabelecia êste artigo qué os aliados sus+en- >oduguêsna (.balizae á ÉegufanÇada froíí-
taríam a candidatura do arquiduque Carlos de teira de leste justificavama mudançade ati-
Áustria ao trono da Espalha, devendo o im- tude que acabavade tornar-sedefinitiva. Na
perador Leopoldo e o primogénito José desis- defesa dos seus interêsses, Portugal voltava-se
tir em seu favor de quaisquer direitos que pu- contra LuasX l V
dessem ter à referida coroa, adoptando assim
um procedimento
análogoao de LuasXIV e
do Delfim para com Felipe V
Para que pudesse efectivar-se aquela re-
solução, devia o arquiduque Carlos embarcar
para Lisboa, de onde seguiria para Espanhaà
frente do exército organizadopara apoiar a
sua pretensão.
Para Portugal, as cláusulas de maior inte-
rêsse eram as estabelecidasnos artigos ane-
xos ao tratado de aliança ofensiva, pelos quais
o arquiduque Cardos ficava obrigado a ceder
a Portugal, logo que estivesse legitimamente
investido no govêrno de Espalha, as praças
de Badaj(5s, Albuquerque, Valência e Alcân-
tara, na Extremadura espanhola, e os de Tui,
Guardiã, Baiona e Vago, na baliza; e ainda,
na América do Sul, os territórios em litígio ao
norte do Rio da Prata a Co1(unia do Sa-
cramento.
As obrigações que Portugal assumia eram

\\ grandes, mas as compensaçõesobtidas pare-


ciam também de valor.
138
O avanço do domínio

139

\me
H

CAPÍTULO VI

Portugal contra Luas XIV

A SSiNADOS os tratados

Estado oficiou
em 16 de M.aio,
logo no dia imediato a Secretaria de
a Francisco de Sousa
Pacheco, comunicando-lhe o importante facto
que acabava de passar-se.
Este ofício, de 17 de Maio de 1703, foi
enviado pelo paquete de Inglaterra, e, por
isso, chegou com rapidez ao seu destino,
tendo sido recebido, juntamente com um outro
do dia 1.3 de Maio, antes de 12 de Junho,
como se conclui de um dos ofícios expedidos
nesta data por Francisco de Sousa Pacheco
para a Secretariade Estado. A boa nova cau-
sou <(hum grande contentamento e alvoroço,
141
que logo se espalhou por todas as Províncias benefício e repouzo de toda a Europa, que já
com a mesma estimação e aplauzo» ('). desta liga fás hum justo pronostico para as
Shonnenberg também escrevera ao seu esperanças do seu socego >>
govêrno. O Pensionário mostrava-se satisfeitís- Igual voto se fazia em Portugal, onde
simo. Agora só temia a <'lentidão ordinária da o autor de uma gloza do Padre Nosso, em
Corte de Vienna, parecendolhe que nem o verso, alusiva à próxima vinda do Arquíduque,
grande interesse da Caza de Austria persua- previa a derrota de Luas XIV e Felipe V,
dirá a Sua Magestade Imperial a tomar huma com grande glória para Portugal, e até, pos-
rezolução prompta para mandar logo o Arqui-. sivelmente? o regresso da Inglaterra ao gré-
duque a esse Reino )> mio da Igreja Católica, como conseqüência
Combinaram então o Pensionário e o mi- da sua aliança com Portugal:
nistro portuguêsconjugaros seus esforçosno
sentido de promover que a vinda do arquidu- Õ Soberano monarqua,
que .Cardospara Portugal se fizesse com bre- nosso Rey que muito amamos,
vidade, pois deviam ser de grande importância e depois de Deos chamamos,
Padre Nosso.
<<osfrutos que se havidode seguir de se sa-
ber em Castella que estava o Arquiduque nas Já de ser o Rejno vosso,
fronteyras de Portugal >>. está todo persuadido,
E Pacheco concluía, desta feita, as suas que sois o Rey escolhido,
Que estais nos Ceos.
considerações, com patrióticos votos : <<espero
em Deos que se sirva benzer tanto as nossas A quem tem guardado Deos
Armas que alcancem os mayores triumphos para que esta emprezatome
para que o nossoReino logre humapaz com e por nos seja o seu nome,
segurança, e Sua magestade huma cabal gloria Sanctificado.
com pleno interessede seus Vassalos, e em
Pode ser que a fée tornado,
o Reino de Inglaterra,
( i) l.' ofício de 12 de Junhode 1703.Torre do Tombo pello meio desta guerra,
Registo dos offícios de F. S. Pacheco, toma '16.a Seja.
142 l©
Mas não queremos se veja,
Assim o prezumo eu,
hires vos senhor a ella, de soldados tão.briozos.
basta se ouça em Castella, que fas homens valerosos.
O vosso nome.
O pão nosso.
Para que nelle se tome,
Mas acreditar não posso,
se disso fores contente,
que aos contrários Ihe dão.
ainda que sem mais gente, a limitada reção,
Venha a nos. de cada dia.

Que por vos servir a vos, Que andão pedindo a porfia,


e fazer o vosso gosto, os que por quá tem chegado,
está já em armas posto, se quer de pão hü bocado
O vosso Reino.
nos dai.hoje.
E com tal facelidade,
Dizem os que de lá fogem,
que não quer esta sortida, por não serem conhecidos.
com risco da vossa vida trocamos estes vestidos
Seja feita. E pordoainos
Athé que o Frances guerreiro, Na fugida desculpainos,
seja fogido da praça, que se queremos lá estar,
que ha nella muito quem faça, não nos dão com que paguar,
A vossa vontade. as nossas dividas.
Já cada qual se sujeita, M.uitos hão de ler as vidas.
e por vos a vida oferece, ao senhor Cardos que vem,
e como a Deus vos obedece,
que estão com França tão bem,
Afim na terra. afim como nos.
Para que acabada a guerra, Se todos a boa vos.
e expulssado esse Rapas, fazem com vosco contrato,
fique vosso Reino em pas, e ao mais de barato
Como no Ceo.
perdoamos.
144
145
De toda a sorte esperamos, Que reineis em Portugal,
de vencer nesta função, com felicíssimo estado.
e dever sua aclamação por tempo mais dilatado,
aos nossos.
Ámen ( 1).

Que por affectivos vossos,


muito conformedesejão, No dia 12 de Junho chegaram à Haja
que todos os Reinos vos sejão, os ofícios da Secretaria de Estado de 25 e
devedores. 27 de Maio, acompanhadosdas cópias dos
tratados e dos artigos anexos, resolvendo o
E que senão vencedores, ministro português tomar as providências ne-
vossos clarins em Espanta,
cessárias para que êles se executassem com
mas por hires a campanha,
não nos deixeis. rapidez, o que fez imediatamente. E no mesmo
dia, dia operosíssimopara Francisco de Sonsa
De qua Senhor ouvireis, Pacheco, deu conta à Secretaria de Estado
desse Felipe imprudente, das diligências que efectuara: <(Com estas
que o fas a nossa gente,
Cahir. cartas recebi as copias dos nossostrattados, e
os artigos secretos, e pelo contheudo nelles
Bem pudera elle não vir, farey as mais vivas instâncias,para que .se
por não cahir no arroido, não delira o porse em execução todo o esti-
e só poderá ter cabido,
pulado, sendo esta matéria tão grave, que a
em tentação.
menor dilação poderá ser da mayor conse-
Bem podemos na oração, quencia, e assim o representey agora ao Pen-
pedir a Deos fervorosos, sionário com quem estive depois de receber
de sermos ambiciozos, estas cartas, não só a respeito das diligencias
Livrainos,
que devem repetir para que o Arquíduque
Porem sempre acautelainos,
que o mais que aqui procuro,
he Senhor que estejais seguro, ç\ \ Glosa do Padre Nossa feita Q EIRey de Portugal
Z)onz.f)paro o segzz/zdo,'
no manuscrito H.o822 da Bib. Muni-
de todo o mal, cipal do Pôrto.
146
147
passe logo a esse Reino, mas para que todos os opinião de que á guerra com:ra Felipe V será
preparativos de guerra se aprestem sem perda feliz e gloriosa para Portugal, por ser lícita e
de tempo; elle me disse que pelas cartas que conveniente, sendo indubitável que os portu-
contem havido recebido de Vienna, S. M.ag.ü' gueses não prefeririam a paz a uma guerra
Imperial estava em melhor disposição para a tam justa, se D. Pedro os consultassea êste
viajem deste Príncipe, mas sempre no temor tes»elx\o. «o direito claro do Snr Archedu-
da costumada lentidão daquella corte» ('). gzze à Coroa de Cbs/e/Za--escreve o autor no
Em Portugal tomaram-setambémas medidas fim do seu largo arrazoado--e abro/z/as gaze
que as circunstâncias aconselhavam: <<as prepa- i,e Fetipe 5.o recebemos me obrigou a. enten-
rações bélicas que este anno com mão larga e der que CLguerra contra Felipe 5' he licitar
com recomendaçãode muita pressa se remetido )s damnos que com Cita edita Portugal nte
ao alentejo e mais províncias, a remonta de ca- ião a conhecer he conveniente; e msim es-
valarias, o levantam.t' de infantarias, a prepa- pero que metia, jade Portugal comeguir gló-
ração de EIRey para sahir a campanha>>('). l(n nas armas com praueito dos podas, e
A êste empenho do govêrno correspondia !stm esperanças Grego estão de sorte radi-
a boa vontade dos particulares. Certa pessoa, )idas no coração dos Portugueses, que en-
«que depois de ter corrido muita parte da .ando se o Monarca, Lusitano porpusesse aos
Europa, e achandose em negócios de muito ;eos umsatos se a, guerra ou Paz, responde-
pezo, se retirarara a duma quinta para des- i,am contra o opto de Vergilio»
cançar>>,dá em uma extensa dissertaçãoo seu M.altos responderiam com os seguintes
aplauso à orientação tomada, sustentandoa versos, em que se enaltece patriõticamente o
valor militar dos portugueses :
(1) 3.' ofício de 12 de Junho de 1703. Torre do Tombo:
Registo dos officios de F. S. Pacheco, tomo 'lç5'. Preste está todo o vassallo,
i.t } Memoria dos sucessos de Portugal desde o anho
da /700. no ms. 585da Bib. da Univ. de Coimbrã. na escolha de pundonor,
(t) Carta sôbre a liga de Portugal com Âustria, Ingla- para correrem, Senhor,
terra e Ho!!anda para sustentar os direitos do Archiduqize ao con vosco todos o Gallo,
Sce/ro de Cas/e/a». Manuscrito n.' 1111 .da Bib. Municipal
do Parto. correm, que estais de cavallo,
149
148
ó ãailo desvanecido, Não vos descudeis,que he cer4ó,
para que assim combatido, lograrà por este modo,
a impulsos da vossa espada, Portugal o mundo todo,
se não morrer de pancada, hü bem, que está encuberto
ao menosfique corrido. Pois vejo já muito perto,
aqui no nosso emispherio,
Senhor,e não sem misterio.
A vista haveis de vendar,
aquelle grande signal,
as industrias de seus rogos,
que anuncia a Portugal,
porque he estillo nestes jogos,
a dita de ser Imperio (1).
as cegas o golpe dar:
Haveis os passoscontar,
A êste mesmo estado de espírito corres-
com valor, e com socego,
ponde o facto de terem sido escritas muitas
Porem com tal desapego,
poesias laudatórias da vinda do arquiduque
o golpe se ha de fazer,
Cardose depreciativasde Felipe V ('). Des-
que todos possuo dizer,
tas últimas é suficiente exemplo a seguinte sa-
que foi pancadade cego.
tírica versalhada de pé quebrado, de que da-
mos um excerpto
Os títulos, e os apodos,
Ihe abatemSenhor a vista, Ai de ty Triste Castelã
para ver se abaixa crista, que te sinto grande mal
quem joga as cristas com todos. pois foy cauza hum cardeal
E fareis por vários modos, de andar contigo a pella
vosso nome levantado,
nas idades aclamado,
glorioso nesta acção, (.t) -Décimas que se fizerão ao PotentissimoRei de
Porfzzga/', no manuscriton.' 822 da Biblioteca Municipal do
se acaso da vossa mão, Parto.
fora o gallo desasado. (z) M.s. 510 da Bib. da Univ;, tais. 213 e sega.

150 151
Para Portugal apelia bizey Francesas Mesquintlog
ou te valle do Ingles que vindes vos qua fazer
que he leal ao Olandes vindes buscar que comer
E o Imperio he Amigo bebemos os nossos vinhos
Ja se es traidor contigo E trazermos cavalynhos
com assobios no cu
dayos ao Duque de Anju
E tu Pheliphe(s/c9 que estas
que elle como criança
nesse docespor enganos
brincara com elles em trança.
yso he de homo de mais anhos
não para ty que es Rapas
8
Do cargo es incapas
Vay ao Avo que te dê papa
pois por baixo de sua capa Entretanto, em Paria, a situação do mi-
te chamou hum Cardeal nistro português tornara-se, dia a dia, mais
sabendo que a Portugal delicada.
hoje nada Ihe escapa O govêrno francês, que em Abril se con-
tentava já com a neutralidade portuguesa ('),
estava, em princípios de Junho, verdadeira-
O Arquiduque que vem mente ancioso. Escrevia Brochado em ofício
jade reinar em Castella
de 3 daquele mês: <<Aquiestão com grande
e não des a taramella
cuidado pellas ultimas novas de Inglaterra que
se queres escapar bem.
Quem como elle e quem
como Portugal e holanda (t) Manuscrito 510 da Bib. da Univ. de Coimbrã,
fo1. 222 v.
e o Ingles que tudo manda (:) «O Marquez de Torci... comessou a fazerme hü
te podem tirar a vida grande elogio da Prudenciae da Justissadel Rey nossoS.r
sobre a ultima rezolução que diz havia tomado de conservar
foge e uza de venida a neutralidade». Ofício de 29 de Abril de 1703.Biblioteca Na-
se queres escapar bem cional : Car/as de rosé da Czz/zÃaBrocÃado, fo1. 452 v.
152 In
a+firmào que a esquadra que devia governar difficuldade que os i\4lnlstros del IÍey hossó
look e quesábioas ordensde Churchil
fi- S.- fazião de declarar que se não havia assi-
zera velha para Lixboa, e que depois da sua nado liga alguma com as Potencias inimigas da
chegada tomarião as couzas hua figura muito trança .que a dita resposta ambígua punha
agradável aos entereces da Liga » (*). a EIRey xp."' em grande embaraço, e na ne-
Em ll de Junho recebia Brochado final- cessidade de procurar saber de S. Mag.ú' se
mente notícias importantes de Portugal : nos era segura a sua neutralidade na presente
ofícios de 26 e 27 de M.aio, informaçõesrela- guerra» ('). Não podendo obter de Brochado
tivas às negociações concluídas em Lisboa e mais amplos esclarecimentos,enviou o govêrno
instruções referentes ao modo como devia com- francês um pr(5prioa Lisboa, e ficou aguardando
portar-se em tam melindrosaconjuntura. Essas o seu regresso com enorme anciedade: <(Esta
instruções dispunham que não fizesse mais am- Corte espera com grande inquietaçãoa volta
plas declarações que as que em Lisboa tinham do seu proprio, porque as cartas de Londres
sido feitas ao embaixador,Chateauneuf,
de não cessão de confirmar o mesmo tractado
modo a deixar o govêrno francês na incerteza assinado e ratificado com os Príncipes da
do que se havia tratado. Liga (').
Compreende-sebem como a situação do Obedecendo às ordens recebidas conti-
diplomata português ficava sendo delicada. A nuava, contudo, Brochado a afirmar que nada
falta de uma negativa formal era considerada sabia; mas não o acreditavam:«.8b a(zkoa
na côrte francesa como uma confissão de que .odes que não sei cruza, al.gume desta sup-
se assinara o tratado: «O marquez de Torso Dosta, Liga, m,cls isto pa,ssa por uma negação
--escrevia José da Cunha Brochado me con- potiticct» Ç).
tou logo tudo. . . e que muito a seu pezar
comessava a crer que as repetidas novas de
(í) Ofício de 12 de Junho de 1703.Biblioteca Nado
Inglaterra, e de Hollanda se confirmavão pella naX\ Cartas de Jasé da Cunha Brochado, ta\. A6R v.
(:) Ofício de l de Julho de 1703.Bib. Nacional: Car-
tas de José d& Ctittha Brochado. iaÀ. eR3 N.
(í) Ofício de 3 de Junho de 1703.,Biblioteca Nacional (3) Ofício de 12 de Julho de 1703.Bib. Nacional: Car-
Cartas de José da Cunha Brochado, ioÀ. A62 v. tas de rosé da Cunha Brochado, ta\. 4]8 v.
154 155
 situação do diplomas:aportuguês como. tivas, corriam os mais desencontrados boatos.
çava a ser insustentàvel. Não surpreende, por E tudo se reflectia sabre Brochado.
isso, que neste mesmoofício, êle fale da sua
E com verdadeiro desespêro que, em 29
retirada de Paras como de uma cousa próxima.
de Julho, êle escreve: <.Eu fico em numa si-
Infelizmente para êle essa satisfaçãoestava ainda
tuação pouco agradável, sendo-me necessário
longe, e durante bastantetempo, teria de peno- tapar os ouvidose abrir os olhos. Não ha
samente manter o equilíbrio verdadeiramente
mais que discursos sobre nós, sobre nossas
instável das suas relações coma carte de trança.
forças, e sobre as grandes impreções que di-
Em ofício de 22 de Julho, referindo-se às zem fazem nesta Corte as noticias de haver-
extraordinárias dificuldades que então represen-
mos tomado partido contra seus interesses» (').
tava o desempenhoda sua missão, escreve: Pouco a pouco, porém, as circunstâncias
<<Nãome custa pouco trabalho o sair bem de foram conduzindo Brochado ao isolamento. Isto.
semelhantes praticas, porque estes M.inistros
se, de facto, Ihe dava certo descanço,não dei-
não se satisfazem de razões fermosas, e vão
xava de ser, contudo,pelo seu significadoe
sempre ao seu fim de questão em questão, e
conseqüências, motivo de aborrecimento.
de instancia em instancia» (').
E com mal disfarçada amargura que, em
Sente-se bem nestas simples palavras a 19 de Agosto, êle escreve:. <<As minhas co-
angústia daquelas conferências, em que o di- municações são já muito poucas nesta villa, e
plomata português, pro:rbidopelo seu govêrno assim com difficuldade apprendo os sucessos
de sair do âmbito das generalidades e das que não são favoráveis aos interêsses desta
ambiguidades,era apertado no torniquête cruel ('ol'oa >>('2).
das preguntas claras, incisivas e repetidas dos Por fim, o descanço pareceu avizinhar-se.
seus interlocutores.
Mas não o incomodavamsó os ministros Nos princípios de Dezembro o marquês de
que o assediavam. Na falta de notícias posi-
(t) Ofício de 29 de Julho de 1703.Bib. Nacional: Car.
tas de rosé da Cunha Brochado, 'iaÀ. A8b x.
(') Bib. Nacional : Cartas de rosé da Czz/z.baBroc#ado,
fo1. 482 v. (:) Ofício de 19 de Agosto de 1703. Bib. Nacional
Cartas de rosé da Cunha Brochado, laX. 494.
156
157
''1

Torcy comunicou a Brochado que Diogo de narca português publicou um manifesto, ex-
Mendonça Côrte-Real, ministro de Portugal pondo as razões que tinha cevadoPortuga] a
em M.adrid, fera mandado sair da capital de aderir à Grande Aliança (').
Espinha (:). O entusiasmo era geral e os versejadores
Esta notícia era verdadeira. O govêrno continuavam a apoucar Felipe V, vaticinando
espanhol conduzira violentamente à fronteira o os próximos e estrondosos triunfos de Car-
ministro português em M.adrid, Diogo de M.en- dos 111e do seu aliado e companheiro de luta,
donça Carte-Real, para o trocar pelo ministro D. Pedroll
espanhol em Lisboa (').
M.as só alguns meses depois devia Bro- He chegado meu Phelippe,
chado abandonar Paria, continuando ainda ali o luzido Sol do Império
a suportar a sua aborrecida situação, que, dia fazendo que este emíspherio
a dia, se tornava mais difícil de sustentar. de seus raios participe,
Em Março, o arquiduque Carlos, agora antes que elle vos dissipe
Cardos 111 de Espalha, chegou a Lisboa, os brios, fazei mudança,
sendo recebido com grandes festas. O mo- porque temo nesta dança
faltando sem chança, ou graça
que o Archiduque vos faça,
(í) Ofício de 12 de Dezembrode 1703.Bib. Nacional: saltar por dIRei de trança.
Cartas de José da Cunha Brochado, taX. 5fZ?.
(:) Recordava êste facto, em 1725, José da Cunha
Brochado. Encarregado, neste ano, das negociaçõesrelativas
à irritante e interminável questão da Colónia do Sacramento,
escreveu de Madrid a Diogo de à/lendonçaCôrte-Real, então .\ l 'Jüstificacian de Portugal en Lct resatucion de amo-
Secretário de Estado, uma série de ofícios, cujos originais se lar a la inclita Nacion Espaftola a sacudir et jugo Frctnces,
encontramno arquivo do Ministério dos Negócios Estrangei- y poder en et Trono Real de su Manarchictal Rey Catholico
ros, havendo dêles várias cópias. Num dêssesofícios, de 5 =arlos 111. En Lisbaa, por mandata de Su Magestad to hino
de Agosto de 1725,]ê-se o seguinte: «Tão bem foi principio .mprimir Valentia de Aposta Deslandes,Impressor de la Casa
de hostilidade o trattamento que em 1703se teve em M.adrid Rea!. Afino MDCCIV>.
com V. S.' sendo Ministro de dIRei, que foi conduzido á No mesmo ano, foi impressa em Viela de Austria, por
raya como prezo, e trocadocomo Ministro daquelaCoroa.. .» Van Ghelen, uma traduçãodupla, em latim e em italiano.
Citamos a cópia existente na Bib. Ã/lun. do Parto (ms. 892). dêste manifesto.

158 159
E se dizeis que Castella, de inconfidente, inconstante,
seu Rey vos sentenciou, que antes he da Pátria amante.
de quemtão mal o julgou e pello que firme zella,
Canos com justiça appella, semprehe cravo de Castella,
e que para conhecella, e será sempre Almirante.
faça a esse Reo em Lisboa,
quer com melhor fundamento,
fazer se tome assento, Cardos terceiro vem já
buscarvos com mão armada.
por elle nessaCoroa.
de que a praça mais murada,
nunca vos deffenderá
de sorte vos cercará.
HÜ Cardeal vos íqetteo,
que publique o mundo inteiro,
nesseReino, e tão felix
vendo-o ferox, e guerreiro,
foi, que se metter vos quis,
que ainda que bem trabalheis,
como quis Ihe succedeo.
nunca solto vos vereis.
Contão que o que se Ihe deo
do cordão deste terceiro.
de dinheiro, ou do que o val,
o fez obrar acção ta],
e posto que rezo fosse, Bem que pouco vos agrade,
dizem, que quis sobreposse o conselho, que vos dou,
ter mais papa o Cardeal. he certo que agora sou,
quem vos falda verdade :
corremcom vellocidade,
Como à flor conheceo e foge ao triste fim,
o Almirante advertido que vos ameaça assim,
procura, como entendido, cá na terra, e desta magoa,
que a Seu Senhor torne o seu vos podeis livrar por agoa
mente quem nome Ihe deo, como filho do Delfim.
160 161
1!
Todos contra vos se empenhão em que a sorte vos condena.
contra vos pellejão todos, por rezão que assim ordena,
para que por vários modos, que as suas águias na victoria
o fim, a que aspirão tenção, vestindoo a elle de gloria
e sem que mais se detenhão, vos revistão a vos de pena.
com prevenção, que não tarda,
vos buscão já, pois que a guarda
vosso dezinio dezeja, Say o nosso Grande Rey
fugi com pressa, e fazei, a Cardos acompanhando,
o vosso corpo da guarda para que ambos pelejando,
cação, o que vos contei;
de seu valor certo sei,
Ide para a vossa terra, que maravilhas fará,
se quereis viver seguro, com que o mundo admirará
porque não pode haver muro, e se necessáriofor,
que vos salve. nesta guerra: como Pedro com valor
nisto somente se encerra, as orelhas arrancará
o livrar deste cuidado,
este he concelho acertado
Hade cantar com vistoria.
e não ficareis tão mal,
nosso M.onarca excelente,
que deixandocá hum Real,
não tenhaes ]á hum Ducado. e com credito eminente,
conseguirá tanta gloria
dirseha em perpetua história,
Say o arquiduque invicto, que se a hü Pedro lamentar
ll l

ou seja felis Rey de Hespanha, fez já de hü galão o cantar,


a desfazer a maranha, hoje por modo que espanta,
que teceo vosso delicto: quando ouvir que Pedro canta,
fará que neste conflicto, o galão he que nade chorar.
162 163
l

Vem Cardos com muita jactanciosa e felÍs,


galla brilhando, e tal bizarria, a vozes publica, e dis,
que as mesmasluzes do dia de toda a Castella aos Grandes.
sabem, fazendolhe sala que para ella não mais Flandres,
nadaem seu luzir se iguala, que vejlo nesse País.
pois Ihe dão nesta demanda,
com magestade admiranda, M.anda Carlos que largueis
as fidalguias do Norte,
Os Reinos, que não são vossos,
para que trage de corte, antes que em fortes Idestrossos,
tudo Londres, tudo Olanda. o que elle dis confesseis:
Não sejais tal, que estranheis,
Vem todos a despojarvos, o seu mandar; porque he certo,
do castetelhano vestido, não tenhais por vituperio,
que não vos vindo medido, obedecerjhe porque,
quizestes della trajarvos: como elle do Imperio he,
de tudo hão de defraudarvos, pode bem usar do imperio.
e será a disgracia vossa
tanta, que mais ser não possa, Não teme que venha Franca
pois não hão de permítirvos, porque tem muita mais gente,
que ainda para vestirvos, que com animo valente,
tenhaes nem Saragoça.
peleja com confiança;
e se cuidais,que isto he chança
A nasção Flamenga ufana não cuideis tal; porque a mares
a Cardos acompanhando, tem soldados, que a milhares,
Sabe triunphante, aclamando, Ihe dão todos, quando só
empreza tão soberana vos pode dar vosso Avo,
e rendendosse urbana, de Franceses algas pares.

164
Por castiguoda traiçàó, lá noé cáhpos de batalha soldados franceéeé é
que vosso Avo quis fazer, portugueses se defrontavam.
chegareisa padecer Mas Brochado,angustiado,bradava que o
golpes de guerreira mão: arrancassemdaquela situação humilhante para
Foi muito bárbaraacção êle, para o rei de Portugar e para a Nação
o que intentarão seus tractor, Portuguesa.
e mostrou nestes contractos, Em 18 de Maio de 1704, admirado de
e nos buscava ajudas, que ainda o não mandassem regressar, pedia
que sabe trança ter Judas, que Ihe fôsse dada essa ordem, visto que a
como soube ter Pillatos. sua permanênciaem Paria era já « zlq/zzr/ozcz
ã
Nação e á mesma. gtori(i de EtRey Nosso
A coroa que jograis, s.''» (').
vos tirarão da cabeça, Uma semana depois, insistia: « Forno a
para que o mundo conheça, representar a V. S.' que Q minha assistência.
que sem justiça a gozaís; he a,qui de hum grande discreditto ao meu
em termos, como estes taes, carão/er» (').
fora hüa acção muito boa, A agravar a situaçãomoral de José da
que aquella mesma pessoa, Cunha Brochado, havia as notícias desprimoro-
que ordenou tal fizesse, sas para os portugueses, que circulavam em
como Bispo vos pozesse, Pauis. Exagerando, além de toda a medida,
na cabeça outra coroa ('). as primeiras vitórias, os castelhanos publica-
vam sucessivas brochuras narrando as suas fa-
Por fim as hostilidades começaram. E José çanhas. .E estas brochuras chegavam em
da Cunha Brochado permanecia em Paras. Dir-
grande quantidade a Paria.
-se-ia que o govêrno português se desinteres-
sara dele, deixando-o no seu posto quando (1) Bib. Nacional : Cartas de /osé da Czz/z/laBroa/lado.
fo1, 543.
J) Decinws que se izerão em satura a Ptwtippe l)dique (!) Ofício de 25 de M.aio de 1704. Bib. Nacional
de .4/#EZ,no ms. 822 da Bib. Mun. do Pâtto, fo1..30 v. Cartas de José da Cunha Broclmdo, toÀ. 5®.

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Uma resenha dos principais sucessos da tima. e de consideração particutarissima, que
Europa, elaborada em Lisboa, em Abril, ar- ente fez conhecer em toda, a occtzião pela
quiva o seguinte: <(de Ercz/zça se sczóe qzze sagrada, pessoa de V. Mag.', e que não ha,
as gazeta ccntelhanas, seguindo seu costu- nada no Mundo que S. Mctg.' Portugueza,
mado estillo, sobem a muito RUMeFolõ Ç\'\. prefira Q honrct destct amizade, e Q pai)cão
Enfim chegou a desejada ordem, e, em que Q Cita,o leoa. Quanto a, mim, Senhor,
%

M.aio, José da Cunha Brochado pôde sair de tendo a honra de haoer feito uma,longa re-
Paras. M.as LuasXIV não quis deixa-lo partir zidencia nesta Corte, me farei uma, obriga-
sem uma prova pública de consideração. De- ção, compelido da, minha, consciência,, a. pu-
terminou que a despedida do ministro portu- blicar em toda, a, parte, como testemunha
guês tivesse lagar em audiência pública. irreprouauel,
a justiça de V. Mag.', a sua
Assim se fez, lendo Brochado um dis- equidade, Q sittceridade dm suas acçoens, e
curso do seguinte teor: <<Se/zl%or ÀUo sem tantas outras oirtudes resplandecentes verda-
hüm uctremopecar meu tenhohoje a honra deiramente augustas, e superiores à capaci-
de tomar Congé de V. Mag.'. As terrioeis da,de comum do homem, que reprezentão a,
(íesgraç(u do tempo presente, com que pa- V. Mag.' o maior monarcado Unberso,e o
rece que quer Deus punir Q Europa me se- que. se deve estimar sobre tudo, hum Prín-
parão com uiol,enfiada. Corte de V. Mag.', cipe Christianissimo, com titulto dobíodoln Ç'').
3 interrompem Q meu ministério. Como o en- Bem arquitectadapeça oratóriade um di-
Eendimenl.odo homemnão toma sempreo plomata que se despede do monarca junto do
partido do seu coração, posso ousadamente qual esteve acreditado durante muitos anos,
dctrme a honra de segurar a V. Magestade este d;scurso só externamente .é despedida de
que EI Rey meu amo, apesar desta, mesma um amigo. Anos volvidos, o próprio José da
fatal conjunctura, conserva sempre, em seu Cunha Brochado justificará esta apreciação.
CorcLção, os mesmos sentimentos de altct es- Em 1725,dirigindo-se
ao Secretáriode Es-

(tl Noticias de NoUid.esvindasde Liç.a,12 de Abril. (1) Bib. Mun. do Parto: Z)/scarsose co/zsu/fasde rosé
no ms. 822 da Bib. Mun. do Parto. da Czz/zãaBroa/lado, ms. n.' 640, fo1. 96 e sega.

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fado, õiogõ de Mendonça Côrte-Real, e alu- ceba estas minhas mortificações como em des-
dindo aos primeiros actos de hostilidade pra- conto de alguas faltas que eu pudesse ter
ticados em Espanta, chamará a Luas XIV cometido em Seu Reyal Serviço, porque na
«príncipe desconfiadoe vingativo» ('). verdade me vi em hum estado bem deplorá-
Poucos dias depois, transpunha finalmente vel, não porque me fizessem medo aquellas
o ex-ministro de Portugal a fronteira francesa, exagerações,mas porque me não podia vin-
a caminho da Haja. gar deltas, nem tinha liberdade para desmen-
E. livre, enfim, do inferno que nos últi- tillas » (i).
mos. mêses fera para êle a capital da trança, Findara a acção da diplomacia, no quadrié-
jubilosamente, escrevia já da Maia: <.Sahi en- nio em que se fez a preparaçãodiplomáticada
fim daquella Corte e daquella Villa, e V. S.a colaboração portuguesa nesse grande conflicto
pode imaginar sem demiteo gosto com que eu internacional que se chama a Guerra da Su-
devia sahir principalmente se este se medir cessão de Espanha.
pela pena mortal que me cauzárão as novas D'ora-avante actuarão, durante alguns anos,
da trada dos castelhanosnas nossasterras, as armas, e, sem que dos sacrifícios feitos Por-
cujos progressos imaginários chegavão por mul- tugal chegue a alcançar mais que insignifican-
tiplicados correios, dandosse nome de Praças tíssimo proveito de ordem material, com o
fortes a quantas Aldeãs tomavão. Bem posso generoso sangue português escrever-se-ão, con-
esperardo grandecoraçãode S. M..d' que re- tudo, mais umas páginas de glória na já glo-
riosa História de Portugal.
(í) <(dIReino principiodo afino de 1703,tinha con-
trahido a liga contra trança e Espanha, e entrado na grande
aliança, e por este facto, que era evidente. e notaria. come-
çarão da parte de Castella, no mesmo tempo, as hostilidades,
como foi em Viga e em Cadiz no mesmo afino de 1703 e so-
bre os effeitos do assento do assento dos negros em 1702,
nem pode duvidarse desta antecipaçãoestando a Corte de
Espinha inspirada pela de trança, aonde reinava hum prín-
cipe desconfiado e vingativo». (Ofício de José da Cunha (i) Ofício da baia, a 15 de Julho de 1703 Biblioteca
Brochado,de 5 de Agostode 1725,cit. na pág. 158). Caftm de rosé da Cunha Brochado, ioÀ. 5A8.

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