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11/11/2021 19:55 Diplomacia & Guerra - A Política Externa: do Ultimatum à República - Publicações do Cidehus

Publicações
do
Cidehus
Diplomacia & Guerra  | Fernando Martins

A Política Externa:
do Ultimatum à
República
Foreign Policy: from the Ultimatum to the Republic

Fernando Costa
p. 45-67

Abstract
A evolução e os objectivos da política externa portuguesa, entre o
Ultimatum inglês de 1890 e a implantação do regime republicano em
1910, estiveram centrados em duas vertentes geograficamente distintas,
mas complementares.

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A primeira, cronologicamente situada entre 1850 e 1902, decorreu no


contexto da corrida das grandes potências europeias aos territórios
africanos (Scramble for Africa). Aqui se enquadram os projectos
coloniais de Andrade Corvo e Barros Gomes, o Ultimatum, o tratado
luso-britânico de 1891, o acordo anglo-alemão de 1898, a declaração de
Windsor de 1899 e o consequente envolvimento de Portugal na guerra
anglo-boer (1899-1902).

A partir de 1902, devido, sobretudo, à rivalidade naval e militar anglo-


germânica e à crescente importância da Espanha de Afonso XIII no
contexto europeu, a atenção da diplomacia portuguesa passa a estar
centrada nos arquipélagos da Madeira e dos Açores.

The evolution and objectives of Portuguese foreign policy from the


British Ultimatum of 1890 to the founding of the Republic in 1910 were
centred on two geographically distinct but complementary phenomena.

The first was the scramble by the great European powers for African
territories between 1850 and 1902. The colonial projects of Andrade
Corvo and Barros Gomes, the Ultimatum, the Treaty of 1891 with Britain,
the Anglo-German agreement of 1898, the Windsor Declaration of 1899
and the consequent involvement of Portugal in the British-Boer War
(1899-1902) all have their part to play here.

From 1902, the centre of attention of Portuguese diplomacy moves to


Madeira and the Azores, mainly as a result of the naval and military
rivalry between Britain and Germany and the growing importance of the
Spain of Afonso XIII in the European context.

Full text

1. Introdução
1 A história da política externa portuguesa, na segunda
metade do século XIX e na primeira década do século XX, é
essencialmente a história das relações luso-britânicas.
2 Esta joga-se primeiro em África e depois no Atlântico.
3 O primeiro período, cronologicamente situado entre 1850 e
1900, tem como pano de fundo a corrida das grandes
potências europeias aos territórios africanos. Durante estes
anos a diplomacia portuguesa tem de gerir sobretudo
conflitos com a Inglaterra que provocam ora aproximações
ora afastamentos, consoante o desenrolar dos interesses da
“Velha Aliada” no continente africano. A nível interno, este
período caracteriza-se pela luta entre duas correntes
políticas. A primeira, mais favorável ao reforço da aliança
luso-britânica como forma de preservar o império africano,

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tem como expoente máximo a figura de Andrade Corvo. A


outra, encabeçada por Barros Gomes, procurou alianças
alternativas com outras potências europeias, na tentativa de
levar a cabo uma política de ocupação efectiva do sertão
africano sem ter de, necessariamente, negociar com a
Inglaterra. O Ultimatum de 1890 vem colocar Portugal
novamente no seio da aliança. No entanto, esta só será
plenamente reconfirmada pelos dois países durante a guerra
anglo-boer, em 1899.
4 Entre 1900 e 1910, devido sobretudo à rivalidade naval e
militar anglo-germânica no contexto europeu, a atenção da
diplomacia portuguesa passa a estar centrada na
reafirmação pública da aliança luso-britânica, na
importância estratégica dos arquipélagos da Madeira e dos
Açores e nas movimentações diplomáticas da Espanha de
Afonso XIII.

2. Principais vectores da política externa


portuguesa entre 1870 e 1891

2.1. De Andrade Corvo à Conferência de Berlim


5 Como acabámos de enunciar, o período que antecede o
Ultimatum britânico de 1890 caracteriza-se pelo
aparecimento de duas correntes que preconizam
interpretações diferentes quanto ao papel a desempenhar
por Portugal no contexto da aliança luso-britânica. A
primeira, concebida pelo ministro dos Negócios
Estrangeiros, João de Andrade Corvo1, tinha como objectivo
principal o reforço da aliança luso-britânica, como forma de
garantir a manutenção do império africano. Num período
caracterizado pela crescente corrida a África por parte das
potências europeias, Andrade Corvo procura angariar apoios
que permitam a Portugal criar infra-estruturas (estradas,
caminhos-de-ferro e portos) que sirvam de alicerce para a
colonização branca e afastem a ameaça de uma eventual
divisão dos territórios africanos por parte de países com uma
capacidade de intervenção económica e mobilização humana
muito superiores a Portugal. Como o país não tem recursos
para lançar um tão vasto plano de melhoramentos, Andrade

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Corvo procura sensibilizar a Inglaterra para a construção de


um caminho-de-ferro entre Lourenço Marques e Pretória,
aproveitando o facto de o Transval ter novamente perdido a
sua independência em 1877 a favor dos ingleses. Embora a
decisão arbitral sobre a baía de Lourenço Marques tivesse
sido favorável a Portugal em 1875, Londres continuava a
considerar aquele porto moçambicano uma peça
fundamental na estratégia de controlo do acesso dos boers
ao Índico.
6 No projecto de tratado negociado entre Andrade Corvo e
Robert Morier2 em 1879, Portugal poderia contar com o
apoio britânico não só na construção do porto e do caminho-
de-ferro de Lourenço Marques, mas também em vários
outros projectos de melhoramento de infra-estruturas em
Moçambique. Lisboa comprometia-se a permitir a livre
circulação de mercadorias na África Austral e, sempre que
solicitada pela Inglaterra, a permitir a passagem de forças
militares inglesas por território moçambicano3. No entanto,
este projecto de tratado não seria aprovado pelos respectivos
países. As fortes pressões efectuadas junto do governo
britânico pelas colónias do Cabo e do Natal, preocupadas
com a fuga do comércio do interior para o eixo Pretória-
Lourenço Marques, os incidentes verificados na Irlanda e a
reconquista da independência por parte dos boers, em 1881,
fazem com que a Inglaterra se desinteresse do projecto. Em
Portugal, o projecto de tratado é fortemente criticado pela
oposição monárquica e republicana e pela imprensa de
Lisboa4. Este e outros factores levam à queda do ministério
regenerador de Fontes Pereira de Melo, do qual fazia parte
Andrade Corvo.
7 O insucesso desta política e as reacções ao projecto de
tratado de 1879 permitem aos “sonhadores de impérios sem
limites” alimentar expectativas de uma eventual criação em
África de um novo “Brasil” sem a interferência britânica.
Para este vasto lobby colonial, a manutenção do império
português deveria ser assegurada através de acordos com
outras potências europeias (sobretudo a Alemanha e a
França) em África.
8 Nesta altura, a corrida a África tinha envolvido de tal forma
as grandes potências europeias que começaram a surgir os
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primeiros problemas no terreno. Exemplo disso é a


assinatura do Tratado do Zaire, em 18845, entre Portugal e a
Inglaterra, que provoca os protestos da França e da Bélgica,
potências com iguais interesses naquela região africana.
Assim sendo, e fazendo eco desta necessidade cada vez mais
premente de juntar as diferentes potências europeias numa
conferência internacional que permitisse resolver os
crescentes problemas que iam surgindo na delimitação das
esferas de influência, a Alemanha e a França convidam
várias potências6 para discutir a questão africana.
9 A Conferência Internacional de Berlim7 iniciou os trabalhos,
no dia 15 de Novembro de 1884, com três grandes questões.
A primeira dizia respeito à liberdade de comércio na bacia e
foz do rio Zaire, a segunda defendia a transposição da
liberdade de navegação dos rios internacionais – já
consagrada no Congresso de Viena – para os rios africanos e,
por fim, a terceira propunha uma definição clara das regras
que legitimassem a ocupação efectiva dos territórios em
disputa. A Conferência criava também o “Estado
Independente do Congo” na zona disputada por Portugal,
Inglaterra, França e Bélgica. Isto é, perante os diferentes
pontos de vista sobre a ocupação do Zaire e a possibilidade
de conflitos na área disputada, os plenipotenciários
presentes na reunião concederam não a um Estado, mas sim
ao rei da Bélgica, Leopoldo II, a administração da bacia do
Congo.
10 A delegação portuguesa conseguiu obter o reconhecimento
da sua soberania sobre a região de Cabinda (a norte do rio
Zaire), de Molembo e Landana e sobre a zona de navegação
do Chiloango ou Luango-Luce. Perante as pressões
internacionais, teve de ceder a margem direita do Congo,
conjuntamente com o importante porto de Banana. Se o
resultado final se pode considerar aceitável, apesar da
pressão exercida pelas grandes potências durante o debate, o
mesmo já não se pode dizer do direito de ocupação efectiva.
A apreensão demonstrada por Portugal durante o período
que antecedeu a conferência tinha o seu fundamento. Se até
à data da Conferência, Portugal tinha conseguido fazer
prevalecer os direitos históricos sobre os territórios de
África, a partir do Acto Geral, a ocupação efectiva seria um
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dos principais vectores a tomar em conta nas futuras


disputas. Naturalmente, as grandes potências coloniais, com
disponibilidade financeira e humana para ocupar as suas
zonas de influência, poderiam pôr em causa a frágil
implantação portuguesa em África. A ocupação do interior
do continente africano não tinha ficado consignada no texto
final da Conferência, o que possibilitava a qualquer país a
sua ocupação, sem negociação prévia.

2.2. A política externa de Barros Gomes e o mapa


cor-de-rosa
11 Após a Conferência de Berlim, o novo ministro dos Negócios
Estrangeiros, Henrique de Barros Gomes8, continua a
segunda e inicia a terceira fase das expedições portuguesas
para o interior – lideradas por Hermenegildo Capelo,
Roberto Ivens e Serpa Pinto, entre outros –, procurando
criar condições para a dinamização das cidades costeiras e
para o surgimento de entrepostos comerciais nas zonas mais
afastadas do litoral. Simultaneamente, Portugal tenta, pela
primeira vez, assegurar o reconhecimento internacional do
seu império fora dos quadros da aliança luso-britânica.
12 Para Barros Gomes, o reconhecimento internacional das
áreas de influência portuguesa durante a Conferência só
tinha sido possível devido à intervenção francesa e alemã9.
Neste sentido, a execução do projecto do império “da costa à
contracosta” só seria viável com o apoio daquelas duas
potências, que não reclamavam qualquer tipo de soberania
nas zonas do interior, ao contrário da Grã-Bretanha.
13 O governo português acreditou que, uma vez ocupada a
região entre Angola e Moçambique, poderia levar a
Inglaterra a aceitar, uma vez mais, a arbitragem
internacional para resolver o problema, devido ao peso que o
apoio da Alemanha e da França teria no contexto
internacional.
14 O grande investimento português nas expedições africanas
demonstra bem a sua importância para as futuras
negociações com alemães e franceses. Estas acções não
suscitaram, inicialmente, do lado inglês, qualquer tipo de
reacção. Londres encontrava-se mais preocupada com a
crescente influência alemã no norte de Moçambique e com o
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seu provável apoio ao Transval, no diferendo com a


Inglaterra. A táctica adoptada pelo governo britânico visava
acalmar a “ambição territorial” alemã, cedendo às
reivindicações de Bismarck, sempre que não estivessem em
jogo os interesses vitais da Grã-Bretanha. Esta política
pretendia, também, evitar uma aliança entre a Alemanha,
França e Rússia que, a verificar-se, isolaria a Inglaterra do
contexto europeu.
15 Neste sentido, a Inglaterra demonstrou inicialmente um
certo desinteresse em relação às movimentações
portuguesas no hinterland africano. Barros Gomes
aproveitou a ocasião para assinar uma convenção com a
França, a 13 de Maio de 188610. As negociações tiveram por
base a concessão ao governo francês da bacia do rio
Casamansa e Nuno (Guiné), em troca do reconhecimento da
esfera de influência portuguesa na região entre Angola e
Moçambique.
16 Na declaração assinada entre Portugal e a Alemanha, em 30
de Dezembro de 188611, os objectivos de Barros Gomes eram
semelhantes aos estabelecidos, meses antes, com a França.
Em troca do reconhecimento da soberania portuguesa na
zona entre Angola e Moçambique, Lisboa aceitou que a
fronteira entre o território angolano e o Sudoeste africano
fosse o rio Cunene (no sul de Angola). Anexo à declaração,
encontrava-se o mapa com a zona de influência portuguesa
no interior do continente (mapa cor-de-rosa), ao contrário
do que acontecera na convenção com a França, onde este
permanecia, unicamente, apenso aos protocolos das
reuniões.
17 A estratégia do ministro dos Negócios Estrangeiros passava,
também, pela obtenção do apoio do Transval. A melhor
maneira de conseguir este objectivo era facilitar o acesso dos
boers ao litoral. Nesta altura, encontravam-se em fase de
conclusão as obras do caminho-de-ferro entre Lourenço
Marques e a fronteira com o Transval, a cargo da companhia
do americano Mac Murdo12, cujo capital era,
maioritariamente, inglês. As dificuldades financeiras da
companhia e a demora na construção dos últimos nove
quilómetros da linha, foram o pretexto para o governo
português anular a concessão feita a Mac Murdo13.
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Paralelamente, o executivo de José Luciano de Castro


assinou um acordo de tarifas com o Transval, no qual
concedia isenções fiscais e facilidades no escoamento dos
produtos transvalianos14.
18 Uma vez reconhecida a soberania nas regiões reclamadas –
através dos acordos citados –, Barros Gomes torna público,
em 1887, o entendimento luso-alemão, apresentando-o às
Câmaras. A Grã-Bretanha, que até aí não se tinha
manifestado, reagiu de imediato. Num memorando, enviado
ao governo português, Londres não reconhece a esfera de
influência reclamada por Portugal, dado não existirem
vestígios da autoridade ou jurisdição portuguesa, baseadas
na ocupação efectiva, consagrada na Conferência de Berlim.
Por outro lado, a Inglaterra informa Lisboa que, em alguns
pontos da zona reivindicada pelas autoridades portuguesas,
existem já estabelecimentos ingleses, como eram os casos
das missões escocesas e da região ocupada junto ao lago
Niassa15.

2.3. Do Ultimatum de 1890 ao tratado luso-britânico


de 1891
19 A estratégia inglesa passou, numa primeira fase, pela criação
de compromissos com as potências que tinham assinado
acordos com Portugal. Naturalmente, este plano contou com
a fraca convicção da Alemanha e da França na defesa da
posição portuguesa. Exemplo claro desta política foi a
transformação, por parte de Bismarck, de uma possível
convenção com Portugal em mera declaração de princípios,
assinada em Dezembro de 1886. No fundo, para o chanceler
alemão, o mais importante era o entendimento com a Grã-
Bretanha, nas questões ainda pendentes entre os dois países.
Lord Salisbury e o Foreign Office, conscientes deste desejo,
propõem a abertura de negociações “(...) para se discutir
todos os pontos em disputa no Mar do Norte, em África e no
Pacífico”16. A proposta britânica apresentada em Berlim
continha um ponto irresistível para o orgulho e para as
ambições germânicas: a posse da ilha de Heligoland, situada
no Mar do Norte. Esta ilha constituía um “espinho cravado
na garganta” de Bismarck, não só por se tratar de uma
importante base naval da Royal Navy, mas também por
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estar situada a apenas 10 quilómetros de Hamburgo. As


reuniões entre os responsáveis diplomáticos dos dois países
terminam, em Julho de 1890, com a assinatura de um
acordo geral, que regulariza as esferas de influência na
África e no Pacífico e a entrega da ilha de Heligoland ao
governo alemão17. Por seu lado, a posição francesa foi a da
não intervenção no diferendo que opunha Portugal à
Inglaterra. O acordo anglo-germânico de 1890 tinha criado
as condições para o reforço da influência britânica no Alto
Nilo, região também reclamada por Paris. Ora, a França não
tinha interesse em criar um foco de tensão com a Grã-
Bretanha, numa zona em que nenhum dos seus interesses
vitais estava em causa, procurando resguardar-se para os
futuros e inevitáveis confrontos no Egipto18.
20 Ciente do isolamento português, o governo britânico, através
do seu ministro em Lisboa (George Petre), propôs a Portugal
o reconhecimento da fronteira entre as duas zonas de
influência na região do Zambeze. Por seu lado, as
autoridades portuguesas eram pressionadas a aceitar a
liberdade de comércio no Zambeze, o protectorado inglês
sobre os Matabeles e a manutenção de um controle
indefinido sobre o sul do Niassa19. Esta proposta britânica
criou o impasse nas conversações. Portugal procurou que aí
fossem estabelecidos os limites das esferas de influência,
enquanto que a Inglaterra pretendia manter os territórios
localizados a sul daquele lago fora do possível acordo. Para o
governo de Londres era vital que as missões escocesas não
ficassem sob o domínio português, o que poderia provocar
um grave clima de contestação interna.
21 Para agravar esta situação, a expropriação do caminho-de-
ferro de Lourenço Marques20, executada em Junho, originou
uma forte reacção da opinião pública inglesa. Perante este
acontecimento, Londres tem consciência de que é necessário
dar uma lição a Portugal, para que este volte a ocupar o seu
tradicional lugar no seio da secular aliança.
22 A actuação do ministro dos Negócios Estrangeiros português
cedo deu à Grã-Bretanha o pretexto de que necessitava. A
ruptura surgiu, quando Barros Gomes – com o patrocínio da
Sociedade de Geografia de Lisboa – enviou Serpa Pinto para
a região a sudoeste do Niassa, com o objectivo de a colocar
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sob administração portuguesa. O explorador português,


depois de ocupar o Tungue, encontrou a região dos
Macololos – que antes aceitara a soberania do rei de
Portugal –, hostil à presença portuguesa e sob a protecção da
bandeira britânica21. Serpa Pinto, com a ajuda de João de
Azevedo Coutinho, conquista a região e submete novamente
os chefes africanos.
23 Londres considera a atitude de Serpa Pinto como casus belli
e ordena a concentração das suas forças navais em vários
pontos estratégicos (Zanzibar, Gibraltar e São Vicente de
Cabo Verde)22. Nos primeiros dias de Janeiro de 1890, o
ministro inglês em Lisboa entrega ao governo de José
Luciano de Castro uma nota particularmente dura. A
Inglaterra não está disposta a permitir “que actos de força
sirvam para estabelecer a soberania portuguesa em regiões
em que predominam interesses britânicos”23. A resposta
portuguesa fica, uma vez mais, aquém do que era necessário
para evitar o conflito. Barros Gomes informa o Foreign
Office de que vai transmitir instruções para a região, no
sentido de pôr fim aos confrontos, mas pretende resolver
esta disputa através da convocação de uma reunião
internacional para delimitar as áreas de influência na zona.
Naturalmente, o isolamento português a nível internacional
e a firmeza britânica inviabilizaram esta hipótese. No dia 9
de Janeiro, Lord Salisbury informou o governo português
que até às 16 horas desse dia teria de dar uma resposta que
satisfizesse as reivindicações britânicas, caso contrário o
ministro inglês deveria abandonar Lisboa24.
24 A tensão existente entre os dois países leva Petre a
apresentar oralmente, em Lisboa, as pretensões britânicas,
sob a forma de um memorando25. Por sua vez, Barros Gomes
pede a Londres um documento escrito. O ultimatum
britânico26 chega a Lisboa no dia 11 de Janeiro de 1890. Na
tentativa de desbloquear rapidamente a situação, o Conselho
de Estado, sob a presidência do rei D. Carlos, reúne-se nesse
mesmo dia.
25 No final da reunião, o documento apresentado publicamente
revela a intenção de Portugal ceder às exigências britânicas,
embora se considere também que litígios desta natureza

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devem ser resolvidos por mediação ou arbitragem


internacional27.
26 Era o fim do império “da costa à contracosta”, que tanto
apoio e popularidade tinha granjeado, em Portugal, durante
os últimos anos da década de oitenta. Só assim se pode
compreender a forte reacção interna28 que o acontecimento
desencadeou. A substituição de Barros Gomes29 por Hintze
Ribeiro, na pasta dos Negócios Estrangeiros, não provocou
alterações na estratégia adoptada. Durante algum tempo,
Portugal manteve a ilusão de que o assunto se poderia
resolver pela arbitragem internacional. Obviamente, a
Inglaterra respondeu sempre negativamente ao apelo de
Lisboa, consciente do real isolamento em que se encontrava
o pequeno aliado.
27 A crise despoletada pelo Ultimatum não resolveu
completamente o diferendo existente entre os dois países.
Pelo contrário, as negociações luso-britânicas arrastar-se-
iam durante dois anos até ao tratado definitivo, assinado em
1891. Os esforços diplomáticos referidos conduziram,
inicialmente, a um primeiro acordo30, assinado a 20 de
Agosto de 1890. Este, claramente desfavorável a Portugal,
não foi ratificado pelo parlamento português.
28 Recusada a versão inicial, a Inglaterra aceita a proposta do
Marquês de Soveral31 – novo ministro de Portugal em
Londres – e assina, em Novembro de 1890, um Modus
Vivendi, no qual se compromete a respeitar “a esfera de
influência portuguesa prevista no tratado de Agosto,
apesar deste não estar em vigor”32. Soveral consegue,
progressivamente, que o governo de João Crisóstomo vá
cedendo nos pontos em que a Grã-Bretanha se mostra
intransigente.
29 O novo tratado33 foi assinado, em Londres, no dia 11 de
Junho de 1891. Nele ficava consignado a delimitação das
fronteiras interiores de Moçambique e de Angola; a criação
de condições para o surgimento de dois grandes corredores,
partindo da costa em direcção ao interior (Lourenço
Marques e Beira); a livre navegação no Chire e Zambeze e
consequentes facilidades fiscais na passagem de
mercadorias. Portugal comprometia-se, também, a permitir
a construção de estradas e caminhos-de-ferro nos acessos ao
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Niassa e entre a região do Pungue e a esfera de influência


britânica. Ficava, igualmente, impedido de alienar as
referidas regiões sem o consentimento de Londres. As
autoridades inglesas garantem, assim, o controle dos acessos
estratégicos ao interior34. Nesse mesmo dia, retomando uma
das cláusulas do velho projecto de tratado de 1879, Portugal
e a Inglaterra, em notas anexas ao tratado de 1891, chegaram
a acordo sobre a concessão de facilidades, no caso da Grã-
Bretanha necessitar de passar tropas por Moçambique,
tendo como destino a sua zona de influência35.
30 Alguns especialistas sobre história diplomática e colonial36
não têm dúvidas em considerar as disposições do tratado
mais onerosas para Portugal do que as que constavam do
acordo de Agosto de 1890. Se é verdade que a economia
moçambicana ficou, em grande parte, dependente da
evolução da economia sul africana, não o deixa de ser menos
o facto de o tratado reflectir a difícil situação externa e
interna de Portugal. Dado o isolamento internacional e a
galopante crise económica e financeira em que o país se
encontrava, este foi o entendimento possível.

3. O lento processo de reafirmação da


aliança luso-britânica (1891-1904)
3.1. O acordo anglo-alemão de Agosto de 1898
31 Até 1895, a política externa portuguesa conhece um período
de relativa acalmia, apenas agitada pelos efeitos das
diligências efectuadas em torno da expropriação da
concessão para a construção do caminho-de-ferro de
Lourenço Marques, atribuída inicialmente ao americano
Mac Murdo. O diferendo é analisado pelo Tribunal de Berna,
que decide, a 29 de Março de 1900, condenar Portugal a
pagar aos interessados a quantia de 941 511 libras.
32 Portugal, para fazer face à crise financeira e para liquidar a
mais que provável condenação na questão Mac Murdo,
procurou, nos primeiros meses de 1898, obter junto do
governo inglês e da banca londrina a concessão de um
empréstimo. No decorrer das negociações, Portugal mostra-
se disposto a dar, como garantia desse empréstimo, os

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rendimentos das alfândegas coloniais. Por seu lado, Londres


não nega o auxílio pretendido, mas fá-lo depender de uma
fiscalização mais eficaz das mercadorias que chegavam a
Lourenço Marques com destino ao Transval e da
constituição de uma companhia, composta por capitais
ingleses e portugueses, que controlasse a linha de caminho-
de-ferro que partia daquela cidade moçambicana para a
fronteira transvaliana. A necessidade imperiosa de saldar
parte da dívida com os credores externos leva Portugal a
aceitar o acordo proposto pelo governo inglês, desde que
este garantisse a integridade do império português.
33 A reacção alemã não se fez esperar. Preocupada com uma
eventual alteração do estatuto de Lourenço Marques e
interessada em expandir a sua área de influência na África
do Sul, a Alemanha faz saber junto do executivo de Lord
Salisbury que deseja participar na concessão do empréstimo
a Portugal. Londres, que, num primeiro momento, não se
mostra muito interessada em discutir com a Alemanha um
assunto que apenas dizia respeito à Inglaterra e a Portugal,
vê-se obrigada a repensar a questão, à luz dos novos
acontecimentos internacionais.
34 A situação difícil em que se encontravam as relações anglo-
francesas – desenhava-se no horizonte a possibilidade de um
conflito armado entre os dois países, de consequências
imprevisíveis na Europa, devido às disputas territoriais no
Egipto – levou Berlim a fazer crer junto do governo inglês
que um eventual desentendimento na questão da concessão
do empréstimo a Portugal poderia contribuir para a
“reavaliação” de um eventual apoio germânico à causa
francesa em terras egípcias. Se Londres satisfizesse as
pretensões alemãs, o governo imperial, para além de não
apoiar a França no seu diferendo com a Inglaterra, estava
também na disposição de não interferir na questão anglo-
boer na África do Sul.
35 Esta questão vai dividir o governo de Lord Salisbury,
tornando-se num novo episódio da luta política travada
entre duas sensibilidades existentes no seio do partido
conservador. A ala mais moderada, liderada por Salisbury,
era sensível aos problemas do pequeno aliado peninsular e
via nessa estreita cooperação a possibilidade de obter, no
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futuro, vantagens estratégicas em Moçambique, sem ter de


partilhar o império africano português com a Alemanha. A
outra, de cariz acentuadamente imperialista, tinha como
figura de proa Joseph Chamberlain37, responsável pelo
Colonial Office e acérrimo defensor de um entendimento
anglo-alemão nas questões africanas, mesmo que este
passasse pela divisão das colónias portuguesas entre as duas
potências europeias. Entretanto, Portugal, que vinha sendo
discretamente informado pelo governo inglês das iniciativas
alemãs na capital britânica, comunica a Lord Salisbury a sua
desistência do pedido de empréstimo, devido às objecções
que estavam a ser levantadas pela Alemanha.
Simultaneamente, inicia contactos em Paris, tendo em vista
um financiamento alternativo.
36 No entanto, este facto não impede Arthur James Balfour38 de
assinar um acordo com Berlim, no dia 30 de Agosto de
189839.
37 Este era constituído por duas convenções e por uma nota. Na
primeira convenção estabelecia-se que se Portugal solicitasse
um empréstimo financeiro junto da Inglaterra e da
Alemanha, este deveria ser concedido em simultâneo pelas
duas chancelarias, tendo como garantia os rendimentos das
alfândegas coloniais portuguesas. À Inglaterra
corresponderiam os rendimentos do sul de Moçambique até
ao Zambeze e do norte de Angola, enquanto que a Alemanha
beneficiaria dos rendimentos do norte de Moçambique, do
sul de Angola e de Timor. O texto da segunda convenção
consagrava o respeito mútuo dos signatários pelas
respectivas esferas de influência e a oposição conjunta a
qualquer tentativa de obtenção de concessões na região, por
parte de uma terceira potência. Por fim, a nota secreta
estabelecia que, caso Portugal fizesse alguma concessão ou
outorgasse algum privilégio a um dos signatários, este
deveria dar imediato conhecimento do facto ao outro e
usaria de toda a influência junto do governo português para
tentar obter idênticos privilégios para o signatário que não
tivesse sido contemplado.
38 Não obstante estas determinações, Berlim comprometia-se,
de facto, a não apoiar as pretensões boers na África do Sul,
enquanto Londres fazia depender a execução do acordo de
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um pedido formal de auxílio financeiro por parte de


Portugal, que ela própria não desejava e queria evitar a todo
o custo. Por outro lado, a Inglaterra passava a dispor de um
novo meio para persuadir, sempre que necessário, Portugal a
adequar-se à estratégia britânica na África do Sul. Nesse
sentido, compreende-se a passividade e conivência com que
encarou os contactos estabelecidos pelo governo português,
em França, para a obtenção do referido empréstimo. A única
reserva colocada pelas autoridades britânicas ao ministro
português em Londres era que, no futuro acordo com os
credores externos, não fossem mencionadas as alfândegas
coloniais que estavam na base do entendimento anglo-
alemão.
39 No dia 27 de Outubro de 1898, os ministros de Portugal em
Londres e Berlim (Marquês de Soveral e Visconde de
Pindella, respectivamente) recebem instruções do ministro
dos Negócios Estrangeiros, Veiga Beirão, para comunicar às
respectivas chancelarias que Portugal, em consonância com
o estabelecido entre ingleses e alemães, não iria dar como
garantia aos credores externos os rendimentos das
alfândegas coloniais, mas sim as do continente e ilhas
adjacentes.
40 Se para a Alemanha esta questão não beliscava as suas
pretensões na África do Sul, para Londres o problema
punha-se de forma bem diversa. A Inglaterra não estava
disposta a permitir que Portugal entregasse os rendimentos
dos Açores a uma terceira potência (França), que seria a
principal beneficiada com a assinatura do convénio com os
credores externos. Para o Foreign Office, tal atitude poderia
alterar seriamente a obrigação inglesa de defender o
território português, porque permitia a interferência directa
de uma nova potência na questão. Para mais, Londres, que
se encontrava numa óptima situação para resolver a seu
favor o diferendo com a França no Egipto, não desejava abrir
um novo conflito com esta nos Açores.
41 A acontecer, a “hipoteca” do arquipélago e a provável
construção de uma base naval francesa nas referidas ilhas
colocaria em causa o domínio britânico no Atlântico e
cortaria as ligações estratégicas da Royal Navy, sobretudo
com o Mediterrâneo40.
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42 Paralelamente, o governo inglês informa o Conde de


Hatzfeldt – ministro alemão em Londres – de que a
Inglaterra nunca aceitaria a alienação dos Açores. A atitude
britânica estava relacionada com a instalação da rede de
cabos submarinos nos Açores e o pedido alemão, efectuado
em Lisboa, para amarrar também os seus cabos no
arquipélago. No sentido de obter o controle das
comunicações interatlânticas, a Inglaterra consegue que
Portugal ceda os direitos de amarração dos referidos cabos a
uma companhia inglesa (Europe & Azores Telegraph), em
1899. Londres ficava assim numa situação privilegiada para
controlar, no futuro, as redes norte-americana e alemã no
Atlântico41. Para Portugal, esta concessão era uma
importante contrapartida para a concretização da futura
Declaração de Windsor.
43 Como veremos, as grandes potências europeias passam a
reconhecer, explicita ou implicitamente, a importância
estratégica dos arquipélagos portugueses no Atlântico Norte,
sobretudo devido à crescente rivalidade militar e naval entre
a Inglaterra e a Alemanha.

3.2. A declaração secreta de Windsor, de 14 de


Outubro de 1899
44 Concluído o acordo com a Alemanha, em 1898, a Inglaterra
passou a concentrar a sua atenção na resolução do problema
boer. Simultaneamente, o Marquês de Soveral sentiu que o
conflito anglo-transvaliano, que se começava a desenhar no
horizonte, podia contribuir para acabar de vez com a cobiça
alemã em relação ao império português e reafirmar
publicamente a aliança luso-britânica.
45 Foi com este propósito que o ministro de Portugal em
Londres começou a intensificar os seus contactos junto do
governo de Salisbury, tendo em vista a assinatura de um
acordo entre os dois países, se possível, ainda antes de se
iniciarem as hostilidades. A estratégia de Soveral nem
sempre foi coincidente com as tentativas governamentais de
implantação de uma política de “neutralidade efectiva” na
África do Sul. Esta dificultou, em muitas ocasiões, o esforço
diplomático desenvolvido em Londres para a criação de uma
plataforma de entendimento entre os dois países aliados.
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46 Durante os meses que antecederam o início da guerra anglo-


boer e por razões de política interna, José Luciano de Castro,
convencido que esta política de neutralidade era a mais
adequada à crise sul africana, procurou “agradar”, quer ao
Transval, quer à Inglaterra. Num primeiro momento, cedeu
aos protestos ingleses, retendo o trânsito de armas e
munições para a república boer através do porto de
Lourenço Marques. No entanto, bastariam as explicações
dadas pelo secretário de Estado do Transval, Willem Leyds,
para que o embargo às mercadorias fosse imediatamente
levantado. Esta dualidade de critérios desagrada
simultaneamente a Londres, que “ameaça” Portugal com a
execução do acordo anglo-germânico de 1898, e a Pretória,
que acusa Lisboa de não cumprir com o que estava
estipulado no artigo 6.º do Tratado Luso-Transvaliano de
187542. A solução mais plausível para evitar um impasse
diplomático sobre este assunto passava pela concretização
do referido entendimento entre Portugal e a Inglaterra. Só
assim se poderiam criar as condições para uma efectiva
fiscalização do trânsito de material militar que, a partir do
início das hostilidades, passaria a ser considerado como
contrabando de guerra, logo sujeito a um maior número de
medidas restritivas.
47 Luís de Soveral, uma vez obtida a autorização de Veiga
Beirão para poder aprofundar os contactos já estabelecidos,
chamou a si o processo negocial, sendo da sua autoria e
responsabilidade as diversas versões da proposta
apresentada ao governo inglês43. Soveral aproveita uma
entrevista com o primeiro-ministro inglês no dia 13 de
Setembro de 1899 para apresentar as primeiras bases das
futuras negociações. A predisposição portuguesa,
manifestada por Soveral, de uma eventual proibição do
trânsito de armas e munições para o Transval (suspensão do
conteúdo do artigo 6.º do tratado luso-transvaliano de 1875)
e da não declaração de neutralidade no mais que provável
conflito armado entre ingleses e boers, agrada ao governo
britânico. Nesse sentido, Londres cede a iniciativa do
processo a Portugal e solicita a Lisboa a apresentação de
uma proposta de entendimento. Esta é recebida com

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surpresa por José Luciano de Castro, que confessa não se


sentir em condições de satisfazer o pedido britânico.
48 No dia 28 de Setembro de 1899, o governo progressista, em
carta enviada a Soveral, justifica a sua atitude da seguinte
maneira:
“Desconhecendo este Governo quais as facilidades que o
Governo inglês nos poderia pedir e quais as concessões que
em troca poderiamos obter sobre a base da mais respeitosa
observancia da nossa soberania (...) compreenderá V. Exa.
que nestas circunstâncias não pode o Governo de sua
Magestade estar habilitado a apresentar o referido projecto,
cumprindo-lhe só manter a declaração que fez aproveitando
o interesse superior do país a ocasião de poder ser prestável
ao Governo inglês, de se achar pronto a regular as questões
que possam prever-se para o caso de rompimento de
hostilidades e esperar que sobre tal base esse Governo deseja
e concede”44.

49 A passividade desta resposta, numa altura em que era


urgente conseguir um acordo com a Inglaterra antes do
início da guerra, leva Soveral a assumir uma vez mais a
condução do processo, propondo ao governo de Londres que
o entendimento luso-britânico tivesse por base os antigos
tratados celebrados entre os dois países.
50 Enquanto se aguardava uma resposta britânica à proposta
do ministro português, o rei D. Carlos, acérrimo defensor do
reforço da aliança luso-britânica, surpreende tudo e todos ao
defender, na presença do ministro de Inglaterra em Lisboa,
Hugh Mac Donell, o envolvimento militar de Portugal no
conflito ao lado da “Velha Aliada”. Este acontecimento, para
além do choque que provocou no seio do governo, teve,
certamente, um efeito terapêutico no quebrar do impasse
negocial.
51 No dia 3 de Outubro de 1899, na tentativa de orientar o
processo negocial para a defesa do império africano
português, o Ministério dos Negócios Estrangeiros dá
instruções a Soveral para que este comunique ao governo
britânico o conteúdo dos artigos 1.º e 22.º do tratado de
1661. Aproveitando as declarações do rei D. Carlos, o
primeiro-ministro inglês refere que a proposta portuguesa
apresenta algum desfasamento temporal, dada a antiguidade
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do referido tratado, e não contempla a possibilidade de uma


aliança ofensiva dos dois países contra o Transval45.
52 O que continuava a preocupar o governo britânico era a
passagem de material de guerra para o Transval durante esta
fase, permitindo à república boer o reforço do seu poder
militar. No fundo, a alusão a uma possível entrada de
Portugal no conflito tinha como objectivo claro vincular o
governo português a um compromisso que estancasse,
definitivamente, o fluxo de mercadorias através do porto de
Lourenço Marques.
53 No dia 6 de Outubro de 1899, Lord Salisbury sugeriu a Luís
de Soveral que o compromisso entre os dois países fosse
efectuado através de uma troca de notas que incluíssem o
artigo 1.º do tratado de 1642 e o artigo secreto do tratado de
1661, no qual Londres se comprometia a defender Portugal e
as suas colónias e a não solicitar a utilização da região de
Lourenço Marques como base militar de apoio a ataques
contra os boers. Não obstante, Portugal deveria abastecer
com carvão os navios ingleses sempre que necessário.
54 Nesse mesmo dia, Veiga Beirão comunica a Soveral a
resposta favorável de Portugal às pretensões inglesas.
Confirma que a troca de notas se deve basear nos artigos
apontados por Lord Salisbury, sendo delas retirados todos
os termos inadequados ou em desuso46. Estavam criadas as
bases da Declaração de Windsor, que seria assinada oito dias
depois.
55 A 9 de Outubro – dia do envio do ultimatum boer à
Inglaterra – Salisbury informa o Marquês de Soveral que o
governo britânico considera incompatíveis, a partir daquele
momento, os tratados de 1642 e 1875. Na opinião dos
responsáveis pelo Foreign Office, o tratado de 1875,
assinado entre o Transval e Portugal passa a estar em
contradição com os antigos tratados e com os recentes
compromissos luso-britânicos. Lisboa, ao aceitar as
pretensões inglesas sobre a proibição da passagem de
material de guerra por Lourenço Marques, não podia
continuar a permitir a execução de um tratado que
legitimava precisamente esse trânsito através de território
moçambicano. Alertado por Soveral, Veiga Beirão dá
instruções ao Cônsul de Portugal em Pretória (Demétrio
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Cinatti) para insistir junto do governo transvaliano no


sentido de não se proceder a mais nenhuma importação de
material de guerra através de Moçambique. No entanto,
Veiga Beirão não deixa de manifestar a sua discordância em
relação à suposta incompatibilidade entre os dois tratados,
defendida pela Inglaterra. Para o responsável pela
chancelaria portuguesa não existia contradição entre o artigo
1.º e o artigo 6.º dos tratados de 1642 e 1875,
respectivamente, enquanto não fosse iniciada a guerra.
56 O estado de beligerância entre a Inglaterra e o Transval é
declarado a Portugal quando Lord Salisbury e o
subsecretário de Estado do Foreign Office, Francis Bertie,
comunicam a Soveral o conteúdo do ultimatum boer. Para
os dois diplomatas ingleses era a altura ideal para Lisboa
cortar definitivamente a passagem de armas e munições
através de Lourenço Marques. Nesse sentido, impunha-se a
rápida assinatura das notas acordadas no dia 6 de Outubro.
57 No dia 14 de Outubro de 1899, era finalmente assinada, em
Londres, por Luís de Soveral e Lord Salisbury a declaração
secreta de Windsor. Nela ficavam definitivamente
consignados os artigos já discutidos nos primeiros dias de
Outubro. Isto é, com base no artigo 1.º do tratado de 1642 e
no artigo secreto do tratado de 1661, a Inglaterra
comprometia-se a respeitar e defender a soberania de
Portugal e as suas colónias de eventuais inimigos e o governo
português a não deixar passar armas e munições para o
Transval e a não declarar oficialmente a neutralidade.
58 Mas tão importante como a estabilização da aliança luso-
britânica era, no sentido inverso, a redução das potenciais
possibilidades de execução do acordo anglo-alemão de
Agosto de 1898. Este era praticamente anulado por uma
declaração que assegurava a defesa da soberania de Portugal
continental e do seu império colonial africano, por parte da
Inglaterra.
59 No dia 16 de Outubro, os cônsules alemão, francês, sueco e
norueguês fazem, em Pretória, uma notificação de
neutralidade. A diplomacia portuguesa não subscreve a
atitude das chancelarias europeias, mantendo-se silenciosa.
As explicações dadas pelo cônsul português em Pretória47
não dissiparam, antes pelo contrário aumentaram, as
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dúvidas da república sul-africana sobre o futuro


comportamento de Portugal na contenda. Para as
autoridades do Transval não era difícil de imaginar que a
Inglaterra, mais tarde ou mais cedo, exigisse do seu aliado
facilidades no terreno. Por isso, o Transval vai tentar tirar o
máximo partido da incapacidade portuguesa em controlar
eficazmente o contrabando de guerra que fluía pelos portos
moçambicanos. A dissimulação dos produtos proibidos e o
suborno são algumas das tácticas utilizadas pelos boers e
pelos seus contactos europeus para escapar à vigilância da
marinha inglesa em alto mar e ao controle terrestre
efectuado pela alfândega portuguesa.
60 Isto significava que, embora o complexo processo negocial
entre a Inglaterra e Portugal estivesse concluído, a sua
aplicação prática em território moçambicano estava longe de
corresponder aos compromissos assumidos na declaração de
Windsor48.

3.3. A Consagração Pública da Aliança Luso-


Britânica (1900-1904)
61 Embora a assinatura da Declaração de Windsor tenha sido
decisiva para a manutenção do império português em África
e importante para a passagem de cerca de 5 000 soldados
ingleses pela cidade da Beira, entre Março e Junho de 1900,
com destino à Rodésia, o facto é que o seu alcance só poderia
ser explorado na totalidade após a consagração pública da
aliança luso-britânica. Daí os esforços desenvolvidos pela
chancelaria portuguesa no sentido desta se efectuar durante
a visita da Esquadra do Canal a Lisboa, em Dezembro de
1900. Após o banquete, realizado no Palácio da Ajuda, em
honra do almirante Rawson, Hintze Ribeiro (presidente do
novo ministério regenerador) e Hugh Mac Donell discursam
sobre a validade e actualidade dos tratados anteriormente
estabelecidos entre os dois países, mas não mencionam a
Declaração de Windsor.
62 A partir deste momento, Portugal procura obter da “Velha
Aliada” a publicação do acordo de 1898 e da declaração de
1899, o que não consegue, devido à complexidade que rodeia
a questão e à conveniência inglesa em manter secretos os
dois acordos.
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63 Por outro lado, a referida visita da esquadra do almirante


Rawson a Portugal, levou, também, a Alemanha a interrogar
o governo inglês sobre a exequibilidade da convenção anglo-
germânica, à luz das declarações feitas em Lisboa. Fiel à
estratégia traçada, o Marquês de Lansdowne (novo
responsável pelo Foreign Office) informou o ministro
alemão em Londres que os discursos proferidos não punham
em causa o entendimento com Berlim, reportando-se
exclusivamente aos tratados anteriormente assinados com
Portugal.
64 A consolidação da cooperação luso-britânica passou também
pela assinatura do Modus Vivendi entre Moçambique e o
Transval, em Dezembro de 190149. Este tinha como objectivo
imediato restabelecer os circuitos comerciais existentes
entre Moçambique e o Transval, antes do início da guerra. A
economia da colónia portuguesa, em geral, e a de Lourenço
Marques, em particular, haviam sido bastante prejudicadas
pela fiscalização do contrabando de guerra efectuada no
porto e pelas apreensões realizadas pela marinha inglesa em
alto mar. O que Portugal pretendia com a assinatura do
acordo era criar condições para que Moçambique, na sua
ligação com o Transval, agora uma colónia inglesa, pudesse
suportar a forte concorrência das colónias do Cabo e do
Natal. Vão nesse sentido os esforços realizados por Lisboa no
planeamento e na reorganização das infra-estruturas
existentes (melhoramento dos portos e caminhos-de-ferro
moçambicanos).
65 O Modus Vivendi durará 8 anos, mais precisamente até ao
dia 1 de Abril de 1910, data em que Portugal e a colónia
inglesa do Transval assinam um tratado definitivo que
encerrava o longo período de transição, iniciado em 1902.
66 Este clima de entendimento entre Portugal e a Inglaterra
seria reforçado com a visita do rei Eduardo VII de Inglaterra
a Lisboa, em Abril de 1903. Com efeito, já em Lisboa, o
monarca britânico, em resposta à mensagem enviada pela
Câmara dos Pares do Reino, refere o carácter secular da
aliança luso-britânica, realçando a importância que a sua
renovação tem para o futuro dos dois países e das suas
colónias na África austral.

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67 Note-se que desta vez foi o próprio Eduardo VII a fazer


publicamente estas declarações, compensando, desta forma,
os múltiplos esforços empreendidos pela diplomacia
portuguesa para que a reaproximação entre os dois países
fosse uma realidade.
68 Finalmente, o Tratado de Arbitragem Luso-Britânico,
assinado por D. Carlos em Inglaterra, durante a visita que
efectuou àquele país a 16 de Novembro de 1904, é o coroar
de um conjunto de acções desenvolvidas durante os anos de
1899-1904 para a total consolidação da aliança luso-
britânica. Este tratado, também assinado em Windsor,
encontra-se na sequência lógica dos compromissos
assumidos pelos dois países com a declaração de 1899 e o
Modus Vivendi de 1901. O preâmbulo do tratado é muito
claro a este respeito. As duas nações confirmam as
disposições dos tratados a que se encontram obrigadas e
comprometem-se a submeter à arbitragem quaisquer
discordâncias que possam surgir entre ambas. O longo
processo de reaproximação entre a Grã-Bretanha e Portugal
– iniciado com o tratado de 1891 – fica, durante este ano de
1904, perfeitamente consolidado.

4. A viragem para o Atlântico


4.1. A importância estratégica dos arquipélagos
dos Açores e da Madeira
69 A importância estratégica dos Açores surge, como vimos, no
contexto das negociações de Portugal com os credores
externos, em 1898. Mas rapidamente se vai tornar,
conjuntamente com a Madeira, num dos pontos fulcrais da
rivalidade militar e naval anglo-alemã.
70 No caso do arquipélago madeirense, a Alemanha obtém, em
1903, autorização do governo português para construir na
ilha um sanatório para tuberculosos50, o que provoca uma
forte reacção da comunidade britânica ali estabelecida. Esta
detinha na Madeira uma posição económica extremamente
forte, pertencendo-lhe o monopólio de vários tipos de
fornecimento de materiais a navios (por exemplo, o carvão) e

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outras actividades económicas ligadas ao comércio de


exportação51.
71 A criação do sanatório era entendida por Londres como uma
forma da Alemanha dominar progressivamente a ilha,
criando facilidades para as movimentações da sua esquadra
do Mar do Norte. O governo imperial só recua quando
percebe que a sua insistência junto do governo português
está a atirar Portugal para os braços da “Velha Aliada”,
acérrima defensora da manutenção do status quo nos Açores
e na Madeira. Este episódio e o pedido alemão, em 1906, de
obtenção de um depósito de carvão no porto açoriano da
Horta revela a necessidade que a Alemanha tinha de
encontrar pontos estratégicos para a sua jovem esquadra. No
entanto, todas estas tentativas esbarraram na intransigência
britânica em não permitir que outra potência pudesse
usufruir de facilidades nos dois arquipélagos portugueses.
Tal é a importância dos Açores e da Madeira nestes
primeiros anos do século XX que a Inglaterra renova
constantemente o pedido de “facilidades” sempre que é
nomeado um novo ministro dos Negócios Estrangeiros em
Lisboa.
72 Apesar das garantias dadas por Portugal à Inglaterra, a
Alemanha decide enviar, em 1908, um importante
contingente naval para os Açores e para as Canárias.
Portugal ainda tenta demover os alemães, alegando um surto
de peste na Ilha Terceira, mas, perante a determinação
germânica, consulta Londres se deve criar ou não um
depósito de carvão para abastecer a esquadra alemã. A visita
acabou por se realizar, mas foi sempre controlada de perto
por várias unidades da Royal Navy52.
73 Como vimos, não menos importante que estas iniciativas
são, desde o início da década de 90 do século XIX, as
tentativas de obter concessões para instalação dos cabos
submarinos no arquipélago dos Açores, por parte,
sobretudo, da Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos da
América. Alemães e norte-americanos conseguem amarrar
os seus cabos na ilha do Faial, mas o seu funcionamento
depende directamente da Inglaterra, detentora do
monopólio de instalação dos cabos na ilha, desde 1899.

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74 A partir deste momento e até ao fim da Monarquia


portuguesa, Londres irá sempre encarar com desconfiança
qualquer tipo de iniciativa alemã em relação aos dois
arquipélagos atlânticos. A sua importância estratégica
adquire maior amplitude durante a I Grande Guerra,
sobretudo na evolução da guerra naval e no controle das
comunicações interatlânticas.
75 Se a aliança luso-britânica funcionava em pleno no
Atlântico, a diplomacia portuguesa sentiu alguma
intranquilidade perante a aproximação entre Espanha e
Inglaterra no Mediterrâneo, sobretudo após a Conferência
de Algeciras, de 1906. A partir da subida ao poder de Afonso
XIII, Madrid abandona a sua política de isolacionismo,
motivada pela perda do seu império latino-americano53, e
procura integrar-se na política europeia. Vão nesse sentido
os acordos franco-espanhol (1904) e franco-britânico (1907)
sobre o Mediterrâneo. O encontro de Cartagena, entre
Eduardo VII e Afonso XIII levantou suspeitas em Lisboa
sobre uma eventual aliança entre a Espanha e a Inglaterra
em detrimento da aliança luso-britânica. A acontecer este
cenário, o papel estratégico de Portugal na Europa e o
compromisso de defesa do seu território continental por
parte da “Velha Aliada”, ficariam fragilizados perante o
reforço da posição espanhola no contexto europeu. Apesar
dos laços de amizade e cooperação que unem os dois países,
Lisboa não se coíbe de solicitar a Londres “uma confirmação
formal da aliança e a assinatura de um acordo de
cooperação militar (...)”54. O governo britânico desmente a
existência de uma aliança com a Espanha, mas não dá
seguimento ao pedido português para não ensombrar as
boas relações com Madrid. Esta “limitação” de uma das
vertentes da aliança, mais aparente do que real, vai manter-
se, pelo menos, até ao eclodir da I Grande Guerra, onde a
cooperação militar com a Inglaterra será uma realidade.

Conclusão
76 A história da política externa portuguesa entre a segunda
metade do século XIX e a implantação da República é, como
vimos, essencialmente a história das relações luso-

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britânicas. Apenas uma vez, Portugal, através de Barros


Gomes, tentou desenvolver uma política externa fora dos
quadros da aliança com a Inglaterra, com os resultados
negativos que são conhecidos. O Ultimatum de 1890 e o
tratado que lhe seguiu, em 1891, marcou o imaginário
colectivo português durante muitos anos e possibilitou a
progressiva normalização das relações entre os dois países.
77 A política externa seguida pelos vários governos
monárquicos e o empenhamento do marquês de Soveral vão,
progressivamente, levar Portugal novamente para o seio da
secular aliança.
78 A guerra anglo-boer de 1899-1902 surge como a grande
oportunidade para uma pequena potência colonial, como era
Portugal, obter da Inglaterra o claro compromisso de defesa
da integridade do império colonial português, a troco de
algumas vantagens em Moçambique. Por outro lado, este
entendimento entre portugueses e ingleses inviabiliza a
execução prática do acordo anglo-germânico de partilha das
colónias africanas de Portugal.
79 A guerra anglo-boer, os acordos e as declarações públicas
que se lhe seguiram marcam definitivamente a revitalização
da aliança, permitindo a Portugal entrar no século XX
perfeitamente enquadrado pela sua velha aliada. Nem
mesmo a mudança de orientação da política externa
portuguesa de África para o Atlântico e a aproximação anglo-
espanhola no Mediterrâneo alterou esta realidade.

Notes
1. João de Andrade Corvo foi ministro dos Negócios Estrangeiros dos
governos regeneradores de Fontes Pereira de Melo em 1871-77 e em
1878-79. Foi também, por diversas vezes, ministro da Marinha e do
Ultramar.
2. Ministro de Inglaterra em Lisboa.
3. Cf. António José Telo, Lourenço Marques na Política Externa
Portuguesa 1875-1900, 1991, pp. 35-40; Eric Axelson, Portugal and the
scramble for Africa 1875-1891, 1967, pp. 20-37 e José Gonçalo Santa
Rita, O tratado de Lourenço Marques de 30 de Maio de 1879 e a política
portuguesa, 1957.
4. Sobre os protestos gerados em torno do tratado de 1879 e consequente
discussão na Câmara dos Pares do Reino e Câmara dos Deputados, veja-
se José Gonçalo Santa Rita, Ob. cit., 1957, pp. 9-25.
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5. Sobre o tratado de 1884, veja-se Marcello Caetano, Portugal e a


internacionalização dos problemas africanos, 1971, pp. 89-98.
6. A delegação portuguesa presente em Berlim era composta pelo
marquês de Penafiel (ministro de Portugal naquela cidade), Serpa
Pimentel e Luciano Cordeiro (delegado técnico do encontro).
7. Sobre a Conferência de Berlim, vejam-se as obras de Marcello
Caetano, Ob. cit., 1971, pp. 98-117; António José Telo, Ob. cit., 1991, pp.
63-67; Eric Axelson, Ob. cit., 1967, pp. 64-83; Luís Vieira de Castro, “A
Conferência de Berlim e seus efeitos imediatos”, in António Baião,
História da Expansão Portuguesa no Mundo, 1937, pp. 335-344 e
Thomas Pakenham, The scramble for Africa, 1992, pp. 200-217.
8. Membro do primeiro ministério, liderado por José Luciano de Castro
Pereira Corte Leal, que governou Portugal entre 20 de Fevereiro de 1886
e 14 de Janeiro de 1890.
9. António José Telo, Ob. cit., 1991, p. 70.
10. Cf. Marcello Caetano, Ob. cit., 1971, pp. 120-125.
11. Ibidem, pp. 125-128; António José Telo, Ob. cit., 1991, pp. 75-77.
12. Cf. R. J. Hammond, Portugal and Africa 1815-1910. A study in
uneconomic imperialism, 1966, pp. 224-244; António José Telo, Ob. cit.,
1991, pp. 42-47.
13. Lisboa anulou a concessão através do decreto de 25 de Junho de
1889.
14. Sobre a história da construção do caminho-de-ferro entre Lourenço
Marques e Pretória e a sua importância económica para a região, cf.
António José Telo, Ob. cit., 1991.
15. Idem, p. 76.
16. Ibidem, p. 92.
17. Ibidem, pp. 104-105; John Lowe, The Great Powers, Imperialism
and the German Problem, 1865-1925, 1994, pp. 44-73.
18. Sobre o conflito anglo-francês – mais conhecido pelo episódio de
Fashoda – em Setembro de 1898, veja-se: James Morris, Farewell the
Trumpets. An imperial retreat, 1979, pp. 33-47; P. J. Cain e A. G.
Hopkins, British Imperialism. Inovation and expansion 1688-1914,
1993, pp. 362-368.
19. António José Telo, Ob. cit., 1991, pp. 92-93.
20. Idem, pp. 97-103.
21. Ibidem, pp. 107-110; Marcello Caetano, Ob. cit., 1971, pp. 135-140;
Nuno Severiano Teixeira, “Política externa e política interna no Portugal
de 1890: o Ultimatum inglês”, in Análise Social, 1987, p. 693.
22. António José Telo, Ob. cit., 1991, pp. 108-109.

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23. Ibidem, p. 109. Para a nota inglesa, cf. Armando Marques Guedes, A
Aliança Inglesa. Notas de História Diplomática 1383-1943, 1943, pp.
455-456.
24. António José Telo, Ob. cit., 1991, p. 109.
25. Idem, p. 110.
26. O texto dizia o seguinte: “O Governo de S. M. não pode aceitar como
satisfatórias ou suficientes, as seguranças dadas pelo Governo
português tais como ele as interpreta. O cônsul interino de S. M. em
Moçambique telegrafou, citando o próprio major Serpa Pinto, que a
expedição estava ainda ocupando o Chire e que Katunga e outros
lugares mais no território dos macololos iam ser fortificados e
receberiam guarnições. O que o Governo de S. M. deseja e em que
insiste é o seguinte:
Que se enviem ao governador de Moçambique instruções telegráficas
imediatas para que todas e quaisquer forças militares portuguesas
actualmente no Chire e nos países macololos e machonas se retirem. O
Governo de S. M. entende que sem isto as seguranças dadas pelo
Governo Português são ilusórias.
Mr. Petre ver-se-á obrigado, à vista das suas instruções, a deixar
imediatamente Lisboa com todos os membros da sua legação se uma
resposta satisfatória à precedente intimação não for por ele recebida
esta tarde; e o navio de S. M. Enchantress está em Vigo esperando as
suas ordens.”, in Marcello Caetano, Ob. cit., 1971, p. 139.
27. Cf. Nuno Severiano Teixeira, Ob. cit., 1987, p. 694. As reacções
moçambicanas ao Ultimatum encontram-se na obra de René Pélissier,
História de Moçambique. Formação e oposição (1854-1918), vol. II,
1988, pp. 55-59.
28. Sobre a reacção interna dos partidos políticos e da opinião pública
portuguesa, veja-se Nuno Severiano Teixeira, Ob. cit., 1987, pp. 697-718;
Fernando José Grave Moreira, José Luciano de Castro. Itinerário,
pensamento e acção política, 1992, pp. 254-269. Para um melhor
conhecimento da posição do Partido Republicano sobre esta questão,
veja-se, também, Fernando Catroga, O Republicanismo em Portugal –
Da formação ao 5 de Outubro de 1910, vol. I, 1991, pp. 114-135.
29. A acção de Henrique de Barros Gomes, enquanto ministro dos
Negócios Estrangeiros, terminou com a queda do governo progressista
de José Luciano de Castro, em 14 de Janeiro de 1890 (três dias depois do
Ultimatum).
30. Marcello Caetano, Ob. cit., 1971, pp. 141-142.
31. Luís de Soveral é nomeado ministro de Portugal em Londres por
Barbosa do Bocage, novo ministro dos Negócios Estrangeiros, do
governo de João Crisóstomo de Abreu e Sousa, que governa o país entre
14 de Outubro de 1890 e 25 de Maio de 1891. O novo representante

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português vai ter um papel determinante não só nas negociações com a


Inglaterra, como também nas futuras relações diplomáticas entre os dois
países.
32. António José Telo, Ob. cit., 1991, p. 123. Sobre o conteúdo do Modus
Vivendi, veja-se Armando Marques Guedes, Ob. cit., 1943, p. 462.
33. Sobre o texto do tratado, vejam-se as três obras de José de Almada,
Tratados aplicáveis ao ultramar, vol. V, 1943, pp. 35-47; A aliança
inglesa. Subsídios para o seu estudo, vol. I, 1946, pp. 279-288 e Tratado
de 1981, 1947. Leia-se, também, a análise das cláusulas do tratado, feita
por Marcello Caetano, em Ob. cit., 1971, pp. 147-154. Como
complemento, aconselhamos a consulta de Eric Axelson, Ob. cit., 1967,
pp. 201-298 e Rui Ramos, A Segunda Fundação 1890-1926, vol. VI da
História de Portugal (dir. José Mattoso), 1994, pp. 141-144.
34. Veja-se António José Telo, Ob. cit., 1991, p. 128.
35. Marcello Caetano, Ob. cit., 1971, p. 153.
36. Idem, p. 147; António José Telo, Ob. cit., 1991, p. 128.
37. Para um melhor conhecimento da acção política de Chamberlain à
frente do Colonial Office, cf. Denis Judd, Radical Joe. A life of Joseph
Chamberlain, 1993, pp. 183-215.
38. Com a saída voluntária de Lord Salisbury (em claro desacordo com
os termos do acordo anglo-germânico), Balfour torna-se o responsável
pelo Foreign Office. Cf. Jason Tomes, Balfour and Foreign Policy. The
international thought of a Conservative statesman, 1997.
39. Cf. Marcello Caetano, Ob. cit., 1971, pp. 174-180; Mémoirs du
chancelier prince de Bulow, vol. I, s.d., pp. 216-228; A. N. Porter, The
Origins of the South African War. Joseph Chamberlain and the
diplomacy of imperialism, 1980, pp. 152-174; J. A. S. Grenville, Lord
Salisbury and Foreign Policy in the close of the Nineteenth Century,
1964, pp. 177-198; Andrew Roberts, Salisbury. Victorian titan, 1999, pp.
695-696; Pierre Dubois, “Le traité anglo-allemand du 30 août 1898
relatif aux colonies portugaises”, in Revue d’Histoire de la Guerre
Mondiale, 1939, pp. 232-246.
40. António José Telo, Os Açores e o controlo do Atlântico (1898-1948),
Lisboa, Edições Asa, 1993, pp. 26-31.
41. Idem, p. 174.
42. AHD/MNE – Secretaria de Estado. Consulado de Portugal em
Pretória, cx. 971.
43. PRO/FO 179, vol. 342, 1899, p. 306.
44. AHD/MNE – Secretaria de Estado. Telegrama 281, cx. 970.
45. PRO/FO 179, vol. 342, 1899, p. 338.
46. AHD/MNE – Gabinete do Ministro, n.º 493-E.

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47. AHD/MNE – Secretaria de Estado. Guerra Anglo-boer, cx. 971.


48. Fernando Costa, Portugal e a Guerra Anglo-boer. Política Externa e
Opinião Pública 1899-1902, 1998, pp. 161-202.
49. Idem, pp. 192-202.
50. António José Telo, Ob. cit., 1993, pp. 49-52.
51. Nuno Severiano Teixeira, O Poder e a Guerra 1914-1918. Objectivos
Nacionais e Estratégias Políticas na Entrada de Portugal na Grande
Guerra, 1996, p. 79.
52. António José Telo, Ob. cit., 1993, p. 52.
53. Sebastian Balfour, El fin del Imperio Español 1898-1923, 1997.
54. Nuno Severiano Teixeira, Ob. cit., 1996, pp. 82-83.

Author

Fernando Costa

Técnico superior no Arquivo de


Fotografia de Lisboa do Centro
Português de Fotografia e membro
do Instituto de História
Contemporânea da Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa, da
Associação dos Amigos do Arquivo
Histórico-Diplomático do
Ministério dos Negócios
Estrangeiros e da Associação
Portuguesa de História das
Relações Internacionais.
Defendeu a sua tese de Mestrado
em História Contemporânea na
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Faculdade de Ciências Sociais e


Humanas da Universidade Nova
de Lisboa, subordinada ao tema:
Portugal e a Guerra Anglo-Boer.
Política Externa e Opinião
Pública, 1899-1902. Para além da
publicação da referida tese na
Cosmos, é também autor de alguns
estudos, dos quais se destacam:
“Do ultimatum à I República”, in
História, ano XXIII, (III Série),
n.º 32, Janeiro de 2001, pp. 18-25;
Os Descobrimentos no Imaginário
Juvenil, 1850-1950 (em co-autoria
com Maria Cândida Proença e Luís
Vidigal), Lisboa, Comissão
Nacional para as Comemorações
dos Descobrimentos Portugueses,
2000; “A Aliança Luso-Britânica
nas vésperas da Guerra Anglo-
Boer (1899-1902): A Declaração de
Windsor de 1899”, in História,
ano XXI (Nova Série), n.º 18,
Outubro de 1999, pp. 18-26;
“Portugal e a Guerra Anglo-Boer
(1899-1902)”, in História, ano XIX
https://books.openedition.org/cidehus/3540?lang=en 31/32
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(Nova Série), n.º 35, Outubro de


1997, pp. 60-69.
By the same author

O acolhimento de estudantes
timorenses na Universidade de
Aveiro: uma reflexão partilhada
in COOPEDU IV — Cooperação
e Educação de Qualidade,
Centro de Estudos
Internacionais, 2019
© Publicações do Cidehus, 2001

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COSTA, Fernando. A Política Externa: do Ultimatum à República In:
Diplomacia & Guerra: Política externa e política de defesa em Portugal
do final da monarquia ao marcelismo [online]. Évora: Publicações do
Cidehus, 2001 (generated 11 novembre 2021). Available on the Internet:
<http://books.openedition.org/cidehus/3540>. ISBN: 9791036514050.
DOI: https://doi.org/10.4000/books.cidehus.3540.

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MARTINS, Fernando (ed.). Diplomacia & Guerra: Política externa e
política de defesa em Portugal do final da monarquia ao marcelismo.
New edition [online]. Évora: Publicações do Cidehus, 2001 (generated 11
novembre 2021). Available on the Internet:
<http://books.openedition.org/cidehus/3525>. ISBN: 9791036514050.
DOI: https://doi.org/10.4000/books.cidehus.3525.
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