Você está na página 1de 66

POLÍTICA EXTERNA

BRASILEIRA
AULA 1

Profª Thaíse Kemer


CONVERSA INICIAL

A política externa do período imperial e seus antecedentes

Esta aula trata, em primeiro lugar, do processo de definição territorial no


Brasil Colônia, com destaque para os Tratados de Tordesilhas (1494) e de
Madrid (1750). O segundo tópico trata das consequências da vinda da Corte
portuguesa para o Brasil, em termos econômicos e políticos. O terceiro tópico
compreende os primeiros anos do período regencial e do Império, com destaque
para a política externa do Brasil no contexto da Bacia do Prata. O quarto tópico
trabalha as principais características da Política Externa Brasileira do segundo
Império e, por fim, o quinto tópico aprofunda a Guerra do Paraguai e seus
desdobramentos para a política exterior do Brasil.

TEMA 1 – DEFINIÇÃO TERRITORIAL NO BRASIL COLÔNIA

Para compreender a formação territorial do Brasil, dois tratados devem


ser destacados: (1) o Tratado de Tordesilhas e; (2) o Tratado de Madrid. O
Tratado de Tordesilhas foi assinado em 1494 pelos reis de Portugal e da
Espanha. Ele estabeleceu a criação de uma linha reta, situada a 370 léguas
das Ilhas de Cabo Verde, que atribuiu as terras localizadas a leste dessa
linha a Portugal e as terras a oeste dessa linha à Espanha. Ao longo do
tempo, no entanto, os portugueses ultrapassaram a linha de Tordesilhas. Entre
os fatores que contribuíram para tanto estão:

1. a dificuldade para a marcação dos limites territoriais;

2. os interesses econômicos e estratégicos de Portugal;

3. a atuação de bandeirantes e de missionários.

Nesse contexto, em 1680, os portugueses fundaram a Colônia de


Sacramento, na margem esquerda do Rio da Prata. A Colônia de Sacramento
localiza-se quase em frente à cidade argentina de Buenos Aires, um importante
porto para o Império espanhol. Assim, essa localização era estratégica para os
espanhóis e para os portugueses, pois:

1. os espanhóis desejavam controlar o estuário do Rio da Prata e;


2. os portugueses tinham interesse tanto no contrabando que passava pela
região quanto na ampliação do território português.

Com a superação, na prática, do Tratado de Tordesilhas, tornou-se


necessário negociar um novo tratado entre Espanha e Portugal. Assim,
elaborou-se, em 1750, o Tratado de Madrid. Esse tratado teve como um de seus
principais negociadores Alexandre de Gusmão, representante do Império
português. Para negociar o Tratado de Madrid, Alexandre de Gusmão percebeu:

1. a importância estratégica da Colônia de Sacramento e;

2. a grande expansão territorial portuguesa.

Assim, Gusmão trabalhou para que Portugal cedesse a Colônia de


Sacramento à Espanha para que a Espanha concordasse com uma nova divisão
territorial na América. Além disso, Portugal recebeu, também, os Sete Povos das
Missões, localizado no norte do Rio Grande do Sul.
O Tratado de Madrid estabeleceu duas referências importantes para a
definição de limites:

1. o princípio do uti possidetis, segundo o qual a ocupação da terra é


condição necessária para que haja a propriedade sobre esta e;

2. a demarcação de limites deveria seguir as divisões naturais do território,


como rios e montanhas.

Assim, o Tratado de Madrid teve um papel central na consolidação da


forma atual do território brasileiro.

TEMA 2 – A CORTE NO BRASIL

Em 1806, Napoleão decretou o Bloqueio Continental à Inglaterra, o que,


na prática, proibiu os países europeus de fazerem comércio com esse país.
Como Portugal mantinha fortes laços com a Inglaterra, Portugal decidiu transferir
a Corte para o Brasil e, assim, distanciar-se das imposições da França. Essa
mudança trouxe importantes consequências para a vida na colônia:

1. do ponto de vista administrativo, os órgãos burocráticos de Portugal


passaram a funcionar no Rio de Janeiro;

3
2. do ponto de vista comercial, em 1808, Portugal decretou a abertura dos
portos às nações amigas, o que pôs fim ao monopólio comercial de
Portugal com sua colônia na América.

Além disso, em 1810, Portugal e Inglaterra assinaram os Tratados de


Aliança e Amizade e de Comércio e Navegação, os quais estabeleceram uma
tarifa de 15% para os produtos ingleses, 24% para os demais países e de 16%
para Portugal.
Assim, os tratados de 1810 concederam privilégios ao governo britânico,
haja vista que a Inglaterra pagava tarifas mais baixas do que outros países.
Porém, os privilégios ingleses não se limitavam ao comércio, pois a Inglaterra
podia, por exemplo, atracar navios de guerra em portos portugueses e, além
disso, os acordos de 1810 previram a gradual abolição do comércio negreiro.
Assim, se, por um lado, a mudança para a América trouxe o fim do monopólio
comercial ao território que seria o Brasil, por outro, essa mudança veio
acompanhada de grande influência dos ingleses no Brasil.
No âmbito territorial, a transferência da Corte também trouxe mudanças
tanto ao norte quanto ao sul do Brasil. No contexto da região norte, franceses e
portugueses divergiam sobre a localização do limite entre seus territórios (No
século XVII, por exemplo, a França fundou a Guiana Francesa, vizinha ao Brasil
e cuja capital era Caiena), de forma que buscaram resolver a questão por meio
de diferentes tratados. Porém, em razão das Guerras Napoleônicas, em 1808,
D. João declarou a nulidade desses tratados. Em 1809, a França invadiu
Portugal, e, em represália à França, Portugal ordenou, no mesmo ano, a
ocupação de Caiena, a qual foi restituída à França somente em 1817 (Garcia,
2005, p. 42).
As Guerras Napoleônicas também influenciaram o sul da América, pois a
França assumiu o trono espanhol, e, com o enfraquecimento da Espanha, houve
a ampliação dos movimentos de independência na América espanhola. Nesse
contexto, na Banda Oriental do Uruguai (atual Uruguai), havia uma guerra civil
que opunha:

1. os espanhóis, que ocupavam a capital Montevidéu e;

2. o movimento pela independência uruguaia, que vinha do campo, era


liderado por José Artigas e contava com o apoio de Buenos Aires (Góes
Filho, 2015, p. 277).

4
O Brasil estava descontente com essa guerra civil, pois Artigas tinha
interesse no território de Sete Povos das Missões, e esse interesse poderia levar
a disputas com o Brasil (Souza citado por Góes Filho, 2015, p. 277). Esse
contexto fez que Portugal invadisse a Banda Oriental do Uruguai em 1811 e em
1817. A segunda invasão levou Portugal a derrotar Artigas em 1820. Em 1821,
Portugal anexou a Banda Oriental com o nome de Província Cisplatina.
No contexto da Revolução Liberal em Portugal1, D. João VI retornou a
Portugal em 1820, e seu filho, D. Pedro, ficou como príncipe regente no Brasil.
Em 1822, o príncipe proclamou a independência do Brasil e tornou-se D. Pedro
I, Imperador do Brasil.

Saiba mais

Em 1820, ocorreu, em Portugal, a Revolução Liberal. De acordo com


Fausto (2012, p. 112), essa revolução tinha um caráter contraditório: por um lado,
era liberal, pois estava baseada em ideias iluministas e considerava a monarquia
absoluta um regime ultrapassado; por outro, queria que o Brasil voltasse a ser
totalmente subordinado a Portugal.

TEMA 3 – PRIMEIROS ANOS DE IMPÉRIO E PERÍODO REGENCIAL

Com a proclamação da independência, o reconhecimento dessa


independência passou a ser uma meta fundamental do governo do Brasil. Para
isso, segundo Cervo e Bueno (2010, p. 32), o Brasil tinha a “disposição de ceder
favores e benefícios, sobretudo econômicos, com que se pretendia apressar o
reconhecimento”. Assim, o Brasil ofereceu vantagens comerciais a outros países
para obter esse reconhecimento.
Portugal reconheceu a independência do Brasil em 1825. Esse
reconhecimento contou com a mediação da Inglaterra. Com essa mediação, o
Brasil obteve o reconhecimento de Portugal mediante a satisfação das seguintes
condições:

1. D. João tornou-se Imperador do Brasil;

2. O Brasil prometeu não se unir a colônias portuguesas na África e;

1 Em 1820, ocorreu, em Portugal, a Revolução Liberal. De acordo com Fausto (2012, p. 112),
essa revolução tinha um caráter contraditório: por um lado, era liberal, pois estava baseada em
ideias iluministas e considerava a monarquia absoluta um regime ultrapassado; por outro, queria
que o Brasil voltasse a ser totalmente subordinado a Portugal.
5
3. o Brasil pagaria a Portugal uma indenização de 2 milhões de libras
esterlinas.

Após o reconhecimento da independência, Brasil e Inglaterra assinaram


os seguintes tratados:

1. em 1826, uma Convenção (ou seja, um Tratado Internacional) segundo a


qual o Brasil se comprometeu a cessar todo tráfico negreiro a partir de
março de 1830 (Vidigal; Doratioto, 2014, p. 10);

2. em 1827, o Tratado de Amizade, Navegação e Comércio, que teria


validade de 15 anos e previa privilégios aduaneiros à Inglaterra, como um
imposto de importação de 15% e a promessa de que qualquer vantagem
comercial que o Brasil fizesse a outro país seria estendida à Inglaterra
(Vidigal; Doratioto, 2014, p. 10).

Nos anos seguintes, o Brasil fez tratados comerciais com outros países,
o que propagou as baixas tarifas comerciais da Inglaterra. Isso significou a
“universalização dos tratados desiguais”, pois o Brasil oferecia baixas tarifas de
importação, mas os produtos brasileiros não recebiam os mesmos benefícios.
No âmbito regional, destacou-se a Guerra da Cisplatina. Em 1825, a
Província Cisplatina, território que havia sido anexado por Portugal em 1821, foi
incorporada pelas Províncias Unidas do Rio da Prata, cuja capital é Buenos
Aires. Em consequência, em 1825, Portugal declarou guerra às Províncias
Unidas. Essa guerra exauriu os brasileiros e os argentinos, em termos políticos
e em termos econômicos. Assim, em 1828, a Inglaterra, incomodada com os
prejuízos comerciais decorrentes da guerra, mediou um acordo preliminar de paz
entre o Brasil e as Províncias Unidas. Por meio desse acordo, o Uruguai tornou-
se independente.
Em 1831, ocorreu a abdicação de D. Pedro I em favor de seu filho que, na
época, tinha cinco anos. Entre os fatores que contribuíram para a abdicação de
D. Pedro I, estão:

1. o fato de o Brasil ter cedido à Inglaterra na questão do tráfico negreiro, no


contexto do tratado de 1826;

2. o envolvimento de D. Pedro I na guerra civil travada na sucessão do trono


português;

3. a perda da Província da Cisplatina;

6
4. a maior proximidade de D. Pedro I dos membros do “partido português”.

Saiba mais

No contexto do Primeiro Reinado, Fausto (2012, p. 113) destaca que a


expressão “partido” refere-se a uma “corrente de opinião”, e não à noção
institucionalizada de partido que é utilizada na contemporaneidade. Nesse
sentido, enquanto o partido português desejava que D. João VI retornasse a
Portugal, o partido brasileiro defendia a permanência desse monarca no Brasil
(idem). Ao longo do Segundo Reinado, esses “partidos” adotaram
posicionamentos diferentes quanto à condução da política nacional.

Na Regência (1831 a 1840), o Brasil experimentou um período de


fragilidade política, em razão de revoltas regionais contra o poder central, e
financeira, em razão dos tratados comerciais desiguais. No que se refere ao
tráfico de escravos, em 1830, entrou em vigor a proibição do tráfico de escravos
decorrente da Convenção de 1826. Em 1831, o Brasil editou a Lei Feijó, uma lei
nacional para proibir o tráfico. No entanto, essa lei foi ineficaz e o tráfico de
escravos continuou ocorrendo no Brasil. No que se refere aos países banhados
pela Bacia do Prata, verificou-se, nesse período, a neutralidade da política
externa brasileira, pois, no contexto de dificuldades econômicas, o Brasil deu
prioridade à contenção das revoltas internas, entre as quais a Revolução
Farroupilha (1835 - 1845).

TEMA 4 – SEGUNDO IMPÉRIO (1840 – 1889)

O Segundo Império foi caracterizado por uma Política Externa Brasileira


mais autônoma com relação ao período regencial. Essa autonomia esteve
relacionada ao fim do sistema de tratados desiguais, dado que, em 1844, foi
instituída a Tarifa Alves Branco. De acordo com Garcia (2005, p. 67), essa
medida teve caráter protecionista, pois elevou as tarifas aduaneiras sobre as
importações – de 15 a 20% para a maioria dos produtos, e de até 60% para
produtos com similar nacional. Além disso, o Tratado Comercial de 1827 com a
Grã-Bretanha, que venceria em 1842, foi renovado somente por mais dois anos,
até 1844 (Vidigal; Doratioto, 2014, p. 18). Os demais tratados comerciais
desiguais que o Brasil havia assinado com outros países europeus também
venceram em 1845, e tampouco foram renovados (Idem). Ainda em 1845, o
7
Brasil informou à Inglaterra que a Convenção de 1826, relativa ao tráfico
negreiro, não teria mais validade para o território nacional (Idem). Em resposta
ao Brasil, a Inglaterra criou, em 1845, a lei Bill Aberdeen, que autorizou a Marinha
inglesa a apreender navios negreiros, mesmo que estivessem em águas
territoriais brasileiras. Em 1850, o Brasil promulgou a Lei Eusébio de Queirós, a
qual proibiu o tráfico de escravos no Brasil. Segundo Vidigal e Doratioto (2014,
p. 22), ao contrário da Lei Feijó, de 1831, a Lei Eusébio de Queirós teve êxito
em acabar com o tráfico de escravos no Brasil, pois, em 1850, o governo
brasileiro dispunha de recursos para impor suas decisões. Além disso, no
segundo Reinado, teve início a modernização da economia brasileira. Essa
modernização utilizou empréstimos da Inglaterra e, também, a renda obtida do
setor cafeeiro, que, a partir de 1860, gerou excedentes comerciais.
No tocante às fronteiras nacionais, na década de 1850, cidadãos dos EUA
pressionaram o Brasil para que houvesse a abertura do Rio Amazonas à
navegação internacional. De acordo com Vidigal e Doratioto (2014, p. 23), o líder
dessa campanha foi Mathew Maury, tenente reformado da Marinha dos EUA,
que desejava a transferência de escravos do Sul dos EUA para atuarem no
cultivo de algodão na região Amazônica. Contudo, essa medida ofereceria o
risco de os EUA ocuparem a Amazônia. Assim, as seguintes medidas foram
adotadas pelo Brasil para evitar a ocupação estrangeira na região:

1. criação de uma companhia brasileira de navegação, que teria


exclusividade de comércio e de navegação;

2. em 1853, o Brasil elaborou uma Convenção para conceder a navegação


do Rio Amazonas aos países ribeirinhos superiores, de forma a evitar que
eles apoiassem aventureiros na região (Vidigal; Doratioto, 2014, p. 23);

3. o Brasil protelou a abertura do Rio Amazonas, de forma a reduzir o risco


de dominação estrangeira;

4. o Brasil utilizou o princípio do uti possidetis para definir suas fronteiras


com seus vizinhos do Norte. Assim, o Brasil estabeleceu fronteiras com o
Peru, em 1851, com a Colômbia, em 1853, e com a Venezuela, em 1859;

5. em 1866, o Brasil decretou a abertura incondicional do Rio Amazonas,


exceto a navios de guerra (Cervo, 2010, p. 106).

8
Em 1863, o Brasil enfrentou a Questão Christie. Essa questão surgiu após
o naufrágio de um navio da Grã-Bretanha, o Prince of Wales. Nesse contexto, o
diplomata britânico William Christie afirmou que a carga do navio havia sido
pilhada; por isso, ameaçou usar a força caso o Brasil não pagasse uma
indenização (Vidigal; Doratioto, 2014, p. 27). Essa questão levou o Brasil a
romper relações com a Inglaterra em 1863. Após a questão ter sido levada à
arbitragem internacional, Brasil e Inglaterra reataram suas relações em 1865.

TEMA 5 – A GUERRA DO PARAGUAI E OS ÚLTIMOS ANOS DO IMPÉRIO

Segundo Doratioto (2002, p. 23)., autor do livro Maldita guerra, a Guerra


do Paraguai esteve relacionada ao “processo de consolidação dos Estados
nacionais no Rio da Prata”. No Paraguai, Solano López queria promover a
modernização do país e, para tanto, pretendia ampliar sua atuação internacional
no contexto da Bacia do Prata. O Uruguai, por sua vez, enfrentava, em 1863,
uma guerra civil, a qual opôs os dois grandes partidos uruguaios:

1. o partido blanco, que estava no governo do Uruguai e era apoiado por


Justo José Urquiza, líder da oposição ao governo argentino de Bartolomé
Mitre;

2. o partido colorado, que estava na oposição ao governo uruguaio (Vidigal;


Doratioto, 2014, p. 27).

Essa guerra polarizou os países da região, de forma que:

1. Solano Lopez aliou-se aos blancos, pois, para o Paraguai, seria


interessante ter acesso ao porto de Montevidéu como uma alternativa ao
porto de Buenos Aires (Vidigal; Doratioto, p. 27);

2. Brasil e Argentina se aliam em apoio aos colorados.

O Brasil apoiou os colorados porque o governo uruguaio dos blancos


contrariava interesses dos fazendeiros gaúchos, ao passo que a Argentina
também se colocou contra o governo uruguaio dos blancos, pois estes eram
apoiados pelas forças de oposição ao governo da Argentina.
Em 1864, o Brasil invadiu o Uruguai para colocar no poder o governo
colorado. Em resposta a essa intervenção, Solano Lopez represou navios
brasileiros no Rio Paraguai e, em seguida, invadiu o Mato Grosso. Além disso,
Solano Lopez pediu autorização à Argentina para passar com suas tropas pelo

9
país e, como teve o pedido negado, invadiu a província de Corrientes. Em 1865,
esse contexto motivou a formação da Tríplice Aliança, entre Brasil, Argentina e
Uruguai, contra o Paraguai. Assim, originou-se o maior conflito armado da
América do Sul, que durou até a morte de Solano Lopez, em 1870. A guerra
originou-se de interesses conflitantes das partes envolvidas, pois:

1. Lopez temia o desmembramento do Paraguai e superestimou suas forças


com relação aos demais países;

2. Buenos Aires temia a ascensão de Urquiza, que poderia aliar-se ao


governo uruguaio dos blancos e a Lopez;

3. o Brasil queria colocar os colorados no poder, com vistas a defender os


interesses dos cidadãos gaúchos.

NA PRÁTICA

Na prática, com o fim da Guerra do Paraguai, Brasil e Argentina voltam a


olhar-se com desconfiança. O Brasil buscava assegurar a independência do
Paraguai, para evitar que a Argentina ampliasse seu território, e a Argentina
temia que o Brasil tivesse intenções expansionistas na região. Como
consequências da Guerra do Paraguai, houve graves danos causados à
população e à economia do Paraguai. No caso do Brasil, houve:

1. um aumento de gastos e do endividamento do país com a Inglaterra


(Fausto, 2012, p. 185);

2. o fortalecimento institucional do Exército Brasileiro e;

3. a participação de escravos negros na guerra, o que trouxe importantes


questionamentos ao sistema da escravidão no Brasil (Fausto, 2012, p.
183 e 186).

FINALIZANDO

Com a transferência da corte portuguesa para a América, desencadeou-


se um processo que culminou com a Independência do Brasil, em 1822. Nesse
contexto, o Brasil, em um primeiro momento, teve sua ação internacional
constrangida em razão dos tratados comerciais desiguais. De fato, o período
regencial foi marcado por uma política externa neutra, pois o Brasil enfrentava
uma carência de recursos econômicos e tinha de pacificar suas revoltas internas.
10
A Tarifa Alves Branco, de 1844, trouxe alento à economia nacional e possibilitou
que o Brasil passasse a ter maior envolvimento em questões da região. A Guerra
do Paraguai foi uma dessas questões e teve importantes consequências para o
Brasil. De fato, essa guerra deu margem a questionamentos sobre a escravidão
no país e possibilitou o fortalecimento do Exército brasileiro, instituição que foi
fundamental para a proclamação da República.

11
REFERÊNCIAS

CERVO, A.; BUENO, C. História da política exterior do Brasil. Brasília: Ed. da


UnB, 2010.

DORATIOTO, F. Maldita guerra: nova História da Guerra do Paraguai. São


Paulo: Cia das Letras, 2002.

FAUSTO, B. História do Brasil. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo,


2012.

GARCIA, E. V. Cronología de las Relaciones Internacionales de Brasil. 2. ed.


Rio de Janeiro: Contraponto, 2005.

GOES FILHO, S. S. Navegantes, bandeirantes, diplomatas: um ensaio sobre


a formação das fronteiras do Brasil. Ed. rev. e atual. Brasília: FUNAG, 2015.

KISSINGER, H. Diplomacia. São Paulo: Saraiva, 2012.

VIDIGAL, C. E., DORATIOTO, F. F. M. História das relações internacionais


do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2014.

12
POLÍTICA EXTERNA
BRASILEIRA
AULA 2

Profª Thaíse Kemer


CONVERSA INICIAL

A Política Externa da Primeira República (1889 -1930)

Esta aula trata do período da política externa brasileira na Primeira


República (1889 – 1930). Discute-se, em primeiro lugar, a mudança do eixo
diplomático do Brasil. Com o início da gestão de Rio Branco como Ministro das
Relações Exteriores, o alinhamento diplomático com os EUA consolida-se e
passa a ser conhecido, segundo Burns (2003), como a “aliança não escrita”.
Ainda na gestão Rio Branco, destacou-se o papel primordial desse diplomata
para a consolidação das fronteiras nacionais. Além disso, Rio Branco intensificou
a presença do Brasil em conferências multilaterais. Por fim, a aula trabalha a
participação do Brasil na Primeira Guerra Mundial, a qual possibilitou ao país:

1. a participação nas negociações internacionais de paz subsequentes, e;

2. a entrada do Brasil como membro temporário na Liga das Nações, da qual


o Brasil se retirou em 1926.

TEMA 1 – A MUDANÇA DO EIXO DIPLOMÁTICO DO BRASIL

Com a República, a política externa brasileira foi reorientada de forma a


ampliar a proximidade com os Estados Unidos. De fato, a atuação do Brasil no
contexto da Conferência Pan-Americana de 1889, que ocorreu nos EUA, ilustrou
essa mudança. No início da Conferência, em outubro de 1889, o representante
do Brasil havia sido instruído pelo Imperador, D. Pedro II a ter cautela diante de
propostas de união aduaneira e da criação de moeda comum (Vidigal; Doratioto,
2014, p. 35). O Imperador desejava, com essas orientações, assegurar maior
liberdade de ação externa para o Brasil (idem). Porém, com a proclamação da
República no Brasil, em novembro de 1889, o Brasil mudou seu posicionamento
diplomático e passou a acompanhar as propostas e as decisões dos Estados
Unidos. Em 1890, os EUA tornaram-se a primeira potência a reconhecer a
república do Brasil. Em 1891, Brasil e EUA assinaram o “Tratado de
Reciprocidade” (Vidigal; Doratioto, 2014, p. 39), que demonstrou, também, a
maior aproximação diplomática entre Brasil e EUA. Por meio desse tratado,
vários produtos dos EUA seriam isentos de imposto de importação no Brasil
(Idem). O Brasil, por sua vez, teria seu café, couro e açúcar com isenção tarifária
no mercado dos EUA. Contudo, os EUA concederam as mesmas tarifas do Brasil
para o açúcar que era produzido nas colônias espanholas Porto Rico e Cuba
(Vidigal; Doratioto, 2014, p. 39). A despeito dessa medida dos EUA, as
exportações do Brasil para os EUA cresceram mais do que as importações dos
EUA para o Brasil (idem). Consequentemente, os EUA sentiram-se prejudicados
e, em 1894, denunciaram o acordo (idem).

Saiba mais

O Tratado de Reciprocidade também é conhecido como Tratado


Mendonça-Blaine, pois o nome do negociador dos EUA era James Blaine, ao
passo que o negociador brasileiro se chamava Salvador de Mendonça (SOUZA,
s.d., p. 1)

TEMA 2 – A DEFINIÇÃO DE FRONTEIRAS NA PRIMEIRA REPÚBLICA

De 1902 a 1912, o Barão do Rio Branco exerceu o cargo de Ministro das


Relações Exteriores do Brasil, e sua destacada atuação tornou-o conhecido
como o patrono da diplomacia brasileira. Um dos grandes marcos de sua gestão
foi a definição, de forma pacífica, das fronteiras do Brasil.
Ainda antes de ser nomeado Ministro, Rio Branco atuou como
representante brasileiro no contexto de duas importantes questões de fronteiras
do Brasil:

1. a questão de Palmas/Missões;

2. a questão do Amapá.

Saiba mais

Os brasileiros chamavam a região em litígio de Palmas, ao passo que os


argentinos denominavam a mesma região de Missões (Góes Filho, 2015, p. 315).

No que se refere à questão de Palmas/Missões, em 1890, o então Ministro


das Relações Exteriores do Brasil, Quintino Bocaiúva, assinou, com a Argentina,
o Tratado de Montevidéu. Esse tratado dividiu a região em duas partes iguais
entre o Brasil e a Argentina, pois, segundo Góes Filho (2015, p. 311), o novo
governo brasileiro queria fazer “um gesto de fraternidade com os países vizinhos,
que contribuísse para apagar resquícios do alegado imperialismo brasileiro”.
Porém, esse tratado foi repudiado pela opinião pública do Brasil e, em agosto de

3
1891, foi rejeitado pela Câmara dos Deputados (Vidigal; Doratioto, 2014, p. 38).
Essa questão era muito importante para o Brasil, pois, segundo Góes Filho
(2015, p. 312), caso a Argentina ficasse com a metade do território em litígio, o
Rio Grande do Sul ficaria unido às demais partes do território do brasileiro por
uma estreita faixa de território. Assim, esse cenário poderia favorecer ideias de
separatismo na região (Idem). Com isso, de 1893 a 1895, a questão foi levada à
arbitragem internacional. O Barão do Rio Branco chefiou a delegação que
apresentou a questão em nome do Brasil. Em 1895, o árbitro da questão, o
Presidente dos Estados Unidos, Grover Cleveland, decidiu o pleito
favoravelmente ao Brasil, de forma que a parte do território que havia sido
atribuída à Argentina pelo Tratado de 1890 foi repassada ao Brasil.
No que se refere à questão entre Brasil e França, por sua vez, a França
reivindicava parte da área que se localizava ao sul do Oiapoque. Assim, em
1899, a questão foi levada à arbitragem internacional. Em 1900, o árbitro da
questão, o presidente da Suíça, deu ganho de causa ao Brasil, que teve seu
território ampliado em 260 mil Km2.
Outra importante questão de fronteiras que contou com a atuação do
Barão do Rio Branco foi a questão do Acre. Havia um tratado entre o Brasil e a
Bolívia de 1867 (Góes Filho, 2015, p. 285), e a interpretação inicial desse tratado
era a de que a região do atual Acre pertencia à Bolívia. Contudo, essa região, na
qual estava em curso uma expressiva produção de borracha, era ocupada,
principalmente, por seringueiros brasileiros. Em 1899, teve início um conflito na
região, pois a Bolívia tentou impor sua soberania sobre o local. Nesse contexto,
os seringueiros proclamaram a independência do território e pediram que ele
fosse anexado ao Brasil. Em 1901, dado que a Bolívia não conseguiu impor sua
autoridade no local, ela arrendou a região a uma empresa denominada Bolivian
Syndicate. Essa empresa era composta por ingleses, americanos e alemães e
recebeu permissão para explorar as riquezas do local. Em 1902, o Barão do Rio
Branco assumiu o Ministério das Relações Exteriores e suas negociações
permitiram que, em 1903, fosse assinado o Tratado de Petrópolis. Segundo esse
tratado:

1. o Brasil recebeu a região que, atualmente, é o Acre;

2. a Bolívia recebeu uma faixa de terras que lhe permitiu acessar o Oceano
Atlântico, por meio do Rio Madeira e de seus afluentes (Doratioto, 2012,
p. 152);
4
3. para viabilizar esse acesso, o Brasil responsabilizou-se pela construção
da ferrovia Madeira-Mamoré e;

4. a Bolívia recebeu 2 milhões de libras esterlinas do Brasil (Doratioto, 2012,


p. 152).

Ainda durante a gestão de Rio Branco, também foi resolvida a “questão


do Pirara”, uma questão fronteiriça com a Guiana Britânica (atual Guiana). A
defesa brasileira dessa questão foi elaborada por Joaquim Nabuco e, a despeito
dos esforços desse diplomata, a questão foi decidida de forma favorável à Grã-
Bretanha. De fato, em 1904, o árbitro da questão, o rei italiano Vitor Emanuel III,
atribuiu 12. 950 km2 de terras à Grã-Bretanha e 9.065 km2 ao Brasil. De acordo
com Góes Filho (2015, p. 281 e 282), a decisão atribuiu mais terras à Grã-
Bretanha do que ela própria havia solicitado, o que motivou críticas sobre a
sentença por parte de juristas de países externos ao conflito.
Ainda durante a gestão de Rio Branco, foram feitos acordos das fronteiras
do Brasil com os seguintes países:

1. Equador (1904);

2. Venezuela (1906);

3. Guiana Holandesa (1906) e;

4. Uruguai (1909), para o qual o Brasil concedeu o condomínio da Lagoa


Mirim e do Rio Jaguarão.

Dessa forma, em quinze anos, o Barão demarcou os limites do Brasil,


adicionando cerca de 885.000 km2 ao território brasileiro.

Saiba mais
De acordo com o Atlas da FGV (2018), durante a gestão de Rio Branco,
ainda não havia uma clara definição quanto a limites entre os territórios do Peru,
Bolívia e Bolívia. Assim, em 1904, o Barão de Rio Branco firmou com o Equador
um tratado que definiu como fronteira a linha “Abapóris-Tabatinga”, que seria
aplicável assim que Equador e Peru resolvessem seus conflitos (idem). Assim,
essa fronteira demarcou a posse pacífica dos territórios que o Brasil pretendia,
mesmo que a área ainda estivesse em disputa.

5
TEMA 3 – RIO BRANCO: EUA, ARGENTINA E MULTILATERALISMO

Na gestão do Barão do Rio Branco, o Brasil buscou uma aproximação


com os EUA, o que Burns (2003) denominou de “aliança não escrita”. Para o
Brasil, a aliança com os EUA era importante por vários motivos:

1. ter um caráter defensivo-preventivo;

2. permitir maior desembaraço ao Brasil na resolução de suas fronteiras com


os países vizinhos;

3. Rio Branco via a Doutrina Monroe como elemento de defesa territorial do


continente, a qual o protegeria contra interferências europeias.

Nesse contexto, duas situações exemplificam essa aliança entre Brasil e


EUA:

1. em 1905, ocorreu a mútua elevação das respectivas legações à categoria


de embaixadas. Esse ato teve grande simbolismo para o Brasil, que
passou a ser o único país latino americano a ter embaixador nos EUA;

2. em 1906, o Brasil organizou a Terceira Conferência Internacional dos


Estados Americanos, que ocorreu no Rio de Janeiro e na qual esteve
presente o secretário de Estado dos EUA, Elihu Root (Vidigal; Doratioto,
2014, p. 48).

Segundo Bethel (S.d., p. 5), Root foi o primeiro secretário de Estado


americano a fazer uma visita oficial ao exterior.
Segundo Cervo e Bueno (2010, p. 193), essa aproximação entre o Brasil
e os EUA despertou temores nos outros países da América do Sul, os quais
temiam o imperialismo dos EUA. Um desses países foi a Argentina, que viu com
desconfiança não apenas essa aproximação entre Brasil e EUA, mas também o
fato de o Brasil promover seu rearmamento naval (Cervo; Bueno, 2010, p. 194).
Porém, segundo Vidigal e Doratioto (2014, p. 47), o rearmamento naval do Brasil
tinha o propósito de proteger o extenso litoral brasileiro, que concentrava as
principais cidades do país e portos de grande relevância econômica. Em 1906,
foi nomeado Estanislao Zeballos como Ministro das Relações Exteriores da
Argentina, e sua gestão trouxe momentos de rivalidade entre o Brasil e a
Argentina (Idem). Naquele período, o Brasil havia encomendado a compra de
navios, entre os quais dois potentes encouraçados (idem). Em 1908, Zeballos

6
apresentou um plano ao governo argentino em que exigiria do Brasil a cessão
de um dos encouraçados, sob pena de invadir o Brasil (idem). Esse plano foi
criticado na Argentina; com isso, Zeballos teve que deixar o cargo. Contudo,
após sua saída do Ministério, continuou como um crítico da política externa
brasileira e protagonizou o episódio do Telegrama número 9. Nesse episódio,
Zeballos divulgou um telegrama que, supostamente, teria sido escrito pelo
Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores do Brasil) ao Chile e que
evidenciaria a hostilidade do Brasil com relação à Argentina (idem, p. 48).
Contudo, Rio Branco revelou o conteúdo do telegrama original e desmentiu
Zeballos.
Com a queda de Zeballos, houve uma melhoria das relações entre Brasil
e Argentina. Em 1909, o Barão do Rio Branco, após sugestão do Chile, propôs
o texto de um “Tratado de Cordial Inteligência” entre Argentina, Brasil e o Chile
(Vidigal; Doratioto, 2014, p. 48), também conhecido como Pacto ABC. Contudo,
a proposta do pacto de 1909 não foi aceita pela Argentina (idem). Uma nova
tentativa de Pacto entre Argentina, Brasil e Chile foi retomada em 1915; porém,
a proposta não foi aprovada na Câmara dos Deputados da Argentina (idem, p.
49).
Ainda na gestão de Rio Branco, houve um aumento da participação do
Brasil em conferências internacionais. Em 1907, o Brasil participou da
Conferência de Haia, na qual a delegação brasileira foi chefiada por Rui Barbosa.
Durante a conferência, os países discutiram a criação de uma Corte de Justiça
Arbitral. Porém, os países discordaram sobre quais critérios seriam utilizados
para selecionar os juízes da Corte. Nesse contexto, Rui Barbosa ganhou
destaque internacional, pois defendeu a “igualdade soberana entre as nações”.
Com base nesse princípio, a escolha dos juízes deveria considerar, de forma
igual, todos os países, pois a Corte teria importância universal (Lafer, s.d.). Em
1912, Rio Branco faleceu e, em seu lugar, assumiu o comando do Ministério das
Relações Exteriores Lauro Müller.

TEMA 4 – O BRASIL NA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

A Primeira Guerra Mundial ocorreu de 1914 a 1918. De 1914 a 1917, o


Brasil manteve-se em uma posição de neutralidade naquele conflito, porém, em
outubro de 1917, após o afundamento de navios mercantes brasileiros pelos
alemães, o Brasil declarou guerra à Alemanha. O Brasil foi o único país sul-
7
americano a participar da Primeira Guerra Mundial. Essa participação ocorreu
por meio do envio:

1. de treze aviadores, que fizeram parte da Força Aérea Real da Grã-


Bretanha;

2. de uma missão de 100 médicos cirurgiões à França;

3. de observadores do Exército;

4. da Divisão Naval de Operações de Guerra (DNOG), uma frota com seis


navios cujo objetivo era fazer o patrulhamento do Mar Mediterrâneo
(Doratioto, 2012, p. 163).

A DNOG foi a contribuição mais significativa do Brasil na Primeira Guerra;


contudo sua equipe foi atingida pela gripe espanhola ao chegar à África. Assim,
boa parte do grupo faleceu, e os sobreviventes chegaram a Gibraltar um dia
antes do armistício (Cervo; Bueno, 2010, p. 210).
Com o fim da Primeira Guerra, o Brasil recebeu propostas de cooperação
aérea e naval da Itália e da Grã-Bretanha. No que se refere ao comércio, o
conflito trouxe as seguintes consequências:

1. durante a guerra, as companhias do Brasil interromperam as viagens para


a Europa, em razão das batalhas no mar;

2. houve uma ampliação do intercâmbio comercial com os EUA;

3. durante a guerra, o saldo da balança comercial brasileira tornou-se


positivo.

Saiba mais

O saldo da balança comercial é igual ao valor das exportações menos o


valor das importações de um país. Um saldo favorável significa, portanto, que o
valor das exportações superou o valor das importações do Brasil.

O Tratado de Versalhes, de 1919, encerrou a Primeira Guerra. Entre seus


temas, três assuntos podem ser destacados:

1. o reembolso do dinheiro brasileiro que estava em bancos na Alemanha;

2. a propriedade de navios alemães que estavam no Brasil e;

8
3. a participação do Brasil na Liga das Nações (Vidigal; Doratioto, 2014, p.
51).

No que se refere ao primeiro ponto, no início da Primeira Guerra, o Brasil


tinha depósitos de café em portos europeus, os quais eram mantidos como
garantia dos empréstimos feitos pelo Brasil. Para garantir que o Brasil honraria
o pagamento de suas dívidas, esse café foi vendido, e o dinheiro da venda foi
depositado na Alemanha. Com o término do conflito, o Brasil conseguiu que o
governo alemão reconhecesse a responsabilidade pelo depósito, de forma que
esse dinheiro não entrou no rateio das reparações de guerra. No que se refere
ao segundo ponto, havia 70 navios alemães apreendidos no Brasil, e o tratado
de Versalhes assegurou ao Brasil a propriedade sobre esses navios (idem). O
terceiro ponto é trabalho a seguir.

TEMA 5 – O BRASIL NA LIGA DAS NAÇÕES

A participação do Brasil a Primeira Guerra possibilitou que o país


participasse das negociações internacionais de paz. Com o fim da Primeira
Guerra, foi criada a Liga das Nações, que, segundo Vidigal e Doratioto (2014, p.
51) foi um “organismo multilateral criado para manter a paz e que estabeleceu
sua sede em Genebra, na Suíça”. De 1919 a 1925, o Brasil participou da Liga
das Nações como membro temporário de seu Conselho Executivo. O Conselho
Executivo era o órgão mais importante da Liga e contava com membros
permanentes e temporários. Em 1924, o Brasil iniciou esforços diplomáticos para
obter um assento permanente e, para tanto, criou uma delegação permanente
junto à Liga (Doratioto, 2012, p. 166). O governo de Arthur Bernardes colocou
esse tema como o objetivo diplomático fundamental de seu governo. Entre os
fatores que motivaram Arthur Bernardes a dar prioridade ao tema, mencionam-
se:

1. os problemas internos enfrentados pelo governo;

2. a defesa da ideia de que o status de temporário não correspondia à


posição do Brasil no contexto internacional;

3. a defesa de que, como os EUA não participavam da Liga, o Brasil seria o


país da América mais qualificado para representar o continente.

9
Em 1926, a Alemanha formalizou seu pedido de entrada na Liga das
Nações. Naquele contexto, outros países também estavam solicitando o assento
permanente, o que inviabilizou o atendimento do pedido do Brasil (idem). Com
isso, em 1926, o Brasil opôs-se à entrada da Alemanha na Liga e retirou-se da
organização.

NA PRÁTICA

Na prática, embora o Brasil tenha se retirado da Liga das Nações em


1826, Cervo e Bueno (2010, p. 227) recordam que o Brasil manteve atitude de
colaboração com a organização. Nesse sentido, o Brasil manteve, por exemplo,
suas contribuições orçamentárias anuais com aquele organismo (idem, p. 228).
Em 1945, foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU), que sucedeu à
Liga das Nações e tem como objetivos a manutenção da paz e da segurança
internacionais. Na atualidade, o Brasil pleiteia não apenas um assento
permanente no Conselho de Segurança da ONU, mas também reformas
institucionais mais amplas nessa organização, com vistas a fortalecer a
cooperação internacional de Estados. Assim, ainda que o governo de Arthur
Bernardes tenha sido motivado, entre outras razões, pelo cenário político interno
do Brasil da década de 1920, é possível identificar como um ponto em comum
da atuação do Brasil naquele período e na atualidade a defesa, pelo Brasil, da
ação colaborativa entre países por meio de organismos multilaterais.

FINALIZANDO

Ao longo da gestão de Rio Branco, ele empreendeu esforços para:

1. construir uma amizade especial entre o Brasil e os Estados Unidos;

2. delimitar as fronteiras do Brasil, de forma pacífica e;

3. restaurar o prestígio internacional do Brasil, por meio, entre outros da


ampliação da participação do Brasil em conferências multilaterais.

De 1917 a 1918, a participação do Brasil na Primeira Guerra permitiu que


o país participasse das negociações de paz que se seguiram ao término desse
conflito. Com isso, o Brasil ingressou como membro temporário na Liga das
Nações, instituição multilateral que foi criada com o propósito de promover a paz
internacional. Ao longo do governo de Arthur Bernardes, o cenário político interno

10
fez que esse governo transformasse a busca do assento permanente na Liga em
tema prioritário da política externa brasileira.

11
REFERÊNCIAS

BETHEL, L. Conferências Pan-Americanas. FGV, S.d. Disponível em:


<http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/CONFER%C3%8ANCIAS%20PAN-AMERICANAS.pdf>. Acesso em:
18 nov. 2018.

BURNS, B. A aliança não escrita: o Barão do Rio Branco e as Relações do


Brasil com os Estados Unidos. Rio de Janeiro: EMC, 2003.

CERVO, A.; BUENO, C. História da política exterior do Brasil. Brasília: Ed. da


UnB, 2010.

DORATIOTO, F. O Brasil no mundo/idealismos, novos paradigmas e


voluntarismos. In: _____. História do Brasil Nação: 1808-2010. v. 3. São Paulo:
Fundación Mapfre/Objetiva, 2012.

GOES FILHO, S. S. Navegantes, bandeirantes, diplomatas: um ensaio sobre


a formação das fronteiras do Brasil. Ed. rev. e atual. Brasília: FUNAG, 2015.

LAFER, C. Conferência da Paz de Haia. FGV, S.d. Disponível em:


<https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/CONFER%C3%8ANCIAS%20DA%20PAZ%20DE%20HAIA.pdf>.
Acesso em: 18 nov. 2018.

SOUZA, R. F. de. Acordo Mendonça-Blaine. FGV, S.d. Disponível em:


<https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/ACORDO%20MENDON%C3%87A%20BLAINE.pdf>. 6 de setembro
de 2018.

TRATADOS de fixação de limites territoriais. Atlas histórico do Brasil, 2018.


Disponível em: <https://atlas.fgv.br/verbetes/tratados-de-fixacao-de-limites-
territoriais>. Acesso em: 18 nov. 2018.

VIDIGAL, C. E.; DORATIOTO, F. F. M. História das relações internacionais do


Brasil. São Paulo: Saraiva, 2014.

12
POLÍTICA EXTERNA
BRASILEIRA
AULA 3

Profª Thaíse Kemer


CONVERSA INICIAL

Da Era Vargas à Política Externa Independente (1930 – 1964)

A presente aula trabalha cinco temas centrais para a compreensão da


política externa brasileira (PEB) no período compreendido entre 1930 e 1964. O
primeiro tema trata do primeiro governo de Getúlio Vargas, que vai de 1930 a
1945, no qual a industrialização assumiu um papel central para a economia
brasileira e teve reflexos decisivos na forma pela qual o Brasil conduziu suas
relações internacionais. O segundo tema, por sua vez, trata do governo de Eurico
Gaspar Dutra, que governou o país de 1945 a 1950 e que, em grande medida,
pautou a PEB por um alinhamento à política externa dos EUA. O terceiro tema
explora o retorno de Getúlio Vargas à presidência do Brasil, de 1950 a 1954, por
meio da análise das relações do Brasil tanto com os EUA quanto com países
latino-americanos. O quarto tema trata dos governos de Café Filho e de
Juscelino Kubitschek (JK), que avançaram na pauta do desenvolvimento, ainda
que tenham, também, enfrentado dificuldades no plano internacional. Por fim, o
quinto tema avança a compreensão da política externa independente, a qual
ocorreu de 1961 a 1964 e apresentou novas possibilidades, mais autônomas e
plurais, para a condução da PEB.

TEMA 1 – GOVERNO VARGAS (1930 - 1945)

De acordo com Vidigal e Doratioto (2014, p. 58), a política exterior do


primeiro governo de Getúlio Vargas refletiu, em larga medida, as profundas
transformações experimentadas pelo Brasil no período. De fato, com a quebra
da bolsa de Nova Iorque, em 1929, houve uma crise nas exportações brasileiras
de café (Furtado, 2013, Cap. XXX). Com a política de valorização do café de
Getúlio Vargas, o contexto de crise generalizada fez que os capitais internos que
eram usados na produção de café passassem a ser investidos no mercado
doméstico.

Saiba mais

A política de valorização do café promoveu a queima da produção


excedente desse produto, como uma tentativa de controlar seus preços
internacionais.
Esse processo promoveu a industrialização do país e, segundo Furtado
(2013), possibilitou um deslocamento do centro dinâmico da economia do setor
exportador para o mercado doméstico. Consequentemente, durante a era
Vargas, ocorreu um aumento expressivo da produção industrial do Brasil, que
cresceu 50% no período entre 1929 e 1937 (Furtado, 2013). Esse contexto teve
reflexos nas relações internacionais do Brasil, que buscou diversificar seus
parceiros comerciais.
O Brasil fortaleceu suas relações comerciais com a Alemanha por meio
de um esquema conhecido por “comércio compensado”. Segundo Vidigal e
Doratioto (2014, p. 60), o comércio compensado consistiu na troca de produtos
entre Brasil e Alemanha, de forma que as transações ocorressem sem a
utilização de moedas. Esse sistema de comércio era vantajoso porque, após a
crise de 1929, havia um quadro internacional de escassez de moedas. Assim, o
comércio entre o Brasil e Alemanha, que utilizava trocas diretas de produtos,
cresceu de forma expressiva no período.
Nesse contexto, o Brasil passou a ter importantes relações comerciais
tanto com os EUA quanto com a Alemanha, o que, segundo Moura (1990), gerou,
para a diplomacia brasileira, um quadro de “equidistância pragmática”: o Brasil
utilizava seu posicionamento comercial com os dois países para obter vantagens
em outros setores, sobretudo no setor industrial (Vidigal; Doratioto, 2014, p. 64).
De fato, Vargas desejava construir uma siderúrgica no Brasil e, com sua política
de barganhas, buscou, junto aos dois países, obter tecnologias e recursos para
a construção dessa usina (idem, p. 65). Em discurso a bordo do navio Minas
Gerais, Vargas insinuou a possibilidade de aproximação com regimes
totalitaristas. Assim, com o início da Segunda Guerra, os EUA apoiaram a
construção da Companhia Siderúrgica Nacional, e o Brasil ingressou na
Segunda Guerra Mundial ao lado dos EUA.
Como consequência da participação do Brasil na Segunda Guerra, a partir
de 1944, houve:

a. a modernização das Forças Armadas do Brasil e;


b. o aumento do prestígio internacional do Brasil, que ficou ao lado dos
vitoriosos e esteve presente na fundação das Nações Unidas, em 1945.

Nesse contexto, o governo de Franklin D. Roosevelt, então presidente dos


EUA, cogitou a hipótese de o Brasil receber um assento permanente no contexto
do Conselho de Segurança, contudo a ideia foi abandonada por ter sido negada
3
pelo Reino Unido e pela União Soviética e também em razão do falecimento do
presidente Roosevelt.

TEMA 2 – GOVERNO DUTRA (1946 - 1951)

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o Brasil nutria esperanças de


manter relações privilegiadas com os EUA. No entanto, naquele contexto, as
prioridades dos EUA passaram a ser a contenção do comunismo e a
reconstrução da Europa, de forma que os países da América Latina passaram a
ocupar um plano inferior no contexto das preocupações internacionais dos EUA.
Ainda assim, o governo Dutra manteve uma política externa fortemente
alinhada aos EUA e, como não havia reciprocidade desse país, Moura (1990)
denominou as relações entre os dois países de “alinhamento sem recompensas”.
Uma das evidências desse alinhamento brasileiro aos EUA foi a adesão do Brasil
ao Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), que estabeleceu
um mecanismo de assistência regional. Vale destacar que o mundo enfrentava,
em 1947, o contexto de Guerra Fria, no qual havia uma polarização entre países
alinhados aos EUA e entre países alinhados à União Soviética. Assim, o TIAR
evidencia que o Brasil do governo Dutra buscou um alinhamento de sua política
externa às posições dos EUA. A despeito desse fato, a capacidade de barganha
do Brasil já não era mais a mesma do governo de Vargas, haja vista que as
forças do cenário internacional do pós-Segunda Guerra haviam se modificado, e
as atenções dos EUA se voltaram para novas prioridades.

TEMA 3 – O SEGUNDO GOVERNO VARGAS (1951-1954)

O segundo governo de Getúlio Vargas enfrentou um cenário internacional


marcado pela Guerra Fria, de forma que o Brasil buscava apoio dos EUA, que
estavam mais preocupados com outras questões internacionais, em especial
com o combate ao comunismo. De fato, Vidigal e Doratioto (2014, p. 71) afirmam
que: “Objetivamente, não é descabido afirmar que a política externa do segundo
governo Vargas, em matéria de política internacional, foi pautada pelos valores
da ideologia norte-americana da guerra fria”. Nesse contexto, ainda que Vargas
tenha buscado um alinhamento aos EUA em temas de política externa, o Brasil
enfrentou dificuldades em ver suas demandas atendidas. Uma primeira
dificuldade enfrentada pelo governo de Vargas foi a posição do Brasil no contexto

4
da Guerra da Coreia, que teve início em 1950. De acordo com Vidigal e Doratioto
(2014, p. 70), a ONU aprovou uma intervenção nesse conflito, e o Brasil apoiou
os EUA no contexto da Assembleia Geral. Contudo, em 1951, quando os EUA
solicitaram que o Brasil enviasse tropas para a guerra, Vargas não pôde atender
ao pedido americano. De fato, o Brasil enfrentava uma complexa situação tanto
em termos econômicos quanto em razão da grande oposição política ao governo
de Vargas (idem). Assim, embora Vargas tenha buscado seguir a estratégia de
seu primeiro governo, de buscar barganhar o desenvolvimento industrial do país,
o complexo contexto internacional da Guerra Fria tornou-se um obstáculo aos
desígnios de Vargas (idem).
Um exemplo dessas dificuldades foi a criação da Comissão Mista Brasil-
EUA, em 1950, com o objetivo de formular projetos nacionais que seriam
apreciados pelo Banco Interamericano de Reconstrução e de Desenvolvimento
(BIRD) e pelo Eximbank. Como resultados dessa Comissão, foram aprovados
quarenta e um projetos visando ao desenvolvimento nacional, sobretudo no setor
de transportes e de energia. Ainda assim, em 1953, a Comissão Mista foi
desativada de forma unilateral pelos EUA, após a eleição do presidente
americano Dwight Eisenhower.
Embora o Brasil tenha buscado, continuamente, o apoio dos EUA, os
esforços de Vargas foram objetos de inúmeras críticas internas (Vidigal;
Doratioto, 2014, p. 70). Esse foi o caso do Acordo Militar entre Brasil e EUA,
segundo o qual os EUA receberiam recursos estratégicos do Brasil, como areias
monazíticas, urânio e manganês, e, em troca, ofereceriam ao Brasil assistência
militar dos EUA e vantagens na compra de armamentos usados (idem).
No que se refere ao contexto regional da América Latina, o governo
Vargas expressou, também, alinhamento aos EUA. Um dos exemplos desse
alinhamento foi a intervenção dos EUA na Guatemala, em 1954. Naquele
período, a Guatemala era governada por Jacob Arbenz, cujas políticas
nacionalistas e de orientação comunista levaram a expropriações de terras da
empresa dos EUA United Fruit Company, que estava presente na Guatemala
(Doratioto e Vidigal, 2014, p. 73). Naquele contexto, o Brasil apoiou a proposta
americana de intervenção na Guatemala (idem).
No âmbito das relações entre o Brasil e a Argentina, Vidigal e Doratioto
(2014, p. 73) afirmam que havia:

5
1. uma preocupação de ambos os países com a possibilidade de perda de
espaço em âmbito regional;
2. uma descrença, naquele momento, com relação à integração regional.

Por esses motivos, os autores explicam que houve o fracasso da proposta


do presidente argentino, Juan Perón, de uma nova tentativa de formação do
“Pacto ABC” (idem). De fato, a despeito de Vargas e de Perón serem
frequentemente comparados em razão de suas lideranças domésticas, as
posições internacionais desses presidentes eram bastante distintas, e o país
argentino via com desconfiança as pretensões do Brasil de aproximação aos
EUA. Por fim, vale destacar que o governo de Getúlio Vargas terminou em
agosto de 1954, ocasião na qual houve o suicídio do presidente. Com isso, tem
início o governo de Café Filho.

Saiba mais

O Pacto ABC foi a ideia de um pacto de concertação político-diplomática


entre Argentina, Brasil e Chile, o que deu origem ao acrônimo “ABC”. Essa ideia,
que havia sido proposta pela primeira vez em 1909, foi novamente aventada em
1914 e em 1954, e não teve êxito em nenhum desses momentos.

TEMA 4 – CAFÉ FILHO E O GOVERNO JK

Com a morte de Getúlio Vargas, Café Filho, então vice-presidente de


Vargas, assumiu a presidência da República. Segundo Vidigal e Doratioto (2014,
p. 74), o governo de Café Filho deu continuidade à busca do desenvolvimento
econômico e à política externa de aproximação dos EUA, como no contexto de
fóruns internacionais e em questões comerciais. Um dos temas relevantes do
governo de Café Filho foi o estabelecimento, entre Brasil e EUA, do Acordo para
a Cooperação para Usos Civis de Energia Atômica, em 1955. Esse acordo
estabelecia condições favoráveis para a cooperação na área de projetos e de
financiamento de reatores nucleares (idem, p. 75) e motivou o acirramento de
um debate que já estava em curso no Brasil desde a década de 1940 e que
opunha nacionalistas e associacionistas (idem). Segundo Vidigal e Doratioto
(2014, p. 75), no caso do acordo em energia atômica, os nacionalistas julgavam
que a aproximação com os EUA era nociva aos interesses do Brasil, pois, para
eles, o Brasil não teria vantagens com esse acordo. Ao contrário, os

6
associacionistas, por sua vez, defendiam que o modelo de desenvolvimento
nacional deveria utilizar capitais estrangeiros.

Saiba mais

A partir da década de 1940, houve um grande debate no Brasil sobre a


forma pela qual deveria ocorrer o desenvolvimento econômico e industrial no
Brasil. Esse debate opôs os nacionalistas, segundo os quais o desenvolvimento
deveria ocorrer por meio da utilização de capital nacional, e os associacionistas,
conhecido pejorativamente por entreguistas, para os quais o desenvolvimento
do Brasil deveria utilizar o capital estrangeiro para viabilizar sua industrialização
(Entreguismo..., 2009).

Finalmente, durante o governo de Café Filho, ocorreu a Conferência de


Bandung, também conhecida como Conferências de Solidariedade Afro-
Asiáticas (Silva, 2017). Essa conferência foi um encontro entre países africanos
e asiáticos que haviam conquistado sua independência com relação a suas
colônias, no contexto do processo de descolonização (idem). Naquele contexto,
embora o Brasil tenha enviado observadores diplomáticos à Conferência, os
fortes laços entre o Brasil e Portugal fizeram que o Brasil não se engajasse, de
forma mais enfática, à causa da descolonização (idem).
No que se refere ao governo de JK, Vidigal e Doratioto (2014, p. 76)
dividem a política externa desse governo em duas fases principais, sendo que o
divisor de águas entre essas fases foi o lançamento, por JK, da Operação Pan-
Americana, em 1958. Enquanto a primeira fase foi marcada pelo alinhamento
entre o Brasil e os EUA, a OPA representou uma mudança da atuação externa
do Brasil (idem, p. 71). A OPA foi apresentada em uma carta de JK endereçada
ao presidente americano Eisenhower e trazia o argumento segundo o qual o
desenvolvimento e o combate à pobreza seriam as formas mais eficazes de
evitar a penetração de ideologias antidemocráticas na região.
Segundo Vidigal e Doratioto (2014, p. 78), a proposta foi recebida pelo
governo americano com cautela e, nos anos seguintes, os EUA buscaram
esvaziar, no âmbito da Organização dos Estados Americanos, a proposta
brasileira. Com isso, após a OPA, o Brasil iniciou um aumento de sua
aproximação com seus vizinhos latinos (idem). Em 1961, já no governo de João
Goulart e no contexto da Revolução Cubana, os EUA propuseram a Aliança para

7
o Progresso, que, segundo Doratioto e Vidigal (2014, p. 78), buscava auxiliar o
desenvolvimento dos países latinos por uma via de caráter assistencialista, como
forma de afastar o comunismo da região.

TEMA 5 – POLÍTICA EXTERNA INDEPENDENTE (1961 – 1964)

Em 1961, Jânio Quadros assumiu a presidência do Brasil e implementou


a Política Externa Independente. Segundo Vidigal e Doratioto (2014, p. 82), essa
política tinha três objetivos principais:

a. promover o desenvolvimento nacional;


b. ampliar as parcerias internacionais do Brasil e;
c. contribuir para a paz mundial.

De acordo com Mansur (2014, p. 183), três temas assumiam centralidade


na PEI:

a. independência na atuação internacional – o Brasil deveria ser livre para


manter contatos com outros países, independentemente de ideologias;
b. o universalismo – o Brasil deveria ampliar suas parcerias;
c. a ênfase na promoção do desenvolvimento – a promoção do
desenvolvimento deveria ser uma prioridade da política externa brasileira.

Ainda segundo Mansur (2014, p. 184), o Brasil deveria pautar sua atuação
externa na defesa da autodeterminação dos povos, da não intervenção e no
apoio à descolonização. De acordo com Vidigal e Doratioto (2014, p. 83), a PEI
trouxe inovações para a política externa brasileira, ao sugerir:

a. o aprofundamento das relações do Brasil com países latinos;


b. a extensão das relações do Brasil a países socialistas e;
c. a ênfase no relacionamento com países africanos e asiáticos.

Ainda assim, os autores trazem duas características negativas da PEI:

1. os princípios da PEI não puderam ser plenamente aplicados no contexto


em que ela foi lançada, em razão do cenário de crise econômica e política
presente no governo de Jânio Quadros, que renunciou menos de um ano
após ter sido eleito;
2. o fato de a autonomia proposta pela PEI ter encontrado limites práticos,
dado o contexto econômico de dependência de capitais internacionais
(idem, p. 84).
8
Ainda durante o governo de Jânio Quadros, ocorreu o Encontro de
Uruguaiana, realizado em 1961 entre Jânio Quadros e o governo argentino de
Arturo Frondizi. Segundo Spektor (2002, 140), esse encontro gerou um conjunto
de acordos de amizade e consulta, econômicos e culturais, entre outros, que se
tornaram conhecidos como Espírito de Uruguaiana. Assim, de acordo com
Pinheiro (2013, p. 170), os acordos de Uruguaiana constituíram um importante
passo para o fortalecimento das relações entre Brasil e Argentina.
A despeito de sua política externa assertiva, Jânio Quadros teve um
governo curto, pois renunciou em agosto de 1961 e, em seu lugar, assumiu o
vice-presidente, João Goulart, o qual encontrava-se em visita oficial à República
Popular da China, cujo governo era socialista. Com isso, houve disputas internas
no Brasil. A solução de compromisso foi implantação, no Brasil, do regime
parlamentarista, no qual o Poder Executivo seria exercido pelo presidente, por
um primeiro ministro e por um conselho de ministros.

Saiba mais

O regime parlamentarista vigorou no Brasil de 1961 a 1963. Em janeiro de


1963, houve um plebiscito no Brasil, e a população decidiu, naquele contexto,
pelo retorno ao presidencialismo.

O governo de João Goulart enfrentou questões complexas em matéria de


política externa. Uma dessas questões deu-se no contexto da VIII Reunião de
Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas, ocasião na qual
os EUA defenderam a expulsão de Cuba da Organização dos Estados
Americanos (OEA). Porém, o Brasil, defendendo o princípio da não intervenção,
absteve-se na votação, o que revelou a busca de autonomia decisória do país.
(Pinheiro, 2013, p. 170; Vidigal; Doratioto, 2014, p. 85).
Em 1963, Araújo Castro, Ministro das Relações Exteriores, discursou na
abertura da XVIII Assembleia Geral das Nações Unidas. Naquele contexto, ele
reafirmou os princípios da PEI por meio do discurso dos “3 Ds”, no qual defendeu
o desarmamento, o desenvolvimento e a descolonização como temáticas
fundamentais a serem defendidas no cenário internacional.

9
NA PRÁTICA

A despeito do curto período em que ocorreu no Brasil, a política externa


independente trouxe diversos princípios e ideias que são relevantes nas relações
internacionais do Brasil contemporâneo. De fato, a Constituição de 1988 traz, em
seu artigo quarto, princípios das relações internacionais do Brasil que estiveram
presentes no contexto da formulação da PEI, por exemplo, a independência
nacional, a autodeterminação dos povos, a defesa da paz e a não intervenção.
Além disso, a ampliação das parcerias internacionais do Brasil, princípio que foi
defendido na PEI, também pode ser observado no parágrafo único do artigo
quarto, segundo o qual: “A República Federativa do Brasil buscará a integração
econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à
formação de uma comunidade latino-americana de nações” (Brasil, 1988).

FINALIZANDO

No primeiro governo de Vargas, de 1930 a 1945, o Brasil adotou uma


política de barganha com seus principais parceiros comerciais, EUA e Alemanha,
com vistas a apoiar seu processo de industrialização. Um fruto dessa política de
barganha de Vargas foi o apoio dos EUA para a construção da CSN, em 1942.
Além disso, o Brasil alinhou-se aos EUA no contexto da Segunda Guerra
Mundial, alinhando-se aos vitoriosos da Guerra. Ainda assim, o poder de
barganha de Vargas teve curta duração, pois Dutra não conseguiu obter dos
EUA as vantagens econômicas desejadas. O segundo governo de Vargas
tampouco conseguiu levar adiante o poder de barganha que teve em seu
primeiro governo, uma vez que tanto em Dutra quanto em Vargas, houve uma
mudança das prioridades externas dos EUA, que se voltaram ao combate ao
comunismo e à reconstrução da Europa. Com os governos de Café Filho e de
JK, há, também, limites na capacidade negociadora do Brasil com os EUA.
Nesse contexto, a PEI representa uma mudança importante na orientação da
política externa. Ao defender a não intervenção, a autodeterminação dos povos,
a defesa da paz e o universalismo, a PEI apresentou-se de forma inovadora e
contribuiu para sugerir ao Brasil caminhos mais autônomos na condução de sua
política externa.

10
REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial


da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988.

ENTREGUISMO. FGV CPDOC, 2009. Disponível em;


<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/entreguismo>.
Acesso em: 18 nov. 2018.

FURTADO, C. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora


Nacional, 2003.

MANSUR, T. M. P. G. A Política externa independente (PEI): antecedentes,


apogeu e declínio. Lua Nova, São Paulo, v. 93, p. 169-199, 2014.

MOURA, G. O alinhamento sem recompensa: a política externa do governo


Dutra. Rio de Janeiro: FGV, 1990. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/6613>. Acesso em: 18 nov.
2018.

PINHEIRO, L. História do Brasil Nação: 1808-2010. Olhando para dentro. São


Paulo: Mapfre/Objetiva, 2013, v. 4.

SILVA, A. M. Descolonização afro-asiática. FGV CPDOC, 2017. Disponível em:


<https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/artigos/PoliticaExterna/Descolonizac
ao>. Acesso em: 18 nov. 2018.

SPEKTOR, M. (2002) O Brasil e a Argentina entre a cordialidade oficial e o


projeto de integração: a política externa do governo de Ernesto Geisel (1974-
1979). Revista Brasileira de Política Internacional, v. 45, n. 1, p. 117-145,
2002.

VIDIGAL, C. E.; DORATIOTO, F. F. M. História das relações internacionais


do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2014.

11
POLÍTICA EXTERNA
BRASILEIRA
AULA 4

Profª Thaíse Kemer


CONVERSA INICIAL

A política externa brasileira durante o regime militar (1964 - 1985)

A presente aula trabalha cinco temas centrais para a compreensão da


política externa brasileira (PEB) no período compreendido entre 1964 e 1985. O
primeiro tema trata do governo de Castelo Branco, que vai de 1964 a 1967, no
qual o alinhamento ao governo dos EUA assumiu centralidade na condução da
política externa brasileira. O segundo tema, por sua vez, trata do governo de
Costa e Silva, que governou o país de 1967 a 1969 e que trouxe a “Diplomacia
da Prosperidade” como uma tentativa trazer maior autonomia para a política
externa brasileira do que o período precedente. O terceiro tema, por sua vez,
trata da política externa do governo de Médici, de 1979 a 1974, que trouxe a
Diplomacia do Interesse Nacional, pautada pela priorização do interesse
nacional e da promoção do desenvolvimento do país no plano externo. O quarto
tema trata do governo de Geisel, de 1974 a 1979, que trouxe a política externa
do pragmatismo responsável e ecumênico, na medida em que enfatizou o
universalismo da política externa, de forma a contemplar relações comerciais e
diplomáticas com diferentes países. Por fim, o quinto tema trata do governo de
João Batista Figueiredo, de 1979 a 1985, que, a despeito de crises internas e
internacionais, obteve alguns avanços para as relações internacionais do Brasil,
com destaque para o contexto da América Latina.

TEMA 1 – CASTELO BRANCO (1964 – 1967)

O governo de João Goulart foi caracterizado por uma crescente


radicalização da sociedade brasileira, e seu projeto de Reformas de Base e
Agrária teve uma recepção bastante negativa por parte de setores
conservadores do próprio governo (Ferreira, 2017). Esse contexto conformou o
pano de fundo do golpe militar de 1964, que teve início com o governo de Castelo
Branco. Naquele contexto, embora os EUA não tenham alocado tropas no Brasil,
houve o apoio indireto desse governo no estabelecimento do regime militar no
país. Nesse sentido, a Operação Brother Sam, organizada pelos EUA, foi uma
operação militar que mobilizou recursos materiais para apoiar a consolidação do
golpe. Naquele contexto, navios dos Estados Unidos foram mobilizados;
contudo, a ação externa não foi necessária para a efetivação do golpe.
A política externa do governo Castelo Branco foi caracterizada por Cervo
e Bueno como “o passo fora da cadência” (CERVO; BUENO, 2010, p. 368), na
medida em que a PEB de Castelo promoveu um distanciamento da postura de
universalização de parcerias trazida pela PEI, ao enfatizar o alinhamento com os
EUA (Vidigal; Doratioto, 2014, p. 89). Segundo Vidigal e Doratioto (2014), esse
alinhamento tornou-se evidente na medida em que o Brasil buscou enfatizar as
condicionantes da guerra fria, como a bipolaridade e a associação entre
segurança e desenvolvimento econômico (Cervo; Bueno, 2010, p. 369;
Doratioto; Vidigal, 2014, p. 89; Oliveira, 2005). Em consequência dessa postura,
o governo de Castelo conferiu grande ênfase ao tema da segurança nacional, o
que pode ser evidenciado nas seguintes situações:

1. em 1964, o Brasil rompeu relações diplomáticas com Cuba, em razão do


regime socialista adotado por esse país e de forma a mostrar alinhamento
aos EUA;
2. em 1965, o Brasil contribuiu com tropas na intervenção que os EUA
fizeram na República Dominicana.

Saiba mais

Segundo Vidigal e Doratioto (2014, p. 90), a política da República


Dominicana contava com uma expressiva participação de correntes de
esquerda. Esse cenário fez que os EUA enviassem um grupo de fuzileiros navais
para o país, no contexto de uma missão aprovada pela OEA, a Força
Interamericana de Paz. Naquele contexto, o Brasil contribuiu com 1.100 homens
para a força (idem), contrariando, dessa forma, os princípios de
autodeterminação e de não intervenção defendidos no contexto da PEI.

TEMA 2 – COSTA E SILVA E A DIPLOMACIA DA PROSPERIDADE (1967 –


1969)

O segundo governo do regime militar foi protagonizado por Artur da Costa


e Silva, de 1967 a 1969, que marcou uma evidente radicalização do regime
autoritário. De fato, naquele contexto, houve o estabelecimento, em dezembro
de 1968, do Ato Institucional n. 5 (AI-5), que “suspendeu as garantias
constitucionais, fechou o Congresso por tempo ilimitado e cassou mandatos de
opositores do regime” (Hermann, 2011, p. 65). Esse governo estabeleceu o que

3
Cervo e Bueno (2010, p. 381) intitularam de uma “nova correção de rumos” na
política externa brasileira, pois a orientação externa do governo de Castelo,
pautada pela bipolaridade, foi revista. Assim, a política externa do governo de
Costa e Silva tornou-se conhecida como a “Diplomacia da Prosperidade”.
Segundo Cervo e Bueno (2010, p. 382) e Vidigal e Doratioto (2014, 91), essa
política deixou de conferir prioridade a temas que receberam maior atenção do
governo de Castelo, como a bipolaridade, a segurança coletiva, a
interdependência militar e o ocidentalismo. Nesse sentido, a política externa de
Costa e Silva conferiu prioridade ao desenvolvimento nacional, por meio da
ampliação do comércio internacional, da cooperação externa do Brasil e da
diversificação dos fluxos financeiros internacionais (Cervo; Bueno, 2010, p. 382).
Como consequência dessa nova linha de atuação externa, o Brasil obteve, em
primeiro lugar, uma ampliação dos contatos com vizinhos da América Latina e
com outros países do Terceiro Mundo, especialmente em fóruns internacionais.
Nesse sentido, o Brasil atuou como uma liderança do Grupo dos 77, uma
coalizão de países em desenvolvimento que foi fundada em 1964, no contexto
da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento. Além
disso, o Brasil exerceu pressões no contexto do GATT (Acordo Geral de Tarifas
e Comércio) para que houvesse um tratamento diferenciado em temas
comerciais para países em desenvolvimento. Ainda no governo de Costa e Silva,
deve ser destacada a rejeição do Brasil ao Tratado de Não Proliferação Nuclear
(TNP), de 1968. Esse tratado baseou-se em três pilares, nomeadamente:
1. a defesa do desenvolvimento de tecnologias nucleares para fins pacíficos;
2. a não proliferação nuclear, no sentido que os Estados sem armas
nucleares deveriam assumir o compromisso de não desenvolver esses
materiais e;
3. o desarmamento nuclear, segundo o qual os Estados nuclearmente
armados deveriam promover um desarmamento progressivo.
Segundo Vidigal e Doratioto (2014, p. 98), “O Brasil não aderiu ao TNP
por considerá-lo injusto e discriminatório, pois restringia de modo horizontal a
disseminação da tecnologia nuclear sem impedir o aumento horizontal dos
arsenais das grandes potências”. Vale destacar, no entanto, que o Brasil
assumiu um compromisso com a proscrição de armas nucleares na América
Latina, no contexto da assinatura do Tratado de Tlatelolco, de 1968 (idem).

4
TEMA 3 – MÉDICI, ENTRE O PRIMEIRO E O TERCEIRO MUNDO (1969 –
1974)

A política externa do governo Emílio Garrastazzu Médici (1969-1974)


tornou-se conhecida como “Diplomacia do Interesse Nacional”. Segundo Cervo
e Bueno (2010, p. 384), essa orientação diplomática pressupunha que a política
externa brasileira deveria ser orientada para a consecução dos interesses
nacionais no plano externo, de forma a avançar o desenvolvimento do Brasil. Do
ponto de vista interno, o período foi marcado por radicalização política, violência
repressiva e censura a meios de comunicação, e diversos veículos
internacionais denunciaram as violências cometidas contra presos políticos no
Brasil (Dias, 2009).
Ainda nesse período, o Brasil vivenciou o “Milagre Econômico Brasileiro”,
expressão que foi utilizada para descrever um contexto econômico no qual o
Brasil logrou alcançar altas taxas de crescimento do PIB, com média de 11% ao
ano e, simultaneamente, controlar a inflação (Hermann, 2011, p. 62). Naquele
contexto, a política desenvolvimentista do governo Médici fez que esse governo
buscasse, no plano externo, viabilizar novos mercados consumidores para o
Brasil (Vidigal; Doratioto, 2014, p. 94). De fato, em 1972, o diplomata brasileiro
Gibson Barbosa visitou nove países do continente africano, como forma de
viabilizar novas parcerias comerciais para o Brasil (idem).
Do ponto de vista regional, o Brasil também ampliou seus acordos
bilaterais com vizinhos latino-americanos. Naquele contexto, em 1973, o Brasil
assinou com o Paraguai o Tratado de Itaipu, que viabilizaria a construção de uma
hidrelétrica na fronteira entre esses países, a atual usina de Itaipu. Porém, esse
projeto gerou atritos na relação entre o Brasil e a Argentina, pois a Argentina
pretendia construir também uma hidrelétrica denominada Corpus Christi, a
jusante da usina de Itaipu, e alegava que o Brasil havia prejudicado seu projeto,
por não ter sido consultado previamente sobre a utilização das águas do Rio
Paraná.

5
Saiba mais

Para saber mais sobre essa questão, acesse o link a seguir e leia o artigo
de Matias Spektor:
SPEKTOR, M. (2002) O Brasil e a Argentina entre a cordialidade oficial e
o projeto de integração: a política externa do governo de Ernesto Geisel (1974-
1979). Revista Brasileira de Política Internacional, v. 45, n. 1, p. 117-145,
2002.

No tocante às relações entre o Brasil e os EUA, houve a manutenção de


relações positivas e a busca de convergência de posições; contudo, essas
relações não significavam um alinhamento automático, pois, conforme ressaltou
o chanceler Gibson Barbosa, a diplomacia brasileira nem sempre teria que
assumir as mesmas posições que a diplomacia dos EUA (Vidigal; Doratioto,
2014, p. 93). Essas relações amigáveis entre o Brasil e os EUA foram
evidenciadas no contexto da visita do presidente Médici aos EUA, ocasião na
qual o presidente dos EUA, Richard Nixon, afirmou que: “para onde for o Brasil,
irá o resto da América Latina” (Vidigal; Doratioto, 2014, p. 94). Essa frase gerou
protestos por parte dos vizinhos do Brasil, os quais temiam a possibilidade de
subimperialismo por parte do Brasil no contexto da América Latina.
Por fim, Vidigal e Doratioto (2014, p. 95) destacam o tema da definição do
mar territorial do Brasil, que ocorreu em 1970. Naquele ano, o mar territorial do
Brasil foi definido, por meio de um decreto, para ter o tamanho de 200 milhas
marítimas, o que contrariou a vontade dos EUA (Carvalho, 1999).

TEMA 4 – GEISEL E O PRAGMATISMO RESPONSÁVEL

O governo de Ernesto Geisel (1974-1979) teve início com a intenção de


promover uma abertura lenta, gradual e segura no Brasil. Segundo Hermann
(2011, p. 81): “A abertura política planejada por Geisel e seu ministro da casa
civil, Golbery do Couto e Silva, não pretendia afastar os militares do poder, mas,
sim, institucionalizar esse poder por meio de uma base partidária sólida”. Nesse
contexto, a política externa do presidente Ernesto Geisel popularizou-se pela
expressão “pragmatismo responsável e ecumênico”. De acordo com Cervo e
Bueno (2010, p. 386),

6
a. o pragmatismo referia-se à busca de uma diplomacia pautada pela
eficiência em suas ações externas e direcionada à busca do interesse
nacional;
b. o termo responsável estava relacionado à ideia de que o pragmatismo não
deveria ser entendido como “oportunismo” e;
c. o adjetivo ecumênico referia-se à ideia de que o Brasil deveria promover
a diversificação dos laços externos do país.

O ecumenismo da política externa tornou-se evidente no continente


africano, haja vista que o Brasil foi o primeiro país a reconhecer a independência
de Angola, de Moçambique e de Guiné-Bissau, sendo que, no caso de Angola e
de Moçambique, os governos tinham orientação socialista. No Oriente Médio, o
Brasil, buscando atrair petrodólares para apoiar o desenvolvimento nacional,
estreitou relações com países árabes e apoiou, no contexto das Nações Unidas,
uma resolução da Assembleia Geral que considerou o sionismo uma forma de
racismo. Na América Latina, o Brasil empreendeu esforços para aproximar-se de
seus vizinhos. Um dos exemplos desses esforços foi a adesão do Brasil, em
1978, do Tratado de Cooperação Amazônica, que incluiu países da Bacia
Amazônica e teve como objetivo a promoção do desenvolvimento econômico e
comercial dos países do entorno amazônico. Com esse tratado, o Brasil
enfatizou a necessidade de uma ação autônoma para a gestão dos recursos do
contexto amazônico. Ainda no contexto do governo de Geisel, o Brasil
experimentou um prolongado período de fortes crises diplomáticas com a
Argentina, e as divergências entre esses países quanto à forma de utilização do
Rio Paraná exerceu um papel relevante nesse contexto.
Ainda no governo Geisel, houve avanços pelo governo brasileiro no
desenvolvimento da tecnologia nuclear para fins pacíficos. Nesse sentido, em
1975, o Brasil assinou, com a Alemanha Ocidental, o Acordo Nuclear Brasil-
Alemanha, que previa a instalação de oito usinas nucleares no Brasil (Vidigal;
Doratioto, 2014, p. 98). Em 1977, os Estados Unidos pressionavam o Brasil para
que não houvesse a execução do acordo com a Alemanha Ocidental (idem, p.
99). Além disso, no mesmo ano, o presidente americano Jimmy Carter advertiu
publicamente o governo Geisel sobre a situação de violações dos direitos
humanos no Brasil (Silva, 2014, p. 147). Em consequência das pressões dos
EUA, em 1977, o Brasil denunciou o Acordo Militar que havia assinado com os
EUA em 1952 (Vidigal; Doratioto, 2014, p. 99; SILVA, 2014, p. 147).

7
TEMA 5 – FIGUEIREDO E O UNIVERSALISMO SOB PRESSÃO (1979 – 1985)

O governo de João Batista Figueiredo assumiu a presidência do Brasil em


1979 com a incumbência de dar continuidade à política de “abertura lenta,
gradual e segura” iniciada por Geisel. Porém, o cenário político e econômico
encontrado por Figueiredo apresentava-se de forma bastante complexa, em
razão de novos cenários econômicos e políticos. De fato, durante o governo de
Figueiredo, houve uma expressiva deterioração da economia nacional, o que
motivou a chamar a década de 1980 com “Década Perdida” da economia
brasileira. Do ponto de vista internacional, além do Choque do Petróleo, de 1979,
que contribuiu para a crise econômica do Brasil, houve uma fase de aumento
das tensões entre os EUA e a URSS, exemplificada por conflitos como a guerra
Irã-Iraque e a Guerra do Afeganistão (Vidigal; Doratioto, 2014, p. 98).
A despeito desse contexto de crises, a política externa de Figueiredo
buscou fortalecer os laços com países da América Latina. De fato, em 1979, a
assinatura do Tratado de Acordo Tripartite Brasil-Argentina-Uruguai, que
compatibilizou a construção de Itaipu e de Corpus e, com isso, pôs fim a um
longo período de tensões entre o Brasil e a Argentina (Candeas, 2005, p. 23).
Além disso, em 1980, o Brasil firmou o Acordo Nuclear Brasil Argentina para o
Desenvolvimento e Aplicação dos Usos Pacíficos da Energia Nuclear, o que
contribuiu para o estreitamento dos laços entre os países também nesse tema.
Na esteira desse processo, em 1982, o Brasil manteve o que Moniz Bandeira
(2003) chamou de “neutralidade imperfeita” no conflito entre a Argentina e a Grã-
Bretanha pelas Ilhas Malvinas: o Brasil afirmava sua neutralidade perante o
conflito, mas, na prática, concedia apoio à Argentina, por exemplo, mediante o
envio de recursos a esse país (Almeida, 2013).
Com relação às relações entre o Brasil e as duas principais potências da
Guerra Fria, observou-se a busca de relações mais autônomas por parte do
Brasil: se, por um lado, as relações com a URSS contemplaram acordos
comerciais e tecnológicos, por outro, as relações com os EUA foram marcadas
por críticas à ação externa dos EUA em alguns temas, como o boicote dos EUA
às Olimpíadas de 1980 e a rejeição ao embargo econômico proposto pelos EUA
à URSS.

8
NA PRÁTICA

Ao longo desta aula, chegamos à conclusão de que Brasil e Argentina


experimentaram uma aproximação diplomática. De fato, após o Acordo
Tripartite, de 1979, houve um crescente reforço nos laços entre os países, por
meio de acordos de cooperação nos mais diversos campos, como cooperação
científica e tecnológica, comercial e também na área de usos pacíficos da
energia nuclear. Esse contexto gerou resultados favoráveis para a integração
regional, como pode ser observado no contexto da criação do Mercosul, em
1991, cujo início remonta à aproximação entre Brasil e Argentina. Assim, verifica-
se que a diplomacia gerou dividendos para o contexto regional, na medida em
que gerou maior cooperação entre esses países, com resultados positivos para
países vizinhos.

FINALIZANDO

Após um período de ênfase ao alinhamento com os EUA, no contexto do


governo Castelo Branco, a PEB durante os anos do regime militar foi
caracterizada por governos sucessivos que avançaram, em medidas variadas,
temas centrais para a política externa brasileira, como a diversificação de laços
comerciais e a ampliação de contatos com países de diferentes regiões do
mundo. Nesse sentido, Costa e Silva enfatizou a diplomacia da prosperidade
como uma tentativa trazer maior autonomia para a política externa brasileira do
que o governo de Castelo. O governo de Médici, por sua vez, trouxe a diplomacia
do interesse nacional, cuja ênfase estava na priorização do interesse nacional e
da promoção do desenvolvimento do país. Com Geisel, o pragmatismo
ecumênico e responsável passou a ser a característica básica da PEB, o que
trouxe o universalismo e a busca de eficiência para as relações externas do
Brasil. Por fim, João Batista Figueiredo avançou os laços do Brasil com seus
vizinhos da América Latina, e, em particular, com a Argentina, na esteira do
Acordo Tripartite de 1979.

9
REFERÊNCIAS

ALMEIDA, J. D. L. de. História do Brasil. Brasília: FUNAG, 2013.

BANDEIRA, L. A. M. Brasil, Argentina e Estados Unidos: conflito e integração


na América do Sul (da Tríplice Aliança ao Mercosul 1870-2003). Rio de Janeiro:
Revan, 2003.

CANDEAS, A. W. Relações Brasil-Argentina: uma análise dos avanços e


recuos. Revista Brasileira de Política internacional, Brasília, v. 48, n. 1, p.
178-213, 2005.

CARVALHO, G. L. C. O mar territorial brasileiro de 200 milhas: estratégia e


soberania, 1970-1982. Revista Brasileira de Política internacional, Brasília, v.
42, n. 1, p. 110-126, 1999.

CERVO, A.; BUENO, C. História da política exterior do Brasil. Brasília: Ed. da


Universidade de Brasília, 2010.

DIAS, S. MÉDICI, Emílio Garrastazzu. CPDOC FGV, 2009. Disponível em:


<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/medici-emilio-
garrastazzu>. Acesso em: 18 nov. 2018.

FERREIRA, M. M. de. As reformas de base. CPDOC FGV, 2017. Disponível em:


<https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/NaPresidenciaRepublica/
As_reformas_de_base>. Acesso em: 18 nov. 2018.

GIAMBIAGI, F. et al. Economia brasileira contemporânea. Rio de Janeiro:


Elsevier, 2011.

HERMANN, J. (2011) Auge e declínio do modelo de crescimento e


endividamento: o II PND e a crise da dívida externa (1974 – 1979). In:
GIAMBIAGI, F. et al. Economia brasileira contemporânea. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2011.

OLIVEIRA, H. A. de. Política externa brasileira. São Paulo: Saraiva, 2005.

SILVA, F. C. T. da. História do Brasil Nação: modernização, ditadura e


democracia. São Paulo: Mapfre; Objetiva, 2014.

SPEKTOR, M. O Brasil e a Argentina entre a cordialidade oficial e o projeto de


integração: a política externa do governo de Ernesto Geisel (1974-1979).
Revista Brasileira de Política Internacional, v. 45, n. 1, p. 117-145, 2002.

10
VIDIGAL, C. E.; DORATIOTO, F. F. M. História das relações internacionais
do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2014.

11
POLÍTICA EXTERNA
BRASILEIRA
AULA 5

ProfaThaise Kemer
CONVERSA INICIAL

A presente aula trabalha a política externa brasileira no período


compreendido entre os anos de 1985 e 2002, analisando as iniciativas
internacionais do Brasil ao longo dos governos de José Sarney (1985-1990),
Fernando Collor (1990-1992), Itamar Franco (1992-1994) e Fernando Henrique
Cardoso (1995-2002). No Governo Sarney, a despeito do quadro de profunda
crise econômica do país, houve avanços importantes em termos da integração
regional. Nesse sentido, o estreitamento da parceria entre o Brasil e a Argentina
teve papel fundamental na consolidação do Mercosul, criado em 1991, durante
o Governo Collor. Este, por sua vez, trouxe grande ênfase à agenda neoliberal,
defendendo a maior aproximação do Brasil com países do “Primeiro Mundo” e a
adoção de medidas preconizadas pelo chamado Consenso de Washington,
entendido como um conjunto de medidas que pregava, entre outros, a abertura
econômica, as privatizações e a reforma da Previdência.
Nos governos de Itamar Franco e de Fernando Henrique Cardoso, por sua
vez, houve tanto a continuidade dos esforços de integração regional quanto uma
ampliação da adesão do Brasil a regimes internacionais. Nesse sentido, o Brasil
aderiu a tratados de proteção aos direitos humanos e, ainda, consolidou sua
participação em diversos foros multilaterais internacionais. Assim, a análise da
política externa brasileira do Governo Sarney ao Governo Fernando Henrique
Cardoso fornece um rico panorama histórico da redemocratização do Brasil.

TEMA 1 – A POLÍTICA EXTERNA DO GOVERNO SARNEY: CONTINUIDADE E


TRANSIÇÃO (1985 – 1990)

Conforme estudamos, o Governo do Presidente João Batista Figueiredo


(1979-1985) deu continuidade à política do Presidente Ernesto Geisel (1974-
1979) de promover uma abertura do regime militar brasileiro. Nesse contexto,
em 1984, foram realizadas campanhas em todo o país para que houvesse
eleições diretas. Contudo, a emenda Dante de Oliveira não foi aprovada. Assim,
foram realizadas eleições indiretas, por meio da formação de um Colégio
Eleitoral, e Tancredo Neves foi o escolhido. Ele, porém, faleceu após sua eleição,
de forma que seu vice-presidente, José Sarney, assumiu, em 1985, a presidência
do Brasil.
O Governo de José Sarney ocorreu durante uma profunda crise
econômica do país, que enfrentava elevados índices de inflação. O cenário de
explicava-se não apenas por questões internas, mas também do contexto
internacional, em razão do choque do petróleo, de 1979, e da crise nos países
da América Latina, para a qual os anos de 1980 se tornaram conhecidos como
a “década perdida”. Para tentar solucionar a situação, Sarney promoveu uma
sucessão de planos econômicos que envolveram o tabelamento de preços
internos como meio de controle inflacionário, mas eles falharam.
Nesse contexto, a política externa brasileira foi utilizada como meio para
enfrentar a crise econômica, por meio da busca da diversificação de parcerias.
Para tanto, o Brasil procurou fortalecer suas relações com os países da região,
a exemplo das seguintes iniciativas: em 1985, o Brasil apoiou as iniciativas do
Grupo de Contadora1 para promover a paz na América Central; em 1986, Brasil,
Argentina, Peru e Uruguai criaram o Grupo de Apoio a Contadora, formado por
países que, assim como o Brasil, apoiavam a solução pacífica dos conflitos da
América do Norte (Vidigal; Doratioto, 2014, p. 105). Em 1986, houve a fusão
entre os Grupos de Contadora e de Apoio à Contadora, o que originou o Grupo
do Rio, cujo propósito era funcionar como um foro de concertação política e
diplomática para os países da América do Sul.

TEMA 2 – GOVERNO SARNEY E AS RELAÇÕES COM A ARGENTINA

Com relação a Brasil e Argentina, houve, também, uma importante


aproximação das relações diplomáticas. De fato, após a solução do contencioso
de Itaipú, em 1979, ambos os países buscaram o reforço da integração regional
como meio de responder aos desafios internacionais dos anos 1980. Nesse
contexto, uma série de iniciativas bilaterais teve papel fundamental para reforçar
os laços entre Brasil e Argentina, como as seguintes: em 1985, Brasil e Argentina
assinaram a Ata de Iguaçu, que teve o objetivo de ampliar a cooperação entre
os países e aprofundar o processo de integração econômica; em 1988, foi
estabelecido o Programa de Integração e Cooperação Econômica (PICE), cuja
finalidade era promover a ampliação da integração entre as duas economias; em
1988, foi assinado o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, que

1
O Grupo de Contadora foi formado em 1983 por Colômbia, México, Panamá e Venezuela, e seu objetivo
era solucionar de forma pacífica os conflitos que estavam em curso em alguns países da América Central,
como El Salvador, Guatemala e Honduras (Vidigal; Doratioto, 2014, p. 104).
3
previu a criação de um mercado comum em 10 anos. Assim, o Governo Sarney
contribuiu para o fortalecimento das relações entre o Brasil e a Argentina na
década de 1980, o que teve papel central no estabelecimento do Mercosul.

TEMA 3 – O GOVERNO SARNEY E AS RELAÇÕES COM EUA, CHINA E ÁFRICA

No que concerne às relações entre o Brasil e os EUA, houve divergências


diplomáticas. Um dos fatores que contribuíram para esse quadro foi a crise da
dívida externa brasileira, haja vista que os EUA têm grande peso em bancos
credores internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco
Mundial, os quais estavam diretamente envolvidos nas negociações dessa
dívida. Em 1987, Sarney decretou a moratória parcial da dívida, com a
suspensão do pagamento dos juros aos bancos privados. Em 1988, após
negociações do Brasil com o FMI, essa moratória foi revogada.
Outro fator que contribuiu para as divergências entre o Brasil e os EUA
foram desentendimentos na área de informática. Como pano de fundo dos
atritos, em 1984, o Congresso brasileiro havia criado a Política Nacional de
Informática. Segundo esta, o suprimento interno de computadores de pequeno
porte ficou reservado a produtores nacionais. Então, em 1985, os EUA abriram
investigações contra o Brasil para saber se a Lei de Informática era contrária ao
livre comércio internacional (Ricupero, 2017, p. 569).
Nas relações entre o Brasil e a China, houve um estreitamento de laços
diplomáticos e comerciais. Em 1985, o primeiro-ministro chinês, Zhao Ziyang,
visitou o Brasil, e foi assinado um memorando de entendimento sobre
cooperação entre os países. Em 1988, Brasil e China anunciaram o Programa
China-Brazil Earth Resource Satellites (CBERS), cujo objetivo era a construção
conjunta de satélites. Em 1988, o Presidente Sarney visitou a China (MRE,
[s.d.]).
No tocante às relações entre o Brasil e países africanos, observou-se que
se, por um lado, o Brasil promoveu um distanciamento com relação à África do
Sul, em razão de seu regime do apartheid, por outro, houve esforços importantes
de aproximação do Brasil com os demais países do continente africano. Nesse
contexto, em 1986, o Brasil obteve a aprovação nas Nações Unidas de sua
proposta de criação da Zona de Paz e de Cooperação do Atlântico Sul
(ZOPACAS). Segundo o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, o objetivo
da ZOPACAS é “(...) articular ações em benefício da paz, da estabilidade e do
4
desenvolvimento sustentável do Atlântico Sul, por meio do fortalecimento da
coordenação e cooperação entre seus Estados-membros”. (MRE, [s.d.] b). Além
disso, em 1989, o Brasil promoveu, em São Luís do Maranhão, o Encontro dos
Chefes de Estado de Países de Língua Oficial Portuguesa, que contou com a
participação de países africanos lusófonos, como Angola e Moçambique, e
resultou na criação do Instituto Internacional de Língua Portuguesa. Assim, o
Governo Sarney contribuiu para o fortalecimento dos laços diplomáticos do Brasil
no plano internacional, por meio do estabelecimento tanto de diálogos
diplomáticos quanto de acordos de cooperação em áreas diversas.

TEMA 4 – A POLÍTICA EXTERNA DOS GOVERNOS DE FERNANDO COLLOR E


DE ITAMAR FRANCO

Segundo Vidigal e Doratioto (2014, p. 114), a política externa do governo


de Fernando Collor esteve alinhada com os preceitos neoliberais que estavam
em alta no início dos anos 1990 e que preconizavam, entre outros, a abertura
econômica, as privatizações e a reforma da Previdência, entre outros 2. Nesse
contexto, duas iniciativas da política externa do Governo Collor devem ser
destacadas: a criação do Mercosul e a participação do Brasil na Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.
Em 1991, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai uniram-se para a
formação do Mercado Comum do Sul, ou Mercosul. De acordo com Vidigal e
Doratioto (2014, p. 115), como resultado da criação do Mercosul, o comércio
entre esses países cresceu 300%, em um intervalo de seis anos.
Em 1992, o Brasil sediou a Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, na qual estiveram presentes mais de cem chefes
de Estado e de Governo. Nessa conferência, houve grande destaque ao conceito
de desenvolvimento sustentável (Vidigal; Doratioto, 2014, p. 116), que relaciona
o desenvolvimento ao atendimento das necessidades das gerações futuras.

2
Segundo Doratioto e Vidigal (2014, p. 116), o Governo Collor apresentou temas relevantes para sua
política externa no contexto da abertura da XLV Assembleia Geral das Nações Unidas, entre os quais seu
alinhamento com países de Primeiro Mundo e sua adesão ao chamado Consenso de Washington. Segundo
os autores, o Consenso de Washington foi um conjunto de preceitos econômicos definido no contexto de
uma reunião internacional de economistas em 1989. Esses economistas defenderam que países da
América Latina deveriam aplicar em suas economias princípios neoliberais, como as privatizações, a
flexibilização das leis do trabalho e o rigor fiscal, entre outros.
5
Com o impeachment de Fernando Collor, em 1992, Itamar Franco
assumiu a Presidência da República e deu prioridade tanto à integração regional
do Brasil quanto à ampliação da participação do país em foros multilaterais. De
fato, no âmbito regional, além de dar continuidade ao Mercosul, Itamar propôs,
em 1993, a criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCSA), cujo
objetivo seria estabelecer uma área de livre comércio entre as economias da
América do Sul. A criação da ALCSA deve ser compreendida no contexto da
proposta dos Estados Unidos para a criação da Área de Livre Comércio das
Américas, feita em 1994. A proposta da ALCA era criar uma área de livre
comércio que incluísse os países da América. A despeito de serem projetos
ambiciosos, a ALCSA e a ALCA não lograram êxito.
A respeito da agenda comercial, estavam em curso as negociações da
Rodada Uruguai, que era uma das rodadas de negociação no contexto do
Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT). No contexto da Rodada Uruguai, o
Brasil defendeu o multilateralismo e o abandono do protecionismo no comércio
internacional.

TEMA 5 – GOVERNO CARDOSO E A DIPLOMACIA PRESIDENCIAL

De acordo com Sérgio Danese (2017), o governo de Fernando Henrique


Cardoso (1994-2002) foi, junto com o governo de Lula da Silva (2003-2010), um
dos principais expoentes em termos da chamada “diplomacia presidencial”.
Segundo Danese (2017), a diplomacia presidencial é um conceito que envolve a
participação ativa do presidente na condução de assuntos de política externa,
por meio da condução pessoal de temas diversos da pauta diplomática do país.
De fato, o Presidente Fernando Henrique fez, ao longo de seus dois mandatos,
96 viagens e visitou 44 países, o que constitui um indicativo da relevância
atribuída por ele aos temas da agenda internacional.
Nesse contexto, um dos focos da política externa brasileira foi o âmbito
regional, com grande espaço dedicado ao Mercosul e ao estreitamento de laços
com outros países da América do Sul. No âmbito do Mercosul, ocorreu, em 1999,
uma crise de grandes proporções, porque, naquele ano, o Brasil promoveu a
desvalorização do real perante o dólar como forma de conter desequilíbrios
econômicos internos. Como consequência dessa política, a economia da
Argentina foi impactada negativamente, pois seus produtos se tornaram
comparativamente mais caros do que os produtos brasileiros. Assim, as vendas
6
de produtos da Argentina para o Brasil sofreram uma importante redução, o que
abriu uma crise no Mercosul.
Como um meio para solucionar essa crise, o Brasil organizou, no ano de
2000, a Primeira Cúpula de Presidentes da América do Sul, em Brasília, a qual
contou com a participação de 12 presidentes de nações vizinhas e teve o
propósito de aprofundar a cooperação e a integração entre os países da região.
Na Cúpula, ocorreu o lançamento da IIRSA, a Iniciativa para Integração e
Infraestrutura Regional Sulamericana, cuja ênfase recaiu na integração da
infraestrutura entre os países da América do Sul, sobretudo nas áreas de
transportes, energia e comunicações.
No âmbito multilateral, o Brasil ampliou sua participação em foros
internacionais, de forma a substituir a “autonomia pela distância” pela “autonomia
pela participação” (Fonseca Jr., 1998, p. 359 e p. 363). De fato, durante o
Governo Cardoso, o Brasil aumentou a participação em conferências
internacionais e aderiu a diversos tratados multilaterais, como foi o caso do
Tratado de Não Proliferação, em 1998.
Por fim, deve-se destacar que, embora o governo do Presidente Fernando
Henrique tenha apresentado um relativo distanciamento com relação à
cooperação com países africanos, houve, em 1996, a criação da Comunidade
dos Países Africanos Lusófonos (CPLP), com o objetivo de promover a
concertação político-diplomática, a cooperação entre seus membros e a
promoção da língua portuguesa (MRE, [s.d.]c).

NA PRÁTICA

Para compreender o posicionamento externo dos governos trabalhados


nesta aula, é necessário considerar o contexto do Brasil no período,
caracterizado pela redemocratização. De fato, o estabelecimento da
Constituição de 1988 (Brasil, 1988) constitui marco fundamental para
compreender a política externa brasileira, haja vista que ela trouxe, em seu art.
4º, os princípios que regem as relações internacionais do Brasil, quais sejam: 1.
a independência nacional; 2. a prevalência dos direitos humanos; 3. a
autodeterminação dos povos; 4. a não intervenção; 5. a igualdade entre os
Estados; 6. a defesa da paz; 7. a solução pacífica dos conflitos; 8. o repúdio ao
terrorismo e ao racismo; 9. a cooperação entre os povos para o progresso da
humanidade; 10. a concessão de asilo político (Brasil, 1988). Além disso, o
7
parágrafo único do art. 4º afirma que o Brasil buscará a integração com os povos
da América Latina (Brasil, 1988).
Assim, a presente aula evidencia que os diferentes presidentes brasileiros
do período trabalhado buscaram avançar os princípios contidos na Constituição
Federal, de maneira a: ampliar a adesão do Brasil a regimes internacionais
relacionados à proteção e à promoção dos direitos humanos; ampliar a
integração regional; na esteira do parágrafo único do art. 4º; repudiar o racismo,
conforme foi evidenciado na postura de recusa do Brasil ao regime de apartheid
promovido pela África do Sul; promover a paz internacional, a exemplo das
iniciativas do Brasil para a criação da Zona de Paz e de Cooperação do Atlântico
Sul (ZOPACAS), em 1986; ampliar os laços diplomáticos e comerciais do Brasil
com outros países, o que guarda relação direta com o princípio da cooperação
do Brasil com outros países.

FINALIZANDO

Ao longo desta aula, observamos que o período entre os governos de


Sarney e de Fernando Henrique Cardoso consolidou diversos princípios que
estão presentes no art. 4º da Constituição Federal de 1988. De fato: 1. o
Mercosul constituiu um exemplo de notável fortalecimento da integração
regional; 2. a cooperação entre os povos foi explicitada em diversos momentos
do período, por exemplo no estreitamento das relações do Brasil com parceiros
como a China, a Índia e os países africanos lusófonos, no contexto da CPLP; 3.
a criação das ZOPACAS, em 1986, simbolizou os esforços do Brasil para
promover a paz e defender a solução pacífica de controvérsias.
Além disso, na década de 1990, o Brasil ampliou sua participação em
foros multilaterais, como no âmbito das Nações Unidas. Em razão desse fato,
Fonseca Júnior (1998) afirmou que a política externa brasileira passou a ser
pautada não mais pela "autonomia pelo distanciamento", mas, sim, por uma
"autonomia pela participação", no sentido de que o Brasil ampliou seu nível de
envolvimento em foros internacionais e, também, sua adesão a regimes
internacionais, sobretudo no âmbito dos direitos humanos.

8
REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988.

DANESE, S. Diplomacia presidencial: história e crítica. 2. ed. rev. Brasília:


FUNAG, 2017.

FONSECA JR, G. A legitimidade e outras questões internacionais. São


Paulo: Paz e Terra, 1998.

MRE – MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. República Popular da


China. [s.d.]. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/ficha-
pais/4926-republica-popular-da-china>. Acesso em: 4 dez. 2018.

_____. Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul. [s.d.]b. Disponível em:


<http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/paz-e-seguranca-
internacionais/151-zona-de-paz-e-cooperacao-do-atlantico-sul>. Acesso em: 4
dez. 2018.

_____. Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. [s.d.]c. Disponível


em: <http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/mecanismos-inter-
regionais/3676-comunidade-dos-paises-de-lingua-portuguesa-cplp>. Acesso
em: 4 dez. 2018.

RICUPERO, R. A diplomacia na construção do Brasil: 1750-2016. Rio de


Janeiro: Versal, 2017.

SILVA, A. L. R. da. Geometria variável e parcerias estratégicas: a diplomacia


multidimensional do governo Lula (2003-2010). Contexto int., Rio de Janeiro, v.
37, n. 1, p. 143-184, 2015.

VIDIGAL, C. E.; DORATIOTO, F. F. M. História das Relações Internacionais


do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2014.
POLÍTICA EXTERNA
BRASILEIRA
AULA 6

Profª Thaise Kemer


CONVERSA INICIAL

Na presente aula, trabalharemos a política externa brasileira no período


entre 2003 e 2014, que compreende os dois mandatos do Governo Luiz Inácio
Lula da Silva e o governo de Dilma Vana Rousseff. Durante o governo de Lula
da Silva, entre 2003 e 2010, a política externa brasileira promoveu a
diversificação de suas parcerias comerciais e diplomáticas, com ênfase na
cooperação Sul-Sul. Nesse cenário, o Brasil ampliou sua participação no
contexto das chamadas “coalizões de geometria variável” (Silva, 2015), entre as
quais podemos destacar o G-20 Comercial e o G-20 Financeiro, o IBAS, o
BRICS, o G-4 e o BASIC. No plano econômico, é importante evidenciar o
aumento das trocas comerciais entre o Brasil e a China, que, em 2009, tornou-
se o principal parceiro comercial do Brasil. Além disso, o Governo Lula trouxe
contribuições relevantes para a integração regional, aprofundando a dimensão
social do Mercosul e, de forma mais ampla, aumentando a aproximação com os
demais países de seu entorno regional, por meio da participação em iniciativas
como a Unasul e a Celac.
O governo de Dilma Rousseff, por sua vez, apresentou algumas linhas de
continuidade com relação ao Governo Lula, a exemplo da proximidade com
países em desenvolvimento e de atuação no contexto de coalizões, como o
BRICS e o G-4. Porém, o quadro de crise econômica e política causou uma
redução do protagonismo internacional do Brasil, sobretudo com relação a
projetos de cooperação Sul-Sul. Assim, a política externa do Governo Dilma deve
ser compreendida à luz do contexto interno, o que levou Cervo e Lessa (2014) a
caracterizarem essa fase como um período de declínio da inserção internacional
do Brasil.

TEMA 1 – A ASCENSÃO DO GOVERNO LULA E A NOVA MATRIZ


DIPLOMÁTICA

Em linhas gerais, é possível afirmar que a política externa do Governo


Lula buscou: um aprofundamento da integração regional e da atuação
multilateral do Brasil; o estabelecimento de parcerias com países desenvolvidos
e em desenvolvimento; a ênfase em temas sociais e promoção do
desenvolvimento, por meio do combate à fome e à pobreza; uma agenda

2
comercial voltada à ampliação das trocas econômicas com países de todo o
mundo e; a promoção da cooperação Sul-Sul.
No âmbito multilateral, o Brasil defendeu a necessidade de ampliar a sua
representação e a de outros países em desenvolvimento em foros internacionais,
como as Nações Unidas e o Fundo Monetário Internacional, de forma a torná-los
mais democráticos e mais representativos ao contexto internacional do século
XXI. Três exemplos do período ilustram as alianças entre o Brasil e outros países
em desenvolvimento: o Fórum de Diálogo entre Índia, Brasil e África do Sul
(IBAS); o G-20 Comercial e; o BRICS, formado por Brasil, Rússia, Índia, China e
África do Sul (Ricupero, 2016, p. 646).
O Grupo IBAS, cujo nome original é Fórum de Diálogo Brasil, Índia e África
do Sul, foi criado em 2003 e teve como objetivos: ampliar a cooperação
tecnológica, comercial e cultural entre os três países; contribuir para uma ordem
internacional mais equitativa; democratizar os foros internacionais e; aprofundar
o diálogo político entre os três países nas instâncias internacionais. Ainda no ano
de 2003, foi criado o G-20 Comercial, cujo propósito foi defender a liberalização
do comércio agrícola na Organização Mundial do Comércio (OMC), no contexto
da Rodada Doha. A Rodada Doha é a primeira e única rodada de negociações
da OMC. Ela teve início em Doha, no Catar, e também é conhecida como
Rodada do Desenvolvimento, pois enfatiza as necessidades dos países em
desenvolvimento. De fato, o Brasil e diversos outros países em desenvolvimento
argumentaram que o foco central das negociações da Rodada Doha deveria ser
na agricultura, haja vista que esse setor é fundamental para as economias de
países em desenvolvimento (MRE, [s.d.]a). Assim, para assegurar o adequado
tratamento do tema da agricultura no âmbito das negociações da OMC, criou-se,
em 2003, o G-20 Comercial, que, segundo Vidigal e Doratioto (2014, p. 126), foi
criado “[...] para pressionar os países desenvolvidos a eliminar os subsídios e as
barreiras ao comércio com os países mais pobres”. Assim, segundo esses
autores, o G-20 ganhou destaque internacional e impediu que medidas
comerciais prejudiciais aos países em desenvolvimento fossem tomadas.
A história do BRICS remonta ao ano de 2001, quando o economista Jim
O’Neill elaborou um relatório no qual a expressão “BRIC” surgiu para designar
economias que, em sua perspectiva, teriam elevado potencial de
desenvolvimento, nomeadamente Brasil, Rússia, Índia e China. Inspirados por
esse documento, em 2006, Brasil, Rússia, Índia e África do Sul se reuniram às

3
margens da reunião anual da Assembleia Geral das Nações Unidas para
dialogar sobre a cooperação entre eles. Assim, em 2009, foi realizada a primeira
Cúpula dos BRIC, que, em razão da crise internacional que havia ocorrido em
2008, foi fortemente centrada em temas econômicos e financeiros. Em 2011,
com o ingresso da África do Sul, a coalizão dos BRIC passou a ser conhecida
como BRICS, sua denominação atual. Os BRICS são um espaço de diálogo e
cooperação entre seus países-membros. Contudo, os BRICS não constituem
uma organização internacional, pois não possuem documento constitutivo,
secretariado fixo e orçamento próprio.

TEMA 2 – GEOMETRIA VARIÁVEL E PARCERIAS ESTRATÉGICAS DURANTE


O GOVERNO LULA

O IBAS, o G-20 e os BRICS são exemplos de “coalizões de geometria


variável” (Silva, 2015), que são grupos de diferentes tamanhos e composições
de países que concentram o foco de seus diálogos em temas centrais para a
agenda internacional, entre os quais a promoção do desenvolvimento, a
cooperação internacional e o aprimoramento da governança em matéria de
economia e de finanças internacionais.
De fato, de acordo com Silva (2015, p. 178), as coalizões de geometria
variável refletem “[...] a difusão do poder no sistema internacional pós-Guerra
Fria e a complexidade dos temas e alianças, buscando realizar uma sintonia fina
em relação ao acompanhamento desta difusão e adaptá-la aos interesses
nacionais brasileiros”. Nesse contexto, além do IBAS, do G-20 e do BRICS,
outras coalizões de geometria variável que contaram com a participação do
Brasil foram o BASIC, o G-20 Financeiro e o G-4.
O BASIC formou-se em 2009, por meio de uma aliança entre Brasil, África
do Sul, Índia e China. Seu objetivo é discutir medidas internacionais de combate
às mudanças climáticas. Esse grupo surgiu no contexto da 15ª Convenção das
Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP15). O BASIC
defende o princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”,
segundo o qual todos os países têm a responsabilidade de tomar medidas para
reduzir os impactos ambientais de suas sociedades; no entanto, há países que,
por seu histórico de desenvolvimento industrial, tiveram maior contribuição na
emissão de gases causadores do efeito estufa e, por isso, devem ter destacada
atuação para mitigar o aquecimento global.
4
Outra coalizão internacional que ganhou destaque durante o Governo
Lula foi o G-20 Financeiro. O G-20 foi criado em 1999 como uma reunião de
Ministros das Finanças entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, entre
os quais o Brasil. Inicialmente, constituía um espaço para cooperação em temas
econômicos e financeiros, porém a crise financeira de 2008 fez que os países
em desenvolvimento assumissem protagonismo internacional, pois a crise tomou
proporções globais. Assim, a busca por soluções envolveu o apoio financeiro de
grandes países em desenvolvimento, como o Brasil e a China. Então, após 2008,
o G-20 ganhou maior destaque no âmbito multilateral, haja vista que se tornou
uma reunião de chefes de Estado, com encontros anuais, com o propósito de
discutir temas centrais relacionados ao contexto econômico internacional.
Deve-se destacar, por fim, a atuação do Brasil no âmbito do G-4, uma
coalizão internacional formada por Brasil, Japão, Índia e Alemanha criada em
2004, cujo propósito é avançar a agenda de reformas do Conselho de Segurança
das Nações Unidas (Vidigal; Doratioto, 2014, p. 126). Nesse sentido, o Ministério
das Relações Exteriores do Brasil defende que somente um Conselho de
Segurança dotado de transparência e representatividade será capaz de traduzir
os interesses da comunidade internacional, especialmente dos países em
desenvolvimento, na contemporaneidade (CSNU Itamaraty, [s.d.]).

TEMA 3 – OS DESAFIOS DA INTEGRAÇÃO REGIONAL NA ESTRATÉGIA


BRASILEIRA

Durante o Governo Lula, houve críticas à proposta de criação da Área de


Livre Comércio das Américas (ALCA), que foi idealizada pelos EUA, em 1994. A
ALCA tinha propósitos que extrapolavam a dimensão comercial, visto que
incluiria a regulamentação de serviços, investimentos, propriedade intelectual e
compras governamentais. Nesse cenário, o Brasil empreendeu esforços para
promover um aprofundamento da integração regional, por meio de: integração
das infraestruturas de energia, comunicação, transportes entre os países da
região sul-americana; integração entre esses países no âmbito social; ampliação
do Mercosul, com a inclusão da Venezuela, e do apoio à constituição de outros
foros regionais multilaterais, como a UNASUL e a CELAC. Na esfera da
integração de infraestruturas, em 2007, ocorreu a Primeira Cúpula Energética
Sul-Americana, a qual viabilizou o lançamento de um projeto de corredor
interoceânico entre Brasil, Chile e Bolívia.
5
O âmbito social, por sua vez, tornou-se uma importante dimensão da
integração latino-americana durante o Governo Lula. Nesse sentido, o Brasil
buscou compartilhar com seus vizinhos suas experiências em projetos sociais,
como o projeto Fome Zero e o fomento à agricultura familiar, entre outros. Além
disso, em 2005, houve a criação do Fundo para Convergência Estrutural do
Mercosul (FOCEM), um fundo entre países do Mercosul que tem por objetivo
reduzir as assimetrias socioeconômicas entre os países membros desse bloco.
Ainda no campo social foi criado, em 2006, o Parlasul, com a finalidade de criar
um órgão independente e representativo dos povos do Mercosul, de forma a
reforçar a dimensão democrática desse bloco regional.
Além do aprofundamento das iniciativas de cunho social, o Governo Lula
incentivou tanto a ampliação das iniciativas de integração regional existentes
quanto a constituição de novos foros multilaterais regionais. No que concerne à
ampliação dos blocos regionais existentes, em 2006, por exemplo, a Venezuela
solicitou seu ingresso formal no Mercosul. Porém, em razão de divergências
entre os membros desse bloco, o ingresso somente foi efetivado em 2012, ano
em que o Paraguai, país que discordava do ingresso da Venezuela no bloco,
encontrava-se suspenso do Mercosul.
Além do Mercosul, outras iniciativas de integração regional ocuparam a
agenda internacional do Brasil. Entre elas, destacaram-se, no período, por
exemplo, a constituição da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), em
2008 e, ainda no mesmo ano, a realização da Primeira Cúpula da América Latina
e Caribe (CALC). A CALC foi organizada pelo Brasil, e seu objetivo foi
estabelecer um espaço de concertação entre os países da América Latina e do
Caribe, de forma a permitir o diálogo sobre temas de interesse comum, sem que
houvesse a interferência de países de fora da região. Em 2010, a fusão entre a
CALC e o Grupo do Rio resultou na criação da Comunidade dos Estados Latino
Americano e Caribenhos (CELAC), que passou a funcionar como um espaço de
diálogo e concertação política entre os países latino americanos e caribenhos.

TEMA 4 – A COOPERAÇÃO SUL-SUL NA ÁFRICA E NA ÁSIA

Durante o Governo Lula, houve um incremento das relações comerciais


do Brasil com a China, cujo mercado experimentou, nos anos 2000, um período
de crescimento acelerado. Esse fato fez com que a demanda da China por
commodities, sobretudo soja e minério de ferro, crescesse de forma acelerada.
6
O Brasil, então, teve seu crescimento acelerado em decorrência da expansão da
demanda da China por esses produtos, na medida em que os fornecia. Em
decorrência desse cenário, em 2009, a China tornou-se o principal parceiro
comercial do Brasil. Deve-se destacar que a relação entre o Brasil e a China
contava com um histórico importante de aproximação e de trocas comerciais,
haja vista que, desde 1993, ambos mantêm uma parceria estratégica (MRE,
[s.d.]b).
Ainda no continente asiático, destacaram-se as relações entre a Índia e o
Brasil. De fato, há cooperação e proximidade entre os dois países, pois o Brasil
e a Índia: estabeleceram uma parceria estratégica em 2006; atuaram
conjuntamente no âmbito da iniciativa IBAS; cooperam em matéria de ciência e
de tecnologia; ampliaram seu intercâmbio comercial nos Anos Lula.
O continente africano também ganhou protagonismo no contexto da
política externa de Lula. De fato, Lula articulou a identidade afro-brasileira à
atuação do Brasil naquele continente, visitando países africanos em diversas
ocasiões, de forma a avançar tanto a cooperação para o desenvolvimento do
Brasil quanto a atuação de empresas brasileiras em países africanos. Além
disso, durante esse período, diversas novas embaixadas foram abertas na
África. Assim, esta ganhou destaque no contexto das iniciativas de política
externa de Lula, que, por meio de sua diplomacia presidencial (Danese, 2017),
evidenciou a importância das relações do Brasil com países desse continente.

TEMA 5 – A POLÍTICA EXTERNA NO PRIMEIRO GOVERNO DILMA (2011-


2014)

O governo de Dilma Rousseff teve início em um cenário de crise


internacional, haja vista o quadro econômico complexo criado pela crise de 2008,
que provocou a retração da demanda internacional por produtos do Brasil. Ainda
assim, Dilma deu continuidade ao discurso de Lula sobre a necessidade de uma
ordem internacional mais justa e equitativa. Nesse sentido, Dilma demandou
reformas em instituições internacionais, como o Fundo Monetário Internacional
e as Nações Unidas, enfatizou a cooperação Sul-Sul e manteve uma posição de
autonomia com relação a países desenvolvidos.
Durante o governo Dilma, o BRICS ganhou protagonismo como foro
internacional multilateral. De fato, em 2014, houve um processo de crescente
institucionalização no âmbito dos BRICS, com a criação do Novo Banco de
7
Desenvolvimento dos BRICS e do Arranjo Contingente de Reservas. Enquanto
o Banco dos BRICS é uma organização internacional que tem o objetivo de
prover financiamento de projetos de infraestrutura e desenvolvimento
sustentável nos BRICS e em países em desenvolvimento, o Arranjo Contigente
de Reservas é um acordo que viabiliza recursos para os membros dos BRICS
com problemas em seus Balanços de Pagamentos.
Dilma também atuou no contexto das Nações Unidas e foi a primeira
mulher a abrir a sessão anual da Assembleia Geral das Nações Unidas. Além
disso, em 2011, discursou sobre o conceito de “responsabilidade ao proteger”1
(Brasil, 2011). Por fim, em 2013, houve as denúncias de espionagem americana
a comunicações do Governo e de indústrias brasileiras, o que gerou a reação do
Brasil, conforme será aprofundado na seção Na Prática.

NA PRÁTICA

O uso da internet faz parte da realidade contemporânea e afeta questões


relevantes para as relações internacionais, como o direito à privacidade. Um
exemplo dessa afirmação ocorreu em 2013, quando houve a revelação da
espionagem da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos às
correspondências da Presidenta Dilma e a correspondências de empresas
nacionais, como a Petrobras. Então, descobriu-se que a chanceler alemã Ângela
Merkel teve, também, suas correspondências eletrônicas violadas.
Após o ocorrido, Dilma discursou na Assembleia Geral das Nações
Unidas e liderou a elaboração da resolução 68/167 sobre o direito à privacidade
na era digital (ONU, 2014; Santoro; Borges, 2017). Essa resolução tem
importância central para a realidade diária da vida de todos os cidadãos, pois
associa o direito à privacidade na era digital ao contexto mais amplo dos direitos
humanos. Nesse sentido, a resolução afirmou o direito humano à privacidade,
segundo o qual nenhum indivíduo deve estar sujeito a interferências arbitrárias
ou ilegais à sua privacidade, família, casa ou correspondência (ONU, 2014).
Assim, o Brasil logrou dialogar com outros países, com vistas a obter apoio à
causa, e promoveu uma defesa enfática do direito à privacidade, o qual deve ser
amparado tanto no ambiente online quanto no ambiente offline.

1
O conceito de “responsabilidade ao proteger” deve ser entendido no contexto histórico do ano
de 2011, no qual a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) interveio na Líbia. Naquele
cenário, ganhou destaque o tema da necessidade de proteção dos civis (Pureza, 2011).
8
FINALIZANDO

A presente aula traz informações centrais para a compreensão da política


externa durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff.
Embora esses governos tenham enfrentado cenários internacionais bastante
diferentes – de crescimento econômico, no primeiro caso, e de crise, no segundo
– é possível identificar linhas de continuidade na condução da política externa
de ambos. São exemplos dessas linhas de continuidade a defesa da cooperação
Sul-Sul, do combate à fome e à miséria e da participação do Brasil no contexto
de coalizões de geometria variável (Silva, 2015), como o BRICS e o G-4. Ainda
assim, a crise interna enfrentada pelo governo de Dilma Rousseff fez com que a
inserção internacional do Brasil tenha sido significativamente reduzida, a
exemplo dos projetos de cooperação para o desenvolvimento. Assim, verifica-se
que a compreensão da política externa do país passe pela análise das variáveis
domésticas, visto que as dinâmicas internas podem contribuir de maneira
significativa para moldar a ação externa do país (Salomón; Pinheiro, 2013).

9
REFERÊNCIAS

BRASIL. Discurso da presidenta da república, Dilma Rousseff, na abertura


do Debate Geral da 66ª Assembleia Geral das Nações Unidas. Disponível
em: <http://www.brasil.gov.br/governo/2011/09/discurso-da-presidenta-da-
republica-dilma-rousseff-na-abertura-do-debate-geral-da-66a-assembleia-geral-
das-nacoes-unidas-nova-iorque-eua>. Acesso em: 5 dez. 2018.

BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. A Rodada Doha da OMC. [S.d.]a.


Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/politica-externa/diplomacia-
economica-comercial-e-financeira/694-a-rodada-de-doha-da-omc?lang=pt-BR>.
Acesso em: 5 dez. 2018.

_____. República Popular da China. [S.d.]b. Disponível em:


<http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/ficha-pais/4926-republica-popular-da-
china>. Acesso em: 5 dez. 2018.

CERVO, A. L.; LESSA, A. C. O declínio: inserção internacional do Brasil (2011-


2014). Rev. bras. polít. int., Brasília, v. 57, n. 2, p. 133-151, 2014.

CSNU ITAMARATY – Conselho de Segurança das Nações Unidas. O Brasil e a


reforma. [S.d.]. Disponível em: <http://csnu.itamaraty.gov.br/o-brasil-e-a-
reforma>. Acesso em: 5 dez. 2018.

DANESE, S. Diplomacia presidencial: história e crítica. 2. ed. rev. Brasília:


FUNAG, 2017.

PUREZA, J. M. As ambiguidades da responsabilidade de proteger: o caso da


Líbia. Carta Internacional, Vol. 7, n. 1, jan-jun. 2012, p. 3-19, 2011.

RICUPERO, R. A diplomacia na construção do Brasil: 1750-2016. Rio de


Janeiro: Versal, 2017.

SALOMON, M.; PINHEIRO, L. Análise de política externa e política externa


brasileira: trajetória, desafios e possibilidades de um campo de estudos. Rev.
Bras. Polít. Int., Brasília, v. 56, n. 1, p. 40-59.

SANTORO, M.; BORGES, B. Brazilian foreign policy towards internet


governance. Rev. Bras. Polít. Int. [online]. vol. 60, n.1, 2017.

SILVA, A. L. R. da. Geometria variável e parcerias estratégicas: a diplomacia


multidimensional do governo Lula (2003-2010). Contexto Int., Rio de Janeiro, v.

10
37, n. 1, p. 143-184, abr. 2015. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
85292015000100143&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 5 dez. 2018.

UN – United Nations. The right to privacy in the digital age. Disponível em:
<http://undocs.org/A/RES/68/167>. Acesso em: 5 dez. 2018.

VIDIGAL, C. E.; DORATIOTO, F. F. M. História das relações internacionais


do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2014.

11

Você também pode gostar