Grã-Bretanha, que condenaram
A Guerra acabou, o mundo
se modificou
O armistício de 11 de novembro de 1918 marcou
o fim de mais de quatro anos de combates,
durante os quais mais de 40 milhões de
pessoas morreram ou ficaram feridas,
tornando-se uma das guerras mais
sangrentas da história da humanidade.
Quando o armistício foi anunciado, as
pessoas comemoraram nas ruas.
A guerra acabou, o mundo mudou. Em
1918, antes do fim do conflito, o presidente
estadunidense Woodrow Wilson apresentou
um plano para encerrar a guerra.
Entre os chamados 14 pontos de Wilson,
estavam: abolição da diplomacia secreta;
liberdade de navegação e fim das barreiras
econômicas entre as nações; limitação dos
arsenais armamentistas; redefinição das
fronteiras italianas; reformulação das
práticas colonialistas, considerando os
interesses dos povos colonizados;
independência da Bélgica e da Polônia;
restauração da Sérvia, de Montenegro e da
Romênia; devolução da Alsácia-Lorena à
França; autonomia dos povos submetidos
ao Império Turco-Otomano; e a criação da
Liga das Nações.
Inspirado na ideia de justiça entre os povos
– sem vencidos nem vencedores –,o plano
não interessou aos governos da França e da
guerra) à Grã-Bretanha, à França e à
pesadamente a Alemanha. Em 19 de janeiro
de 1919, diplomatas dos países vencedores
encontraram-se na Conferência de Paris,
com o objetivo de chegar a um acordo que
resultasse no desarmamento da Alemanha
e na reparação das perdas materiais
provocadas pela guerra.
O resultado foi o Tratado de Versalhes, que
entre os alemães ficou conhecido como
Ditado de Versalhes, por ser impositivo e
humilhante. De acordo com esse tratado,
fundamentado na cláusula de culpa de
guerra estabelecida pelos vitoriosos, a
Alemanha deveria ceder a Alsácia-Lorena e
as minas de carvão da bacia do Sarre à
França, e parte de seu território para a
Bélgica, a Dinamarca, a Lituânia e a Polônia
– que ganhou, assim, uma saída para o
mar, o chamado corredor polonês,
recuperando sua independência. As
colônias alemãs na África foram divididas
entre a França e a Grã-Bretanha.
Além de perder dois quintos de suas minas
de carvão, dois terços das minas de ferro,
um sexto das terras cultiváveis e um oitavo
de todo o seu gado bovino, a Alemanha teve
todos os seus investimentos no exterior
confiscados; teve de reduzir seu Exército a
até 100 mil homens; foi proibida de produzir
armamentos (canhões, aviões militares e
artilharia antiaérea) e obrigada a entregar
seus submarinos e navios (mercantes e de
Bélgica. Além da Alemanha, a cláusula de
culpa também atingia o Império Austro-
Húngaro, de cujo desmembramento
surgiram a Áustria, a Hungria, a
Tchecoslováquia e a Iugoslávia.
O Império Turco-Otomano também
desmoronou, dando origem ao Iraque, à
Síria, ao Líbano, à Palestina e à
Transjordânia, nações sob controle da
França e da Grã-Bretanha. O antigo império
ficou reduzido à atual Turquia.
Em abril de 1919, foi fundada a Sociedade
ou Liga das Nações, com sede em Genebra,
na Suíça, com o objetivo de garantir a paz e
resolver os conflitos entre os países por
meio de negociações e arbitramentos.
Embora a iniciativa tenha partido do
presidente estadunidense Woodrow Wilson,
o Congresso dos EUA não aprovou a
entrada do país na organização, optando
pelo isolamento internacional.
O resultado final da guerra
As consequências da Grande Guerra foram
trágicas. Calcula-se que cerca de 10
milhões de pessoas, entre militares e civis,
morreram no conflito – desse total,
aproximadamente 1 milhão de alemães e 1
milhão e 500 mil franceses, a maioria com
menos de 25 anos de idade. Milhões de
mulheres tornaram-se viúvas, com filhos
para criar. Os países europeus que se
envolveram no conflito saíram
economicamente arruinados, sobretudo a
Alemanha. Até a Grã-Bretanha, com todo o
seu extenso e rico império colonial, deixou
de ser a grande potência do mundo. A partir
de então, os países da Europa conheceram
o declínio econômico.
Os EUA, que se industrializavam a passos
largos desde fins do século XIX, aceleraram
sua ascensão econômica, com os lucros
advindos da venda de mercadorias e do
fornecimento de empréstimos para os
países envolvidos no conflito, principalmente
os da Tríplice Entente. Com o fim da guerra,
assistiu-se ao declínio dos ideais liberais em
boa parte da Europa. Enquanto a
democracia liberal sofria fortes críticas, as
ideologias autoritárias de direita e de
esquerda começavam a ganhar prestígio.
Como resultado, as décadas seguintes
seriam marcadas pelo confronto aberto
entre partidos nacionalistas radicais e
partidos comunistas vinculados à orientação
soviética. Mas esse é um assunto para os
próximos capítulos.
 Primeira Guerra Mundial e o cenário brasileiro
O cenário econômico: Em 26 de outubro de 1917, o Brasil destacou-se como o único país sul-americano a entrar no conflito, declarando guerra à
Alemanha por meio do presidente Wenceslau Brás. Na época do início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, o Brasil detinha uma economia majoritariamente
agroexportadora, com foco no café. O país controlava impressionantes quatro quintos da oferta mundial desse produto.
A eclosão do conflito teve impactos significativos na economia brasileira, fortemente ligada ao comércio internacional.
O Brasil enfrentou duas principais consequências: uma redução na demanda pela commodity e o acúmulo massivo de café nos armazéns europeus, utilizado como
garantia para pagamentos de dívidas externas. Esse último ponto foi levantado pelos diplomatas brasileiros durante as negociações do Tratado de Versalhes, o
principal documento pós-guerra, em 1919.
O historiador canadense Rodrick Barman, especialista no Brasil dos séculos 19 e 20, destaca que, entre 1914 e 1915, as vendas de café despencaram em um
terço devido ao bloqueio naval estabelecido pela Grã-Bretanha para produtos de países neutros. Esses eventos ilustram o impacto direto da Primeira Guerra
Mundial na economia brasileira e as complexidades enfrentadas pelo país nesse cenário global.

Fatos sociais e políticos: Em 1917, os anarquistas lideraram uma grande greve em São Paulo, que envolveu várias categorias profissionais e foi
motivada, a princípio, pela brusca queda de poder aquisitivo dos trabalhadores. Nos primeiros anos da Primeira Guerra Mundial, o custo de vida subiu, e os salários
não acompanharam. Estima-se que os salários se depreciaram em dois terços. A greve de 1917 começou na cidade de São Paulo e cerca de 700 mil trabalhadores
interromperam suas atividades.
No final, os patrões concederam reajustes salariais; no entanto, a perseguição policial aos trabalhadores anarquistas, a partir daí, tornou-se sistemática.
Na década seguinte, o Congresso discutiu e aprovou algumas leis sociais, como a limitação da jornada de trabalho infantil, o direito a férias e a formação de um
sistema de aposentadoria. Na prática, porém, pouca ou nenhuma dessas leis foi implementada.
No final da década de 1910, muitas lideranças operárias ficaram impressionadas com o sucesso da Revolução Russa (1917). Inúmeros grupos simpatizantes aos
comunistas surgiram no Rio de Janeiro, em São Paulo, no Rio Grande do Sul e em outros estados. Em março de 1922, alguns desses grupos realizaram um
congresso e fundaram o Partido Comunista do Brasil (PCB). Em 1924, o partido filiou-se à Terceira Internacional Comunista, criada cinco anos antes.
Apesar de ter tido uma atuação militar pouco expressiva, o Brasil foi o único país da América do Sul a participar da Primeira Guerra Mundial. Isso assegurou sua
presença na Conferência de Paz de 1919, em Versalhes, e na criação da Liga das Nações. A guerra teve implicações significativas no Brasil, resultando na
consolidação de uma política externa direcionada aos Estados Unidos e na desilusão com a civilização Belle Époque que caracterizou o pós-guerra. Isso sinalizou
o declínio da cultura europeia e o surgimento do novo mundo representado pela América.
 O fim da Grande Guerra e a nova configuração mundial
Ao ingressar na Primeira Guerra
Mundial apenas no desfecho do conflito, os
Estados Unidos escaparam de
consideráveis perdas. Beneficiando-se dos
três primeiros anos do embate,
estabeleceram sólidas relações comerciais
com os Aliados. A ausência de invasões em
seu território permitiu aos estadunidenses
evitar os custos de reconstrução, tornando-
se, ao contrário, credores da Europa. Em
suma, os Estados Unidos forneceram
financiamento para a recuperação do Velho
Mundo, que estava em ruínas em
decorrência da guerra.
Com a economia em pleno vigor e
sem a competição dos países europeus, a
ascensão dos Estados Unidos como uma
potência econômica e política global foi
outra ramificação significativa da Primeira
Guerra Mundial. Em resumo, os
estadunidenses emergiram como os
grandes vencedores do conflito.
Formação da Liga das Nações
Como desdobramento da Primeira
Guerra Mundial, emergiu a Liga das
Nações, uma entidade internacional que
funcionou como precursora da ONU, com o
objetivo de prevenir a eclosão de conflitos
semelhantes à Grande Guerra.
A criação da Liga das Nações foi
motivada pelo último dos Catorze Pontos de
Wilson, um plano delineado pelo então
presidente dos Estados Unidos, Woodrow
Wilson, com vistas a assegurar a paz global.
O décimo quarto ponto de Wilson
preconizava que a Liga das Nações deveria
ser uma "associação geral de nações,
mediante acordos específicos, com a
finalidade de garantir mutuamente a
independência política e a integridade
territorial, tanto das nações grandes quanto
das pequenas".
Apesar de ter proposto a formação
da Liga, Wilson não conseguiu a aprovação
do Congresso para a participação dos
Estados Unidos na organização. Privada do
envolvimento da maior potência mundial da
época e confrontada com desentendimentos
entre seus membros, a Liga das Nações
falhou em evitar a eclosão da Segunda
Guerra Mundial e foi dissolvida em 1942.
O Brasil, único país das Américas a
participar da criação da Liga, eventualmente
abandonou a organização em 1926, devido
a divergências com várias nações e uma
série de desilusões. A principal frustração
decorreu do fato de o Brasil não ter recebido
o reconhecimento que considerava merecer
como representante das Américas na
ausência dos Estados Unidos.
Surgimento de novos países
Após a Grande Guerra, quatro
impérios desmoronaram: Alemão, Austro-
Húngaro, Russo e Otomano. Deles surgiram
uma série de novos países, como Polônia,
Tchecoslováquia, Iugoslávia, Áustria,
Hungria, Estônia, Lituânia e Letônia.
Assim, uma das consequências da
Primeira Guerra Mundial foi a nova divisão
política europeia, que redesenhou o mapa
do continente. A figura demonstra a
mudança no território europeu após o
conflito.
Prejuízos socioeconômicos
Uma das principais consequências
da Primeira Guerra Mundial foi o elevado
número de vítimas. No total, cerca de 13
milhões de soldados e civis perderam a vida
durante o conflito, enquanto outros 20
milhões foram feridos ou mutilados. Esses
números assustadores, resultantes do
avanço tecnológico da Revolução Industrial,
que deu origem a novas armas, justificam a
designação do conflito como a "Grande
Guerra".
As perdas de vidas e os ferimentos
não apenas abalaram a moral das nações
envolvidas como também acarretaram
consequências econômicas significativas,
uma vez que os Estados perderam uma
parte considerável de sua população
masculina ativa.
A Áustria-Hungria registrou uma
perda de 17,1% dos homens
economicamente ativos, enquanto
Alemanha e França enfrentaram baixas de
15,1% e 10,5%, respectivamente.
Na Alemanha, a sociedade civil foi
profundamente afetada pela guerra, o que
resultou em milhares de mortes por fome. A
escassez de alimentos não se justificava
apenas pelas sanções internacionais
impostas ao país, que dificultavam a
importação, mas também pela completa
dedicação da indústria à guerra durante o
conflito. Além das perdas humanas, os
danos materiais foram imensuráveis.
A infraestrutura dos países europeus
foi profundamente prejudicada, e a crise
econômica decorrente dos altos custos da
guerra gerou desemprego e fome. A
instabilidade política e social resultante
possibilitou a ascensão de regimes
totalitários, tornando-se outro ingrediente
crucial para o desencadeamento da
Segunda Guerra Mundial.
Um dos impactos da Primeira Guerra
Mundial foi o aumento significativo da
participação das mulheres no mercado de
trabalho, especialmente nas indústrias. Com
os homens sendo convocados para o front
de batalha, coube às mulheres assumir os
postos de trabalho deixados vagos.
Importante destacar que as mulheres,
principalmente das camadas mais pobres da
sociedade, já desempenhavam funções
laborais antes desse período. No entanto, a
guerra intensificou essa participação,
incluindo-se mulheres da classe média.
Entretanto, não se limitou apenas à
indústria o aumento do número de mulheres
ativas. Tarefas tradicionalmente
consideradas masculinas foram assumidas
pela população feminina, incluindo funções
como agentes de trânsito e policiais.
Vale destacar o expressivo número
de mulheres que se voluntariaram para
atuar como enfermeiras durante a guerra.
Além disso, em muitos países, as mulheres
assumiram o controle da produção
camponesa. De acordo com o historiador
Benjamin Ziemann, aproximadamente 44%
das fazendas na Baviera, habitada pelo
povo que hoje compõe a República Tcheca,
eram gerenciadas por mulheres.Na França,
cerca de 800 mil mulheres assumiram a
coordenação de propriedades agrícolas,
enquanto outras 400 mil desempenharam
papéis na indústria armamentista. O
ministério do trabalho francês estima que,
em 1917, o número de mulheres envolvidas
no comércio e na indústria era 20% superior
ao período anterior à Primeira Guerra
Mundial. Já no Reino Unido, essa estimativa
chega a 50%.
Entender as causas e as
consequências da Primeira Guerra Mundial
é essencial para compreender o longo
século XX. A forma como os países se
relacionaram após o conflito – com as
punições à Alemanha e o fracasso da Liga
das Nações – contribuiu para estourar a
Segunda Guerra Mundial. Mas não foram
apenas as Grandes Guerras que marcaram
o século XX. Foi também nesses 100 anos
que o mundo viveu a Crise de 1929 – que
revelou uma faceta obscura do capitalismo
–, a Revolução Russa e a formação da
União Soviética, que viria a protagonizar a
Guerra Fria junto dos Estados Unidos.