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Fernando Tavares Pimenta

PORTUGAL E O SÉCULO XX
Estado-Império e Descolonização
(1890-1975)

Edições Afrontamento
Título Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)
Autor Fernando Tavares Pimenta
© 2010, Fernando Tavares Pimenta e Edições Afrontamento
Edição Edições Afrontamento / Rua Costa Cabral, 859 / 4200-225 Porto
www.edicoesafrontamento.pt / geral@edicoesafrontamento.pt
Colecção Biblioteca das Ciências Sociais / História / 32
Nº de edição 1262
ISBN 978-972-36-1059-8
Depósito legal 305709/10
Impressão e acabamento Rainho & Neves Lda. / Santa Maria da Feira
geral@rainhoeneves.pt
Maio de 2010
ÍNDICE

7 Introdução: O Século XX Português: Uma Periodização Colonial

13 Capítulo 1: A Questão Colonial, o Ultimatum Inglês e o fim da Monarquia


(1890-1910)

33 Capítulo 2: A 1.ª República e as Colónias (1910-1926)

51 Capítulo 3: A Ditadura Militar, Salazar e o Estado Novo (1926-1945)

79 Capítulo 4: O Estado Novo e as resistências à Democracia e à Descolonização


(1945-1961)

99 Capítulo 5: A Guerra Colonial e o consulado de Marcelo Caetano (1961-1974)

129 Capítulo 6: O 25 de Abril e o fim do Império (1974-1975)

155 Epílogo: Um Novo Tempo Histórico: o Portugal Europeu e Pós-Imperial (1975-


-2009)

165 Cronologia

173 Bibliografia
CAPÍTULO
INTRODUÇÃO

O Século XX Português:
Uma Periodização Colonial1

Este livro é um ensaio historiográfico sobre a contemporaneidade política portuguesa,


mais especificamente sobre o «Século XX Português». É uma obra de síntese, mas tam-
bém de interpretação, no sentido em que é mais uma reflexão interpretativa sobre o pro-
cesso histórico do que o resumo descritivo de uma cadeia de acontecimentos. Por isso,
indo para além de aspectos meramente conjunturais, a nossa síntese pretende construir
uma visão mais estruturada do último período findo da história de Portugal. Optámos por
designar esse período por «Século XX Português» e não, simplesmente, por «Século XX
em Portugal». Trata-se de expressões diferentes com significados distintos. A primeira
define um período específico da história portuguesa; a cronologia é apenas um instru-
mento usado pela historiografia para delimitar um tempo que em si apresenta uma deter-
minada coerência histórica. A segunda subordina a história à cronologia, criando um
período historicamente artificial; um período que não é coerente numa perspectiva histó-
rica e, como tal, é inexistente. É que a história não obedece aos ponteiros dos relógios; ela
estabelece os seus próprios limites, que são necessariamente diferentes dos impostos pela
cronologia. Por isso, o tempo histórico é diferente do tempo cronológico, cujas unidades
de medida raramente correspondem a períodos historicamente coerentes. E o que nos
interessa, em termos de periodização, é a coerência histórica de um certo tempo, ou seja,
de um determinado período histórico que, em virtude da sua coerência interna, se distin-
gue dos períodos que lhe são imediatamente anterior e ulterior. Daí a nossa opção pela
expressão «Século XX Português», porque de facto ele não corresponde temporalmente às
balizas definidas pela cronologia oficial. Isto é, o «Século XX Português» tem limites tem-
porais próprios que são completamente diferentes dos que balizam cronologicamente a
vigésima centúria da era cristã.

(1) Este trabalho foi elaborado no âmbito de um pós-doutoramento em História financiado com uma
bolsa da Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
8 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

Mas vejamos a questão numa perspectiva mais lata, por exemplo em termos de histó-
ria europeia. A este respeito, vários historiadores têm balizado o século XX com datações
diferentes das estabelecidas pela cronologia. Hobsbawm, por exemplo, no seu ensaio inti-
tulado «O Pequeno Século XX», colocou as balizas temporais em 1914 e em 1989, defi-
nindo um período histórico de setenta e cinco anos; um «pequeno século» que iniciou
com a tragédia humana da Grande Guerra e acabou com o desmoronamento do Muro de
Berlim, elemento simbólico e representativo de todo um sistema económico, social e polí-
tico: o soviético-comunista. No fundo, o que Hobsbawm fez, em termos metodológicos, foi
definir um período historicamente coerente e, por conseguinte, autónomo do ponto de
vista da periodização. A sua é uma hipótese de século, ou melhor, uma hipótese historio-
gráfica que pretende balizar um tempo específico da história europeia, um século que não
o é em termos cronológicos, mas sim em termos históricos. Uma hipótese cuja validade
pode ser colocada em causa ao nível historiográfico, mas não em termos cronológicos.
Neste livro fazemos algo de semelhante para o caso português. Por outras palavras, apre-
sentamos uma hipótese historiográfica de periodização do «nosso» século XX, conscientes
de que há toda uma especificidade histórica portuguesa que «nos» distingue – e destaca –
da «grande» história europeia, da qual também «fazemos» parte, mas só mesmo em parte.
O «Século XX Português» foi radicalmente distinto do «Século XX Europeu». Essa dis-
tinção foi uma consequência directa do peso desproporcionado do factor colonial na his-
tória portuguesa. O factor colonial produziu um Estado-Império disperso pelas «quatro
partidas do mundo» e nem sempre centrado na Europa. Esse Estado-Império sofreu trans-
formações estruturais e até graves amputações que, por mais de uma vez, puseram em
causa a sua própria existência. A perda do Brasil foi uma delas, provavelmente a mais grave
de todas. Durante várias décadas, Portugal foi menos Império do que Estado europeu. Isto
é, o Império era mais virtual do que real. É por isso que, em rigor, devemos falar na exis-
tência não de um único, mas de vários Estados-Impérios construídos pelos portugueses ao
longo dos tempos e em partes diferentes do globo. A independência da América Portuguesa
provocou a derrocada do Estado-Império luso-brasileiro, de todos talvez o mais sólido e
coerente do ponto de vista territorial. Desse velho sistema colonial ficaram apenas alguns
restos, que sobreviveram de forma mais ou menos autónoma e desarticulada nas costas da
África e da Ásia. Mas mais do que uma realidade imperial concreta, esses territórios por-
tugueses de além-mar eram meros enclaves coloniais num continente ainda não desbra-
vado nem colonizado pelos europeus.
Na verdade, na metrópole houve desde cedo planos de reconstrução imperial, acalen-
tados por homens políticos como o Marquês de Sá da Bandeira, que defendeu a constru-
ção de um «Novo Brasil» em África aquando do seu ministério em 1838. Mas, recolhida
sobre si própria, a «velha» metrópole concentrou ainda por largos anos a maior parte das
suas energias no projecto político liberal, com todas as suas promessas jamais concretiza-
das de regeneração nacional, enquanto o espaço colonial ficou mais ou menos esquecido
por Lisboa. Foi só no último quartel de Oitocentos que o factor colonial veio de novo con-
dicionar a política portuguesa, num crescendo imparável até ao Ultimatum inglês, episó-
Introdução: O século XX português: uma periodização colonial 9

dio explosivo da consciência nacional-colonial portuguesa e momento de charneira entre


os dois séculos que compõem a história contemporânea portuguesa. O Ultimatum inglês
marcou de facto o início da construção de um novo Estado-Império. Portugal serviu-se
para o efeito dos seus pequenos enclaves coloniais nas costas africanas, usando-os como
bases para a expansão territorial para o interior. Enterrado o projecto megalómano do
«Mapa Cor-de-Rosa», Portugal não só construiu um novo Império colonial como se trans-
formou num Estado-Império euro-africano, ou melhor, luso-africano. Lisboa funcionou
como a cabeça política dessa nova realidade imperial, cujo corpo foi fundamentalmente
africano, em especial angolano e moçambicano.
Neste sentido, o ano do Ultimatum inglês – 1890 – marcou o início do «Século XX
Português». Um século eminentemente colonial, elemento que o distinguiu não só do
século XIX como também da restante história europeia. Portugal constituiu-se como
Estado-Império e não como mero Estado-Nação. Isto porque a Nação foi politicamente
esmagada pelo peso do Império, demasiado grande e hegemónico em todos os aspectos
para ser gerido – e digerido – por uma metrópole pequena, atrasada e arcaica como era a
portuguesa. O próprio nacionalismo português foi fundamentalmente colonial, antes de
ser monárquico, republicano ou salazarista. Este nacionalismo colonial ditou grande parte
das opções políticas portuguesas, muito mais do que qualquer outro condicionalismo
europeu. Senão vejamos. Nem a 1.ª Guerra Mundial, seguida da Revolução Russa, nem tão
pouco a queda do Muro de Berlim, com a consequente implosão da União Soviética, tive-
ram em Portugal uma incidência histórica de relevo. A Monarquia caiu muito antes da
eclosão da Grande Guerra; a crise final da 1.ª República não foi uma sequela do conflito
europeu e nem a Ditadura Militar nem o Estado Novo pretenderam alguma vez solucionar
questões não resolvidas em Versalhes; Moscovo esteve sempre demasiado longe para cons-
tituir uma verdadeira ameaça ao capitalismo português; por fim, o 25 de Abril de 1974
antecedeu em década e meia o fim dos regimes autoritários na Europa de Leste. Este
pequeno elenco de acontecimentos serve só para ilustrar o impacto limitado do factor
estritamente europeu na história portuguesa. É que o tempo português é outro, não é
igual ao europeu. Nem as causas de mudança política são as mesmas que na Europa. Isto
não significa que Portugal estivesse isolado da Europa ou do resto do Mundo. Claramente,
as alterações políticas na esfera internacional tiveram um certo impacto em Portugal.
Mas nenhuma delas determinou uma modificação estrutural da política portuguesa.
No «Século XX Português» qualquer transformação política estrutural teve a sua raiz no
factor colonial.
A história do «Século XX Português» é, portanto, a história do Estado-Império luso-afri-
cano. Não é possível compreender a história política do país metropolitano sem considerar
a história do país colonial. Há uma relação umbilical de interdependência política que
durou até ao desmoronamento desse Estado-Império em 1975. Estamos assim perante um
século XX que, na prática, durou apenas oitenta e cinco anos, mais dez do que na restante
Europa, mas com uma datação completamente diferente pelos motivos já apontados.
Houve, num certo sentido, uma prioridade histórico-temporal de Portugal em relação à
10 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

Europa. O século XX começou muito mais cedo em Portugal (1890, ou seja, vinte e quatro
anos antes do início da Grande Guerra) e terminou também mais cedo (1975, ou seja,
catorze anos antes da queda do Muro de Berlim). As razões desta periodização são funda-
mentalmente coloniais. O fim do Império representou a todos os níveis uma ruptura com
o passado. O Portugal posterior a 1975 é um país bem diferente do que até então tinha exis-
tido. Em poucos meses, Portugal deixou de ser um Estado-Império para se reduzir à sua
dimensão nacional-metropolitana. Um Estado-Nação europeu, igual aos outros, mas com
um passado bem diferente. E um Estado-Nação que se lançou decididamente no caminho
da integração europeia, como que reencontrando uma vocação continental que, se alguma
vez existira, há muito tinha perdido. Portugal vive desde então um tempo político diferente
do período compreendido entre 1890 e 1975.
O Estado-Império luso-africano contém todo o arco temporal do «Século XX Portu-
guês». Mas este século não constituiu um bloco temporal homogéneo, dado que com-
preendeu várias fases. Numa primeira fase foi clara a tentativa de construir e de governar
a realidade nacional-imperial no quadro de uma solução política de cariz demoliberal.
Houve neste aspecto uma continuidade da superestrutura liberal oitocentista, mas que se
revelou sucessivamente inadequada, facto que conduziu à sua substituição por uma solu-
ção política de tipo autoritário na década de 1920. Em 1926 teve assim início uma
segunda fase, mais duradoura, cujo principal perno político foi a ditadura colonial sala-
zarista. A ditadura colonial completou o edifício económico e político do Estado-Império
e com ele se identificou em termos ideológicos. Foi a fase da máxima afirmação naciona-
lista do Estado-Império luso-africano. Mas uma tão forte identificação acabou por blo-
quear – e estrangular – a própria ditadura, cuja sorte passou a ser decidida nos imensos
sertões africanos a partir de 1961, data do início da guerra colonial em Angola. Incapaz
de resolver o problema da guerra e, por isso mesmo, incapaz de se transformar interna-
mente, a ditadura colonial caiu «miseravelmente» em 25 de Abril de 1974. Cinco meses
depois, a resignação de Spínola ao cargo de Presidente da República demonstrou que não
havia qualquer possibilidade de salvar o Estado-Império. Uma tão longa identificação do
Estado-Império com a ditadura salazarista conduziu ao fim histórico de ambas as reali-
dades. A infra-estrutura nacional-imperial mostrou-se incapaz de produzir uma nova
superestrutura política capaz de assegurar a continuidade do Estado-Império. E não deixa
de ser paradoxal o facto do Estado-Império luso-africano ter implodido no momento de
maior esplendor económico de Angola, a «jóia» por excelência da «coroa imperial». O
Estado-Império morreu de morte súbita. O país metropolitano, num «volte de face» ines-
perado, renegou o país colonial. Portugal cindiu-se. O país colonial afundou-se no caos
da descolonização e, nalguns casos, da guerra civil. Das cinzas do país colonial nasceram
novos Estados independentes, com mais ou menos ligações políticas, económicas e cul-
turais à antiga metrópole. Livre das amarras coloniais, o país metropolitano trilhou o
caminho da Europa. Novembro de 1975 marcou assim o desfecho final do Estado-Império
luso-africano e, com ele, do «Século XX Português». A partir de então começou um novo
tempo na História de Portugal.
Introdução: O século XX português: uma periodização colonial 11

Feitas estas considerações de carácter mais teórico, julgamos oportuno focar alguns
aspectos concretos relativos à organização interna do livro. O livro é composto por seis
capítulos, precedidos por uma breve introdução de cariz mais conceptual. O primeiro capí-
tulo analisa a relação de interdependência política entre o factor colonial e a queda da
monarquia. O segundo diz respeito à 1.ª República, cuja história é analisada quer em ter-
mos de política metropolitana, quer ao nível da sua política colonial, cujo princípio base foi
o da autonomia das colónias. O terceiro capítulo coloca em perspectiva a história da
Ditadura Militar e da primeira fase do Estado Novo. Dá-se especial enfoque à figura de
Salazar, o homem que civilizou a ditadura, moldando-a segundo os seus interesses, e que
consagrou oficialmente o colonialismo como sendo parte da essência da Nação Portuguesa.
O quarto capítulo analisa as resistências da ditadura salazarista à democracia e à descolo-
nização depois da derrota do fascismo e dos regimes autoritários de direita na 2.ª Guerra
Mundial e num momento em que as grandes potências coloniais «preparavam» a descolo-
nização dos seus territórios africanos. O quinto faz a análise política da guerra colonial e da
tentativa de transição para um regime mais liberal protagonizada por Marcelo Caetano. O
sexto capítulo analisa o processo de transição democrática representado pela revolução de
25 de Abril de 1974 e a concomitante dissolução do Estado-Império luso-africano por via da
descolonização. A estes seis capítulos adicionámos um epílogo que expõe sumariamente a
história política portuguesa de Novembro de 1975 até Outubro de 2009. Completa o livro
uma breve cronologia da história contemporânea portuguesa (1800-2009). Em termos
bibliográficos, apresentamos uma lista dos arquivos e da bibliografia consultada e reco-
mendada. Alguma desta bibliografia não foi efectivamente utilizada na elaboração do texto,
mas julgamo-la útil para a prossecução dos estudos sobre o tema. Não é uma bibliografia
exaustiva, nem pretende sê-lo. O nosso objectivo é, neste caso, dar ao leitor um instrumento
bibliográfico para poder adquirir um conhecimento mais aprofundado sobre os assuntos
tratados. Paralelamente, por uma questão de economia de espaço e para não tornar dema-
siado pesado o texto, optámos – salvo raras excepções – por não fazer citações, nem por usar
notas de rodapé. Esta opção foi em larga medida condicionada pelos objectivos do próprio
livro, pelo seu carácter de síntese histórica e pela extensão do tema e do arco temporal
abrangido. Opção, porém, que reforça a importância da bibliografia final.
Por fim, julgamos oportuno referir que este livro não está isento duma clara concep-
ção social da historiografia. Social no sentido em que consideramos que a História deve ter
um papel activo na formação cívica do cidadão. A fruição do conhecimento histórico, que
a todos pertence e a ninguém deve ser negado, não pode ser reduzida a uma mera forma
de ilustração pessoal, cara aos curiosos das «coisas» do passado e sem qualquer impacto
na vida da Res Publica. O próprio historiador algum sentido deve encontrar para o seu
mester, ainda que ele nem sempre seja facilmente descortinável e inteligível. No nosso
caso, estamos de acordo com Marc Bloch: a História deve contribuir para a formação do
cidadão. Outros historiadores poderão ter visões diferentes do papel da História ou, talvez
mesmo, recusar a existência em si de um papel reservado à ciência historiográfica. Mas, se
assim for, para que é que serve a História?
1
CAPÍTULO

A questão colonial, o Ultimatum inglês


e o fim da monarquia (1890-1910)

A queda da monarquia portuguesa foi em grande medida provocada por motivos de


ordem colonial relacionados com a alegada incapacidade da realeza em conservar (e em
expandir) o domínio colonial português em África. Na realidade, mais do que conservar
ou manter, tratava-se de construir um novo Império colonial, dado que a maior parte dos
territórios africanos reclamados por Portugal nunca tinham estado sob a soberania por-
tuguesa. Com efeito, muito embora Lisboa reclamasse direitos históricos sobre o interior
africano, o certo é que a influência portuguesa jamais tinha penetrado para além de umas
poucas centenas de quilómetros das costas angolana e moçambicana. Foi só a partir da
década de 1870 que Portugal tentou uma ocupação efectiva das regiões do interior afri-
cano, emparceirando com as potências europeias na afanada partilha de África. Mas esta
«corrida» internacional ao domínio colonial da África revelou a debilidade política da
monarquia portuguesa, bem como a sua dependência externa em relação à Grã-Breta-
nha. A renúncia portuguesa à ocupação dos territórios compreendidos entre Angola e
Moçambique, decisão «obrigada» pelos termos do Ultimatum inglês de Janeiro de 1890,
com o consequente afundamento do sonho de um Império colonial que se deveria esten-
der do Atlântico ao Índico, provocou no país uma onda de indignação, não só contra a
Inglaterra mas também contra a realeza portuguesa, que foi acusada de incapacidade
política e até de traição aos superiores interesses da nação. Num certo sentido, a monar-
quia ficou com a morte anunciada em 1890 e o seu derrube passou a ser uma mera
questão de tempo. O Ultimatum inglês teve assim um papel central no processo político
português, enquanto momento de charneira entre os séculos XIX e XX. O Ultimatum
inglês marcou também o início de uma nova política colonial com vista à construção do
Estado-Império luso-africano, se bem que não constitua a estaca zero desse longo e intri-
cado processo de elaboração imperial. Para perceber as origens do Império luso-africano
é necessário remontar, pelo menos, a 1822, ano da independência brasileira. No fundo é
preciso compreender as grandes linhas que estruturaram a história do século XIX para
entender a forma como nasceu o «nosso» século XX. Vejamos então de forma sintética
14 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

os contornos desse século mais metropolitano do que colonial, mas que não esteve isento
de sonhos imperiais.
Em 7 de Setembro de 1822, D. Pedro proclamou a independência do Brasil, colocando
um ponto final ao Estado-Império luso-brasileiro. A independência brasileira redimensio-
nou consideravelmente o espaço colonial português. Em Angola, a coroa portuguesa con-
trolava de forma descontínua a faixa costeira, centrando a sua soberania nas cidades de
Luanda e de Benguela, ambas fundadas pelos portugueses nos séculos XVI e XVII (Luanda
em 1576 e Benguela em 1621). Os limites da dominação portuguesa no interior não eram
bem definidos, mas a penetração portuguesa no interior era efectiva no hinterland de
Luanda e ao longo do vale do rio Cuanza, bem como na zona de Caconda, a duzentos e
quarenta quilómetros a Sueste de Benguela. Estas zonas tinham ficado mais ou menos sob
o domínio português desde as guerras de conquista e ocupação realizadas pelos portugue-
ses nos séculos XVI e XVII. Em Moçambique, Portugal dominava algumas cidades e entre-
postos comerciais na costa (ilha e cidade de Moçambique, Quelimane, Sofala, parte da baía
de Lourenço Marques, etc.) e uma área maior situada no vale do rio Zambeze, onde a pene-
tração portuguesa ia pelo menos até à cidade de Tete, a várias centenas de quilómetros da
costa. Portugal possuía também as ilhas de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe e umas
quantas fortalezas e entrepostos comerciais na costa da Guiné (Bissau, Bolama). No
Oriente, Portugal administrava Goa, Damão e Diu no subcontinente indiano, Macau na
China, a parte oriental da ilha de Timor e as ilhas de Solor e das Flores na Indonésia. Neste
contexto, mais do que colónias Portugal tinha um conjunto de enclaves dispersos ao longo
das costas da África e da Ásia. Mas foram esses enclaves que estiveram na base da nova
construção imperial portuguesa, cujo objectivo foi sempre o de criar uma espécie de novo
Brasil em África.
No entanto, o arranque do novo «projecto imperial» não foi imediato. Órfão do Império
brasileiro, Portugal viveu um longo período de grande instabilidade política, agravada
pelas resistências de amplos sectores da sociedade portuguesa à instalação de um regime
liberal e de uma economia de mercado capitalista. Esse período conheceu duas fases dis-
tintas: a primeira fase durou até 1834, momento em que as forças absolutistas foram defi-
nitivamente vencidas pelos liberais. As convulsões políticas, militares, económicas e
sociais que abalaram então o país apresentaram-se como os sobressaltos da acomodação
de uma nova superestrutura política e jurídica a uma sociedade em que o capitalismo em
expansão encontrava fortes entraves à sua total implantação. Por isso, a vitória liberal
representou o triunfo definitivo do capitalismo em Portugal. A legislação liberal, mais do
que favorecer a emancipação de camponeses e artesãos, procurou estimular o fortaleci-
mento da restrita burguesia portuguesa. Foi a burguesia a grande beneficiária da revolu-
ção liberal, não o povo comum. Esta burguesia, porém, não era uma burguesia industrial,
mas sim uma burguesia comercial e também administrativa formada por juristas, profes-
sores e funcionários. Elementos que mantinham profundas relações com as forças tradi-
cionais da sociedade portuguesa e que por isso mesmo pretendiam reequilibrar os órgãos
governativos, mas não mudar os fundamentos da vida tradicional. A burguesia foi também
A questão colonial, o Ultimatum inglês e o fim da monarquia (1890-1910) 15

a principal beneficiária da extinção das Ordens religiosas em Portugal, cujos bens foram
incorporados na Fazenda Nacional (30 de Maio de 1834) e depois vendidos em grandes
talhões à burguesia. Desta forma, o liberalismo criou as condições para a transferência da
propriedade rural para as mãos da burguesia, que rapidamente se transformou numa
classe terratenente e latifundiária.
De natureza diferente foram as convulsões políticas que abalaram a sociedade portu-
guesa entre 1834 e 1851, ano em que teve início o processo de normalização política
conhecido como Regeneração. Estas convulsões resultaram do choque entre interesses
capitalistas divergentes no seio da burguesia portuguesa. Por um lado, havia uma burgue-
sia interessada no desenvolvimento das forças produtivas nacionais, contando para o efeito
com o apoio dos pequenos produtores e de alguns sectores assalariados de Lisboa e Porto.
Tratava-se de um sector minoritário do capitalismo português, mais radical do ponto de
vista político, que pedia medidas proteccionistas no plano económico e se revia na Cons-
tituição de 1822. Por outro lado, existia uma alta burguesia comercial – apoiada no comér-
cio externo de grosso trato e ligada às praças internacionais – e fundiária, constituída por
grandes proprietários rurais que beneficiaram da expropriação dos bens das Ordens reli-
giosas. Esta alta burguesia constituía, juntamente com a aristocracia, a nata da elite por-
tuguesa e o núcleo duro da direita liberal, favorável ao estreitamento das relações comer-
ciais com a Inglaterra e defensora da continuidade da Carta Constitucional de 1826. A fase
de 1834 a 1851 foi pois caracterizada pela luta entre estes dois sectores diferentes da bur-
guesia portuguesa. Luta essa que teve a sua expressão política na formação de duas cor-
rentes opostas: a esquerda liberal, denominada de «vintista» ou «setembrista», partidária
da Constituição de 1822 e protagonista da revolução de Setembro de 1836; a direita con-
servadora, designada de «cartista», apoiada pela coroa e defensora da Carta Constitucional
de 1826. Uma primeira tentativa de compromisso entre as duas correntes falhou, a des-
peito da promulgação de um novo texto constitucional em 1838, e vários foram os episó-
dios de guerra civil que tiveram lugar na década de 1840.
Nestas condições era muito difícil levar avante qualquer projecto de construção impe-
rial em África. Mas, mesmo assim, existiram algumas tentativas por parte de certos políti-
cos portugueses e de outros elementos isolados. Por exemplo, o Marquês de Sá da Bandeira
foi um dos primeiros governantes a defender a construção de um novo Brasil em terras
africanas. Logo em 1838, Sá da Bandeira procurou canalizar a emigração portuguesa, que
até então se dirigia para o Brasil, para Angola e Moçambique. O projecto falhou, mas a
ideia permaneceu como um dos principais leit motiv da colonização portuguesa em África.
Seguiram-se outras tentativas de colonização branca dos territórios africanos, sobretudo
em Angola, algumas realizadas com algum sucesso. Foi o caso da fundação de Moçâmedes,
por colonos portugueses provenientes do Brasil, em 1849. Outro caso de sucesso foi repre-
sentado pela colonização das Terras Altas da Huíla por colonos brancos de diferentes pro-
veniências, nomeadamente madeirenses, alemães e boers. Um processo que começou
ainda na primeira metade de Oitocentos, mas que se consolidou nas décadas de 1870 e
1880, com o estabelecimento de várias centenas de boers na Humpata e com a fundação
16 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

do Lubango, depois cidade de Sá da Bandeira, por madeirenses em 1884. A colonização foi


feita com famílias inteiras, incluindo um grande número de mulheres brancas, facto que
proporcionou a constituição de um núcleo colonial branco autóctone e relativamente
autónomo do ponto de vista demográfico. Em 1891 viviam cerca de mil e quinhentos colo-
nos brancos na Huíla, valor que aumentou para mais de dois mil e quinhentos em 1900.
Paralelamente às tentativas de povoamento no Sul de Angola, foram realizadas algu-
mas expedições de exploração ao interior de Angola e de Moçambique. Em 1831/1832, o
major José Maria Correia Monteiro e o capitão António Pedroso Gamito realizaram, a
partir de Tete (Moçambique), uma expedição às regiões interiores da actual Zâmbia. Em
1843, Joaquim Rodrigues Graça explorou a região do Bié, no Planalto Central de Angola,
e depois a zona do Cassai, no Congo, regressando a Luanda em 1846. Nos anos seguintes,
Bernardino José Brochado explorou o curso do rio Cunene no Sul de Angola, enquanto
Caetano Ferreira atingiu as nascentes do rio Cuando em 1854. Mas foi talvez Silva Porto
o explorador português que mais se salientou na exploração do imenso planalto central
africano nas décadas de 1840 e 1850. Estabelecido de forma permanente no centro de
Angola (Bié), Silva Porto viajou pelas regiões interiores de Angola e pela Zâmbia, contac-
tando com Livingstone e com mercadores árabes provenientes de Zanzibar. Colono e
comerciante respeitado por portugueses e africanos, Silva Porto foi nomeado, pelo
governo português, capitão-mor do Bié, região em que desenvolveu uma intensa activi-
dade económica, política e «diplomática» a favor do estabelecimento da soberania portu-
guesa. Silva Porto veio porém a suicidar-se no fatídico ano do Ultimatum inglês, na
sequência da «renúncia obrigada» de Lisboa às regiões entre Angola e Moçambique e no
quadro de uma revolta das populações locais contra Portugal.
No entanto, apesar destas iniciativas isoladas com vista à construção de um espaço
colonial português em África, Portugal não desenvolveu uma política articulada de colo-
nização e nem tão pouco de conquista e de ocupação das regiões do interior de Angola e
de Moçambique. Mesmo depois de normalizada a situação política na metrópole, com o
início da Regeneração em 1851, Lisboa continuou a demonstrar pouco interesse pelos
assuntos coloniais. Esse desinteresse foi em parte ditado pelo carácter (ainda) reduzido dos
interesses económicos portugueses em África. De facto, durante séculos, o único grande
negócio dos portugueses nas costas africanas foi a escravatura, cujo tráfico entre as duas
margens do Atlântico se manteve florescente até à década de 1850. Isto apesar da abolição
oficial do tráfico transatlântico de escravos a Sul do Equador pelo Marquês de Sá da Ban-
deira, em 1836, e a despeito das pressões britânicas no sentido de acabar com a exporta-
ção portuguesa de escravos africanos para as Américas. Assim, a África não atraiu durante
muito tempo o investimento português a não ser nas actividades económicas directa ou
indirectamente ligadas à escravatura1.

(1) O Brasil, para além de ser o destino preferencial da emigração portuguesa, continuou a ser o prin-
cipal pólo de atracção dos interesses económicos da burguesia portuguesa mesmo depois da sua indepen-
dência em 1822.
A questão colonial, o Ultimatum inglês e o fim da monarquia (1890-1910) 17

Mas há outras razões tão ou mais importantes do que o reduzido interesse económico
português em África e que se prendem com os objectivos da política regeneradora. Com a
Regeneração, a governação liberal concentrou-se sobretudo na modernização da economia
e das infra-estruturas da metrópole, em detrimento de uma verdadeira política de cons-
trução imperial. A Regeneração foi, neste aspecto, uma revolução «virada para dentro», ou
seja, feita a pensar quase exclusivamente na realidade metropolitana. Esta situação só se
modificou quando começaram a ser patentes os primeiros sinais do fracasso da revolução
regeneradora a partir da década de 1870. E foi precisamente a consciência desse fracasso
que levou a monarquia portuguesa a apostar na construção de um novo Império colonial
em África. Por outras palavras, falhado o projecto de modernização económica, social e
política da sociedade metropolitana, os governos monárquicos recuperaram o projecto
imperial de Sá da Bandeira a fim de compensar – e de esconder – o fracasso da Rege-
neração, desviando assim as atenções das elites e das classes médias portuguesas para o
exterior. O objectivo último era o de assegurar a estabilidade do sistema de poder consti-
tucional monárquico. Neste sentido, o projecto monárquico de construção imperial tem
de ser entendido no contexto político, económico e social da Regeneração, ou melhor, no
quadro do seu fracasso histórico. Por isso, é necessário compreender o que foi – e o que
representou – a revolução regeneradora na metrópole para perceber a importância e o sig-
nificado político que o projecto de construção imperial assumiu a partir de 1870. Vejamos.
A Regeneração foi uma revolução conservadora que procurou dar ao país a estabilidade
política, a paz social e o desenvolvimento económico tão desejado pelas elites liberais, à
esquerda e à direita. A Regeneração colocou aliás um ponto final na disputa entre cartis-
tas e setembristas, mediante a promulgação do Acto Adicional à Carta Constitucional
(1852). O Acto Adicional consagrou o sufrágio directo para a Câmara dos Deputados, alar-
gou o corpo eleitoral e aboliu a pena de morte para crimes políticos. Estas modificações
fizeram esbater as diferenças entre cartistas e setembristas, de modo que a Carta
Constitucional passou a ser aceite pela generalidade das correntes políticas. No plano da
governação, a Regeneração correspondeu à fase de afirmação de um sistema político bipar-
tidário e rotativo, que se inspirou no sistema britânico e que ficou conhecido com o nome
de rotativismo. De facto, a vida política passou a ser dominada por dois partidos políticos
principais, os Regeneradores e os Históricos. Regeneradores e Históricos revezaram-se no
poder ao longo de várias décadas, quase sem a interferência de outros partidos. Nalguns
momentos foram esboçadas tentativas de construção de um sistema multipartidário, com
o aparecimento de novos partidos monárquicos à esquerda, Reformistas e Constituintes, e
à direita, os Avilistas. Mas estas tentativas falharam e, em 1876, Históricos e Reformistas
fundiram-se numa nova formação política, que tomou a designação de Partido Progres-
sista. Podemos afirmar, com uma certa propriedade, que os Regeneradores representavam
a direita, enquanto os Progressistas constituíam a esquerda, ainda que as diferenças ideo-
lógicas entre ambos os partidos não fossem muito profundas. Por outro lado, o jogo polí-
tico estava viciado à partida, na medida em que os resultados eleitorais eram controlados
pelos notáveis locais, os chamados «caciques», o que deu origem a um sistema de baro-
18 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

nato político, o «caciquismo». Era o «cacique» que decidia o resultado eleitoral na aldeia
ou na vila, instruindo os eleitores a votar em determinado partido. Uma influência que lhe
advinha do seu poder económico e do controlo social que exercia sobre a respectiva comu-
nidade. Isto significa que as maiorias parlamentares não exprimiam autenticamente a von-
tade política da população portuguesa, mas tão só os interesses dos próprios partidos que,
para o efeito, se apoiavam numa vasta rede de «barões» de província. Ficou aliás famosa a
expressão «chapeladas», que se referia ao «controlo» dos resultados eleitorais pelos parti-
dos e governos monárquicos. Por último, apesar do alargamento do sufrágio eleitoral, a
maior parte da população nunca adquiriu o direito de voto e permaneceu afastada de todo
o processo político. O corpo eleitoral português abrangia 9,1% do total da população em
18642, 20,3% em 18803 e 20,4% em 18904. Depois dessa data, o corpo eleitoral sofreu uma
forte contracção, em virtude da promulgação de legislação eleitoral muito mais restritiva,
descendo para 11,9% em 19015 e 12,6% em 19106.
Em termos económicos e sociais, a Regeneração correspondeu à fase de consolidação
e de expansão do poder de uma burguesia unificada (e já não dividida como anteriormente)
que, em estreita associação com a aristocracia, controlou quase sem oposição o aparelho
de Estado, manobrando-o para satisfação dos seus interesses económicos e em detrimento
da maioria da população portuguesa. O Ministro Fontes Pereira de Melo, do Partido Rege-
nerador, foi o máximo campeão dos interesses dessa burguesia e o principal mentor da
política económica da Regeneração. A sua política assentou principalmente no desenvolvi-
mento da rede de transportes e comunicações: caminho-de-ferro, estradas, portos, cor-
reios e telégrafo. Conhecida por «Fontismo», esta política tinha por objectivo a moder-
nização do país pela criação das infra-estruturas necessárias ao florescimento das activi-
dades económicas, agricultura, indústria e comércio. Mas a política «fontista» de obras
públicas só foi possível graças ao recurso ao crédito internacional, ou seja, pela contracção
de ingentes empréstimos no estrangeiro, facto que obrigou o Estado Português a aumen-
tar a carga fiscal, agravando assim a situação económica da maior parte da população.
Além disso, não houve um verdadeiro arranque industrial no país e a agricultura conti-
nuou a ser o principal sector económico e o que empregava a maioria dos portugueses.
Enfim, uma parte muito consistente da agricultura continuou a ser de subsistência. A
outra assentava fundamentalmente na superexploração dos trabalhadores agrícolas, os
chamados jornaleiros, verdadeiros proletários rurais, cujas condições de vida estavam
muito abaixo do limiar da pobreza, roçando mesmo a miséria.
O «Portugal regenerado» era pois um país com uma estrutura social rígida e com poucos
mecanismos de ascensão social. No topo da pirâmide social estava uma elite formada por

(2) Estavam recenseados 350.000 eleitores numa população total de 3.829.618 habitantes.
(3) Estavam recenseados 845.000 eleitores numa população total de 4.160.315 habitantes.
(4) Estavam recenseados 951.000 eleitores numa população total de 4.660.095 habitantes.
(5) Estavam recenseados 598.000 eleitores numa população total de 5.016.267 habitantes.
(6) Estavam recenseados cerca de 700.000 eleitores numa população total de 5.547.708 habitantes.
A questão colonial, o Ultimatum inglês e o fim da monarquia (1890-1910) 19

grandes comerciantes, banqueiros e (poucos) industriais, que muitas vezes eram também
grandes proprietários rurais. Isto é, uma grande burguesia capitalista que emparelhava
com a aristocracia na governação do país. Na verdade, assistiu-se ao fenómeno – que já
vinha de trás – de rápida aristocratização da burguesia liberal, que através do seu novo
poder económico e político conseguiu aceder à posse de títulos nobiliárquicos. Tratou-se
de um fenómeno de mimetismo social, na medida em que a burguesia ascendente procu-
rou imitar o modo de vida da antiga nobreza, que a fascinava socialmente. Havia sim um
espírito de domínio na burguesia, mas o modelo de dominação que os burgueses adopta-
ram, pelo menos inicialmente, foi aquele representado pela aristocracia. Ter poder signifi-
cava ter um título nobiliárquico e viver como vivia a nobreza. Esta situação modificou-
-se em parte só nas últimas décadas de Oitocentos, quando o número de comerciantes e
de industriais, estreitamente associados à banca, cresceu em consequência da obra de
modernização económica de Fontes Pereira de Melo. Mas essa burguesia comercial e
industrial estava concentrada nas cidades de Lisboa e do Porto, o que revela o seu carác-
ter fundamentalmente urbano. O facto é que nobreza e burguesia estavam profundamente
interligadas por um rede de laços familiares, sociais e económicos que se tinha constituído
logo após o fim do regime absolutista. No final do século, ambas partilhavam de um
mesmo habitus social e os seus interesses económicos e políticos eram na maior parte dos
casos convergentes, de modo que nobreza e burguesia se mostravam unidas no trabalho
social de dominação da sociedade portuguesa.
Muito mais abaixo na escala social estavam as classes médias formadas por pequenos
comerciantes e proprietários urbanos, artesãos, funcionários públicos, profissionais libe-
rais, farmacêuticos, professores, etc. Mas estas classes médias permaneceram numerica-
mente limitadas e adstritas aos centros urbanos mais importantes (Lisboa, Porto, Coimbra,
Braga), na medida em que a modernização fontista não conseguiu criar uma autêntica
sociedade industrial em Portugal. Pequenos proprietários rurais, lavradores abastados,
professores primários e um ou outro comerciante e artesão formavam uma espécie de
classe média rural, esta ainda mais limitada do ponto de vista numérico do que a urbana.
Partes integrantes da ordem social burguesa, só muito tarde as classes médias adquiriram
uma certa consciência de classe, manifestando-se contra a hegemonia política da grande
burguesia e da aristocracia, mas nunca aceitando uma verdadeira inversão da pirâmide
social. Isto é, as classes médias contestavam a marginalização política a que eram votadas
pela elite burguesa-aristocrática, mas eram contrárias à emancipação económica, social e
política da maioria da população camponesa e do proletariado urbano. Por isso as ideias
socialistas nunca vingaram entre as classes médias, que preferiram apoiar as ideias nacio-
nalistas e demoliberais do emergente Partido Republicano Português.
Na base da pirâmide social estavam o proletariado urbano e os camponeses, nomeada-
mente os assalariados rurais (jornaleiros). O proletariado urbano era constituído essen-
cialmente por operários e outros trabalhadores assalariados do artesanato, indústria e
comércio, bem como por um grande número de trabalhadores domésticos, os criados e
criadas de servir. As condições de vida do proletariado urbano eram difíceis devido aos baixos
20 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

salários e à concentração do capital nas mãos da restrita elite burguesa-aristocrática. Além


disso, a ausência de uma verdadeira industrialização implicava a existência de um número
reduzido de empresas com um número significativo de operários. E ao carácter numeri-
camente restrito do operariado somava-se a falta de instrumentos de consciencialização
política e cultural. Daí a fraqueza política do socialismo português. Relativamente aos
camponeses, podemos dizer que os trabalhadores agrícolas eram – mais do que proletários
sem consciência de classe – autênticos subalternos rurais, uma espécie de «colonizados do
interior». As condições de vida nos campos eram duríssimas e a maior parte da população
era forçosamente indigente. Miserável, subnutrida, vítima do alcoolismo, sem acesso aos
cuidados de saúde e à instrução, era este o retrato social da maior parte da população rural.
E o mesmo se podia dizer dos pescadores, que enfrentavam as águas bravias do Oceano
Atlântico em minúsculos barcos de pesca, sacrificando muitas vezes a própria vida para
tentar ganhar o sustento quotidiano. Paralelamente, os mecanismos de ascensão social –
como por exemplo a escola – mantinham-se praticamente «vedados» à população campo-
nesa, constrangendo-a à conformação social ou à emigração. De facto, explorados econo-
micamente pelos grandes proprietários rurais e na falta de uma autêntica industrialização
do país, a única via de fuga para os camponeses portugueses era a emigração para o estran-
geiro, sobretudo para o Brasil, onde procuravam trabalho nas cidades ou nos sertões7.
Assim, a opulência de uma mão cheia de famílias burguesas e aristocráticas contrastava
com a miséria extrema dos proletários rurais. O povo continuou pobre, analfabeto e poli-
ticamente alienado, sem capacidade de representação política e submetido a um impiedoso
regime de superexploração capitalista.
Neste sentido, a modernização regeneradora teve um alcance limitado, na medida em
que não conseguiu levar avante uma autêntica industrialização do país. A Regeneração foi
incapaz de vencer o atraso estrutural português e de colocar o país no campo das econo-
mias desenvolvidas da Europa Ocidental. Tão pouco trouxe benefícios concretos à maioria
da população portuguesa. A Regeneração beneficiou sobretudo a burguesia liberal triun-
fante que, conjuntamente com a aristocracia, controlava a sociedade portuguesa, man-
tendo a maioria da população numa condição objectiva de subalternidade social, econó-
mica, política e cultural. Mas a ausência dessa industrialização e a permanência de graves
problemas económicos e sociais, que afectavam não só os estratos mais desfavorecidos
mas também as classes médias urbanas, bem como a corrupção do sistema liberal monár-
quico, provocaram gradualmente o descrédito da monarquia constitucional. Incapaz de
superar as suas deficiências, a monarquia liberal começou a dar sinais de desgaste político
a partir de 1870. Esse desgaste ficou aliás patente na forma como a monarquia lidou com
as Conferências do Casino Lisbonense, organizadas por Antero de Quental e por outros

(7) O fenómeno da emigração envolveu várias centenas de milhares de pessoas na segunda metade do
século XIX. Facto que não impediu um crescimento da população portuguesa de cerca três milhões e oito-
centos mil indivíduos em 1864 para cerca de cinco milhões em 1900. A par da emigração, assistiu-se
também ao crescimento da população urbana, sobretudo de Lisboa e do Porto.
A questão colonial, o Ultimatum inglês e o fim da monarquia (1890-1910) 21

intelectuais da Geração de 1870. Conferências essas que o governo proibiu por perceber a
sua perigosidade para a continuidade do regime político então vigente.
Neste quadro, a monarquia jogou a cartada colonial como forma de compensar o fra-
casso da sua política de modernização metropolitana. Por outras palavras, a colonização afri-
cana representou uma forma de compensação pelas frustrações internas da política nacio-
nal, nomeadamente pela falência da Regeneração na promoção de um capitalismo moderno
e industrial, capaz de retirar o país do atraso económico, social e político. Para o efeito, a
monarquia lançou os fermentos de um nacionalismo de fundo colonial, mobilizando a
população portuguesa para um grande projecto nacional de construção imperial. Por isso, o
nacionalismo português teve uma expressão sobretudo colonial, no sentido em que procu-
rou o seu fundamento na expansão colonial e na conquista de um novo Império em África.
O Imperialismo Português foi, pois, o produto da necessidade de afirmação política do
nacionalismo português, cujos fermentos foram lançados pela monarquia e depois culti-
vados pelos republicanos. Foi também uma reacção ao sentimento de decadência nacional
que era sentido por alguns sectores das elites nacionais desde a perda do Brasil. E foi,
enfim, o produto da vontade de emparceirar com as grandes potências europeias na parti-
lha de África. De facto, a expansão colonial portuguesa foi estimulada pela concorrência
estrangeira na operação de conquista do continente africano. Isto é, a monarquia portu-
guesa foi obrigada a prestar maior atenção aos assuntos africanos pelo crescimento dos
interesses britânicos, franceses, alemães e belgas na África Austral. Portugal receou que as
potências europeias ocupassem os territórios que considerava serem seus por razões his-
tóricas, mas que na realidade nunca tinham sido efectivamente colonizados pelos portu-
gueses. Neste contexto, o imperialismo português, muito embora não tenha representado
uma forma de «imperialismo não-económico» (como pretendem alguns historiadores), foi
um imperialismo em que os factores políticos jogaram um papel muito significativo, jun-
tamente com os inevitáveis interesses económicos.
Portugal começou a esboçar uma verdadeira política de colonização dos territórios
africanos ainda na década de 1870. Entre as primeiras iniciativas dessa política contaram-se
várias viagens de exploração do sertão africano, muitas delas patrocinadas pela Sociedade
de Geografia de Lisboa, fundada em 1875. Em 1877/1880, Hermenegildo Capelo e Roberto
Ivens viajaram pelo interior de Angola, realizando um relatório pormenorizado das regiões
que atravessaram e que deram a conhecer ao poder colonial. Em 1878/1879, Serpa Pinto
foi um dos primeiros europeus a realizar a travessia de África do Atlântico ao Índico, par-
tindo de Benguela e alcançando no ano seguinte Durban, no Natal, depois de atravessar a
Zâmbia, o Zimbabwe e o Transvaal. A façanha foi repetida em 1884 por Capelo e Ivens, que
atravessaram o continente africano partindo de Moçâmedes e chegando a Quelimane, em
Moçambique, depois de uma viagem pelo Katanga e ao longo do curso do rio Zambeze. Em
1884/1886, Henrique de Carvalho atravessou a região da Lunda, no Leste de Angola, até ao
rio Cassai, enquanto outros exploradores portugueses viajaram por outras zonas de Angola
e de Moçambique, cartografando e estabelecendo contactos comerciais e políticos com as
populações africanas.
22 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

Em termos internacionais, Portugal procurou assegurar pela via diplomática a posse de


determinados territórios estratégicos cuja soberania era disputada por outras potências
coloniais. Um desses territórios foi a baía de Lourenço Marques (Maputo), sobre a qual os
britânicos tinham fortes pretensões, a despeito do facto de os portugueses terem ali cons-
truído uma fortaleza. A disputa foi arbitrada internacionalmente pelo Presidente da França,
Mac-Mahon, que reconheceu a soberania portuguesa sobre Lourenço Marques em 1875.
Mais problemático se afigurou o domínio da bacia do Congo, cujo controlo era disputado
por britânicos, franceses e alemães e sobre parte da qual Portugal dizia ter direitos históri-
cos. Foi para decidir a sorte desse imenso território que foi convocada, pelo rei Leopoldo II
da Bélgica, uma conferência internacional – a Conferência Geográfica de Bruxelas de 1876.
A conferência envolveu delegados britânicos, franceses e alemães e sancionou a entrada da
Bélgica na corrida à África, pela mão do próprio monarca, que estava apostado na realiza-
ção de um projecto colonial de cariz patrimonial na África Central. Portugal não foi convi-
dado a participar nos trabalhos da conferência. Foi então criada a Associação Internacional
Africana, com o objectivo de promover a «civilização» da África, e depois a Associação
Internacional do Congo, sob o patrocínio de Leopoldo II. Esta Associação promoveu a
exploração da imensa bacia do Congo, destacando-se nessa «empresa» o famoso explorador
americano Stanley. Todo este processo levou à criação do Estado Livre do Congo em
1884/1885, património pessoal do monarca belga e espécie de território neutro entre as
colónias das demais potências europeias. Trata-se do enorme território que hoje constitui a
República Democrática do Congo, com capital em Kinshasa, e que no período colonial era
conhecido pelo nome de Congo Belga (ou Congo-Léopoldville). Em vão, Portugal tentou
reagir à penetração belga, realizando um Tratado com a Grã-Bretanha que reconhecia aos
portugueses a posse das duas margens do rio Zaire (Tratado de Londres de 1884). Mas o
Tratado não foi aceite pelas demais potências coloniais europeias. E este foi um dos moti-
vos pelos quais foi convocada por Bismarck a Conferência de Berlim (1884-1885).
A Conferência de Berlim consagrou a partilha do continente africano pelas potências
europeias. Nela participaram, entre outros, delegados britânicos, alemães, franceses, por-
tugueses, belgas, italianos, espanhóis e até norte-americanos. Mais importante ainda, a
Conferência de Berlim procurou definir uma política europeia para África, estabelecendo
certos princípios do direito colonial internacional. Pelo Acto Geral foi definido o princípio
da ocupação efectiva dos territórios coloniais, em detrimento dos alegados direitos histó-
ricos que cada país podia eventualmente ter sobre dadas regiões de África. Isso significava
que cada potência devia ocupar com meios militares e civis os territórios africanos que
pretendia colonizar, de forma a assegurar os seus direitos de soberania e a evitar perdê-los
para a concorrência.
O Acto Geral de Berlim colocou a monarquia portuguesa em grandes dificuldades, na
medida em que Portugal não tinha os meios militares e logísticos nem os recursos econó-
micos para ocupar todos os territórios cuja posse reclamava por razões históricas. Para
além disso, não resolveu grande parte das disputas territoriais entre os portugueses e as
demais potências coloniais. Estas disputas só foram resolvidas mais tarde, com tratados
A questão colonial, o Ultimatum inglês e o fim da monarquia (1890-1910) 23

bilaterais entre os vários países europeus. Em 1886, Portugal assinou um tratado com a
França que estabelecia as fronteiras da Guiné Portuguesa, atribuindo aos franceses a zona
de Casamansa em troca do reconhecimento da fronteira do enclave de Cabinda, a Norte do
rio Zaire. No mesmo ano foi assinado um outro tratado com a Alemanha, que fixava a fron-
teira sul de Angola no rio Cunene e a fronteira norte de Moçambique no rio Rovuma.
Portugal renunciava assim a algumas zonas fronteiriças a favor dos alemães em troca de
um eventual apoio de Berlim ao projecto de ocupação portuguesa dos territórios entre
Angola e Moçambique. Este projecto foi definido por Henrique Barros Gomes, Ministro
dos Negócios Estrangeiros do governo progressista de José Luciano de Castro, em 1887.
Barros Gomes apresentou às Cortes Portuguesas – e por conseguinte à Nação – um mapa
da África Meridional Portuguesa, um enorme território que se estendia de Angola a
Moçambique e que englobava os territórios actuais da Zâmbia, do Zimbabwe e do Malawi.
Este mapa passou à história com o nome de «Mapa Cor-de-Rosa», porque os territórios
reclamados por Portugal estavam coloridos a rosa.
O projecto imperial do «Mapa Cor-de-Rosa» foi recebido com grande entusiasmo pelas
elites portuguesas e por boa parte da população. Efectivamente, a consciência colonial por-
tuguesa estava em plena fase de expansão, sendo disso um sinal revelador a criação da
Sociedade de Geografia de Lisboa em 1875. E não eram só os governos monárquicos que
promoviam a formação dessa consciência colonial. Os meios republicanos faziam da
expansão colonial uma das suas principais bandeiras políticas, criticando a monarquia pelo
atraso, deficiências e limitações da colonização portuguesa em África. Posição afirmada
pelos republicanos já em 1880, durante as comemorações do 3.º centenário da morte de
Luís Vaz de Camões, elevado à condição de poeta épico nacional. Neste sentido, mais do
que um mero esboço cartográfico de expansão colonial, o «Mapa Cor-de-Rosa» represen-
tava o grande projecto de ressurreição política da Nação Portuguesa, da sua antiga gran-
deza imperial, perdida ao longo de «séculos de decadência», e da sua dignidade interna-
cional no concerto das grandes potências europeias. A construção de um grande Império
Colonial em África, consubstanciado no «Mapa Cor-de-Rosa», assumiu assim um carácter
quase que redentor para a «pobre e atrasada» Nação Portuguesa, ao ponto de o naciona-
lismo português – fosse ele monárquico ou republicano – se ter constituído em torno da
procura obcecada de um glorioso destino histórico de Portugal em África.
No entanto, o projecto imperial português chocava com as ambições coloniais de uma
das maiores figuras do imperialismo britânico, Cecil Rhodes. Estabelecido de forma per-
manente na África do Sul, Rhodes foi talvez o maior artífice da expansão colonial inglesa
na África Austral, bem como um dos máximos apologistas da construção de um império
britânico que fosse do Cairo ao Cabo. Por isso, na óptica britânica e, muito especialmente,
na de Cecil Rhodes, o projecto colonial português expresso no «Mapa Cor-de-Rosa» era
simplesmente inaceitável. Portugal, provavelmente confiante no apoio diplomático da
Alemanha, procurou ignorar a hostilidade inglesa em relação ao seu projecto de expansão
colonial. Como tal, o governo português promoveu a ocupação dos territórios entre
Angola e Moçambique, muito embora não dispusesse de capacidade militar suficiente para
24 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

assegurar o domínio dessas vastas regiões e muito menos para enfrentar uma eventual
intervenção inglesa. Em 1888/1889, Portugal realizou várias expedições militares ao inte-
rior africano a partir da costa moçambicana, que nalguns casos resultaram em combates
com populações locais. As relações luso-britânicas deterioraram-se gradualmente até que,
em 11 de Janeiro de 1890, o plenipotenciário inglês em Lisboa entregou um memoran-
dum ao governo português, um Ultimatum que exigia a retirada imediata das forças por-
tuguesas das regiões do Chire (Malawi) e dos «países dos Macololos e Mashonas» (Zimba-
bwe), sob pena de uma quebra de relações diplomáticas e de eventual uso da força por
parte da Inglaterra. Por outras palavras, o Ultimatum inglês era uma autêntica ameaça de
guerra a Portugal. Uma guerra que a monarquia portuguesa nunca poderia vencer, tal era
a desproporção de forças entre os dois países. Face a isto, o governo progressista de José
Luciano de Castro cedeu à intimação britânica e mandou evacuar as regiões em questão.
Mas o Ultimatum inglês deixou o Portugal político em estado de choque. Manifestações de
ira popular contra os ingleses abalaram todo o país, em especial Lisboa. Humilhado e
ferido no íntimo do seu orgulho nacional, o povo saiu à rua para gritar «morras» à
Inglaterra. Foi talvez a primeira grande manifestação colectiva do nacionalismo portu-
guês, pelo menos no sentido moderno desse princípio político.
No entanto, o povo não exprimiu apenas a sua ira contra a Inglaterra, mas também a
sua profunda irritação contra a monarquia representada na pessoa do jovem rei D. Carlos.
A monarquia foi acusada de fraqueza e de incapacidade política e os ministros do rei foram
apodados de «traidores à pátria» e de «vendidos à Inglaterra» por terem cedido ao
Ultimatum inglês. Efectivamente, o governo português não soube gerir a crise política
provocada pelo Ultimatum. No dia 13 de Janeiro de 1890, apenas dois dias depois do
Ultimatum, o governo de José Luciano de Castro pediu a sua demissão. No dia seguinte,
os regeneradores formaram governo sob a liderança de António Serpa Pimentel, sendo
Hintze Ribeiro indigitado Ministro dos Negócios Estrangeiros. O novo governo tentou o
recurso à arbitragem internacional para resolver a disputa com a Inglaterra, mas Londres
rejeitou qualquer forma de mediação. Apesar das expectativas portuguesas em contrário,
a Alemanha não apoiou a posição portuguesa e não quis interferir na disputa, tal como as
demais potências europeias. Hintze Ribeiro não teve outra alternativa senão aceitar as
imposições britânicas e assinar um primeiro tratado ad-referendum com Londres, em 20
de Agosto de 1890. Este tratado atribuía aos portugueses o controlo de um estreito corre-
dor ao longo do curso do rio Zambeze, o qual deveria servir de ligação entre Angola e
Moçambique. Mas o tratado foi rejeitado pela Câmara dos Deputados e pela população por-
tuguesa, que repudiou o acordo em numerosas manifestações por todo o país. Resultado,
o governo regenerador caiu em 18 de Setembro de 1890, sendo substituído por um
governo apartidário liderado pelo General João Crisóstomo de Abreu e Sousa.
No entretanto, o Partido Republicano Português procedia à mobilização política da
população, canalizando o descontentamento do povo contra a monarquia. Este desconten-
tamento não era só fruto da profunda indignação causada pela cedência da monarquia ao
Ultimatum inglês, mas também da crise financeira, económica e social em que o país estava
A questão colonial, o Ultimatum inglês e o fim da monarquia (1890-1910) 25

mergulhado. Esta crise era, por um lado, reflexo da grande crise económica europeia de
1890 e, por outro, consequência da política económica do «fontismo», que foi incapaz de
promover o desenvolvimento industrial de Portugal. Fortalecidos pela adesão de um grande
número de novos militantes, alguns meios republicanos procuraram derrubar a monarquia
pela via revolucionária. Em 31 de Janeiro de 1891, uma parte do exército estacionado na
cidade do Porto revoltou-se contra a monarquia e proclamou a República. Do movimento
revoltoso faziam parte sobretudo militares de baixa patente (sargentos, cabos, soldados
rasos), comandados por um capitão, bem como alguns civis ligados à imprensa republicana
local, nomeadamente João Chagas e Basílio Teles. Porém, no combate com as forças fiéis à
monarquia, os rebeldes republicanos foram esmagados pelos bombardeamentos feitos a
partir da Serra do Pilar, de modo que a revolta foi rapidamente debelada pelos monárqui-
cos. Os militares revoltosos foram julgados em navios de guerra e os civis ou fugiram para
a Galiza, ou foram presos e deportados para as colónias. O movimento republicano foi deca-
pitado de alguns dos seus líderes, perdeu parte da sua estrutura política e desagregou-se
temporariamente. Mas a carga sentimental do 31 de Janeiro de 1891 foi essencial para
mobilizar a população portuguesa na fase pós-Ultimatum, porque deu ao republicanismo o
seu mote sentimental e heróico. O republicanismo voltou rapidamente a engrossar as suas
fileiras graças às adesões de novos militantes mobilizados quer pela indignação contra a
Inglaterra e contra a monarquia, quer pela «heroicidade dos mártires» do 31 de Janeiro de
1891. E assim nasceu o primeiro mito republicano.
Embora com grandes dificuldades, a monarquia conseguiu sobreviver – por mais duas
décadas – ao choque do Ultimatum inglês, mas entrou irremediavelmente numa longa
crise política da qual nunca conseguiu recuperar totalmente. A muito custo, a monarquia
conseguiu, porém, uma certa e momentânea estabilidade, que lhe permitiu manter-se por
mais algum tempo, explorando ao máximo todo e qualquer pequeno sucesso no plano
colonial. Em Junho de 1891, o governo do General João Crisóstomo Abreu e Sousa ratifi-
cou um segundo tratado com a Inglaterra, pelo qual Portugal renunciou definitivamente
aos territórios dos actuais Malawi, Zâmbia e Zimbabwe. Em compensação, Londres reco-
nheceu a soberania portuguesa sobre Angola e Moçambique. No mês anterior, um tratado
com o Estado Livre do Congo, do rei Leopoldo II, tinha delimitado a fronteira norte e parte
da fronteira leste de Angola, atribuindo aos portugueses o controlo do imenso território da
Lunda, no Nordeste de Angola. Portugal abdicou assim da pretensão de construir um gran-
dioso Império africano do Atlântico ao Índico, mas em troca garantiu o domínio de duas
vastas áreas, que no total perfaziam mais de dois milhões de quilómetros quadrados, isto
é, cerca de vinte vezes mais do que o território metropolitano português. De certa forma,
nasceu aqui o terceiro Império Português, o Império luso-africano.
No período pós-Ultimatum, os sucessivos governos monárquicos concentraram grande
parte das suas energias na edificação do novo Império colonial. Desde logo, a monarquia
procurou consolidar o domínio português na Guiné, em Angola e em Moçambique, orga-
nizando campanhas militares de conquista e de ocupação do interior desses territórios, as
chamadas «campanhas de pacificação». Em Angola, salientaram-se, ao comando das forças
26 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

portuguesas, Artur de Paiva e, mais tarde, Alves Roçadas. Embora nem sempre bem suce-
didas, as expedições militares lideradas por estes (e por outros) oficiais conseguiram
expandir a soberania portuguesa a sectores significativos do território angolano, cuja con-
quista definitiva só foi completada no período republicano. Em Moçambique, a conquista
militar portuguesa revelou-se mais difícil, na medida em que os portugueses tiveram que
enfrentar um «Estado» africano bem organizado do ponto de vista militar, o Império
Vátua. De matriz zulu, o Império Vátua estendia-se por vastas regiões do Sul de Moçam-
bique e pelo Zimbabwe, sendo governado pelo famoso Gungunhana. Forte do apoio téc-
nico e militar britânico, o Império Vátua representava uma ameaça constante à posição
portuguesa em Lourenço Marques. Em Outubro de 1894, Lourenço Marques foi atacada
pelos guerreiros africanos, colocando os portugueses em grandes dificuldades. Para resol-
ver o problema, Lisboa nomeou António Enes para o cargo de Comissário Régio de
Moçambique, atribuindo-lhe amplos poderes. António Enes foi o estratega da campanha
contra o Império Vátua, servindo-se para o efeito dos serviços de alguns dos melhores ofi-
ciais portugueses: Caldas Xavier, Paiva Couceiro, Freire de Andrade e Mouzinho de Albu-
querque. Em Fevereiro de 1895, Caldas Xavier obteve uma vitória muito significativa contra
os Vátua em Marracuene. Seguiram-se as vitórias de Magul e Coolela, e em 28 de Dezem-
bro de 1895 Mouzinho de Albuquerque entrou na capital do Império Vátua, Chaimite, cap-
turando Gungunhana, que foi deportado para Portugal, onde faleceu. Mouzinho foi acla-
mado em glória por todo o Portugal, tornando-se num dos maiores símbolos do orgulho
nacional, senão mesmo na figura cimeira do nacionalismo português. Nomeado Governa-
dor Geral de Moçambique, Mouzinho continuou a ocupação militar do território, ainda
que não a tenha completado. Aliás, a conquista das regiões setentrionais do sultanato de
Angoche só foi efectuada no período republicano. Em todo o caso, as vitórias militares em
Moçambique tiveram um papel central na recuperação psicológica do orgulho português,
depois da humilhação representada pelo Ultimatum inglês.
Simultaneamente, Portugal procurou assegurar pela via diplomática a integridade do
espaço colonial definido pelos tratados internacionais de 1891. De facto, os «apetites»
estrangeiros pelas colónias portuguesas não cessaram com a questão do Ultimatum. Em
1898, a Grã-Bretanha e a Alemanha assinaram um tratado que previa a «partilha econó-
mica» de Angola, Moçambique e Timor pelos dois países, caso o governo português fosse
constrangido, por circunstâncias económicas, a contrair um empréstimo internacional
baseado nos rendimentos alfandegários das colónias. Anexo ao tratado, uma «convenção
secreta» estabelecia a partilha política das três colónias por britânicos e alemães, em detri-
mento da soberania portuguesa. Timor, o Sul de Angola e as regiões moçambicanas a
Norte do rio Zambeze caberiam a Berlim e o resto a Londres. A eclosão da Guerra Anglo-
-Boer em 1899 veio, porém, alterar o baralho político internacional a favor de Portugal.
Para derrotar o Transvaal, Londres precisou da neutralidade e até do apoio português,
nomeadamente de facilidades para a passagem de tropas britânicas no território português
de Moçambique. Pelo Tratado de Windsor de 1899, a Grã-Bretanha comprometeu-se a
reconhecer e a salvaguardar a integridade territorial do Império Colonial Português, o que
A questão colonial, o Ultimatum inglês e o fim da monarquia (1890-1910) 27

na prática «invalidou» o acordo anglo-alemão de 1898. Mas as pretensões estrangeiras


sobre as colónias portuguesas continuaram pelo menos até à 1.ª Guerra Mundial e, no
fundo, o principal entrave à partilha do Império Português foi representado pela rivalidade
entre as potências europeias e a concomitante necessidade de conservar o statu quo colo-
nial em África.
Por outro lado, em termos de política interna o regime monárquico liberal saiu pro-
fundamente mudado da crise do Ultimatum. O governo do General João Crisóstomo não
conseguiu resolver a crise económica e financeira, nem debelar o clima de forte tensão
social e política preponderante no país, pelo que caiu em Janeiro de 1892. Formou então
governo José Dias Ferreira, que tomou medidas severas para solucionar os problemas
económicos e financeiros que afectavam o país e para serenar os ânimos da população. O
sucesso, pelo menos parcial, destas medidas permitiram um regresso ao rotativismo,
sendo os regeneradores liderados por Hintze Ribeiro e os progressistas chefiados por José
Luciano de Castro. Os regeneradores governaram em 1893-1897, 1900-1904 e 1906,
enquanto os progressistas governaram em 1897-1900 e 1904-1906. No entanto, o pânico
provocado nas hostes monárquicas pelo choque do Ultimatum – e da revolta republicana
de 31 de Janeiro de 1891 – levou a um endurecimento da posição da realeza, no sentido
em que o rei passou a apoiar soluções de tipo autoritário e até ditatorial. Em determina-
dos momentos, como por exemplo em 1895, o governo governou em ditadura adminis-
trativa, através de decretos-lei, prescindindo do parlamento, que foi encerrado, e sem rea-
lizar eleições, que embora prometidas não foram efectuadas. As liberdades cívicas e polí-
ticas foram reduzidas por legislação cada vez mais dura e restritiva. E não poucos foram
os políticos portugueses, entre os quais Oliveira Martins, que defenderam um fortaleci-
mento ou mesmo uma governamentalização do poder real. Difundiu-se a ideia de que o
monarca deveria assumir a chefia do governo, segundo o princípio de que o «rei reina e
deve governar», pois só ele poderia «salvar a pátria» da corrupção dos «políticos mesqui-
nhos» que dominavam a governação portuguesa. Foi o próprio rei D. Carlos que deu
cobertura a essas ideias, fascinado talvez pelo musculoso regime alemão. De facto, face à
retracção das ideias do constitucionalismo britânico, cresceu a influência do «socialismo
catedrático» de Bismarck.
Esta situação não tardou a gerar fortes tensões e mesmo dissídios internos nos dois
partidos principais. Em 1901, João Franco fez uma cisão no Partido Regenerador e levou
consigo a ala direita, formando no ano seguinte o Partido Regenerador-Liberal. João
Franco era adepto de um poder real mais forte e interventivo no campo da governação,
mas também de um Estado monárquico mais atento às questões sociais, tal como na Ale-
manha de Bismarck. Em 1905, ocorreu uma nova cisão política, desta vez no Partido Pro-
gressista, levada a cabo por um grupo liderado por José Maria de Alpoim que, ao contrário
de João Franco, pretendia a construção de um regime monárquico mais à esquerda. Ambas
as cisões enfraqueceram os dois principais partidos monárquicos, contribuindo para o des-
mantelamento do sistema rotativista. O golpe de misericórdia foi dado em 1906, quando
D. Carlos forçou a demissão do Ministro Hintze Ribeiro e encarregou João Franco de
28 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

formar um novo governo. Nas Cortes, João Franco recebeu o apoio do seu próprio partido
e do Partido Progressista de José Luciano de Castro. Durante alguns meses, João Franco
governou constitucionalmente, dispondo para o efeito de uma maioria parlamentar nas
Cortes, a chamada «concentração liberal». Porém, a dissolução precoce da aliança com os
progressistas levou João Franco a enveredar pelo caminho da ditadura. Assim, na sequên-
cia da greve académica dos estudantes da Universidade de Coimbra, em Abril de 1907, o rei
D. Carlos dissolveu as Cortes, não sendo marcadas novas eleições. João Franco passou a
governar em ditadura, por legitimidade real e em claro contraste com a legalidade consti-
tucional. Era aliás manifesto o apoio político do monarca à ditadura e, num certo sentido,
era o próprio rei que governava por interposta pessoa, neste caso João Franco. D. Carlos
punha finalmente em prática as ideias relativas ao fortalecimento do poder real e à inter-
venção do monarca na governação. A ditadura «franquista» deixou também um ponto bem
claro: o fim do rotativismo.
No entretanto, o Partido Republicano Português tinha conseguido reorganizar-se poli-
ticamente, depois de um período de alguma dificuldade provocado pela desagregação das
estruturas partidárias na sequência da repressão da revolta de 1891. Na realidade, muito
embora tivesse desestruturado o movimento republicano, o 31 de Janeiro de 1891 contri-
buiu para criar uma aura romântica de heroicidade em torno da esperada República. Por
isso, apesar de uma séria crise organizativa que se arrastou até 1905, o republicanismo
enquanto ideologia política ganhou novos adeptos em vários estratos da população portu-
guesa. A corrupção e o enfraquecimento dos partidos monárquicos tradicionais e a crise
do rotativismo contribuíram para o descrédito da monarquia, que nunca recuperou com-
pletamente da crise do Ultimatum inglês. O Ultimatum deslocou uma boa parte do país
politizado para o lado republicano. As vitórias de Mouzinho de Albuquerque em Moçambi-
que restabeleceram o orgulho nacional, mas não a confiança de boa parte dos portugueses
na monarquia. A monarquia também se mostrava incapaz de promover o desenvolvimento
económico das colónias, não investindo nas infra-estruturas necessárias ao aproveita-
mento dos recursos económicos coloniais e negligenciando os interesses dos colonos
brancos instalados em Angola e em Moçambique. Para além disso, a incapacidade dos
governos monárquicos em resolver os problemas estruturais da sociedade portuguesa alie-
nou da monarquia uma parte substancial das (restritas) classes médias de Lisboa, Porto,
Coimbra e dos restantes centros urbanos, bem como de alguns sectores das elites portu-
guesas. De facto, os governos monárquicos não tinham conseguido modernizar verdadei-
ramente a sociedade portuguesa, nem criado as bases para uma autêntica industrialização
do país, que permaneceu pobre e atrasado em relação à Europa Ocidental.
Neste sentido, uma parte substancial das elites portuguesas, das classes médias e do
restante país politizado tomou consciência de que era necessário mudar estruturalmente
o sistema político português. Uns acreditavam no fortalecimento do poder real e na inter-
venção directa do monarca na governação como forma de moralizar a vida política portu-
guesa e de criar as condições para um rápido e eficiente desenvolvimento económico da
nação. Outros consideravam que a mudança só seria possível pela queda da monarquia e a
A questão colonial, o Ultimatum inglês e o fim da monarquia (1890-1910) 29

sua substituição por um regime republicano. E o republicanismo foi conquistando cada


vez mais adeptos nos últimos anos da monarquia. Regra geral, a historiografia portuguesa
tende a considerar as classes médias urbanas como a principal base social de apoio ao
republicanismo. Segundo esta perspectiva, as classes médias sentir-se-iam oprimidas pela
classe dirigente formada pela grande burguesia e pela aristocracia liberal. Porém, esta
perspectiva não tem em consideração a passagem de um número muito substancial de
elementos burgueses e de aristocratas para o campo do republicanismo. Passagem política
favorecida pela frequentação maçónica de largos sectores das elites portuguesas. A maço-
naria foi o grande motor da revolução republicana e foi também a principal «porta de
entrada» de burgueses e de aristocratas no republicanismo. Uma espécie de transformismo
político gerado talvez pelo pragmatismo das elites portugueses e favorecido decerto pela
moderação ideológica do republicanismo português. Senão vejamos.
Em termos ideológicos, o republicanismo português caracterizou-se por um naciona-
lismo exacerbado de tipo imperialista, que via na construção de um novo Império colonial
o destino histórico de Portugal. O republicanismo foi também caracterizado por um forte
anticlericalismo, motivado pela adesão aos princípios do cientismo e do positivismo. Para
os republicanos a religião católica era o principal sustentáculo da monarquia e uma das
maiores responsáveis pelo atraso político, cultural e mental do país. A Igreja Católica era
acusada de obscurantismo e de reaccionarismo político, o chamado «ultramontanismo».
Deixando pelo caminho algumas das preocupações sociais iniciais, o republicanismo não
punha em causa a ordem social burguesa, fundada na defesa intransigente da propriedade
privada, mas pugnava somente por uma maior igualdade, liberdade e justiça política. No
fundo, o republicanismo defendia um aprofundamento do regime demoliberal, expur-
gando-o dos elementos conservadores mantidos pela monarquia. Como tal, não represen-
tava uma verdadeira ruptura com a tradição liberal portuguesa do século XIX. Em termos
práticos, o republicanismo defendia a supremacia do poder legislativo sobre o executivo,
bem como a limitação dos poderes e das atribuições do Chefe de Estado. Isto é, nada que
pusesse verdadeiramente em causa o regime burguês nascido das revoluções liberais do
século XIX. O ponto mais radical do programa republicano era a defesa do sufrágio uni-
versal, mas uma vez no poder o republicanismo renegou-o. Muito embora se insurgisse na
imprensa contra as desigualdades e as injustiças sociais que caracterizavam a sociedade
portuguesa, o republicanismo não colocou em causa o sistema capitalista, nem tão pouco
preconizou uma redistribuição da riqueza a favor das classes desfavorecidas. Num
momento em que o socialismo conhecia uma grande expansão em vários países da Europa,
por exemplo na Itália, o republicanismo surgiu em Portugal como o novo garante da
ordem social burguesa. Por isso, o republicanismo nunca preconizou qualquer forma de
socialização – e muito menos de estatização – dos meios de produção e nem sequer defen-
deu uma redistribuição da propriedade fundiária a favor do campesinato. E isto explica,
talvez, o seu sucesso entre as classes médias e parte das elites portuguesas. Um último
ponto pode também ajudar a explicar esse sucesso: a crença no carácter providencial e
quase messiânico da República, na medida em que os republicanos estavam convencidos
30 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

da natureza redentora da República. Difundiu-se o mito de que a República libertaria mila-


grosamente o país de todos os males que eram imputados à monarquia. Embora se pro-
clamassem positivistas, os republicanos agiam na prática como crentes numa mística que
se pretendia laica, mas que na realidade tinha muito de religioso. A República era o novo
messias, uma espécie de D. Sebastião tornado de Alcácer-Quibir para fundar o «Quinto
Império».
Em termos doutrinários e organizativos, as grandes figuras do republicanismo portu-
guês foram, nos primórdios, Henriques Nogueira e, mais tarde, homens como Teófilo
Braga, Elias Garcia e Basílio Teles. Mas foi a geração saída do Ultimatum inglês que fez a
revolução republicana. O Ultimatum, como dissemos, provocou a deslocação política de
um grande número de portugueses para o lado republicano, inclusive de muitos intelec-
tuais e estudantes da Universidade de Coimbra. Coimbra era então a única Universidade
portuguesa e, por conseguinte, a principal responsável pela formação da elite política e
económica do país. Em Coimbra, os meios republicanos foram encabeçados pelos estu-
dantes António José de Almeida e Afonso Costa. Ambos procederam a uma desmistificação
política da monarquia, nomeadamente da figura do rei e da família real, o que lhes deu
uma grande projecção no interior do movimento republicano. Além disso, defendiam o
postulado de que a monarquia só cairia com a revolução. Assim, uma vez alcançado o con-
trolo do Partido Republicano, Afonso Costa e António José de Almeida substituíram a tra-
dicional estratégia eleitoralista, dominante no movimento republicano até 1890, por uma
política revolucionária que visava o derrube da monarquia pela força das armas. Em 1903,
o Partido Republicano foi reforçado pela entrada de Bernardino Machado, um ex-ministro
regenerador que tinha grandes qualidades de organização partidária e que dispunha de um
grande prestígio político.
Mas o verdadeiro motor da organização republicana foi a maçonaria, associação secreta
– ou, se preferirmos, «discreta» – que no final do período monárquico contava com cerca
de cento e dezasseis lojas e triângulos e à volta de dois mil membros. Reunida no Grande
Oriente Lusitano Unido, a maçonaria exercia uma enorme influência nas hierarquias civil
e militar porque os seus membros estavam disseminados por todo o país, desempenhando
em muitos casos funções directivas e de comando. Tanto António José de Almeida como
Bernardino Machado eram maçons, bem como muitos outros expoentes políticos republi-
canos. De resto, tal como aconteceu na revolução liberal de 1820, foi a maçonaria que pre-
parou a tomada do poder pelos republicanos em 1910. Da maçonaria saiu aliás o braço
armado do republicanismo, a Carbonária, cujas origens remontam à década de 1890, a
Coimbra, e cujo objectivo era fazer a revolução. No período do seu máximo apogeu (1907-
-1910), a Carbonária, liderada por Luz de Almeida, contou com vários milhares de mem-
bros armados e prontos a derrubar a monarquia. Maçonaria, no campo político, e
Carbonária, no âmbito propriamente militar, foram assim os principais suportes organi-
zativos do republicanismo, mas não foram meros instrumentos do Partido Republicano
Português. Pelo contrário, foi o Partido Republicano que mais pareceu um instrumento
político da organização maçónica.
A questão colonial, o Ultimatum inglês e o fim da monarquia (1890-1910) 31

Paralelamente, a ditadura de João Franco deu aos republicanos a oportunidade política


pela qual tanto esperavam para dirigir o assalto final à monarquia. É que a partir de 1907
os partidos tradicionais do rotativismo – regeneradores e progressistas – abandonaram o
poder monárquico constituído, posicionando-se contra a ditadura de João Franco e, por
conseguinte, contra o próprio rei D. Carlos. Isto porque os poderes tradicionais instituídos
tinham sido excluídos da governação. Assim, republicanos e até alguns monárquicos ati-
çaram a hostilidade da população contra o monarca, servindo-se para o efeito da famosa
«questão dos adiantamentos». Com efeito, foi levada a conhecimento público a existência
de significativas dívidas financeiras da família real para com o Estado Português. A famí-
lia real pedia frequentemente aos governos monárquicos mais dinheiro do que lhe era con-
signado, sob o pretexto de que a dotação monetária oficial era insuficiente. Dinheiro que
era atribuído sob a forma de «adiantamentos» à família real. Mas esses «adiantamentos»
resultaram na acumulação de uma dívida muito significativa da realeza ao Estado. Esta
questão, levantada nas Cortes pouco antes da sua dissolução, foi habilmente explorada em
termos políticos pelos republicanos, que acusaram o rei de delapidar o património público.
João Franco respondeu à «virulenta» campanha dos republicanos contra a monarquia com
a repressão e a promulgação de uma nova lei de imprensa. Os republicanos reagiram à
repressão franquista mediante a realização de um profundo trabalho de reorganização
política em Lisboa e noutros centros urbanos. Este trabalho organizativo conduziu à repu-
blicanização de uma parte substancial da população urbana, sobretudo em Lisboa. Muito
embora a maior parte do país continuasse fiel à monarquia, a pressão política republicana
na capital tornou-se muito forte. E no fundo era a capital que contava do ponto de vista
político, porque Lisboa sempre teve uma prioridade política muito significativa sobre o
resto do país em virtude do tradicional centralismo político, administrativo e militar do
Estado Português.
Neste contexto, em 28 de Janeiro de 1908, republicanos e dissidentes progressistas
encenaram um golpe revolucionário na capital com o objectivo de prender João Franco e
mudar o regime político. Mas o movimento conspirativo foi rapidamente debelado pelas
forças monárquicas leais ao rei. Foram então efectuadas numerosas prisões de dirigentes
republicanos (e não só), entre as quais a de Afonso Costa. Além disso, com o intuito de cas-
tigar exemplarmente os implicados na revolução falhada, João Franco elaborou um
decreto que punia com o desterro para as colónias os imputados por crimes políticos
graves. O desterro ou degredo político para as colónias era considerado uma punição
extrema e difamante, quase uma condenação à morte. Uma punição que chocou boa parte
do país político, mas que foi confirmada pelo rei D. Carlos, que assinou o famigerado
decreto em 31 de Janeiro de 1908. Num certo sentido, D. Carlos assinou a sua «pena de
morte». No dia seguinte, 1 de Fevereiro de 1908, D. Carlos, de regresso a Lisboa vindo de
Vila Viçosa, foi baleado mortalmente no Terreiro do Paço por elementos republicanos, pro-
vavelmente carbonários, agindo individualmente, a saber Alfredo Costa e Reis Buiça. Nesse
mesmo atentado, foi também assassinado o Príncipe Real D. Luís Filipe, herdeiro do trono,
ficando ferido o infante D. Manuel.
32 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

O regicídio representou o fim político das instituições monárquicas em Portugal.


Eliminado o monarca e o príncipe que estava preparado para reinar, a monarquia não
tinha condições interiores para recuperar o controlo sobre a situação política. D. Manuel
II foi proclamado rei com apenas dezoito anos e com pouca ou nenhuma preparação para
reinar. D. Manuel II tentou salvar o regime, mas não obteve sucesso. De facto, o novo
monarca procurou a «acalmação» política do país e a construção de uma «Monarquia
Nova». Para o efeito, D. Manuel II demitiu João Franco e chamou ao poder o Almirante
Ferreira do Amaral, que tratou com maior brandura a oposição e deu mais liberdade polí-
tica aos republicanos. Mas estas medidas foram em vão. Os dois anos subsequentes ao regi-
cídio foram marcados por uma forte instabilidade ministerial (seis governos), pelo esface-
lamento político dos partidos monárquicos tradicionais, pelos ataques pessoais e escânda-
los de variada natureza no seio dos próprios meios monárquicos. José Luciano de Castro
conseguiu manobrar, em parte, a governação até meados de 1910. Em Junho de 1910, o
Partido Regenerador assumiu o poder pela mão de Teixeira de Sousa, tendo o rei dissol-
vido as Cortes e convocado novas eleições. Nestas eleições tornou-se evidente a «guerra
civil» no seio dos partidos monárquicos. O governo foi violentamente atacado pela própria
oposição monárquica, o que favoreceu politicamente os republicanos. As eleições foram
ganhas pelo partido do governo, mas o Partido Republicano, que dois anos antes tinha
conquistado pelo voto a Câmara Municipal de Lisboa, triunfou no círculo eleitoral da capi-
tal. Foi uma vitória crucial para os republicanos, porque controlar Lisboa significava ter o
país na mão.
Em 4 de Outubro de 1910, os republicanos levaram a cabo uma revolução em Lisboa,
dispondo para o efeito de significativos apoios militares e civis, estes últimos enquadrados
pela maçonaria e pela carbonária. Paralisada pelas lutas intestinas, a monarquia ofereceu
pouca resistência aos revolucionários republicanos que durante horas travaram combate
nas ruas da capital. Em termos internacionais, a Inglaterra não esboçou qualquer sinal de
oposição à revolução republicana, limitando-se a colocar à disposição do monarca um
navio que o conduzisse ao exílio. Abandonado pela maioria dos monárquicos, D. Manuel II
decidiu deixar o país, embarcando para o exílio com a restante família real na povoação pis-
catória da Ericeira. Portugal voltou uma página fundamental da sua história e a monar-
quia chegou ao fim ao cabo de quase oito séculos de existência. Em 5 de Outubro de 1910
foi proclamada a República Portuguesa.
2
CAPÍTULO

A 1.ª República e as colónias (1910-1926)

A 1.ª República Portuguesa foi proclamada em 5 de Outubro de 1910 e foi abatida por
um golpe militar de direita em 28 de Maio de 1926. Foi um dos mais breves regimes polí-
ticos portugueses e um dos mais intensos e conturbados do ponto de vista político.
Dezasseis anos de lutas intensas entre facções opostas: republicanos contra monárquicos,
republicanos contra anarco-sindicalistas, republicanos contra republicanos. O período
republicano coincidiu também com um dos momentos mais graves da história europeia:
a Grande Guerra, a Revolução de Outubro na Rússia, o fim dos Impérios Centrais, as rebe-
liões comunistas em muitos países da Europa Central, o triunfo do fascismo em Itália.
Tudo isto se repercutiu na política interna portuguesa, contribuindo para a falta de esta-
bilidade política do regime republicano. Mas foram os factores de ordem interna, metro-
politana e colonial, que mais contribuíram para a queda da 1.ª República em 1926. A
República foi incapaz de promover o desenvolvimento económico da metrópole, não con-
seguiu criar as condições para o arranque industrial do país, não modernizou a sociedade
portuguesa e não resolveu os terríveis problemas sociais que afectavam o mundo rural.
A República também não conseguiu potenciar o desenvolvimento económico das colónias,
não conseguiu neutralizar, de uma vez por todas, os apetites territoriais estrangeiros sobre
o património colonial português e não logrou construir uma realidade imperial dinâmica
e pujante. A política colonial republicana foi contraditória e tímida, não agradou à bur-
guesia metropolitana com interesses nas colónias, mas também não satisfez as reivindi-
cações autonomistas dos colonos brancos. No fundo, a República mostrou-se incapaz de
gerir eficazmente o Estado-Império luso-africano. Por tudo isto, a 1.ª República caiu pra-
ticamente abandonada por todos. A sua queda implicou a substituição da fórmula política
demoliberal por um regime de tipo autoritário. Facto que constituiu uma das rupturas
principais na história contemporânea portuguesa. Mas para compreender os motivos que
conduziram o país a uma tão forte ruptura política é preciso conhecer primeiro a evolu-
ção do regime republicano desde o momento da sua implantação em 1910.
Proclamada a República, o Partido Republicano nomeou um governo provisório presi-
34 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

dido por Teófilo Braga. O governo provisório procurou consolidar politicamente o regime
no país e no estrangeiro. Não era uma tarefa de todo fácil. Em termos internacionais, a
República Portuguesa estava praticamente isolada numa Europa feita quase toda de
monarquias, muitas delas conservadoras. Na verdade, a prioridade cronológica foi uma das
características do regime republicano português, na medida em que a maioria das
Repúblicas europeias só se formaram na sequência – e por consequência – da 1.ª Guerra
Mundial. Antes de 1914, regimes republicanos só existiam em São Marino, na Suíça, na
França e em Portugal. Tudo o mais eram monarquias, facto que fez de Portugal uma
República relativamente precoce e original. Mas estas características não ajudaram ao
reconhecimento internacional da República Portuguesa. Aliás, um dos objectivos que pre-
sidiu à decisão portuguesa de entrar na guerra ao lado dos ingleses foi o de obter um maior
reconhecimento internacional para a jovem República.
Em termos nacionais, é preciso salientar que a maioria da população portuguesa não
era republicana, o que não significava que fosse necessariamente monárquica. Maioritária
era talvez a apatia política dos portugueses, fruto da alienação imperante. Mas existiam
também franjas da população altamente politizadas, sobretudo nos meios urbanos.
Franjas monárquicas, republicanas conservadoras e progressistas e ainda grupos restritos
de indivíduos influenciados por ideais socializantes e anárquicos que pretendiam a «sub-
versão» da pirâmide social. Por isso, a República procurou acima de tudo manter a ordem
pública interna, que é o mesmo que dizer a ordem social burguesa. Uma opção política
basilar que fez da República não uma fase de ruptura na história contemporânea portu-
guesa, mas um momento de continuidade em relação ao passado monárquico liberal. No
fundo, a República aprofundou a vertente maçónica, jacobina e anticlerical do liberalismo
português, já presente em 1820, e potenciou o papel e a influência política das classes
médias urbanas que tinham apoiado a implantação do regime, mas manteve a ordem
social burguesa fundada na supremacia política, económica e social de uma elite bur-
guesa-aristocrática. Foi uma «República das classes médias», mas não deixou de ser uma
República fundamentalmente burguesa. Uma República em que os estratos médio e baixo
da burguesia se mobilizaram politicamente para se guindarem ao poder, numa tentativa
de integrar a restrita elite burguesa-aristocrática que se tinha formado no período da
monarquia liberal. Não houve por isso uma tentativa de decepamento da elite, mas tão só
uma tentativa de maior integração económica, social e política dos diferentes estratos que
constituíam a burguesia portuguesa. O monarca foi para o exílio, mas não se fez na prá-
tica nenhum descabeçamento económico, social e nem sequer cultural da sociedade por-
tuguesa. A «cabeça» portuguesa continuou solidamente burguesa-aristocrática, nas mãos
de uma elite que no máximo foi obrigada a aceitar a integração de meia dúzia de indiví-
duos provenientes das classes médias e que serviram de elementos de legitimação exte-
rior do sistema.
No concreto, o governo provisório tomou algumas medidas no sentido de republicani-
zar o país, nomeadamente a proscrição da dinastia real de Bragança e a abolição dos títu-
los nobiliárquicos; o reconhecimento da liberdade de consciência e a promulgação da Lei
A 1.ª República e as colónias (1910-1926) 35

de Separação entre o Estado e as Igrejas; a extinção do ensino religioso e a reposição em vigor


das leis pombalinas e liberais relativas à expulsão das Ordens religiosas do país; a adopção
de uma nova bandeira, pela substituição das cores azul e branco pelo encarnado e verde, e
de um novo hino nacional, A Portuguesa, no lugar do Hino da Carta. Outras medidas sig-
nificativas tomadas pelo governo provisório foram a promulgação de uma nova lei de
imprensa, a legalização do divórcio e o reconhecimento do direito à greve dos operários,
medida cujo efeito foi em parte neutralizado pelo reconhecimento do direito de lock-out
aos patrões. O governo provisório preparou também a realização de eleições legislativas
em Maio de 1911, com vista à formação de uma Assembleia Nacional Constituinte, cuja
principal função foi a de elaborar uma nova Constituição Política. Com a excepção de umas
quantas candidaturas socialistas e independentes, praticamente só o Partido Republicano
apresentou candidatos. Foi eleita uma maioria de elementos provenientes dos estratos
superiores das classes médias, nomeadamente oficiais do exército e da marinha, funcioná-
rios públicos e profissionais liberais, médicos e advogados. A composição social da
Assembleia reflectiu-se nos conteúdos da Constituição promulgada ainda em 1911.
De facto, a Constituição de 1911 confirmou os princípios demoliberais caros à burgue-
sia, já consignados nas anteriores Constituições monárquicas, relativos às liberdades indi-
viduais e ao direito à propriedade e colocou de parte qualquer perspectiva socialista ou
socializante. Afirmou, contudo, o princípio da igualdade social, rejeitando os privilégios
resultantes do nascimento ou dos títulos de nobreza. Consagrou também o princípio da
laicidade do Estado, pela proibição das Ordens religiosas e do ensino religioso nas escolas
públicas, pela instituição do registo civil obrigatório e pela afirmação da igualdade e liber-
dade de todos os cultos religiosos. Em termos propriamente políticos, a Constituição repu-
blicana consagrou a separação dos três poderes: legislativo, executivo e judicial, abolindo
o quarto poder instituído pela Carta Constitucional – o poder moderador atribuído ao
Chefe de Estado – e subordinando o poder executivo ao legislativo. Instituiu também uma
nova fórmula parlamentar bicamarária, o Congresso, formado pela Câmara dos Deputados
e pelo Senado. A Câmara dos Deputados era composta por deputados (com vinte e cinco
ou mais anos de idade) eleitos por três anos directamente pela população, com base em
determinados círculos eleitorais na metrópole e nas colónias. O Senado era constituído
pelos senadores (com trinta e cinco ou mais anos) eleitos por seis anos directamente pela
população, com base nos distritos metropolitanos e nas colónias. O Congresso elegia o
Presidente da República para um mandato de quatro anos que não podia ser imediata-
mente renovado. O Presidente da República nomeava o Presidente do Ministério e os
Ministros, mas na prática a estabilidade do governo dependia da existência ou não de uma
maioria parlamentar. Uma Revisão Constitucional efectuada em 1919-1921 atribuiu ao
Presidente da República a faculdade de dissolver o Congresso e criou um Conselho Parla-
mentar que assistia nas suas funções o Presidente da República.
Em termos partidários, o Partido Republicano Português iniciou um processo de
desagregação política logo após a proclamação da República. Essa desagregação foi pro-
vocada pela existência de sensibilidades políticas diferentes no seio do republicanismo
36 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

português. Tendências diferentes que exprimiam opções políticas divergentes para o


futuro da jovem República. No fundo tratava-se de decidir as linhas mestras que deveriam
orientar a acção de governo, os objectivos políticos, os fundamentos ideológicos, os valo-
res sociais da República. O Partido Republicano cindiu-se em vários partidos construídos
em torno de figuras carismáticas, nomeadamente Afonso Costa, António José de Almeida
e Brito Camacho. Os três fizeram parte do governo provisório republicano, respectiva-
mente como Ministros da Justiça, do Interior e do Fomento. Afonso Costa representava
uma linha mais radical, por assim dizer de «esquerda», que embora não pusesse em causa
o sistema capitalista e a ordem social burguesa considerava como necessária a realização
de certas reformas de estrutura que resolvessem, pelo menos em parte, os grandes pro-
blemas sociais do país. Era também a linha mais jacobina e anticlerical do Partido
Republicano. Ao invés, António José de Almeida e Brito Camacho representavam linhas
muito mais conservadoras, favoráveis a uma Republica moderada do ponto de vista polí-
tico-social e liberal do ponto de vista económico. Uma República que deixasse o mercado
funcionar livremente, sem a interferência directa do Estado, que deveria apenas moderar
e arbitrar as relações económicas e sociais. Eram linhas politicamente mais próximas dos
interesses da grande burguesia e menos hostis à Igreja Católica, na medida em que jul-
gavam necessário colocar um freio nos impulsos jacobinos e anticlericais dos sectores
mais radicais do republicanismo.
As divisões entre republicanos tornaram-se patentes em Agosto de 1911, aquando das
eleições para o Presidente da República. António José de Almeida e Brito Camacho conse-
guiram fazer eleger Manuel de Arriaga, um velho republicano moderado, para a Presidên-
cia da República, contra o candidato apoiado por Afonso Costa, o Ministro dos Negócios
Estrangeiros do governo provisório, Bernardino Machado. Uma vez no poder, Manuel de
Arriaga favoreceu a constituição de ministérios formados sobretudo por partidários de Antó-
nio José de Almeida e de Brito Camacho. Tratava-se de governos de coligação, também
designados de «concentração», que tinham escasso apoio popular e que reflectiam a situa-
ção política criada pelas eleições de Maio de 1911, quando o Partido Republicano ainda se
encontrava unido. Mas, no entretanto, tinham-se formado verdadeiros partidos políticos a
partir das várias tendências existentes no seio do Partido Republicano. Por um lado, o
Partido Democrático de Afonso Costa, maioritário, que herdou a máquina partidária do
velho Partido Republicano Português, do qual conservou oficialmente o nome, mas cuja
influência na governação era limitada pelo conservadorismo político de Manuel de Arriaga
e dos governos republicanos até 1913. Por outro lado, o Partido Evolucionista de António
José de Almeida, constituído por volta de 1912, mais pequeno do que o democrático, mas
que dispunha de uma influência efectiva na Presidência da República e na governação. Por
fim, um partido denominado União Republicana, formado por Brito Camacho também em
1912, mas muito mais reduzido do que os dois anteriores. Vejamos em detalhe as caracte-
rísticas destes três partidos.
O Partido Democrático estava organizado em moldes descentralizadores, com base em
comissões paroquiais, municipais e distritais que cobriam praticamente todo o território
A 1.ª República e as colónias (1910-1926) 37

metropolitano português, havendo «extensões» do partido nas colónias, nomeadamente


em Angola. Havia ainda uma direcção colectiva – o Directório – eleita por dois anos pelo
congresso do partido. Para além de ter herdado as estruturas do velho Partido Republicano
Português, o Partido Democrático foi reforçado pela adesão de muitos quadros monárqui-
cos dos Partidos Regenerador e Progressista, os quais se autodissolveram na sequência da
implantação da República. Porém, a entrada de monárquicos, convertidos por oportu-
nismo aos ideais republicanos, acabou por enfraquecer a capacidade de renovação da vida
política portuguesa almejada pelos democráticos. A incorporação no Partido Democrático
das estruturas, dos quadros e das respectivas clientelas dos antigos partidos monárquicos
travou também todo e qualquer processo de modificação estrutural do mundo rural. O
fenómeno de transformismo político das elites portuguesas permitiu a manutenção da
ordem social burguesa-aristocrática, bem como a sua reprodução social no poder. O
reverso da medalha foi a continuação da situação de subalternidade económica, social e
política da maioria da população rural, não havendo alterações significativas no quadro
social do país rural relativamente à fase final da monarquia.
O Partido Evolucionista Português e a União Republicana nasceram de um «bloco con-
servador» formado no seio do PRP e do qual cindiu em Outubro de 1911, adoptando o
nome de União Nacional Republicana. Mas a rivalidade entre António José de Almeida e
Brito Camacho conduziu à fragmentação política dessa débil unidade e à criação de dois
partidos conservadores em 1912. A União Republicana de Brito Camacho situava-se à
direita do Partido Evolucionista, mas as diferenças ideológicas entre ambas as formações
políticas eram relativamente pequenas. Posteriormente, o afastamento dos dois líderes
conservadores da política partidária, após a Grande Guerra, permitiu a confluência dos
dois partidos num novo bloco conservador, o Partido Liberal Republicano. Em 1923, o
Partido Liberal Republicano transformou-se em Partido Nacionalista, mas as frequentes
rivalidades entre os dirigentes conservadores não deram a necessária estabilidade política
à direita republicana para se tornar na principal força política portuguesa. Por conse-
guinte, o Partido Democrático permaneceu quase sempre hegemónico no país.
A luta político-partidária no seio da República evoluiu segundo as linhas definidas pelos
três principais partidos. Em finais de 1912, os «Ministérios de concentração», de pendor
conservador, chegaram ao seu termo por falta de força política e de apoio entre a opinião
pública. Os democráticos foram chamados ao poder e, em Janeiro de 1913, Afonso Costa
formou o primeiro governo democrático, que contou com o apoio unionista. A principal
preocupação do novo governo foi a de garantir a estabilidade e o equilíbrio financeiro do
país, bem como o reforço da sua própria autoridade. Afonso Costa tomou portanto um
conjunto de medidas na área das finanças públicas e promulgou uma série de reformas no
campo da economia e da administração fiscal, ao mesmo tempo que consolidou o apoio
das classes médias urbanas, o que lhe valeu a vitória nas eleições legislativas suplementa-
res de Novembro de 1913. No entanto, a repressão violenta de algumas greves e manifes-
tações operárias alienou rapidamente o apoio de grande parte do operariado ao Partido
Democrático. Além disso, a repressão do clero católico, com a expulsão de alguns párocos
38 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

de suas casas, reforçou a hostilidade da Igreja Católica e dos sectores mais conservadores
da sociedade portuguesa ao Partido Democrático. Os unionistas retiraram o seu apoio ao
governo e o Presidente da República interveio no sentido de ser criado um governo de con-
ciliação. Estes factos conduziram à demissão de Afonso Costa e à formação de um novo
governo, presidido por Bernardino Machado, em Fevereiro de 1914. Embora fosse extra-
partidário, o governo de Bernardino Machado era suportado politicamente pelos demo-
cráticos, que se mantiveram no poder até Janeiro de 1915.
O início da 1.ª Guerra Mundial alterou significativamente os equilíbrios políticos no
país. Democráticos e evolucionistas consideravam como necessária a entrada portuguesa
na guerra ao lado da velha – ainda que «pérfida» – aliada, a Grã-Bretanha. Na opinião desses
partidos, dois eram os motivos principais que justificavam a entrada na guerra. Por um
lado, consideravam que a entrada na guerra ao lado de duas grandes potências (Grã-
-Bretanha e França) traria à República Portuguesa um reconhecimento internacional defi-
nitivo, o que reforçaria a estabilidade interna do regime. Por outro lado, julgavam que a
única forma do país salvaguardar o seu património colonial era a beligerância ao lado dos
prováveis vencedores, nomeadamente a Grã-Bretanha. De facto, Portugal enfrentava mais
uma vez o perigo de subtracção das suas colónias por parte das grandes potências euro-
peias, tendo havido contactos nesse sentido entre ingleses e alemães em 1913. Para além
disso, logo no início da guerra e apesar da «não-beligerância» portuguesa forças militares
alemãs provenientes do Sudoeste Africano e do Tanganica invadiram respectivamente o
Sul de Angola e o Norte de Moçambique. Para Lisboa estas invasões eram um sinal claro
de que Berlim pretendia anexar as duas maiores colónias portuguesas. Enfim, mesmo que
a Alemanha perdesse a guerra, democráticos e evolucionistas temiam que os vencedores
não seriam condescendentes com os «países neutrais», pelo que lhes retirariam as respec-
tivas possessões coloniais. Eram estas pois as motivações da «corrente intervencionista».
Mas nem todo o espectro político português era favorável à entrada na guerra. Os unio-
nistas e os sectores mais conservadores da sociedade portuguesa, inclusive muitos monár-
quicos e clericais, eram pela neutralidade no conflito. E uma pequena – mas influente –
minoria era favorável à causa germânica.
Iniciada a guerra, Portugal proclamou a sua «não-beligerância», o que não significava
necessariamente neutralidade. Bernardino Machado manifestou a intenção de entrar na
guerra apenas no caso de haver um pedido expresso nesse sentido por parte de Londres.
Esta decisão descontentou sectores significativos dos Partidos Democrático e Evolucio-
nista e conduziu à queda do governo de Bernardino Machado. Os democráticos conti-
nuaram no poder, mas um «mal-estar» generalizado apoderou-se do país político. Esta
situação levou à intervenção directa do Presidente da República, Manuel de Arriaga, que
provocou nova demissão do governo democrático em Janeiro de 1915. Manuel de Arriaga
chamou então o General Pimenta de Castro a formar governo e a preparar a realização de
eleições legislativas. Pimenta de Castro reuniu em seu torno os sectores políticos mais
conservadores (evolucionistas, unionistas e monárquicos), a Igreja Católica, parte do exér-
cito e até alguns meios operários descontentes com a governação democrática. Em Março
A 1.ª República e as colónias (1910-1926) 39

de 1915, Pimenta de Castro impediu o Parlamento de se reunir em sessão e entrou em


ditadura de governo. Mas o Partido Democrático conseguiu mobilizar a maior parte do
país republicano contra a ditadura, abanando para o efeito o «espantalho» do regresso da
monarquia. Em 14 de Maio de 1915, os democráticos, com o apoio da marinha, de parte
do exército e de muitos civis ligados aos ambientes maçónicos e carbonários (Formiga
Branca), levaram a cabo uma revolta armada contra a ditadura. A rebelião foi bem suce-
dida, na medida em que conseguiu afastar Pimenta de Castro do governo, derrubar a dita-
dura e colocar novamente no poder o Partido Democrático. Manuel de Arriaga demitiu-se
do cargo de Presidente da República, sendo substituído interinamente por Teófilo Braga.
Nas eleições legislativas que se seguiram, o Partido Democrático conquistou a maioria
absoluta, tendo Afonso Costa formado governo em Novembro de 1915. Meses antes, Ber-
nardino Machado fora eleito Presidente da República para o quadriénio 1915-1919.
Em Fevereiro de 1916, o governo português – a pedido de Londres – requisitou várias
dezenas de navios mercantes alemães que estavam «abrigados» nos portos portugueses.
Em resposta, a Alemanha declarou guerra a Portugal em 9 de Março de 1916. Portugal
entrou assim na guerra ao lado da Grã-Bretanha e da França. Os Partidos Democrático e
Evolucionista decidiram então constituir uma União Sagrada, sob inspiração francesa,
para suster unidos o esforço de guerra português. António José de Almeida assumiu a
chefia do governo, ficando os democráticos com algumas das pastas mais significativas
(Guerra, Estrangeiros, Finanças). O governo teve também o apoio da União Republicana e
do minúsculo Partido Socialista Português. Norton de Matos, antigo Governador Geral de
Angola e Ministro da Guerra do governo da União Sagrada, foi o responsável pela organi-
zação do Corpo Expedicionário Português (CEP), que desembarcou na Flandres (França)
no início de 1917. Para um país com poucos recursos e cujo exército estava em fase de
reorganização desde o final da monarquia, a preparação em poucos meses do CEP (o cha-
mado «milagre de Tancos») não foi uma tarefa fácil. Paralelamente, o esforço de guerra
teve consequências desastrosas na economia portuguesa. A falta de géneros alimentares
provocou a fome entre os estratos mais baixos da população, criando um forte desconten-
tamento social entre o povo, que não entendeu as razões da participação portuguesa numa
guerra longínqua. A evolução da guerra europeia também foi desfavorável às potências
aliadas durante o ano de 1917, o que levou muitos monárquicos e unionistas a pensarem
numa provável vitória alemã. Sem o apoio sólido do Parlamento, António José de Almeida
e os evolucionistas abandonaram o governo da União Sagrada. Em Abril de 1917, Afonso
Costa voltou a assumir a presidência do ministério, que manteve o apoio externo dos evo-
lucionistas. Afonso Costa enfrentou o crescente descontentamento no país com medidas
severas, que resultaram na repressão de manifestações populares. Mas também gizou uma
estratégia de aproximação aos trabalhadores, de forma a prevenir uma escalada da agita-
ção social. Esta aproximação, porém, suscitou as críticas – e as suspeitas – do patronato e
dos sectores mais conservadores da sociedade portuguesa. Foi neste contexto de forte
tensão política – e de agitação social – que ocorreram as aparições marianas de Fátima, no
Centro de Portugal, que arrastaram multidões de crentes ao local da Cova de Iria, de 13 de
40 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

Maio a 13 de Outubro de 1917. O país vivia um momento muito difícil e a população


sentia necessidade de referências fortes, de ideias fortes e de líderes fortes.
Neste sentido, em 5 de Dezembro de 1917, aproveitando uma viagem ao estrangeiro de
Afonso Costa, uma parte do exército revoltou-se contra o governo em Lisboa. A rebelião
foi liderada pelo Major Sidónio Pais, ex-ministro no governo de 1911/1912 e antigo diplo-
mata acreditado em Berlim. Com o apoio de parte da população, de muitos unionistas e de
certos sectores do grande capital português, Sidónio Pais instaurou uma ditadura, dis-
solveu o Congresso e destituiu o Presidente da República, Bernardino Machado. Depois
lançou as bases de um novo regime republicano – que denominou de «República Nova» –
mediante a promulgação de alterações à Constituição de 1911. Tratava-se de um regime
presidencialista, em que o poder estava concentrado nas mãos do Presidente da República,
o qual passou a ser eleito pela população em eleições directas. Estas alterações desconten-
taram todos os partidos republicanos, inclusive os unionistas, que passaram à oposição.
Porém, Sidónio Pais criou o seu próprio partido, que designou por Partido Nacional Repu-
blicano. Simultaneamente, construiu à sua volta uma imagem de herói popular român-
tico, uma espécie de «salvador da pátria» – um D. Sebastião regressado três séculos e meio
depois da batalha de Alcácer-Quibir. Por isso, foi consistente a adesão ao seu regime por
parte de muitos estratos sociais, ricos e pobres, republicanos e monárquicos.
Em Abril de 1918, Sidónio Pais foi eleito, por sufrágio directo, Presidente da República.
Nas eleições legislativas desse mesmo mês, o Partido Nacional Republicano conquistou a
maioria parlamentar, tendo os monárquicos e os católicos conquistado minorias significa-
tivas. Democráticos, evolucionistas e unionistas recusaram participar no acto eleitoral,
sinal de que não reconheciam a legitimidade do regime sidonista. Assim, Sidónio Pais
ficou extremamente dependente dos meios políticos mais conservadores, em especial
monárquicos e católicos clericais. Aliás, uma das medidas tomadas por Sidónio foi o res-
tabelecimento da legação portuguesa junto do Vaticano. Paralelamente, cresceu a influên-
cia dos ambientes «neutralistas» e germanófilos junto do Presidente da República, o que
contribuiu decisivamente para um enfraquecimento do esforço de guerra português. A
tropa portuguesa na frente deixou de ser regularmente rendida, facto que debilitou o CEP
e baixou o moral dos soldados. Em 9 de Abril de 1918, em plena ofensiva alemã na frente
ocidental, o Corpo Expedicionário Português foi dizimado pelo maior número e potencial
de fogo germânico na batalha de La Lys. Os sobreviventes portugueses deixaram de cons-
tituir um corpo militar autónomo, sendo integrados no comando britânico.
No entretanto, apesar da concentração de poderes e do seu intenso labor legislativo,
Sidónio Pais mostrou-se incapaz de resolver os graves problemas económicos, sociais e
políticos do país. A fome gerava agitação social nas ruas contra o poder estabelecido.
Sidónio respondia com a repressão policial e a censura. Mas no final de 1918 tornava-se
evidente a incapacidade do governo em controlar a agitação social. Esta situação foi apro-
veitada politicamente pelos monárquicos para criarem Juntas Militares no Norte e no Sul
de Portugal, como que preparando um golpe de Estado. Tudo se precipitou em Dezembro
de 1918, quando Sidónio Pais foi assassinado (baleado) na estação do Rossio, em Lisboa. O
A 1.ª República e as colónias (1910-1926) 41

governo sidonista ainda procurou salvar o regime, revogando as alterações à Constituição


e fazendo eleger pelo Parlamento o Almirante Canto e Castro para o cargo de Presidente
da República. Mas era tarde demais. Em 19 de Janeiro de 1919, as Juntas Militares procla-
maram a restauração da monarquia no Porto e em Lisboa. Porém o país político republi-
cano reagiu em peso à rebelião monárquica. Em Lisboa a população e os militares conse-
guiram dominar rapidamente a rebelião, derrotando as forças monárquicas concentradas
na Serra de Monsanto. No Norte a situação foi completamente diferente, porque os monár-
quicos – liderados por Paiva Couceiro – estavam bem organizados e contavam com fortes
apoios na região. Paiva Couceiro chefiou uma Junta Governativa, sediada no Porto, que
administrou de facto o terço setentrional do país (Minho, Trás-os-Montes, Douro e parte
das Beiras até Aveiro). Contudo, a «Monarquia do Norte» – como foi designada – não con-
seguiu suster o avanço militar das forças republicanas. Uma curta guerra civil entre
monárquicos e republicanos resultou na derrota dos defensores da monarquia. Em 13 de
Fevereiro de 1919, os republicanos tomaram a cidade do Porto e colocaram um ponto final
na «Monarquia do Norte».
O desaparecimento de Sidónio Pais e o fracasso da rebelião monárquica tiveram conse-
quências muito significativas sobre a estrutura do regime republicano. A «República Nova»
morreu com Sidónio Pais. Os sidonistas foram obrigados a aceitar um governo de transi-
ção, chefiado por José Relvas, em Janeiro de 1919. Em Março de 1919 foi constituído um
novo governo liderado pelo democrático Domingos Pereira e sem a participação sidonista.
Ambos os governos revogaram a maior parte da legislação sidonista e repuseram os princí-
pios da Constituição de 1911. Em Junho de 1919, o Partido Democrático venceu as eleições
legislativas e formou novo governo sob a liderança do Coronel Sá Cardoso. Em Agosto de
1919, o Parlamento elegeu António José de Almeida para o cargo de Presidente da
República. Voltava, por assim dizer, a «República Velha», mas com diferenças significativas
em relação ao período anterior a 1917. Desde logo, assistiu-se a uma alteração do quadro
partidário, pelo menos à direita, por via da fusão de evolucionistas e de unionistas numa
nova força conservadora, o Partido Liberal. Houve também uma modificação significativa
das lideranças políticas. Afonso Costa afastou-se da chefia do Partido Democrático e insta-
lou-se em Paris, onde fez parte da delegação portuguesa à Conferência de Paz de Versalhes.
Brito Camacho foi nomeado Alto Comissário de Moçambique, pelo que deixou de exercer
um papel de «relevo» na política partidária metropolitana. António José de Almeida, ao
assumir a Presidência da República, abandonou a liderança do Partido Evolucionista e a
vida partidária. Mas estas três saídas de peso da política partidária activa não foram com-
pensadas pela entrada de dirigentes capazes de conduzir o país à estabilidade económica,
social e política. Nem os democráticos nem os liberais conseguiram criar maiorias parla-
mentares coesas, pelo que os governos caíam ao fim de alguns meses de governação. O
governo de Sá Cardoso caiu em Janeiro de 1920 e só nesse ano houve pelo menos sete
governos diferentes. A instabilidade governativa continuou em 1921, até que novas eleições
legislativas deram a vitória ao Partido Liberal. Porém, um movimento revolucionário na
capital portuguesa obrigou à demissão do governo liberal chefiado por António Granjo.
42 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

Aproveitando a confusão que se tinha instalado na cidade, certos meios extremistas da


direita, interessados numa mudança de regime, levaram a cabo o assassínio do demissio-
nário António Granjo e de outros políticos republicanos (Carlos da Maia e Machado Santos).
Foi a «Noite Sangrenta» de 19 de Outubro de 1921, um dos acontecimentos políticos mais
tristes e sombrios da história da 1.ª República Portuguesa.
Neste contexto, o biénio 1920/1921 foi caracterizado por uma forte instabilidade polí-
tica, pelo caos administrativo e pelo descrédito dos partidos e das instituições republica-
nas. A isto somou-se a crise económica e financeira do país, que não foi resolvida por um
certo crescimento no imediato pós-guerra, quando o fim do conflito propiciou um
aumento das trocas comerciais. A crise internacional de 1920-1922 teve pesadas conse-
quências na economia portuguesa e arrastou-se até 1925. A inflação e a desvalorização do
escudo afectaram não só as classes mais desfavorecidas, mas também as classes médias
urbanas. Por conseguinte aumentou a agitação social no país, alimentada por greves e
outras manifestações de trabalhadores. Mas vejamos de forma mais detalhada a situação
social no país no início da década de 1920.
A República foi feita principalmente pelas classes médias urbanas, mas nunca colocou
em causa a ordem social burguesa-aristocrática instituída no século XIX. Uma reduzida
elite de aristocratas e de burgueses aristocratizados continuou a dominar a economia e a
sociedade portuguesa mesmo depois do 5 de Outubro de 1910. Muitos desses nobres e bur-
gueses «passaram-se» para o lado republicano logo que a República triunfou. Outra parte
da elite continuou monárquica, conservadora e clerical, mas no fundo nunca foi verdadei-
ramente despojada do seu enorme poder, que lhe advinha da sua hegemonia económica.
Teve de ceder, é certo, a condução política ao estrato superior das classes médias – profis-
sionais liberais, professores, médicos, altos funcionários, etc. – que constituía o núcleo
duro do movimento republicano. Mas continuava a controlar a província – o imenso país
rural – e dispunha de uma grande influência entre as altas patentes do exército.
Foram as classes médias urbanas que mais ganharam com a proclamação da República.
O estrato superior das classes médias tomou conta da governação do país logo a seguir à
revolução republicana. Procurou manter a direcção política com o auxílio dos outros
estratos que formavam as classes médias urbanas – pequenos comerciantes e industriais,
baixo funcionalismo público, baixas patentes militares, etc. Não se pode porém falar da
existência de uma colaboração estável entre os vários estratos componentes das classes
médias. A alta classe média sempre procurou uma integração na restrita elite burguesa-
-aristocrática que se havia formado durante a monarquia liberal. Por isso, recorria ao apoio
da baixa classe média só quando não tinha outro recurso. É que apesar das preocupações
sociais dos republicanos, sobretudo dos democráticos, os homens que fizeram – e domi-
naram – a República acreditavam numa hierarquia social estruturada segundo os ditames
do capitalismo. Daí a aversão republicana ao socialismo, ao revolucionarismo proletário e
a todas as ideologias tendentes a uma inversão da estrutura social burguesa. Como tal,
nunca foi concedido o direito de voto ao povo analfabeto, que constituía a maioria da popu-
lação: 69,7% em 1911, 66,2% em 1920 e 61,8% em 1930 (maiores de sete anos). E o povo
A 1.ª República e as colónias (1910-1926) 43

analfabeto, politicamente marginalizado, continuou a viver na maior das misérias, vítima


da superexploração capitalista da restrita elite burguesa-aristocrática. A única via de fuga
era a emigração para o Brasil. Na década de 1910, cerca de meio milhão de portugueses
emigraram para o estrangeiro, nomeadamente para o «país irmão» sul-americano. Por
consequência, Portugal cresceu muito pouco em termos demográficos: de 5.960.056 habi-
tantes em 1911 para 6.032.991 em 1920. A emigração só estancou na década de 1920, por
causa das restrições à entrada de novos imigrantes impostas pelos países americanos.
E por isso a população portuguesa voltou a crescer a ritmo acelerado, atingindo os
6.825.883 efectivos em 1930.
Paralelamente à emigração para o estrangeiro, assistiu-se ao crescimento da população
das duas maiores cidades portuguesas, Lisboa e Porto. Lisboa atingiu quase meio milhão de
habitantes em 1920, enquanto o Porto chegou aos duzentos mil pela mesma altura.
Nenhuma outra cidade portuguesa atingia sequer os cem mil habitantes, de modo que 80%
da população era rural. No fundo, a sociedade portuguesa era «dominada» pela dicotomia
Lisboa/Porto-Província. Embora maioritária do ponto de vista demográfico, a província era
subalterna do ponto de vista económico, social e, sobretudo, político. A política «fazia-se e
desfazia-se» principalmente em Lisboa e só secundariamente no Porto. Coimbra tinha um
peso simbólico, em virtude da sua Universidade – um peso que lhe advinha do facto de ter
sido a única Universidade portuguesa até 1910. Braga exercia uma certa influência reli-
giosa, por ser sede de um Arcebispado rico e tradicionalmente prestigiado, se bem que a
«chefia» da Igreja Portuguesa coubesse ao Cardeal Patriarca de Lisboa. Obviamente, não
podemos ver na dicotomia Lisboa/Porto-Província a existência de dois blocos contrapostos,
política e socialmente. As oligarquias que dominavam a província tinham muitas vezes casa
numa dessas duas cidades, ou então eram clientes das elites urbanas. E as elites urbanas
viviam em grande medida das rendas que lhes chegavam das suas propriedades e activida-
des económicas na província. Mais do que uma contraposição, havia uma relação de subal-
ternidade da província em relação à cidade, em especial a Lisboa.
Paralelamente, havia um crescente – ainda que minoritário – proletariado urbano,
sobretudo na capital, e que era igualmente explorado pela elite capitalista portuguesa. Este
proletariado urbano era um grupo ainda reduzido, sinal da débil capacidade industrial do
país, e não tinha uma autêntica consciência de classe. Por exemplo, Oliveira Marques fala
na existência de cerca de cem mil proletários urbanos, muitos deles operários fabris. A sua
situação económica era precária e a República mostrou-se incapaz de resolver os seus pro-
blemas de classe. Daí que alguns sectores proletários tenham procurado apoio noutras
ideologias que não a republicana, nomeadamente o anarquismo. Daí também o recurso à
greve para lutar por melhores salários, mais protecção social ou um horário de trabalho
humano. Mas os governos republicanos responderam numerosas vezes às greves com a
força e a repressão, como no caso da greve geral de Janeiro de 1912. Para lutar pelos seus
direitos, os operários portugueses criaram uma organização nacional de classe, a União
Operária Nacional, fundada em 1914. Em 1919 esta organização deu lugar à Confederação
Geral do Trabalho (CGT), de orientação anarquista e contrária à subordinação aos comu-
44 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

nistas russos. O movimento anarquista tornou-se de facto dominante entre os trabalhado-


res portugueses, em detrimento do «velho» Partido Socialista, que se manteve um partido
exíguo e sem força política. Por sua vez, os comunistas portugueses, favoráveis à revolu-
ção bolchevique, criaram a Federação Maximalista Portuguesa em 1919, a qual deu origem
ao Partido Comunista Português (PCP) em 1921. O PCP conseguiu mobilizar uma mino-
ria consistente dos trabalhadores portugueses, mas não conseguiu suplantar a hegemonia
anarquista no seio do movimento operário português. Assim, em 1924, a Confederação
Geral do Trabalho votou a sua filiação na Internacional Anarquista.
Claramente, a entrada portuguesa na guerra acarretou um agravamento das condições
de vida da maioria da população, em especial das classes médias e baixa. Uma onda de
greves assolou o país em 1917. Afonso Costa tentou resolver o problema ora usando a força
policial, ora gizando uma aproximação política aos trabalhadores. Mas esta política ambí-
gua descontentou quer os trabalhadores quer a burguesia, desconfiada das simpatias
«pseudomarxistas» de Afonso Costa. Sidónio Pais também foi incapaz de resolver a situa-
ção social do país, de modo que o descontentamento e a agitação social foram aumentando
até atingirem um pico no chamado «biénio vermelho» de 1919/1920. Os governos fracos
que se sucederam no poder nesses dois anos foram obrigados a ceder a algumas das rei-
vindicações dos trabalhadores. Uma das vitórias mais significativas dos trabalhadores foi a
semana laboral de quarenta e oito horas, decretada pelo governo em 1919. Outras cedên-
cias do governo e dos patrões produziram efeitos positivos sobre o nível de vida dos ope-
rários urbanos, que subiu ligeiramente no primeiro lustro da década de 1920.
Diferente era a situação das classes médias urbanas, que foram duramente afectadas
pela inflação e pela perda de poder de compra durante a guerra e no imediato pós-guerra.
Por exemplo, em 1921 os salários reais do médio funcionalismo público tinha baixado para
22% do que eram antes da eclosão da guerra. Tratou-se de uma descida brutal do seu poder
de compra, o que acarretou um agravamento das condições de vida e um crescimento
exponencial do descontentamento em relação à República. Isto é, o estrato social que mais
tinha contribuído para a implantação da República estava agora politicamente desiludido
e insatisfeito com o mesmo regime que ajudara a criar. Por isso, nos anos subsequentes ao
fim da guerra assistiu-se à erosão política da base social dos partidos republicanos, inclu-
sive do Partido Democrático. A República perdeu assim a sua base social de apoio: as classes
médias. O mesmo aconteceu com os oficiais do exército e da marinha, o que levou a um
divórcio crescente entre sectores substanciais das Forças Armadas e a República.
Relativamente à elite burguesa-aristocrática, que tinha permanecido à frente da eco-
nomia portuguesa mesmo depois de 1910, cresceu também a sua insatisfação política em
relação ao regime republicano. Mesmo os que tinham aderido aos ideais republicanos
queixavam-se agora do «desgoverno» do país, do caos na administração, das contínuas
desordens políticas e sociais, da falta de estabilidade e da incapacidade dos sucessivos
governos republicanos em resolverem os problemas do país e em promoverem o desen-
volvimento económico. Muitos temiam ainda o crescente activismo político do operariado
urbano organizado na CGT. Regra geral, a elite burguesa-aristocrática desejava um regime
A 1.ª República e as colónias (1910-1926) 45

que mantivesse a paz e a ordem social instituída e que favorecesse pela acção governativa
a prosperidade dos seus negócios. A República mostrava-se incapaz de fazer isto, pelo
menos no imediato pós-guerra. Por fim, sectores substanciais da elite portuguesa estavam
descontentes com a política colonial da República. E o factor colonial jogou mais uma vez
um papel determinante na vida política metropolitana. Senão vejamos.
A defesa do Império Colonial foi sempre um dos principais porta-bandeiras do repu-
blicanismo. Os republicanos foram, aliás, um dos promotores do nacionalismo colonial
português. A opção de entrar na Primeira Grande Guerra obedeceu largamente a motivos
de ordem colonial. Mas uma vez terminada a guerra a integridade do Império Colonial
Português estava longe de ser assegurada. Muito embora fosse uma das potências vence-
doras, Portugal não foi bem tratado na Conferência de Paz de Versalhes. A ditadura sido-
nista tinha, em certa medida, comprometido a intervenção portuguesa no conflito e as
grandes potências não se mostraram generosas com Portugal. Além disso, Lisboa era acu-
sada de não saber administrar os seus territórios coloniais. Havia ainda acusações da exis-
tência de escravatura nas colónias portuguesas e alguns Estados não escondiam as suas
ambições ao domínio de Angola e de Moçambique. Era o caso da União Sul-Africana, mas
também da Itália e da Alemanha. Londres chegou mesmo a pensar compensar Berlim pela
perda das suas colónias africanas à custa do património colonial português. Assim, do
ponto de vista diplomático-colonial a situação era muito delicada para Portugal. As gran-
des potências exigiram então a realização de reformas estruturais na administração colo-
nial portuguesa, sob pena de as colónias serem retiradas a Portugal. Exigências que
tinham por detrás objectivos económicos claros ligados à abertura dos mercados coloniais
ao capital internacional.
Ao factor internacional acrescia o descontentamento dos colonos brancos em relação à
governação portuguesa em Angola e em Moçambique. Com efeito, desde os finais da
monarquia que os poucos milhares de colonos portugueses presentes em Angola exigiam
a atribuição de um estatuto de autonomia interna para a colónia. Os colonos pretendiam
assumir o controlo do Estado colonial, no quadro duma crescente autonomização política,
administrativa e económica em relação à metrópole. Por outras palavras, os colonos que-
riam o self-government (governo próprio), mas não ainda a independência. Inicialmente,
os republicanos alimentaram esta forma de autonomismo colonial contra a monarquia,
apoiando as reivindicações dos colonos. Mas uma vez implantada a República os governos
republicanos foram sucessivamente adiando a criação de um regime de autonomia colo-
nial. Em 1914 foi aprovada uma nova Lei Orgânica para as colónias, que apresentava
alguns princípios tendentes à autonomia e à descentralização da administração colonial,
mas a sua aplicação foi adiada para data incerta. Em 1917 foi aprovada uma Carta Orgânica
de Angola, mas a ditadura sidonista impediu a sua entrada em vigor, frustrando assim as
expectativas dos colonos brancos. A tensão política na colónia foi aumentando até 1919,
ano em que se registaram graves incidentes entre os colonos e as autoridades coloniais. Os
colonos chegaram mesmo a criar organizações políticas para lutarem pela autonomia de
Angola, enquanto a imprensa colonial verberava ameaças veladas de secessão.
46 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

Neste sentido, os governos republicanos foram apanhados no meio do fogo cruzado de


dois campos: por um lado, o da comunidade internacional reunida em Versalhes, que exi-
gia uma alteração profunda da administração colonial portuguesa; por outro lado, o dos
colonos brancos de Angola, que reivindicavam a autonomia da colónia face à metrópole.
Perante esta situação, Lisboa foi obrigada a ceder, pelo menos em parte, às pressões inter-
nacionais e a satisfazer algumas das reivindicações dos colonos. Em Versalhes, Portugal
comprometeu-se a criar duas entidades coloniais autónomas em África – Angola e Moçam-
bique –, abertas ao capital e ao comércio externos. Duas entidades coloniais administradas
autonomamente da metrópole, ainda que dependentes de Portugal, e em estreita relação
com os vizinhos territórios britânicos, sul-africano, belga e francês. Comprometeu-se
ainda a melhorar a administração e a promover o desenvolvimento económico e o pro-
gresso social e cultural das populações coloniais. Aos colonos brancos, Lisboa prometeu
para breve a aplicação da legislação relativa à autonomia colonial e a sua complementação
por nova legislação. Isto mesmo aconteceu, se bem que só parcialmente, com a aprovação
das leis de autonomia financeira das colónias e com a instituição dos regimes de Alto
Comissariado em Angola e em Moçambique. A partir de 1921, Angola e Moçambique pas-
saram a ser governados por dois Altos Comissários nomeados directamente pelo governo
português, mas com amplos poderes para administrar autonomamente os respectivos ter-
ritórios, servindo-se para o efeito do auxílio de Conselhos Legislativos e de Governo. Os
colonos eram representados politicamente nos Conselhos Legislativos através de vogais
eleitos quer por sufrágio directo, quer por sufrágio corporativo e orgânico. Assim, muito
embora não tivessem acedido ao controlo do Estado colonial, os colonos adquiriram uma
voz activa na administração. Além disso, as colónias ganharam o direito de manter rela-
ções económicas – e em especial comerciais – directas com qualquer colónia ou potência
estrangeira e até de contrair empréstimos em praças financeiras internacionais. Portugal
perdia assim o seu antigo monopólio económico sobre as suas duas maiores colónias, mas
mantinha intacto o domínio político formal.
Claramente, a atribuição da autonomia às colónias criou um forte descontentamento
nos meios políticos e económicos metropolitanos com interesses nas colónias. A burgue-
sia portuguesa, pela sua debilidade face às outras burguesias europeias, precisava de reser-
vas de matérias primas a baixo custo e de mercados protegidos para o escoamento das suas
produções agrícolas e industriais. Desde 1890 que pautas proteccionistas protegiam os
seus interesses comerciais nas colónias. Essa legislação foi em parte revogada. Os empre-
sários têxteis e os grandes vinhateiros foram os mais afectados pela concessão de autono-
mia às colónias. Uma autonomia que colocava em risco a fortuna do capitalismo portu-
guês. Rapidamente gerou-se na metrópole uma «corrente» contrária à autonomia colonial
e com objectivos opostos ao desenvolvimento económico das colónias. A burguesia portu-
guesa entendia que era necessário colocar as colónias a produzir o algodão, o açúcar, o café
e outros produtos de que a indústria e o mercado português precisavam para o seu desen-
volvimento e abastecimento. E, ao mesmo tempo, era necessário impedir o aparecimento
de indústrias e de culturas nas colónias que pudessem competir com as produções metro-
A 1.ª República e as colónias (1910-1926) 47

politanas. Enfim, era imperioso obrigar as colónias a comprar à metrópole – e só à metró-


pole – todos os produtos de que precisavam para a sua subsistência, mesmo que os pro-
dutos metropolitanos fossem mais caros e de pior qualidade que os produtos estrangeiros.
Por outras palavras, o que a burguesia portuguesa pretendia era o retorno ao sistema do
pacto colonial, pela revogação da autonomia das colónias – facto que representava um
retrocesso histórico a todos os níveis para Angola e Moçambique.
Neste contexto, tal como tinha acontecido durante a monarquia, o factor colonial
desempenhou um papel muito significativo na queda da 1.ª República. O grande capital
português sabotou as governações dos Altos Comissários Norton de Matos, em Angola, e
Brito Camacho, em Moçambique, instrumentalizando para o efeito o Banco Nacional
Ultramarino, que era o banco emissor para as colónias. Uma violenta campanha política
no Parlamento e na imprensa, conduzida em parte pelo deputado conservador Cunha Leal,
foi lançada contra o regime de autonomia colonial, colocando a opinião pública metropo-
litana contra a política colonial da República. Em Angola a situação política precipitou-se
no segundo semestre de 1923, quando o Banco Nacional Ultramarino «congelou» as
trocas financeiras (as chamadas «transferências») entre a colónia e a metrópole, facto que
tornou patente a crise financeira do Estado colonial. Norton de Matos ainda tentou solu-
cionar o problema junto do Estado central em Lisboa, mas acabou por se demitir em mea-
dos de 1924, deixando Angola sem governo e no caos financeiro. Os colonos, sentindo-se
traídos e abandonados pelo governo português, ameaçaram fazer a secessão da colónia. Na
metrópole, a crise angolana foi aproveitada pelos inimigos da autonomia colonial – e pelos
inimigos da própria República – para mobilizar a opinião pública, os militares e os meios
conservadores contra o regime político vigente. E a República, desacreditada, não soube
reagir aos ataques provenientes de inúmeros sectores políticos, nem tão pouco demons-
trou capacidade política para resolver o problema colonial. Senão vejamos.
Em Janeiro de 1922, o Partido Democrático ganhou as eleições legislativas e formou
um novo governo sob a presidência de António Maria da Silva. O governo democrático pro-
curou estabilizar a situação política, económica e financeira, depois de dois anos de caos
social e administrativo. Conseguiu-o em parte, mas não pôde evitar a desvalorização do
escudo. O governo conseguiu também reduzir o poder da Guarda Nacional Republicana,
que se tinha tornado num «corpo policial» demasiado potente e influente do ponto de vista
político e militar. Em Agosto de 1923, o Partido Democrático obteve a eleição pelo Parla-
mento de Manuel Teixeira Gomes, Ministro de Portugal em Londres, para o cargo de Pre-
sidente da República. No entanto, apesar duma certa acalmia política em relação ao biénio
anterior, o governo democrático foi incapaz de conter as tensões no seio do seu próprio
partido. Duas facções passaram a digladiar-se dentro do Partido Democrático: a ala direita,
liderada por António Maria da Silva, e a ala esquerda, minoritária mas combativa, liderada
por José Domingues dos Santos e que contestava a política moderada do governo. Na opo-
sição, o Partido Liberal virou claramente à direita, fundindo-se com alguns dissidentes
democráticos no Partido Nacionalista, no qual Cunha Leal foi uma das figuras de proa. A
crise financeira de Angola aumentou o desgaste político do governo de António Maria da
48 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

Silva, que se demitiu em Novembro de 1923. Face à crise política, o Presidente da Repú-
blica pediu a Afonso Costa que formasse governo. Afonso Costa acedeu ao pedido, regres-
sou ao país e tentou formar um governo de unidade nacional. Mas a sua tentativa fracassou,
porque o Partido Nacionalista recusou participar no executivo. O Presidente da República
chamou então os nacionalistas a formar governo. Os nacionalistas aceitaram e formaram
um governo que durou apenas um mês, porque não dispunha de maioria parlamentar.
Sucedeu-lhe um governo chefiado por Álvaro de Castro, um nacionalista dissidente, que
durou sete meses, até Junho de 1924, quando a crise angolana tocou o seu ápice. Sem
governo efectivo, os colonos movimentavam-se no sentido de fazer a secessão da colónia.
Uma situação que não se resolveu de todo, apesar da nomeação de um novo Alto Comissá-
rio para Angola, Rego Chaves. A tensão política entre os colonos e as autoridades coloniais,
as ameaças de secessão por parte dos primeiros e um ambiente geral de conspiração carac-
terizaram os últimos dois anos de governação republicana em Angola. Simultaneamente,
na metrópole cresciam os medos de uma intervenção estrangeira nos assuntos coloniais
portugueses. Medos que eram alimentados pelos bem conhecidos «apetites» coloniais ale-
mães e italianos sobre as colónias portuguesas. E no meio da confusão política que se vivia
nos corredores do poder em Lisboa a República parecia já não ser capaz de defender a inte-
gridade do património colonial português.
Na verdade, grupos rivais digladiavam-se pelo poder no seio dos próprios partidos e
nenhuma facção conseguia deter as rédeas do governo por muito tempo, pois era logo ata-
cada e derrubada pela facção oposta. Não era só o país que estava numa profunda crise polí-
tica, mas o próprio sistema partidário republicano que estava em «estado de decom-
posição». No primeiro semestre de 1925, a ala esquerda democrática fez uma cisão no inte-
rior do Partido Democrático, criando o Partido da Esquerda Democrática. Pouco tempo
antes tinha sido a ala direita democrática a fazer cair o governo de José Domingues dos
Santos, que estava no poder desde Novembro de 1924. No Partido Nacionalista, as tensões
entre facções diferentes desembocaram numa cisão de Cunha Leal, que criou a União
Liberal Republicana no início de 1926. Mas os partidos – todos os partidos – republicanos
estavam profundamente desacreditados entre a opinião pública. Os inimigos da República
tinham pois a tarefa facilitada e instrumentalizavam o descrédito dos partidos para criar
uma opinião favorável a uma mudança de regime político, hiperbolizando na imprensa o
ambiente de desordem no país. De facto, a imprensa teve um papel importante na prepa-
ração do ambiente político para a queda da 1.ª República. Os principais quotidianos por-
tugueses, os jornais O Século e Diário de Notícias, servindo os interesses dos grupos eco-
nómicos que os controlavam, inculcaram na população a ideia de que era necessário
mudar de regime político e de que era preciso criar um Estado forte para «pôr ordem na
casa portuguesa». Um Novo regime, um Estado forte, como o de Mussolini em Itália. Dito
isto, não deixa de ser verdade que o nível de violência política era muito elevado. O con-
fronto fazia-se no Parlamento, entre partidos opostos e no seio dos próprios partidos, mas
também nas ruas, existindo grupos extremistas que recorriam à força das armas. Era o
caso de certos grupos anarquistas e da Legião Vermelha, grupo que se refazia ideologica-
A 1.ª República e as colónias (1910-1926) 49

mente ao comunismo. Por sua vez, monárquicos, clericais e certos sectores nacionalistas
de direita conspiravam para derrubar a República com o apoio de parte do exército, tendo
havido pelo menos duas revoltas militares nesse sentido em Abril e em Julho de 1925.
Neste contexto, a República entrou no seu último ano de vida cheia de contradições.
Por um lado, a situação financeira do país tinha parcialmente melhorado graças ao con-
texto económico internacional favorável, à contenção de despesas e a uma reforma tribu-
tária que fez subir as receitas públicas à custa do aumento de impostos sobre a indústria.
Por outro lado, a situação política era de crise permanente. Aos governos republicanos fal-
tava autoridade, estabilidade e crédito político. A Seara Nova, um grupo político-intelec-
tual fundado em 1921, procurou com as suas ideias ajudar os partidos republicanos a
ultrapassar as suas fraquezas, defeitos e limitações. Mas o grupo falhou nos seus intentos.
A instabilidade política imperava ao nível das máximas instituições do Estado. Por exem-
plo, em Novembro de 1925, o Partido Democrático venceu as últimas eleições legislativas
republicanas e António Maria da Silva formou novo governo. Mas apenas um mês depois,
em Dezembro de 1925, Teixeira Gomes, cansado das críticas e dos ataques constantes da
direita nacionalista e conservadora, resignou do cargo de Presidente da República, sendo
substituído por Bernardino Machado. A esta instabilidade somavam-se os escândalos polí-
ticos e financeiros, que envolviam figuras dos vários partidos. Em finais de 1925, todo o
sistema político-partidário republicano foi duramente abalado pelo escândalo «Alves dos
Reis». Um escândalo de fraude financeira ligado à duplicação de séries de notas de 500
escudos. Alves dos Reis conseguiu que a Waterlow&Sons Ltd., de Londres – a casa impres-
sora das notas portuguesas –, fabricasse cerca de meio milhão de notas falsas, com nume-
ração duplicada, de 500 escudos. Com esse dinheiro Alves dos Reis constituiu um banco,
o Banco Angola e Metrópole, cuja função era a de financiar o desenvolvimento económico
de Angola. Durante algum tempo as notas falsas circularam em Portugal e Alves dos Reis
conseguiu mesmo comprar parte das acções do Banco de Portugal. Mas a burla foi desco-
berta em 5 de Dezembro de 1925 e com ela caiu por terra a pouca confiança que a popu-
lação ainda tinha nas instituições republicanas.
O país estava cansado da República e muitos republicanos estavam fartos da hegemo-
nia política do Partido Democrático. Além disso, a elite burguesa-aristocrática, as classes
médias urbanas, os monárquicos e os republicanos conservadores, a Igreja Católica e até
o exército, ou pelo menos as suas altas patentes, temiam uma escalada do anarquismo em
Portugal. Temiam também a subtracção do património colonial português por potências
estrangeiras, por via da incapacidade governativa dos governos republicanos. E não era um
caso o facto de Angola estar de novo sem governo em Maio de 1926. Meses antes, mais pre-
cisamente em Dezembro de 1925, uma conspiração secessionista dos colonos tinha pro-
vocado uma forte tensão política na capital angolana. Em Janeiro de 1926, a direcção da
Associação Comercial de Luanda chegou a ser temporariamente detida pelas autoridades
coloniais. O Alto Comissário Rego Chaves regressou a Lisboa, onde foi exonerado do cargo,
e o governo da colónia ficou aos cuidados de um mero Encarregado. Uma situação provi-
sória, mas que se arrastou no tempo, criando um perigoso vazio de poder. Neste cenário
50 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

conturbado, muitos portugueses eram cada vez mais favoráveis à instauração de um


governo forte, capaz de assegurar a ordem – a ordem social burguesa. E eram cada vez
mais sedutores os exemplos que vinham de fora, nomeadamente das experiências ditato-
riais de Mussolini em Itália e de Primo de Rivera em Espanha. O operariado urbano também
não estava disposto a apoiar uma República fundamentalmente burguesa e o país rural, ou
melhor, o povo rural, que constituía a maior parte da população portuguesa, vivia na mais
completa alienação política. Miserável, analfabeto, política e socialmente subordinado à
elite, o povo não tinha «voto na matéria». No fundo ninguém ou quase ninguém, à excep-
ção dos dirigentes democráticos que estavam no poder, estava determinado a continuar a
apoiar a República, porque quase todos estavam convencidos da necessidade de alterar o
regime político, o que não significava necessariamente restaurar a monarquia.
Em 28 de Maio de 1926, o General Gomes da Costa, um dos «heróis da Grande Guerra»,
iniciou em Braga uma marcha militar sobre Lisboa. O governo democrático não teve
forças para opor-lhe resistência e pediu a demissão em 30 de Maio de 1926. Em Lisboa e
noutros pontos do país várias chefias militares e alguns políticos destacados aderiram ao
movimento revolucionário, entre os quais o General Sinel de Cordes e o Comandante
Mendes Cabeçadas. O Presidente da República, Bernardino Machado, impotente, pediu a
Mendes Cabeçadas que formasse governo e de seguida renunciou ao seu mandato presi-
dencial, delegando todos os poderes em Mendes Cabeçadas no dia 31 de Maio de 1928. No
entretanto, a marcha militar sobre a capital portuguesa foi engrossando e o movimento
revolucionário apoderou-se rapidamente de todo o país. Nos primeiros dias de Junho de
1926, o Parlamento foi dissolvido e Portugal passou a ser governado em ditadura pelos
militares. A 1.ª República tinha terminado.
3
CAPÍTULO

A Ditadura Militar, Salazar e o Estado Novo


(1926-1945)

O Estado Novo foi o regime de ditadura civil instituído por António Oliveira Salazar em
1933, mas cujas raízes políticas afundam na Ditadura Militar instaurada em 28 de Maio de
1926. A Ditadura Militar (1926-1933) correspondeu – num certo sentido – à fase de tran-
sição de regime político da «velha» República demoliberal (1910-1926) para a «nova»
República autoritária (1933-1974). Salazar, professor da Faculdade de Direito da Universi-
dade de Coimbra, civilizou a ditadura, retirou-lhe o carácter marcadamente militar e
dotou-a de uma Constituição Política, que esteve em vigor até 25 de Abril de 1974. Existiu
por isso uma continuidade directa – ainda que não de todo linear – entre a Ditadura Militar
e o Estado Novo e não foi por acaso que o regime salazarista adoptou como seu acto fun-
dador o golpe militar de 28 de Maio de 1926. Paralelamente, o Estado Novo permaneceu
intimamente associado à figura do seu criador, Salazar. Daí falar-se em regime salazarista
e salazarismo, facto que evidencia o carácter altamente personalizado da ditadura portu-
guesa. Esta característica constituiu uma diferença assinalável relativamente à Itália fas-
cista e à Alemanha nazista, onde os regimes se definiram a partir dos nomes dos partidos
fundadores (Partido Fascista e Partido Nacional-Socialista) e não dos seus líderes (Musso-
lini e Hitler). Mas, ao contrário das ditaduras italiana e alemã, o Estado Novo sobreviveu
ao desaparecimento do seu criador, Salazar. Em 1968, Salazar foi exonerado, por motivos
de saúde, do cargo de Presidente do Conselho de Ministros pelo então Presidente da Repú-
blica, Américo Tomaz. Em sua substituição foi nomeado um outro professor de Direito,
mas desta vez da Universidade de Lisboa, Marcelo Caetano, que governou o país até à
derrocada do regime em 25 de Abril de 1974. Portanto, se o fascismo não sobreviveu a
Mussolini, nem o nazismo a Hitler, em Portugal o salazarismo sobreviveu a Salazar. Um
salazarismo sem Salazar que se prolongou no tempo durante seis anos, impedindo a
reforma do sistema político português e a transição – esboçada por Caetano – para um
regime mais liberal. Estas especificidades da ditadura salazarista tornam o caso português
único no panorama dos regimes autoritários da Europa, quer no período entre as duas
guerras mundiais quer no período posterior a 1945. Merece por isso uma análise deta-
52 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

lhada, que faremos ao longo de vários capítulos. Neste capítulo analisamos a história da
ditadura portuguesa desde o golpe militar de 28 de Maio de 1926 até ao fim da 2.ª Guerra
Mundial, ao passo que nos próximos capítulos teremos em consideração o período que vai
de 1945 até à queda da ditadura em 1974.
A historiografia portuguesa ainda não produziu uma história, por assim dizer, com-
pleta do Estado Novo. Existem contudo alguns estudos pioneiros que fornecem visões his-
toricamente bem fundamentadas sobre determinadas fases da ditadura. É o caso dos estu-
dos de Fernando Rosas, que dão uma interpretação de tipo económico-social sobre as ori-
gens e a fase inicial do regime salazarista. Para Fernando Rosas, o Estado Novo foi a res-
posta política do capitalismo português à crise económica, social e política que o país atra-
vessou no final da 1.ª República. Segundo Rosas, a classe dominante enfraquecida decidiu
construir um novo tipo de poder político: um «Estado novo» dotado de força suficiente
para subordinar o operariado, sanar os dissídios no seio da classe dominante e entre esta
e os estratos intermédios, adoptar medidas económicas urgentes e garantir a estabilidade
do sistema, uma tarefa que o Estado liberal se mostrava incapaz de cumprir. A este res-
peito, Rosas não tem dúvidas em considerar que o salazarismo se impôs como um regime
do conjunto da oligarquia portuguesa, com o apoio de sectores significativos das classes
médias, unidos no consenso em torno da estabilidade política de um Estado forte, capaz
política e financeiramente de intervir na economia, protegendo e arbitrando grupos e
tensões. Na sua perspectiva, o Estado Novo foi o produto da transição para o desenvolvi-
mento do capitalismo português e uma resposta à crise económica, social e política
patente no final da 1.ª República. A política económica e social da ditadura foi pois carac-
terizada por um consenso entre os grupos sociais dominantes e por uma intervenção arbi-
tral do Estado, com o objectivo de concertar estratégias de conservação social. Porém, algo
paradoxalmente, o Estado Novo teria acabado por limitar o desenvolvimento do capita-
lismo português, porque teve de refrear os interesses do capital industrial para não afectar
os interesses agrários e não tocar na propriedade fundiária. Todos teriam prosperado, mas
modestamente, de modo a manter um equilíbrio entre todos os grupos dominantes, sob a
autoridade arbitral do Estado. A ideologia do regime teria reforçado esse conservadorismo
social e bloqueado o desenvolvimento industrial e tecnológico do país.
Mas sobre a história do regime salazarista subsistem mais perguntas do que respostas.
No nosso entendimento, uma primeira questão que se deve colocar ao estudar o Estado Novo
é a da natureza política do próprio regime, a sua classificação e integração na categoria
histórica-política do fascismo. Sobre esta questão há uma interminável discussão acadé-
mica, havendo duas perspectivas principais: a primeira defende que o Estado Novo foi um
regime fascista; a segunda que o Estado Novo foi uma ditadura autoritária de direita, mas
não um regime propriamente fascista. Durante muito tempo prevaleceu a primeira pers-
pectiva entre o mundo académico português, influenciado como estava pelo ambiente
político subsequente à revolução de 25 de Abril de 1974. Assim, no primeiro congresso que
se realizou no país sobre o tema do «Fascismo em Portugal» (1980) prevaleceu a ideia de
que o salazarismo tinha sido uma variante do fascismo e que, muito embora tenha rece-
A ditadura militar, Salazar e o Estado Novo (1926-1945) 53

bido o poder dos militares, Salazar teria operado uma autêntica fascização do Estado.
Como tal, o governo de Salazar teria sido um governo servidor e criador do fascismo. Mas,
seis anos mais tarde, no congresso intitulado «O Estado Novo. Das origens ao fim da autar-
cia», esta visão já não era hegemónica nos meios académicos. Sobre o assunto foram
expressas duas opiniões opostas por dois académicos estrangeiros: por um lado, Stuart
Woolf tendeu a colocar o salazarismo no campo do fascismo, mas não de forma taxativa;
por outro lado, Stanley G. Payne classificou o Estado Novo como um regime organicista
moderado ou corporativo. Desde então, a segunda perspectiva tem conquistado adeptos,
mas alguns historiadores – como por exemplo Fernando Rosas e Luís Reis Torgal – conti-
nuam a classificar o salazarismo como uma variante do fascismo. Opinião diferente tem
António Costa Pinto, que considerou que o fascismo português foi representado autenti-
camente pelo movimento político dos «Camisas Azuis» de Rolão Preto e que o Estado Novo
apenas absorveu alguns dos seus elementos, ao mesmo tempo que matou quaisquer velei-
dades de transformação da ditadura num verdadeiro regime fascista. Por sua vez, Manuel
Braga da Cruz considerou o salazarismo um regime fundamentalmente nacionalista, cor-
porativo e católico, mas não confessional, porque o catolicismo nunca foi declarado a reli-
gião oficial do Estado (ao contrário do que aconteceu na Espanha de Franco). Porém,
Braga da Cruz admitiu que o salazarismo foi, num certo sentido, uma «inversão» fasci-
zante da democracia cristã, na medida em que foi no movimento católico português que
se geraram os fermentos nacionalistas, antiparlamentares e corporativos que inspiraram o
Estado Novo. Por último, podemos citar as afirmações algo «provocatórias» de Jacques
Georgel, que considerou o salazarismo «o puro produto da sociedade rural portuguesa do
final do século XIX». Segundo Georgel, Salazar era hostil ao parlamentarismo liberal e à
democracia, mas era igualmente contrário ao cesarismo pagão do fascismo italiano e do
nazismo de Hitler, por ser incompatível com o seu catolicismo. Assim, as ideias de Salazar
podem ser sintetizadas em cinco palavras chave: «Deus, Pátria, Autoridade, Família,
Trabalho». Para Georgel, Salazar considerava inútil – senão mesmo perigoso – melhorar a
situação económica, social e política do país e a sua vontade era a de que os «portugueses
vivessem habitualmente», num misto de «paz, tranquilidade, imobilismo e miséria».
Georgel conclui ainda que o poder salazarista foi sustentado acima de tudo pela Igreja
Católica e pelas confederações patronais da indústria e do comércio.
Claramente não temos a pretensão de resolver aqui o problema da classificação política
do Estado Novo, nem esse é o objectivo deste livro. Mas também não nos abstemos de dar
a nossa interpretação sobre a natureza política da ditadura salazarista. Na nossa perspec-
tiva, o Estado Novo foi um regime autoritário de direita que incorporou um conjunto
substancial de elementos do fascismo italiano (sobretudo ao nível do aparato repressivo e
da ideologia corporativa), mas cuja matriz política foi principalmente nacionalista-colo-
nial, reaccionária (no sentido de antimoderna), conservadora (em termos políticos e
sociais) e católica (no sentido clericalista, mas não confessional). Isto significa que, muito
embora o salazarismo tenha ido buscar grande parte da sua inspiração política ao fascismo
italiano e com este tenha mantido relações privilegiadas até à demissão de Mussolini em
54 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

25 de Julho de 1943, o Estado Novo nunca foi um regime verdadeiramente totalitário. É


que para além da ausência de um Partido-Estado forte, criador do regime, houve uma dife-
rença entre os dois regimes ditatoriais que para nós é fundamental: o fascismo foi uma
ideologia modernizadora e o produto duma sociedade industrial que se pretendia libertar
do peso das instituições tradicionais, entre as quais a monarquia (ainda que, para ser
poder, o fascismo tenha sido obrigado a um acomodamento com esta). O fascismo preten-
dia assim uma transformação total da sociedade italiana e a sua modernização a todos os
níveis. Não admira aliás que Mussolini tenha sido, na sua juventude, um jornalista socia-
lista. Nele havia a busca do «homem novo» e ardia o fogo da revolução, que no caso do fas-
cismo representou uma revolução à direita. O fascismo foi um corte com a tradição, em
nome da modernidade. O salazarismo, pelo contrário, foi o produto de uma sociedade for-
temente marcada – e condicionada – pela ruralidade e quis manter a todo o transe a ordem
social estabelecida e as instituições tradicionais, protegendo-as dos fermentos dissolventes
de um parlamentarismo liberal que já não servia eficazmente os interesses das classes
dominantes. A cooptação de elementos fascistas nunca modificou esta matriz profunda-
mente reaccionária, tradicionalista e conservadora do regime criado por Salazar. O sala-
zarismo foi um corte, sim, mas com a modernidade, em nome de uma tradição que pre-
tendia manter a maioria da população portuguesa subordinada a uma potente oligarquia
burguesa-aristocrática. Salazar foi o homem encontrado por essa oligarquia para recolo-
car o país na ordem. Ordem essa que tinha sido duramente afectada por anos de instabili-
dade governativa e militar e pelo crescimento de tensões sociais e políticas no seio da
sociedade portuguesa, não só nos estratos mais baixos da população, como também entre
as classes médias e altas. Salazar foi pois o homem da ordem; da ordem tradicional bur-
guesa-aristocrática instituída com o liberalismo no século XIX, mas que já não podia ser
mantida por um regime demoliberal em estado de decomposição. Um liberalismo que se
mostrava incapaz de assegurar o domínio colonial português em África e, tão pouco, de
colocar os recursos económicos coloniais ao serviço das necessidades de crescimento da
burguesia portuguesa. Isto é, o fim de quase um século de parlamentarismo liberal, a elite
portuguesa renegou estrategicamente o liberalismo e optou por um sistema político dia-
metralmente inverso, o autoritarismo, como forma de garantir a sua continuidade no
poder. Houve pois no salazarismo toda uma especificidade portuguesa que o afastou das
experiências autoritárias e totalitárias doutros países europeus, o que não impediu a exis-
tência de relações de afinidade mais ou menos estreitas com outros regimes ditatoriais,
nomeadamente com o fascismo italiano.
Neste sentido, o 28 de Maio de 1926 esteve longe de representar um golpe fascista. A
ditadura foi inicialmente o produto de uma coligação política muito heterogénea que
incluía um grande número de republicanos. No seguimento da longa tradição portuguesa
de intervenção militar na esfera política, o golpe do 28 de Maio de 1926 pretendeu rege-
nerar o país, pondo um ponto final na degradação política da República, na hegemonia
política do Partido Democrático (que era considerado o principal responsável pelo desgo-
verno da Nação), nas contínuas desordens políticas e sociais, na corrupção, etc. E muitos
A ditadura militar, Salazar e o Estado Novo (1926-1945) 55

dos republicanos que apoiaram o golpe militar desejavam um regresso à normalidade


constitucional, logo que a ditadura colocasse ordem no país. Para alguns, a ditadura era
um meio, não um fim em si mesmo: um período transitório, julgado necessário para revi-
talizar o regime republicano. Pura ilusão.
No entanto, não é no republicanismo que podemos encontrar as raízes ideológicas do
Estado Novo. O 28 de Maio de 1926 envolveu um conjunto de correntes políticas adversas
à República e ao parlamentarismo demoliberal: monárquicos de diferentes grupos e sensi-
bilidades políticas, católicos clericais, nacionalistas conservadores e alguns (poucos) fas-
cistas seduzidos pelos regimes de Mussolini e de Primo de Rivera. O golpe foi também o
fruto das movimentações políticas de certos meios económicos interessados na constru-
ção de um Estado – um tipo de regime – capaz de salvaguardar os seus interesses pessoais,
resolver os seus problemas e potenciar o crescimento da sua riqueza e poder através da
exploração eficaz dos recursos económicos coloniais. Foram estes sectores políticos, alia-
dos aos grandes interesses económicos, que prevaleceram no regime saído do 28 de Maio
de 1926. Isto não significa que o elemento republicano estivesse ausente da formação do
Estado Novo. A ditadura manteve a fórmula política republicana e jamais concretizou o
intento restauracionista monárquico. A República triunfou definitivamente sobre a Monar-
quia. Mas foi uma República que renegou o liberalismo, o parlamentarismo, a democracia,
isto é, os fundamentos políticos do primeiro republicanismo português. Por isso, podemos
afirmar que o republicanismo foi um elemento secundário na ideologia política do Estado
Novo. Dele continuou sobretudo aquela forma de nacionalismo colonial; a vontade de
construir um grande Império, o Estado-Império luso-africano. Mas vejamos de forma deta-
lhada quais foram as raízes políticas e ideológicas do salazarismo.
Uma das principais raízes ideológicas da ditadura foi o Integralismo Lusitano. Apare-
cido por volta de 1914, o Integralismo Lusitano foi uma corrente ideológica de direita,
monárquica e antiliberal, contrária ao Iluminismo e ao ideário da Revolução Francesa.
Inspirado nas ideias de Maurras e de Sorel, o Integralismo Lusitano teve como principais
pensadores António Sardinha e José Pequito Ribeiro. O Integralismo Lusitano mobilizou
sobretudo jovens das classes altas, burgueses e aristocráticos, que recusavam os ideais
demoliberais da República. Embora não sendo um integralista, Sidónio Pais foi conside-
rado um dos primeiros «heróis e mártires» do Integralismo e é um facto que o seu regime
reuniu um conjunto assinalável de integralistas. Imbuídos do culto do passado e da tradi-
ção, os integralistas recusavam qualquer aspecto da modernidade, inclusive o constitucio-
nalismo monárquico. Aliás, dado que o rei D. Manuel II se negou a aceitar o ideário inte-
gralista, os integralistas passaram a apoiar a realeza dos descendentes de D. Miguel, o
último monarca absoluto português. Assim, o Integralismo era contrário à democracia, ao
parlamentarismo, ao socialismo e ao comunismo; não reconhecia valor nos ideais do pro-
gresso e da liberdade; hostilizava o pensamento positivista e cientista. Idealizava uma
monarquia pré-moderna, medieval ou de Antigo Regime, sustentada pela tradição e pela
religião católica. Defendia o valor da autoridade, o corporativismo político e uma ordem
social construída com base no pensamento social da Igreja, aceitando muitos dos princí-
56 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

pios da encíclica Rerum Novarum de Leão XIII. A sua doutrina assentava enfim num
nacionalismo exacerbado que se opunha a qualquer forma de internacionalismo e glorifi-
cava a grandeza imperial de Portugal.
Para além do Integralismo Lusitano, outros agrupamentos monárquicos contribuíram
para a instauração da ditadura. O principal grupo monárquico, ou pelo menos o que era
reconhecido oficialmente por D. Manuel II, era a Causa Monárquica. Enquanto partido
realista oficial, a Causa Monárquica era dirigida por um lugar-tenente nomeado por D.
Manuel II, destacando-se neste lugar Aires Ornelas, que chegou a ser deputado no Parla-
mento republicano. A Causa Monárquica defendia um regresso à Monarquia constitucio-
nal, de modo que aceitava o sistema parlamentar demoliberal. Porém, em 1923, a ala
direita monárquica, liderada por Alfredo Pimenta, criou a sua própria organização, deno-
minada Acção Realista Portuguesa, à qual aderiram muitos integralistas. Um quarto grupo
monárquico era representado pelo velho «Partido Legitimista», que defendia a realeza de
D. Miguel e dos seus descendentes: D. Miguel II e, depois, D. Duarte Nuno. A este respeito,
houve várias tentativas de reconciliação dos dois ramos da Casa de Bragança e, em 1922,
D. Manuel II, sem filhos, declarou que aceitaria como seu sucessor o herdeiro escolhido
pelas «Cortes». Claramente, os monárquicos aspiraram sempre ao derrube da República e
estiveram entre os principais promotores do 28 de Maio de 1926. Após a queda da 1.ª Repú-
blica, os monárquicos esperaram numa evolução da ditadura no sentido da restauração da
monarquia, mas os seus intentos foram contrastados pela ala republicana da ditadura e as
suas esperanças foram «destruídas» pela morte de D. Manuel II em 1932. Salazar, embora
monárquico em origem, preferiu não afrontar directamente o problema e manteve a fór-
mula política republicana com o objectivo de evitar a alienação política da base republi-
cana da ditadura. Assim, se por um lado o salazarismo absorveu muitos dos elementos
doutrinários monárquicos, sobretudo do Integralismo Lusitano, por outro lado enterrou
definitivamente as esperanças de restauração da Monarquia em Portugal.
Outra das raízes ideológicas do Estado Novo foi a corrente católica conservadora e cle-
rical da qual fazia parte o próprio Salazar. Na origem do movimento católico português
esteve o Centro Académico de Democracia Cristã (CADC), criado em Coimbra nos finais da
Monarquia e liderado a partir de 1912 por António Oliveira Salazar e pelo seu amigo e
colega Padre Gonçalves Cerejeira, mais tarde Cardeal Patriarca de Lisboa. O CADC reunia
professores e estudantes católicos interessados na constituição de uma sociedade baseada
nos princípios sociais da doutrina católica, tal como fora definida por Leão XIII. Embora
muitos dos seus membros fossem monárquicos, o CADC colocava o problema do regime
político (Monarquia ou República) em segundo plano. Em 1917, os católicos clericais cons-
tituíram uma organização propriamente política denominada Centro Católico Português
(CCP) e da qual também fez parte Salazar. O Centro Católico Português tinha por objectivo
defender os interesses dos católicos portugueses e lutar contra o carácter alegadamente
maçónico, individualista, laicista e anticlerical da 1.ª República, mas não recusava em si o
republicanismo enquanto ideologia política. Muitos católicos participaram na ditadura
sidonista e, mais tarde, o CCP chegou a eleger vários deputados ao Parlamento republicano,
A ditadura militar, Salazar e o Estado Novo (1926-1945) 57

entre os quais Salazar (1921). Claramente, o Estado Novo «bebeu» muitos dos ideais cató-
licos conservadores, sobretudo no que diz respeito ao clericalismo e à doutrina social da
Igreja. Com Salazar, a Igreja Católica readquiriu grande parte da importância política,
social e cultural que tinha perdido durante a 1.ª República. Salazar era um católico e cató-
licos foram vários dos dirigentes do Estado Novo, mas não todos. O Presidente da República,
Óscar Carmona, era um antigo maçon, tal como o primeiro Presidente da Assembleia
Nacional, Albino dos Reis. O catolicismo não foi elevado à condição de religião oficial do
Estado e o regime manteve sempre a liberdade religiosa. A pequena minoria judaica portu-
guesa nunca foi perseguida, ainda que houvesse anti-semitas no interior da ditadura. O
Estado Novo não foi um regime confessional, ao contrário do franquismo em Espanha, mas
favoreceu grandemente a Igreja Católica. E a hierarquia católica, ou pelo menos grande
parte dela, foi um dos principais pilares do salazarismo até à década de 1960.
Uma outra raiz ideológica do Estado Novo foi o nacionalismo exacerbado, que envolvia
politicamente tanto monárquicos como republicanos conservadores. Nos últimos anos da
1.ª República, os republicanos conservadores tinham constituído uma formação política
denominada Partido Nacionalista, mas podemos dizer que o nacionalismo era transversal
a todos os grupos políticos que fizeram o golpe de 28 de Maio de 1926. Isto é, a ditadura
salazarista não foi buscar o seu nacionalismo a um determinado grupo ou partido político,
mas bebeu-o dos vários sectores políticos que a constituíram, desde logo do Integralismo
Lusitano, mas também do próprio republicanismo. É que o moderno nacionalismo portu-
guês, com as suas concepções coloniais da nação portuguesa, foi em grande parte cons-
truído pelo movimento republicano. O Estado Novo apenas e tão só exacerbou esse nacio-
nalismo republicano, considerando o colonialismo como parte da «essência da nação por-
tuguesa» e institucionalizando a fórmula imperial consubstanciada na expressão Império
Colonial Português.
O fascismo foi outra das raízes da ideologia da ditadura. O fascismo em Portugal foi
sobretudo uma ideologia de importação proveniente de Itália. Inicialmente os fascistas
portugueses eram poucos, mas o seu número foi crescendo ao longo da década de 1920,
graças ao fascínio que o regime de Mussolini suscitava entre a direita portuguesa. Con-
tudo, o fascismo português foi sempre um fenómeno politicamente contraditório. Desde
logo porque aderiram ao fascismo muitos elementos monárquicos provenientes do Inte-
gralismo Lusitano, o que por si só representava uma contradição política, na medida em
que o fascismo pretendia a modernização da sociedade, enquanto o Integralismo era fun-
damentalmente passadista e estava arreigado à tradição. Tradição essa que o fascismo recu-
sava em nome da modernidade e do futurismo. Assim, a componente propriamente fas-
cista da direita portuguesa era representada por um pequeno conjunto de intelectuais e de
oficiais militares, entre os quais o jornalista António Ferro. Com as suas apaixonadas
entrevistas a Mussolini, António Ferro contribuiu muito para a divulgação do fascismo em
Portugal e para o aparecimento de um segmento da opinião pública favorável ao regime
italiano. Um dos primeiros grupos fascistas portugueses foi a Cruzada Nuno Álvares
Pereira, liderada, entre outros, pelo Comandante Filomeno da Câmara, um militar que
58 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

provinha das fileiras do Integralismo Lusitano. Filomeno da Câmara, que tinha estado
envolvido numa conspiração da direita militar em Julho de 1925, tornou-se, depois do 28
de Maio de 1926, um dos principais líderes da direita pró-fascista no seio da Ditadura
Militar. António Ferro chegou a chamar-lhe «O Chefe», numa alusão explícita às suas pre-
tensões de líder e guia do fascismo português. Em 13 de Agosto de 1927, Filomeno da
Câmara foi um dos protagonistas da fracassada revolta dos «Fifis», cujo objectivo era radi-
calizar à direita a Ditadura Militar. Esta revolta teve a adesão de muitos militares de baixa
patente, sobretudo tenentes, como por exemplo Henrique Galvão e Morais Sarmento, mas
falhou nos seus intentos. Porém, nos anos subsequentes, o fascismo ganhou força no seio
da ditadura e chegou mesmo a representar uma ameaça ao poder de Salazar, que pruden-
temente prosseguiu uma política de domesticação e de absorção dos elementos fascistas
no regime, reprimindo severamente todos os que não se lhe submetessem. De resto, o pró-
prio Salazar, tal como o Presidente da República, Óscar Carmona, tinha uma certa admi-
ração por Mussolini. Não surpreende por isso que o Estado Novo tenha ido buscar parte da
sua inspiração política ao fascismo italiano. Mas, como veremos adiante, o fascismo aca-
bou por ter mais relevância na estruturação do regime salazarista na década de 1930 do
que propriamente na instalação da ditadura em 1926.
Enfim, na preparação do 28 de Maio de 1926 é de salientar o papel dos grandes inte-
resses económicos, cuja intervenção directa na política partidária remontava pelo menos
a 1924, quando se constituiu um partido de classe denominado União dos Interesses
Económicos (UIE). Este partido reuniu grandes industriais, negociantes, proprietários
rurais e homens da finança, unidos na defesa dos seus interesses capitalistas contra qual-
quer reforma socializante da economia portuguesa. A «descida em campo» da elite bur-
guesa-aristocrática revela que o capital português sentia a necessidade de assumir um
papel activo na direcção política do país já nos anos finais da 1.ª República. A ditadura mili-
tar respondeu assim aos anseios de uma intervenção política directa da burguesia portu-
guesa nos negócios políticos do país, e depois do 28 de Maio de 1926 alguns dos elemen-
tos da UIE colaboraram activamente com os governos militares na definição da política
económica. Após 1928, a política económica e financeira de Salazar veio precisamente ao
encontro dos interesses dos vários segmentos da elite burguesa-aristocrática, estabele-
cendo um equilíbrio necessário ao crescimento do capitalismo português.
Feitas estas considerações, vejamos então como se processou a evolução política da
ditadura instaurada pelos militares em 1926.
Em 28 de Maio de 1926, o General Gomes da Costa iniciou em Braga uma marcha mili-
tar sobre Lisboa. Na capital e noutros pontos do país várias chefias militares e alguns polí-
ticos republicanos aderiram ao movimento revolucionário, entre os quais o General Sinel
de Cordes e o Comandante Mendes Cabeçadas. O governo democrático pediu a demissão
em 30 de Maio de 1926. Em 31 de Maio de 1926, o Presidente da República, Bernardino
Machado, pediu a Mendes Cabeçadas que formasse governo e de seguida renunciou ao seu
mandato presidencial, delegando todos os poderes em Mendes Cabeçadas. Pouco depois, o
Parlamento foi dissolvido e o país passou a ser governado em ditadura pelo Comandante
A ditadura militar, Salazar e o Estado Novo (1926-1945) 59

Mendes Cabeçadas, que presidiu ao primeiro governo dos militares. Mas esse governo
durou menos de três semanas porque o General Gomes da Costa realizou, com o apoio do
exército, um «golpe palaciano» e assumiu a presidência do governo em 17 de Junho de
1926. O triunfo de Gomes da Costa durou pouco tempo. Em 9 de Julho de 1926, o General
Sinel de Cordes, monárquico, deu novo golpe de Estado e desterrou Gomes da Costa para
os Açores. Sinel de Cordes formou então o terceiro governo militar, cuja presidência con-
fiou ao General Óscar Carmona. Sinel de Cordes manteve para si a pasta das Finanças. Este
governo demonstrou maior estabilidade política e esteve no poder durante quase dois
anos, mas mostrou-se totalmente incompetente na administração financeira do país. O
governo mostrou-se igualmente incapaz de conter as tensões e as desordens no seio do
próprio exército. A oposição republicana democrática procurou tirar partido da fragilidade
do governo militar e organizou uma revolta contra a ditadura em Fevereiro de 1927. O
movimento revolucionário, que envolveu militares do exército e da marinha e muitos
populares, eclodiu no Porto e em Lisboa entre 3 e 9 de Fevereiro de 1927. Embora a custo,
o governo sufocou a revolta no sangue, causando centenas de mortos e de feridos. Os
sobreviventes foram presos e desterrados para as colónias, nomeadamente para Angola.
Paradoxalmente, a rebelião consolidou a ditadura, porque serviu ao governo para eliminar
ou afastar do país eventuais chefes oposicionistas. Além disso, deu à ditadura o pretexto
para impor mais medidas repressivas, sobretudo ao nível da censura, que foi um dos pri-
meiros órgãos de controlo e de repressão da opinião pública instituídos pelo regime. No
plano colonial, a ditadura restringiu a autonomia das colónias mediante a promulgação
das Bases Orgânicas da Administração Colonial, pelo Ministro João Belo, em 1926. Seguiu-
-se a publicação do Estatuto Político, Civil e Criminal dos Indígenas de Angola e
Moçambique (1926) e do Código do Trabalho dos Indígenas (1928).
Muito diferente era a situação financeira e económica do país, que tinha derrapado
desde o início da ditadura em virtude da incapacidade administrativa dos militares. Para
salvar o país do desastre financeiro, Sinel de Cordes tentou obter um empréstimo externo
junto da Sociedade das Nações (SDN), ou melhor, com o seu patrocínio. Pressionada pela
oposição democrática portuguesa no exílio, a SDN colocou porém ao governo português
um conjunto de condições muito restritivas para a efectivação do empréstimo, nomeada-
mente o controlo externo das finanças portuguesas no caso de o país não cumprir o pro-
tocolo. Nos corredores do poder da ditadura houve quem visse por detrás destas condições
um ataque à soberania nacional e uma armadilha para subtrair as colónias africanas a
Portugal, pois caso o Estado Português se achasse na condição de não ter dinheiro para
pagar o empréstimo as colónias poderiam vir a servir de moeda de troca. Resultado, o
governo português rejeitou as condições da SDN e Sinel de Cordes caiu rapidamente em
desgraça dentro da ditadura. Em Abril de 1928 produziu-se nova mudança de governo,
mas desta vez as alterações políticas foram mais profundas. A ditadura decretou algumas
alterações à Constituição de 1911 e estabeleceu a eleição por sufrágio directo do
Presidente da República. Óscar Carmona deixou a chefia do governo e foi eleito Presidente
da República. O Coronel Vicente de Freitas assumiu a presidência do governo, que incluía
60 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

António Oliveira Salazar na pasta das Finanças. Vicente de Freitas era considerado um
moderado e o seu governo assumiu um carácter mais técnico do que político, sendo menor
do que anteriormente o peso da direita militar. Mas não foi casual a escolha de Salazar.
Professor de Economia na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Salazar
dispunha de algum prestígio nos meios políticos enquanto especialista na área económica
e financeira. Porém, Salazar era, acima de tudo, um dos principais nomes da direita cató-
lica, em virtude do seu passado de dirigente do CADC e de deputado do Centro Católico
Português (1921). Este facto pesou decisivamente na sua escolha para o cargo de Ministro
das Finanças. Além disso, as conhecidas, ainda que discretas, simpatias de Salazar pela
monarquia granjeavam-lhe o apoio da corrente monárquica. Por fim, tal como a sua polí-
tica económica e financeira veio a demonstrar, Salazar era o «homem» do grande capital
português – o homem que devia «pôr ordem na casa portuguesa» e colocar eficazmente o
aparelho de Estado ao serviço dos interesses capitalistas da elite portuguesa. Datava aliás de
1926 a ligação de Salazar à ditadura militar, quando Mendes Cabeçadas o convidou para o
lugar de Ministro das Finanças. Salazar aceitou, mas a sua permanência no governo durou
apenas cinco dias, porque os militares não lhe deram as condições que ele exigia para o
desempenho do cargo. O derrube precoce de Mendes Cabeçadas enterrou temporariamente
a questão. Em 1928 surgiu um novo convite. Mas desta vez Salazar impôs condições pré-
vias à sua entrada no governo de Vicente de Freitas, nomeadamente a supervisão dos orça-
mentos de todos os ministérios e o direito de veto sobre todos os aumentos de despesa. Os
militares aceitaram e Salazar converteu-se rapidamente num dos homens fortes da dita-
dura. O seu poder deveu-se em grande parte ao seu sucesso à frente da pasta das Finanças.
Graças a uma política de cortes orçamentais – corte nas despesas, entenda-se – Salazar con-
seguiu obter o equilíbrio orçamental das finanças portuguesas. A imprensa e a propaganda
do regime transformaram-no numa espécie de «salvador» da pátria e a sua influência cres-
ceu sobre toda a governação. Salazar passou rapidamente a dirigir-se ao país sobre matérias
políticas de carácter não financeiro. O seu perfil sóbrio, calmo e prudente inspiravam con-
fiança na opinião pública, enquanto a sua política financeira vinha ao encontro das aspira-
ções da elite burguesa-aristocrática. Gradualmente, tornou-se evidente que Salazar repre-
sentava o ponto de encontro – no sentido de ponto de equilíbrio –, mas também o instru-
mento de interesses políticos e económicos diferentes, de diversas instituições e de varia-
dos grupos de poder: a Igreja Católica, a direita nacionalista, os monárquicos, parte do exér-
cito e, claro, a banca e o grande capital agrário, comercial e industrial. Todos estrategica-
mente unidos num grande projecto de poder, tendo como «fiel» executor Salazar.
No entretanto, a ala direita – ou melhor as várias direitas – foi conquistando influência
no seio da ditadura, situação que se reflectiu no governo de Vicente de Freitas. Em Julho de
1929, Vicente de Freitas demitiu-se e foi substituído por outro militar moderado, o General
Ivens Ferraz. Salazar manteve-se na pasta das Finanças. Mas depressa se abriu um áspero
confronto entre as diferentes «almas políticas» que então compunham a ditadura. Na rea-
lidade, a ditadura encontrava-se numa encruzilhada quanto à sua evolução política.
Existiam pelo menos três tendências políticas principais. Por um lado, os meios republica-
A ditadura militar, Salazar e o Estado Novo (1926-1945) 61

nos moderados (ainda que conservadores na ideologia) que encaravam a ditadura como um
regime transitório e que por isso pugnavam pelo regresso a um regime liberal. Entre estes
estavam Ivens Ferraz e Cunha Leal, que então exercia as funções de Governador do Banco
de Angola. Por outro lado, uma tendência mais conservadora e claramente de direita, repre-
sentada por Salazar, que apontava no sentido duma solução política antiliberal e antide-
mocrática, mas que considerava importante a instauração de um regime constitucional que
pusesse termo à Ditadura Militar. Por fim, uma tendência extremista minoritária, repre-
sentada pela direita pró-fascista, que defendia a continuidade da Ditadura Militar e a sua
aproximação política ao regime de Mussolini. Entre estes estava o Comandante Filomeno
da Câmara, na época Alto Comissário de Angola.
O conflito entre as duas primeiras tendências eclodiu em Janeiro de 1930, na sequên-
cia de uma conferência de Cunha Leal na Sociedade de Geografia de Lisboa, em que criti-
cou a política financeira de Salazar em matéria colonial. Salazar reagiu às críticas com
uma nota oficiosa, abrindo, por sua vez, uma crise no seio do governo de Ivens Ferraz. Em
11 de Janeiro de 1930, Salazar pediu a sua demissão do cargo de Ministro das Finanças,
mas o Presidente da República, Óscar Carmona, julgando necessária a continuidade de
Salazar, obrigou à demissão integral do governo presidido por Ivens Ferraz. Em sua subs-
tituição, Carmona nomeou chefe de governo o General Domingos de Oliveira, mantendo
Salazar na pasta das Finanças e atribuindo-lhe interinamente o comando do Ministério das
Colónias. Era a derrota dos moderados no seio da ditadura, enquanto Salazar adquiria o
estatuto de homem «indispensável» e, como tal, «insubstituível».
Claramente, os meios moderados procuraram reagir ao afastamento de Ivens Ferraz.
Em Março de 1930, Cunha Leal, mercê dos seus contactos entre os colonos brancos em
Angola, suscitou uma rebelião militar em Luanda, que teve laivos de separatismo em vir-
tude da intervenção política directa de um grande número de colonos autonomistas. A
rebelião fez-se localmente contra o Alto Comissário, Filomeno da Câmara, e o seu acólito,
o Tenente Morais Sarmento, mas o objectivo maior era o de desestabilizar a governação de
Salazar, desacreditá-lo perante a opinião pública metropolitana e no seio da ditadura e,
enfim, obter a sua demissão. Isto é, Cunha Leal julgava que uma crise colonial podia ser
um bom motivo para a saída do governo do «professor de Coimbra» e, por arrastamento,
para a neutralização política da extrema direita representada por Filomeno da Câmara.
Mas Salazar conseguiu reverter a situação a seu favor, negociando um acordo com os
revoltosos por intermédio do Vigário Geral de Angola, Monsenhor Alves da Cunha. Na base
desse acordo esteve a demissão de Filomeno da Câmara, que recebeu ordem para voltar
imediatamente à metrópole, sendo exonerado do cargo de Alto Comissário em 11 de Abril
de 1930. Para Salazar foi uma forma de ganhar tempo para poder resolver mais tarde o
problema a partir duma posição de força. De facto, Salazar não só conseguiu ultrapassar
incólume a crise angolana como consolidou de seguida o seu poder pessoal dentro da dita-
dura. Senão vejamos.
De Abril de 1930 a Julho de 1930, o Ministro das Colónias trabalhou na criação de um
novo dispositivo legal que colocasse definitivamente um ponto final na autonomia colonial
62 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

e impusesse a total subordinação política e administrativa das colónias ao governo central.


Esse instrumento legal foi representado pelo Acto Colonial que, embora promulgado por
Salazar, em 8 de Julho de 1930 (decreto n.º 18.570), foi directamente inspirado pelos dois
teóricos do espírito imperial: Armindo Monteiro e Quirino de Jesus. O Acto Colonial
afirmou a unidade da Nação Portuguesa, consagrou a designação de Império Colonial
Português e confirmou o colonialismo como sendo da «essência orgânica da Nação
Portuguesa». O título III do Acto Colonial – o Regime Político e Administrativo – colocou
um ponto final na frágil descentralização republicana, reforçando os poderes de controlo
do governo português, em especial do Ministro das Colónias. Ao mesmo tempo, suprimiu
o cargo de Alto Comissário e retomou a antiga fórmula governativa representada pelo
Governador Geral. O Governador Geral dispunha de prerrogativas muito reduzidas, quase
não podendo tomar qualquer iniciativa sem previamente a referir ao governo central.
Foram eliminados todos os órgãos electivos de representação política e os próprios corpos
municipais passaram a ser nomeados pelo Poder Central. Ao nível económico, o título IV
do Acto Colonial – Garantias Económicas e Financeiras – subordinou, categoricamente, os
interesses económicos da colónia aos da metrópole. Por exemplo, o orçamento geral de
Angola (e das outras possessões coloniais) passou a depender definitivamente da aprova-
ção do Ministro das Colónias e foi expressamente proibida a contracção de empréstimos
em países estrangeiros. Posteriormente, o Acto Colonial foi integrado no dispositivo cons-
titucional português, por via da aprovação plebiscitária da Constituição do Estado Novo,
sendo reproduzido, na essência, na Carta Orgânica do Império Colonial Português de
1933. O Acto Colonial dotou Salazar dos instrumentos políticos e jurídicos necessários
para impor a pacificação política de Angola, conferindo todos os poderes ao Ministério das
Colónias. A repressão policial fez o resto. Várias conspirações de colonos contra a ditadura
foram debeladas com o recurso à força, havendo julgamentos sumários dos elementos
implicados, que foram presos e deportados para Timor-Leste.
Neutralizada a ala republicana moderada no seio da ditadura e «resolvido o problema
de Angola», Salazar teve de lidar com a oposição externa – de cariz republicano, anarquista
e comunista – à ditadura. De facto, a ditadura enfrentou nos seus primeiros anos de exis-
tência uma forte oposição política e militar por parte dos republicanos democráticos, os
quais se tinham reorganizado tanto no interior como no exterior do país depois do fracasso
da revolta de Fevereiro de 1927. Assim, ainda em 1927, alguns republicanos portugueses
exilados – entre os quais Afonso Costa, Álvaro de Castro, António Sérgio e Jaime Cortesão –
constituíram, em Paris, a Liga de Defesa da República. A Liga desenvolveu uma intensa
actividade política junto dos governos e das instâncias políticas internacionais e tentou
congregar a oposição portuguesa no exílio em torno de um objectivo comum: o derrube
da ditadura. Objectivo que nunca foi atingido. A Liga conseguiu, porém, enquadrar politi-
camente um número substancial de republicanos, tornando-se num dos principais pontos
de referência da oposição à ditadura. Na verdade, muitos dos republicanos que inicial-
mente tinham apoiado o 28 de Maio de 1926 foram-se afastando da ditadura à medida que
esta se arrastava no tempo e tomava feições cada vez menos consonantes com o espírito
A ditadura militar, Salazar e o Estado Novo (1926-1945) 63

republicano. A União Liberal Republicana de Cunha Leal foi o partido republicano que
mais tempo apoiou a ditadura, mas com a ruptura de relações com Salazar Cunha Leal e
o seu partido passaram para o campo oposicionista em 1930.
A acção político-militar da oposição republicana à ditadura passou à história com a
designação de «reviralho», na medida em que pretendia uma «viragem» da situação polí-
tica e um regresso à normalidade republicana. Em termos concretos, o «reviralho» con-
sistiu na realização de rebeliões e de movimentos conspirativos contra a ditadura, envol-
vendo grande número de militares e de civis republicanos. As mais sérias rebeliões contra
a ditadura foram, pela sua amplitude e gravidade política, a de Fevereiro de 1927 (de que
já falámos) e a revolta da Madeira de Abril de 1931. Mas houve muitas outras, nenhuma
delas com sucesso. Em 20 de Julho de 1928 estalou uma revolta em Lisboa, rapidamente
dominada pelas tropas governamentais. Em 1930 foi eliminada à nascença uma conspira-
ção republicana. Em 1931, a proclamação da 2.ª República Espanhola trouxe novo fôlego
aos republicanos portugueses, que reorganizaram as suas hostes em Espanha. Neste país
constituiu-se o chamado grupo dos «Budas», do qual fez parte Jaime Cortesão, Jaime de
Morais e outros. Este grupo tentou suscitar uma insurreição generalizada contra a dita-
dura portuguesa a partir do território espanhol, mas sem grande sucesso. A rebelião mais
significativa acabou por acontecer na ilha da Madeira, em 4 de Abril de 1931. Os rebeldes
tomaram conta da ilha, constituindo uma Junta Militar presidida pelo General Sousa Dias.
A rebelião estendeu-se rapidamente aos Açores e à ilha de Bolama, na Guiné, mas a falta
de coordenação da oposição impediu a sua extensão ao território continental, onde apenas
se registaram pequenos incidentes e algumas manifestações de apoio à revolta. Bolama foi
rapidamente tomada pelas forças do regime, enquanto tropas governamentais bombar-
dearam as posições rebeldes nos Açores e na Madeira. Os últimos revoltosos renderam-se
na Madeira em 2 de Maio de 1931. Após o fracasso da revolta da Madeira, o «reviralho»
entrou em refluxo, mas ainda protagonizou alguns movimentos com certo significado. Em
26 de Agosto de 1931 ocorreu uma nova revolta militar em Lisboa, que se saldou em várias
dezenas de mortos e duas centenas de feridos. Em 1933 o grupo dos «Budas» suscitou
nova conspiração, desta vez em Bragança, mas sem qualquer êxito. As sucessivas derrotas,
as mortes, as prisões e os exílios dos opositores levaram gradualmente ao esvaziamento da
oposição republicana à ditadura e ao fim do «reviralho».
Paralelamente à acção conspirativa e militar, alguns agrupamentos de republicanos
tentaram promover um confronto político-institucional com a ditadura, aproveitando para
o efeito todo e qualquer sinal de abertura do regime. Um desses agrupamentos foi a Aliança
Socialista e Republicana, liderada pelo General Norton de Matos e que integrava persona-
lidades de diferentes sectores políticos, desde Mendes Cabeçadas ao socialista Ramada
Curto e a elementos da Seara Nova, entre os quais Mário de Azevedo Gomes. A Aliança
Socialista e Republicana teve como objectivo a participação em eleições administrativas,
que a ditadura tinha manifestado intenção de realizar mas que de facto nunca realizou. A
Aliança Socialista e Republicana acabou assim por não desenvolver uma acção política sig-
nificativa na oposição à ditadura. Salazar, por sua vez, interessado na pacificação política
64 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

do país, procurou desestruturar as organizações de republicanos exilados que do estran-


geiro suscitavam as revoltas contra o regime. Em 1932, o governo revogou o impedimento
de residência em território português (ou metropolitano, segundo os casos) de numerosos
dirigentes republicanos exilados, entre os quais Jaime Cortesão, António Sérgio e Cunha
Leal. Regressados à pátria, os dirigentes republicanos prosseguiram uma oposição simbó-
lica e com escasso impacto na vida política. Desenvolveram também uma acção cívica e
educativa dirigida sobretudo aos sectores urbanos da população, mas abandonaram quais-
quer intentos «reviralhistas».
Os republicanos não foram porém os únicos portugueses a protagonizar uma oposição
política à ditadura. Anarquistas e comunistas desenvolveram uma acção política conti-
nuada contra o regime salazarista. Na verdade, a Ditadura Militar tentou desde cedo neu-
tralizar as organizações, sindicatos e jornais de feição anarquista e comunista. A repressão
começou em Junho de 1926, com o assalto à sede do jornal anarquista A Batalha. Os mili-
tares procederam também à dissolução da Confederação Geral do Trabalho (CGT) e de
muitos outros sindicatos e organizações anarquistas. A CGT passou então a actuar na clan-
destinidade, tal como outros grupos anarquistas, que formaram a Aliança Libertária Portu-
guesa no início da década de 1930. Em 1932, a Aliança Libertária Portuguesa transformou-
-se em Federação Anarquista da Região Portuguesa e aderiu à Federação Anarquista Ibérica.
Os anarquistas desenvolveram sobretudo uma acção de consciencialização política dos tra-
balhadores, de luta pelos seus direitos e de denúncia da ditadura. Em resposta, o regime
intensificou a repressão, prendendo muitos dos dirigentes anarquistas nos finais de 1932.
Tal como o movimento anarquista, o Partido Comunista Português também exerceu
uma acção de consciencialização política dos trabalhadores e de denúncia dos crimes da
ditadura. Os comunistas foram duramente reprimidos pela Ditadura Militar, mas a sua
organização política clandestina resistiu a todas as «ondas» de prisões. O Partido Comu-
nista Português foi aliás a única formação política a sobreviver aos quarenta e oito anos de
ditadura em Portugal. Dotando os seus militantes de uma sólida formação política e man-
tendo contactos com o movimento comunista internacional, o PCP foi gradualmente
adquirindo uma força política significativa nos meios operários urbanos e nas zonas rurais
do Ribatejo e do Alentejo. Um dos principais dirigentes políticos comunistas foi Bento
Gonçalves, que participou no VII Congresso da Internacional Comunista (1935) e morreu
no Campo de Concentração do Tarrafal (Cabo Verde) em 1942.
Anarquistas e comunistas promoveram manifestações, greves e protestos, dinamizando
o movimento operário contra a ditadura à custa de muitas prisões e até do sacrifício da
vida de alguns dos seus militantes. A contestação operária teve o seu clímax na greve geral
de 18 de Janeiro de 1934, organizada por anarquistas e comunistas num momento em que
a Ditadura Militar tinha já dado lugar ao regime do Estado Novo. O «movimento» susci-
tou por todo o país greves parciais, manifestações, protestos e incidentes vários, mas que
não assumiram o esperado carácter revolucionário. Não houve assim uma insurreição
generalizada dos trabalhadores contra a ditadura, mas apenas alguns levantamentos locais,
dos quais o mais importante aconteceu na localidade industrial da Marinha Grande. Nesta
A ditadura militar, Salazar e o Estado Novo (1926-1945) 65

povoação, os operários comunistas tomaram de assalto a Câmara Municipal e constituíram


uma espécie de soviete, o qual teve uma existência efémera, pois não resistiu ao ataque e
à duríssima repressão das forças da ditadura. Apesar de todo o simbolismo político que
envolveu o 18 de Janeiro de 1934, a greve geral constituiu um fracasso para o movimento
operário. A ditadura efectuou dezenas de prisões e de deportações de anarquistas e de
comunistas e deu um duro golpe nas associações e organizações operárias. A derrota acen-
tuou também a já velha divisão entre anarquistas e comunistas, o que enfraqueceu ainda
mais a capacidade de reivindicação dos trabalhadores portugueses. A partir de 1934, a CGT
e o movimento anarquista português declinaram inexoravelmente, enquanto os comunis-
tas tiveram de lutar contra uma repressão cada vez mais dura e implacável.
No entretanto, Salazar procurou consolidar o seu poder no seio da Ditadura Militar. Em
Janeiro de 1930, com a demissão integral do governo de Ivens Ferraz, a direita republicana
moderada foi definitivamente afastada do poder pelos sectores antidemocráticos representa-
dos por Salazar. Embora não fosse o chefe de governo, Salazar era já o elemento hegemónico
na governação de Domingos de Oliveira (1930-1932). Porém, estava ainda longe de deter a
totalidade do poder e os militares – desde logo representados pelo Presidente da República,
General Carmona – continuavam a exercer uma influência notável no processo de decisão
política. Para ultrapassar esta situação, Salazar compreendeu que era necessário criar uma
nova forma de ditadura, isto é, substituir a Ditadura Militar por uma forma de ditadura civil,
dotada de uma Constituição e centrada na figura do chefe de governo, cargo que Salazar
desempenhou ininterruptamente entre 1932 e 1968. Nos vários e importantes discursos que
Salazar fez a partir de 1930 (como o da «Sala do Risco») ou no manifesto da União Nacional,
o «Professor de Coimbra» traçou as linhas mestras do que veio a ser o novo regime político:
concepção nacionalista, corporativa e organicista do Estado, baseado nos chamados elemen-
tos naturais da sociedade (família, municípios, corporações); princípio do Estado forte e da
independência e supremacia do poder executivo sobre o poder legislativo; rejeição do socia-
lismo, do liberalismo, do partidarismo e do parlamentarismo. O objectivo final era a criação
de uma nova ordem política, um Estado Novo.
Uma das primeiras pedras do edifício político do Estado Novo foi a União Nacional. A
União Nacional nunca reclamou a condição de partido político, mas de mera congregação
de portugueses em torno da defesa dos interesses nacionais. Contudo, na prática, a União
Nacional funcionou como o «partido pessoal» de Salazar. A União Nacional foi o instru-
mento criado por Salazar para reunir numa única organização – e sob o seu directo con-
trolo – as várias tendências e forças políticas que constituíam a ditadura. Uma entidade
cuja fidelidade era devida unicamente ao Chefe, Salazar. Neste sentido, a União Nacional
foi um dos instrumentos da estratégia de poder de Salazar, porque, ao incorporar num
único «partido» por si dirigido as várias componentes políticas da ditadura, Salazar colo-
cou-se acima da luta entre as diferentes facções e elevou-se à condição de árbitro supremo
do jogo político. Para além disso, a União Nacional funcionou como um instrumento de
construção do consenso político no país, arregimentando os «caciques» de província, com
as respectivas clientelas locais, na nova ordem salazarista. No entanto, a União Nacional
66 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

nunca teve a mesma força e projecção política do Partido Fascista em Itália ou do Partido
Nacional Socialista na Alemanha. Isto porque o objectivo de Salazar era construir uma
ditadura de governo, centrada na sua pessoa, e não uma ditadura de partido único. Por
isso, atribuiu o monopólio da representação política à União Nacional, mas impediu que a
União Nacional se transformasse na força dirigente do Estado. Por exemplo, a União
Nacional estava incumbida de mobilizar o suporte eleitoral do regime no período das elei-
ções, mas muitos dos deputados da Assembleia Nacional nunca estiveram inscritos na
União Nacional, sendo eleitos como independentes nas suas listas. A filiação no partido
também não era exigida para a assunção de qualquer cargo ou responsabilidade na admi-
nistração do país.
O processo de construção política da União Nacional durou cerca de dois anos, desde a
apresentação do seu manifesto em 1930 até à publicação dos respectivos estatutos em Maio
de 1932. Relativamente à composição social, a União Nacional não foi apenas um partido
de «notáveis», na medida em que teve um conjunto significativo de membros provenientes
das classes média (25,6%) e baixa (27,4%). Os «notáveis» formavam 42,4% do total dos
inscritos. A União Nacional teve a adesão de muitos monárquicos, católicos clericais e
também de alguns republicanos conservadores e até liberais, esvaziando politicamente de
quadros e de dirigentes os grupos e os partidos que tinham apoiado a ditadura nos pri-
meiros tempos. Nos meios rurais herdou as clientelas dos antigos partidos republicanos,
inclusive as do Partido Democrático.
Instituída a União Nacional, Salazar impôs a dissolução e a integração no novo ente
partidário dos vários partidos e grupos políticos que tinham estado na base da ditadura –
católicos clericais, monárquicos, nacionalistas, fascistas, etc. Embora católico clerical,
Salazar foi claro em relação ao futuro do seu partido de origem, o Centro Católico Portu-
guês, «propondo» a sua dissolução e a integração dos seus membros na União Nacional
(discurso de 23 de Novembro de 1932). O Centro Católico Português procurou resistir
durante algum tempo à desmobilização política dos seus militantes e à integração na
União Nacional. Mas o Episcopado Português apoiou a visão de Salazar de que não era con-
veniente a manutenção de uma organização política católica. Em 16 de Novembro de
1933, o Episcopado deu início ao processo de criação da Acção Católica Portuguesa, orga-
nismo com fins exclusivamente piedosos e sociais, destinado a substituir o CCP. Para o
Centro Católico Português foi o golpe de misericórdia que conduziu à sua extinção em
1934. Relativamente aos monárquicos, a morte no exílio de D. Manuel II (1932), sem filhos
e deixando a sucessão a um primo distante (D. Duarte Nuno) da facção miguelista, cuja
família vivia na Áustria desde 1834, fez esvanecer as esperanças duma restauração próxima
da monarquia. Salazar, ele próprio um monárquico, deu por encerrada a «questão monár-
quica» e manteve a fórmula política republicana, expurgada porém da sua matriz demo-
crática, parlamentar e laica. Aos monárquicos cabia apoiar o regime de Salazar, integrando
a União Nacional. Efectivamente foi o que fizeram muitos monárquicos, alguns por resig-
nação política, outros por pragmatismo e outros ainda porque esperaram numa eventual
mudança de posição de Salazar. Um outro grupo de monárquicos aderiu, ao invés, ao
A ditadura militar, Salazar e o Estado Novo (1926-1945) 67

nacional-sindicalismo de tipo fascista. Foi o caso de grande parte dos membros do Inte-
gralismo Lusitano após a dissolução da sua Junta Central. Permaneceu activa somente a
Causa Monárquica, que era a organização realista oficial e cuja existência foi tolerada por
Salazar. Na verdade, Salazar tinha consciência do peso dos monárquicos no seio do
regime, dado que uma parte substancial da classe dirigente da ditadura era assumidamente
monárquica. Assim, durante décadas, os monárquicos estiveram entre os mais fiéis cola-
boradores de Salazar, produzindo-se um certo afastamento depois de 1951, quando, na
sequência da morte do General Carmona, Salazar decidiu manter a fórmula política repu-
blicana em detrimento das aspirações de restauração monárquica. No que diz respeito à
União dos Interesses Económicos, muitos dos seus membros integraram-se na União
Nacional ou pelo menos mantiveram-se na órbita do regime, acontecendo o mesmo com
um número significativo de republicanos nacionalistas e conservadores.
Mais problemática foi a absorção dos fascistas na União Nacional. Durante a Ditadura
Militar, o fascismo conquistou um número significativo de adeptos em Portugal. O Coman-
dante Filomeno da Câmara foi inicialmente um dos líderes dessa corrente fascista portu-
guesa, mas a sua carreira política foi truncada pela rebelião de Luanda de Março de 1930, que
lhe custou a exoneração do cargo de Alto Comissário de Angola. Uma das organizações de
tipo fascista mais representativa foi a Liga Nacional 28 de Maio. Fundada em finais de 1927,
a Liga Nacional 28 de Maio contou com a adesão de numerosos integralistas, estudantes e
intelectuais de direita e de muitos elementos das classes médias. Não sendo uma instituição
do regime, a Liga esteve sempre muito perto do poder, procurando influenciar a orientação
ideológica da ditadura. Porém, a formação da União Nacional redimensionou o papel político
da Liga. Em 1932, Salazar tentou obter o controlo da Liga, nomeando como dirigente um
homem da sua confiança, o Coronel Lopes Mateus. Mas os meios fascistas portugueses não
aceitaram a intromissão de Salazar. Por isso, no Verão de 1932, Rolão Preto fundou um novo
movimento político denominado Nacional-Sindicalismo, também conhecido por movi-
mento dos «Camisas Azuis». O Nacional-Sindicalismo recebeu a adesão de muitos elemen-
tos da Liga Nacional 28 de Maio, para além de muitos integralistas e monárquicos. Especial-
mente activos nos anos de 1932 a 1934, os Nacionais-Sindicalistas refaziam-se directamente
ao modelo do fascismo italiano e do nacional-socialismo alemão e consideravam a ditadura
salazarista um regime ideologicamente ambíguo e a União Nacional um partido fraco e sem
ligação às massas. Não deixa aliás de ser significativo o facto dos Nacionais-Sindicalistas
terem festejado efusivamente a tomada do poder por Hitler na Alemanha (1933). Os
Nacionais-Sindicalistas queriam um Estado corporativo autêntico, inspirado no fascismo ita-
liano, um partido único forte, com uma ideologia bem definida, e um líder loquaz e caris-
mático, capaz de «transportar» politicamente as massas. Por isso, os Nacionais-Sindicalistas
contestavam – dentro do quadro político da ditadura – a liderança de Salazar.
Salazar foi obrigado a tolerar durante algum tempo a existência do movimento
Nacional-Sindicalista, na medida em que os Camisas Azuis dispunham duma certa influên-
cia nos meios militares e, por via indirecta, junto do Presidente da República, General Óscar
Carmona. Para destruir a ameaça representada por Rolão Preto, Salazar colocou em acto
68 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

uma estratégia de sedução política das franjas mais moderadas do Nacional-Sindicalismo e,


ao mesmo tempo, procurou afastar os elementos irredutíveis da cena política. Para o efeito,
fomentou a dissidência de Manuel Múrias, que se consumou em 1 de Março de 1934.
Manuel Múrias representava uma linha que, dentro do Nacional-Sindicalismo, pretendia
uma integração nas estruturas políticas oficiais do regime. Esta dissidência fracturou a
direcção política do movimento, enfraquecendo a posição de Rolão Preto. Ao mesmo tempo,
usando os instrumentos da censura e de controlo de informação que tinha à sua disposição,
Salazar conseguiu silenciar na imprensa as actividades dos Nacionais-Sindicalistas. Assim,
o Nacional-Sindicalismo perdeu gradualmente parte da sua pujança política inicial. Rolão
Preto, reagindo ao desgaste político provocado pela estratégia de Salazar, tentou por várias
vezes – sem sucesso – organizar um golpe contra o «Professor de Coimbra». Em Setembro
de 1935, face aos rumores cada vez mais insistentes da eminência de um golpe Nacional-
-Sindicalista, Salazar, sentindo suficientemente forte e consolidado o seu poder, deu ordem
à polícia política para dissolver o movimento de Rolão Preto e para prender os dirigentes
que se obstinavam em não entrar nas fileiras do regime. Rolão Preto foi expulso do país e o
movimento Nacional-Sindicalista desagregou-se rapidamente. Salazar conseguiu assim eli-
minar a mais séria ameaça política ao seu poder dentro da própria ditadura, à custa da
supressão do movimento fascista português.
Ao mesmo tempo que silenciava a oposição interna, Salazar prosseguiu a sua estratégia
pessoal de conquista do poder. Em Julho de 1932, Salazar substituiu Domingos de Oliveira
e assumiu, enfim, a chefia do governo por nomeação do Presidente da República, Óscar
Carmona. Salazar tinha vencido todos os seus rivais e estabelecido a sua proeminência polí-
tica no seio da ditadura. De facto, dispunha de uma base de apoio político muito forte,
representada pelo aparelho de Estado, que já dominava, pelo aparato policial e repressivo
que lhe era fiel, pela União Nacional, pelos grandes interesses económicos e pela hierarquia
da Igreja Católica. Salazar deu então o último passo para conseguir o controlo total da
situação política: a «civilização» da ditadura pela instituição de um novo regime ditatorial
centrado na sua pessoa e dotado de uma nova Constituição. Os militares não opuseram
resistência ao projecto de Salazar, muito provavelmente porque perceberam que essa era a
forma mais inteligente de garantir a continuidade e a estabilidade do regime, logo do seu
próprio poder e influência. Os militares regressaram às casernas, mas não perderam o
poder, apenas o partilharam com os civis, numa solução que serviu os interesses quer da
direita militar, quer da direita civil, enquanto o papel de árbitro e de moderador de todos os
grupos e interesses que compunham a ditadura foi atribuído de forma definitiva a Salazar.
Neste contexto, em Fevereiro de 1933, foi publicado o texto da nova Constituição, a
qual foi sujeita a plebiscito em 19 de Março de 1933. O governo declarou o voto obrigató-
rio. As abstenções valiam a favor. Para votar contra era necessário escrever «não». Nestas
condições e atendendo à ausência de liberdade de expressão, de informação e de oposição
legal, a Constituição foi aprovada pela quase totalidade do restrito corpo eleitoral. De
acordo com os dados oficiais, houve 1.292.864 votos a favor (abstenções incluídas) e ape-
nas 6190 votos contra, numa população total que rondava os 6.825.883 habitantes em
A ditadura militar, Salazar e o Estado Novo (1926-1945) 69

1930. Segundo o historiador Oliveira Marques, houve cerca de meio milhão de abstenções
que o governo considerou como votos a favor. A Constituição entrou em vigor no dia 11
de Abril de 1933 e institucionalizou oficialmente o novo regime de ditadura civil denomi-
nado de Estado Novo. A Constituição de 1933 esteve em vigor até 25 de Abril de 1974.
A Constituição de 1933 representou uma solução de compromisso entre alguns prin-
cípios republicanos e as várias tendências de tipo autoritário, integralista e até fascista pre-
sentes na ditadura. Tratou-se de um texto híbrido, que manteve a fórmula política repu-
blicana (a despeito das pretensões monárquicas), mas que a esvaziou da maior parte dos
seus conteúdos democráticos. A Constituição definiu o Estado como sendo unitário e cor-
porativo. Eram considerados órgãos de soberania o Presidente da República, a Assembleia
Nacional, o Governo e os Tribunais. O Presidente da República era eleito por sufrágio
directo pela população (a que tinha direito de voto) e por mandatos renováveis de sete
anos. Era responsável unicamente perante a nação e não havia possibilidade de destitui-
ção. Dispunha de amplos poderes, em especial o de nomear e de demitir livremente o
Presidente do Conselho de Ministros (chefe do governo) e, sob proposta deste, os vários
ministros. Podia dissolver a Assembleia Nacional, promulgar ou vetar as suas leis e con-
duzia a política externa. Assim, a Constituição consagrava em aparência um regime presi-
dencialista, no qual o Presidente da República governava por intermédio do chefe de
governo. Mas tal nunca aconteceu, porque o homem forte do regime era Salazar. Os pode-
res do Presidente da República eram mais nominais do que reais. Muitos dos actos do
Presidente da República tinham de ser referendados pela contra-assinatura do chefe do
governo e alguns dos seus poderes só podiam ser decididos em Conselho de Ministros. Era
o Presidente do Conselho de Ministros que, na prática, exercia os poderes do Presidente da
República, inclusive ao nível da política externa. Embora classificado por alguns académi-
cos de «presidencialismo bicéfalo», o sistema político salazarista assentava de facto na
figura do chefe de governo, que no concreto concentrava em si a maior parte dos poderes
e tomava a maior parte das decisões. Portanto, indo contra os princípios expressos na sua
própria Constituição, Salazar criou uma ditadura de governo.
A Assembleia Nacional era – teoricamente – o segundo órgão de soberania, mas na rea-
lidade estava completamente subordinada aos ditames do chefe de governo. Eleita por
sufrágio directo pelos cidadãos, o que contrariava o princípio corporativo da Constituição,
a Assembleia Nacional era composta por noventa deputados eleitos por quatro anos. A
Constituição consignou-lhe certos poderes legislativos, que foram rapidamente usurpados
pelo governo, que exercia funções quer executivas, quer legislativas. O chefe de governo
não respondia, aliás, perante a Assembleia Nacional, mas somente perante o Presidente da
República. No fundo, à Assembleia Nacional competia sancionar as propostas de leis do
governo no curto período (três meses) do funcionamento das sessões legislativas anuais.
Junto da Assembleia Nacional existia uma Câmara Corporativa, com funções consultivas,
constituída por procuradores das corporações, municípios, Igreja Católica, misericórdias,
Universidades, corpos administrativos, etc. A Câmara Corporativa foi, de certa forma, um
outro elemento de secundarização da Assembleia Nacional, mas esteve longe de adquirir a
70 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

centralidade política que se poderia esperar num Estado que se definia como corporativo.
Essa centralidade política coube sempre ao Presidente do Conselho, que governava sozinho
e que tratava os Ministros como meros colaboradores. De resto, o Conselho de Ministros
reunia o mínimo de vezes possível, porque Salazar preferia despachar os assuntos políti-
cos individualmente com o titular de cada pasta. A ditadura de governo era assim uma
ditadura pessoal do Presidente do Conselho, o homem mais poderoso do Estado Novo.
Relativamente às liberdades e aos direitos cívicos, a Constituição de 1933 consignava a
liberdade de pensamento e de associação política e o direito ao habeas corpus, mas fazia-
-os estar dependentes de leis especiais. No próprio dia de entrada em vigor da Constituição,
11 de Abril de 1933, o governo decretou a restrição dos direitos e das garantias funda-
mentais consignados na Constituição, institucionalizando a censura prévia à imprensa e
regulando a liberdade de reunião, que ficou dependente da aprovação das autoridades
administrativas. A Constituição não interditou a existência de partidos políticos, mas tam-
bém não os previu e o governo de facto sempre os proibiu, consentindo apenas a existên-
cia da União Nacional, que, formalmente, não era um partido. Para além disso, os Tribu-
nais nunca vigiaram a constitucionalidade das leis, na medida em que na prática quoti-
diana – mas não na teoria constitucional – o poder judicial estava subordinado ao poder
executivo e legislativo do chefe de governo. Por isso, muitas das leis – para além das prá-
ticas políticas e judiciárias – contradiziam expressamente os princípios constitucionais. A
Constituição de 1933 consignou ainda a liberdade religiosa, a igualdade de todas as con-
fissões religiosas e a separação entre a Igreja e o Estado. Porém, o Estado Novo favoreceu
de variadas formas o catolicismo, determinando, por exemplo, que o ensino oficial seguisse
os princípios da doutrina e da moral católicas. A Concordata de 1940 assinada entre Por-
tugal e o Vaticano deu ainda maiores contrapartidas políticas e económicas à Igreja Cató-
lica, que foi um dos principais sustentáculos do poder de Salazar.
Promulgada a Constituição, Salazar completou a organização legislativa do novo
regime com a promulgação do Estatuto do Trabalho Nacional (23 de Setembro de 1933).
Este Estatuto inspirou-se directamente na Carta del Lavoro do fascismo italiano e definiu
uma organização corporativa da economia, agrupando os trabalhadores e patrões em sin-
dicatos nacionais, grémios, casas do povo e casas dos pescadores, segundo o seu ramo pro-
fissional e posição perante os meios de produção. Estes quatro tipos de organismos esta-
vam agrupados em federações regionais e nacionais e as federações, por sua vez, em cor-
porações. Na realidade dos factos, os trabalhadores estavam completamente desprotegidos
do ponto de vista laboral, não dispondo de instrumentos legais para lutar pelos seus direi-
tos. Não existia liberdade sindical e a greve era proibida. O Estado, ao invés de arbitrar
imparcialmente as disputas entre trabalhadores e patrões, favorecia os interesses do patro-
nato e encobria os crimes cometidos contra a «classe trabalhadora».
Em termos de política colonial, Salazar promulgou a Carta Orgânica do Império Colonial
Português, que reproduziu os princípios já expressos no Acto Colonial de 1930. Ficou
assim definitivamente instituído o quadro jurídico que passou a regulamentar as relações
políticas e económicas entre a metrópole e as colónias no interior do Estado-Império.
A ditadura militar, Salazar e o Estado Novo (1926-1945) 71

Legislação complementar, mas não menos significativa, foi promulgada entre 1931 e 1937,
no âmbito da chamada «política imperial de nacionalização das colónias» de que o principal
executor foi Armindo Monteiro, Ministro das Colónias. Um dos instrumentos legais dessa
política imperial foi a Lei das Transferências, promulgada em Maio de 1931. Este decreto
procurou obter o equilíbrio orçamental de Angola por via da regularização dos pagamen-
tos externos da colónia e da promoção da poupança de divisas. Mas o alcance real da lei foi
muito maior, uma vez que constituiu um poderoso instrumento de controlo e de supervi-
são da economia angolana pelo governo metropolitano, permitindo dirigir completamente
tanto o comércio externo como os investimentos na colónia. Os colonos foram duramente
atingidos por este decreto porque o comércio import-export era um dos pilares da sua
riqueza em Angola. Outras medidas significativas tomadas pelo governo português foram
a protecção e o favorecimento à entrada dos têxteis e vinhos portugueses nas colónias e a
proibição de estas importarem certos produtos estrangeiros. O governo colocou também
entraves à expansão dos transportes nas colónias. Os colonos angolanos protestaram
contra estas medidas, mas os seus protestos foram em vão. A legislação económica impe-
rial prosseguiu com a institucionalização do «regime de condicionamento industrial» em
1936, que vedou a instalação nas colónias de novas unidades industriais que fossem com-
petitivas com as existentes em Portugal. Esta medida foi complementada pelo decreto
n.º 27.552, de 5 de Março de 1937, que criou os organismos de coordenação económica, des-
tinados a controlar a exportação de vários produtos coloniais. As Juntas de Exportação do
Algodão, do Café e dos Cereais passaram então a controlar a produção e o comércio desses
produtos, em benefício da metrópole e com grande prejuízo para os produtores e os comer-
ciantes coloniais. Na Baixa do Cassange, em Angola, e em várias regiões de Moçambique foi
imposto o cultivo forçado do algodão. Para além disso, o governo da ditadura impôs uma
política de «contenção» financeira nas despesas administrativas, operando continuamente
um corte drástico nos orçamentos das colónias, com consequências muito negativas para
a administração colonial. No caso angolano, procedeu-se à «concentração e redução efi-
ciente dos serviços e quadros» por via da «Reorganização Administrativa de Angola» de
1931, que na prática significou a quase eliminação do quadro administrativo criado por
Norton de Matos. Claramente, a política imperial de nacionalização forçada das colónias
provocou o crescimento exponencial dos ressentimentos dos colonos brancos em relação à
metrópole, contribuindo poderosamente para a emergência e o desenvolvimento dos fer-
mentos nacionalistas entre a população branca de Angola.
Paralelamente, no triénio subsequente à aprovação da Constituição, Salazar continuou
a construção do edifício político do seu Estado Novo. Em 29 de Agosto de 1933 foi criada
a temida polícia secreta do regime, a Polícia de Vigilância e de Defesa do Estado (PVDE,
posteriormente PIDE), que se tornou no garante mais eficaz do poder de Salazar. No
mesmo ano foram criados um Tribunal Militar Especial, com competência para julgar deli-
tos políticos, e o Secretariado de Propaganda Nacional, dirigido por António Ferro, desti-
nado a criar consenso político no país em torno do regime, formar e controlar as mentes
e inculcar nos portugueses os valores salazaristas. Em 1934 tiveram lugar as primeiras
72 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

eleições legislativas do regime, tendo a União Nacional elegido a totalidade dos noventa
deputados da Assembleia Nacional. Em 1935 o General Carmona foi reeleito – sem oposi-
ção e por sufrágio directo – Presidente da República. Em 1936 Salazar criou duas organi-
zações paramilitares de cariz fascista, a Legião Portuguesa e a Mocidade Portuguesa. A
Legião Portuguesa constituía uma espécie de milícia do regime, comparável à milícia fas-
cista em Itália, mas com menos poder e influência política. A Legião tinha por objectivos
a defesa da pátria, do Estado corporativo e da ordem social estabelecida, bem como o res-
peito pelo património espiritual da Nação contra os elementos dissolventes do comunismo
e do anarquismo. A sua filiação era «mais ou menos» obrigatória para o desempenho de
certos cargos públicos, mas houve também um número significativo de adesões voluntá-
rias. Aliás, a Legião deu um enquadramento institucional aos elementos mais radicais da
direita fascista, nomeadamente aos muitos nacionais-sindicalistas que aceitaram a chefia
de Salazar. A Legião Portuguesa tinha uma organização complexa, de tipo militar, que
abrangia todo o território nacional, e manteve a sua actividade até 1974, se bem que tivesse
perdido grande parte da sua vitalidade após o final da 2.ª Guerra Mundial. A Mocidade
Portuguesa era outra organização de características tipicamente fascistas. Com raízes na
Associação Escolar Vanguarda (1934-1936), a Mocidade Portuguesa foi o correspondente
português da Opera Nazionale Balila na Itália ou da Juventude Hitleriana na Alemanha.
Inicialmente obrigatória para todos os jovens em idade escolar (mais tarde tornou-se obri-
gatória só para os adolescentes entre os onze e os catorze anos), a Mocidade Portuguesa
foi criada com o objectivo de dar um enquadramento político e militar à juventude nacio-
nal, formando-a nos valores do regime e colocando-a ao serviço de Salazar. Existia uma
secção própria para o sexo feminino denominada Mocidade Portuguesa Feminina. Muito
influenciada pela congénere alemã, a Mocidade Portuguesa usava um uniforme verde,
motivo pelo qual os seus membros eram conhecidos como os «camisas verdes». Aliás, tal
como a Legião Portuguesa, a Mocidade adoptou a saudação romana e muita da termino-
logia e dos lemas fascistas. Após 1945, a Mocidade Portuguesa perdeu parte da sua pujança
e entrou em decadência, ainda que tenha permanecido em actividade até 1974.
Por volta de 1936 Salazar tinha completado a construção do edifício político do Estado
Novo e dotado o regime de um importante aparato repressivo e de controlo da sociedade,
facto que o aproximava do fascismo italiano ou mesmo do nacional-socialismo alemão. De
resto, o Estado Novo estava perfeitamente integrado numa Europa dominada por regimes
autoritários e mesmo totalitários. A Europa, porém, vivia tempos conturbados e o início
da Guerra Civil de Espanha veio pôr à prova a política externa da ditadura e a própria capa-
cidade governativa de Salazar. Na verdade, Salazar tinha consciência de que a «segurança»
da sua ditadura dependia da estabilidade política de toda a Península Ibérica e da existên-
cia de um governo não hostil em Madrid. Em 1931, no primeiro ano da República
Espanhola, os republicanos portugueses exilados usaram o território espanhol como base
de operações para desestabilizar a situação política em Portugal. Contudo, a acção desses
republicanos exilados foi neutralizada pela subsequente evolução para a direita da
República Espanhola. Portugal e Espanha instauraram então relações diplomáticas cor-
A ditadura militar, Salazar e o Estado Novo (1926-1945) 73

diais. Em 1936, a vitória da Frente Popular nas eleições espanholas colocou de novo em
estado de alerta a ditadura portuguesa. A existência no país vizinho de um regime demo-
crático de esquerda, com laivos de bolchevismo e de anarquismo, representava uma
ameaça directa ao Estado Novo. Por isso, Salazar acolheu em território português muitos
dos dirigentes espanhóis anti-republicanos, entre os quais o General Sanjurjo. Portugal
tornou-se um dos principais centros de conspiração dos monárquicos e nacionalistas espa-
nhóis. Assim, quando os nacionalistas se revoltaram em Julho de 1936, Salazar apoiou sem
hesitação a rebelião de Franco.
Os anos da Guerra Civil de Espanha (1936-1939) corresponderam à fase de maior ali-
nhamento político da ditadura salazarista com os regimes de Mussolini e de Hitler. Salazar,
Mussolini e Hitler tiveram um papel decisivo na vitória de Franco. No plano diplomático, a
aproximação à Itália e à Alemanha resultou numa diversificação em termos das relações
internacionais da política portuguesa, tradicionalmente alinhada com a Inglaterra. Mas,
apesar de algumas episódicas dificuldades no relacionamento com Londres, Salazar nunca
colocou em causa a Aliança Inglesa, que constituiu sempre o eixo central da política externa
portuguesa. Salazar conseguiu, porém, autonomizar a política externa portuguesa da tutela
britânica, prosseguindo uma via própria que se coadunava quer com a nova situação política
na Europa, quer com os interesses coloniais de Portugal em África. Neste sentido, Portugal
não interveio oficialmente na Guerra Civil de Espanha, mas ajudou por todos os meios os
nacionalistas espanhóis, nomeadamente através do fornecimento de armas e de abasteci-
mentos e do envio de um corpo de alguns milhares de voluntários portugueses – os chama-
dos Viriatos – que combateram nas fileiras franquistas. Salazar deu também apoio diplomá-
tico a Franco, em especial junto da Sociedade das Nações. Em Outubro de 1936, Portugal
cortou relações diplomáticas com a República Espanhola e em Maio de 1938 reconheceu ofi-
cialmente o governo de Franco. Graças ao apoio português, as forças franquistas ocuparam
rapidamente todo o território espanhol fronteiriço com Portugal e as autoridades portugue-
sas mandaram de volta para Espanha os muitos milhares de espanhóis que procuraram refú-
gio em Portugal, mesmo sabendo que grande parte deles morreria logo que atravessada a
fronteira. Em tudo isto Salazar teve sempre um papel central, pois para além de ser Presi-
dente do Conselho de Ministros e Ministro das Finanças, assumiu também as pastas da
Guerra e dos Negócios Estrangeiros em 1936. Assim, a vitória franquista representou, num
certo sentido, uma vitória política para Salazar.
Paralelamente, enquanto o regime salazarista deu o seu apoio à rebelião franquista, a
oposição republicana, anarquista e comunista portuguesa apoiou a República Espanhola.
Logo em 1936, o PCP promoveu a criação de uma Frente Popular, mas com resultados
práticos pouco expressivos. Em 8 e 9 de Setembro de 1936, um grupo revolucionário de
marinheiros, denominado Organização Revolucionária da Armada, apoderou-se de dois
navios militares (o Afonso de Albuquerque e o Dão) ancorados no estuário do Tejo, com o
objectivo de se unir às forças republicanas espanholas. Porém, o plano fracassou porque
as tropas salazaristas bombardearam intensamente os dois barcos quando estes tentavam
sair do Tejo. Em 4 de Junho de 1937, anarquistas e alguns comunistas organizaram um
74 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

atentado à bomba contra Salazar, que, contudo, escapou ao atentado e saiu ileso da explo-
são. Depois do atentado, a ditadura redobrou a repressão e uma onda de prisões desman-
telou quase por completo os grupos anarquistas, inclusive a CGT, ao passo que o PCP ficou
muito debilitado do ponto de vista organizativo. Não podendo desestabilizar o regime
internamente, muitos opositores portugueses rumaram a Espanha, onde combateram
nas fileiras republicanas contra os exércitos de Franco. Tratava-se de republicanos, anar-
quistas e comunistas, entre os quais Álvaro Cunhal, um dos líderes históricos do PCP.
Num plano mais simbólico, Jaime Cortesão participou no I Congresso Internacional de
Escritores, realizado em Valência, em 4 de Julho de 1937, em solidariedade para com a
República Espanhola. Foram pois muitos os portugueses que se sacrificaram, alguns com
a própria vida, pela causa republicana espanhola, esperando talvez que a vitória republi-
cana conduzisse ao fim da ditadura em Portugal. Por isso, a vitória franquista no país vizi-
nho constituiu um dos momentos mais graves para a oposição portuguesa. No final da
década de 1930, a oposição republicana estava silenciada, as organizações anarquistas
tinham sido quase todas eliminadas e o Partido Comunista Português tinha perdido a
maior parte dos seus quadros e dirigentes, os quais tinham sido mortos, presos ou depor-
tados para o Campo de Concentração do Tarrafal (Cabo Verde). Foi o caso de Bento
Gonçalves, que foi detido em finais de 1935 e, de seguida, deportado para o Tarrafal, onde
morreu em 1942. Era uma situação quase desesperada, mas que o PCP conseguiu ultra-
passar mediante uma verdadeira refundação das suas estruturas partidárias na primeira
metade da década de 1940.
A 2.ª Guerra Mundial criou novas dificuldades políticas ao regime de Salazar. Poucos
meses antes do ataque alemão à Polónia, mas já num clima político de pré-guerra, Salazar
e Franco assinaram um Pacto de Não-Agressão (17 de Março de 1939), lançando assim as
bases para a criação de uma aliança ibérica. Perante a eclosão da guerra, Salazar declarou
a neutralidade portuguesa e tentou promover a constituição de um «bloco latino» neutro,
abrangendo Portugal, a Espanha, a Itália e a América Latina. Um bloco que constituísse
uma «terceira força» no momento da negociação da paz entre a Alemanha e os Aliados
(Inglaterra e França). A diplomacia portuguesa susteve este plano junto de Roma e de
Madrid. Italianos e espanhóis mostraram inicialmente uma certa abertura ao plano portu-
guês. Por sua vez, Londres aceitou de bom grado a neutralidade de Lisboa porque a posi-
ção geográfica portuguesa não era central no conflito, pelo menos até Junho de 1940.
Contudo, os britânicos esperavam uma «neutralidade colaborante» da parte dos portu-
gueses, algo que de princípio foi negado por Salazar, que preferiu manter-se equidistante
dos dois contendores.
Tudo mudou com as rápidas vitórias alemãs na Primavera de 1940 e, sobretudo, com a
queda da França em Junho de 1940. Com os exércitos germânicos nos Pirenéus e com a
entrada no conflito da Itália, a guerra estendeu-se à Europa do Sul e ao Mediterrâneo
Ocidental. A Península Ibérica adquiriu rapidamente uma enorme importância estratégica
para os dois lados. Para a Inglaterra era necessário assegurar o controlo das costas portu-
guesas e das ilhas atlânticas dos Açores e de Cabo Verde, de forma a garantir o domínio do
A ditadura militar, Salazar e o Estado Novo (1926-1945) 75

Atlântico e o ingresso no Mediterrâneo. Ao invés, a Alemanha pretendia a entrada da


Espanha – como sua aliada – na guerra e a ocupação de Gibraltar como forma de obter o
controlo do Mediterrâneo. Claramente, a extensão do conflito à Península Ibérica levaria
automaticamente à entrada portuguesa na guerra. Nesta eventualidade, Salazar começou
a preparar a participação de Portugal na guerra ao lado da Inglaterra. Não se tratou de uma
opção ideológica pela democracia, mas de uma decisão pragmática ditada pelas caracterís-
ticas do Estado-Império luso-africano. Portugal era um país atlântico, com um vasto
Império colonial em África, e a Inglaterra era a «senhora dos mares» e a melhor garante
da conservação das colónias. Para Salazar era necessário salvar o Império a todo o transe,
mesmo à custa da invasão da metrópole pelas forças inimigas. Tal como tinha acontecido
durante as invasões napoleónicas (1807-1811), o factor colonial adquiria novamente prio-
ridade política sobre o elemento metropolitano. O Estado-Império impunha outra vez os
seus «ditames» à nação metropolitana. Era a lógica imperial que funcionava, não a lógica
nacional-metropolitana. Para além disso, apesar das afinidades ideológicas com o fas-
cismo, Salazar desconfiava do paganismo nazista e temia as ambições desmedidas de Hitler
e até de Mussolini. Salazar conhecia as velhas ambições de alemães e de italianos ao domí-
nio das colónias portuguesas, em especial Angola e Moçambique. Em 1938 houve mesmo
conversações entre ingleses e alemães no sentido da reconstituição do Império colonial
alemão à custa do património colonial português. Neste sentido, a posição de Salazar era
ditada por uma visão pragmática dos interesses coloniais portugueses e não por quaisquer
motivações ideológicas. Aliás, é preciso sublinhar que uma parte do governo, do exército
e da administração civil, bem como muitos dos dirigentes da Legião Portuguesa e da Moci-
dade Portuguesa, eram pró-alemães e esperavam uma vitória das forças do Eixo. Porém,
também é verdade que o sentimento dominante entre a população portuguesa era favorá-
vel à vitória da Grã-Bretanha e da França.
Neste contexto, Salazar gizou um plano de retirada do governo português para os
Açores, a efectuar logo que os alemães atravessassem os Pirenéus. Salazar tinha consciên-
cia de que não poderia resistir militarmente a uma invasão das forças do Eixo, por isso a
única possibilidade era a retirada do governo para as ilhas atlânticas e, daí, para uma coló-
nia africana, provavelmente Angola. O objectivo era conservar «do outro lado do mar» a
independência portuguesa e salvar o Estado-Império. A ideia era quase uma réplica da fuga
da família real portuguesa para o Brasil em 1807. Por seu turno, a Grã-Bretanha estabele-
ceu um plano de ocupação dos Açores, de Cabo Verde e dos caminhos de ferro de Angola e
de Moçambique, os quais eram fundamentais para o controlo da África Austral. A este res-
peito, portugueses e britânicos estabeleceram conversações no sentido da Inglaterra cobrir
a retirada do governo português para os Açores após uma defesa simbólica de Lisboa.
O perigo de uma invasão das forças do Eixo pendeu sobre Portugal de Junho de 1940 a
Abril de 1941. Longe de ser uma aliada fiel, a Espanha fez jogo duplo. Por um lado, a
Espanha reforçou a aliança com Portugal, o Pacto Ibérico, mediante a realização de uma
declaração conjunta dos dois países (Maio de 1940) e a assinatura de um protocolo adicio-
nal (Julho de 1940) pelo qual ambos os Estados se comprometeram a consultar-se mutua-
76 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

mente em caso da existência de ameaças à sua segurança. Por outro lado, Madrid procu-
rou negociar a entrada na guerra ao lado do Eixo logo a partir de 18 de Junho de 1940.
Serrano Suñer, cunhado de Franco e chefe da Falange, foi o principal líder da corrente
intervencionista no seio da ditadura franquista. Suñer defendeu também a anexação de
Portugal à Espanha e chegou mesmo a declarar que Portugal não tinha o «direito de exis-
tir». Por sua vez, a Alemanha estava interessada na beligerância espanhola, mas as con-
versações nesse sentido com os espanhóis não correram bem porque, em troca da inter-
venção na guerra, Madrid pediu que lhe fosse atribuída parte do Império colonial francês,
nomeadamente Marrocos e Oran na Argélia. Berlim, contudo, não estava em condições de
assegurar a satisfação das reivindicações territoriais espanholas, porque não queria alienar
a colaboração da França de Vichy. A recusa alemã refreou o entusiasmo espanhol. Embora
não recusasse a beligerância, Madrid hesitava em entrar no conflito sem que os seus pedi-
dos fossem previamente aceites. Mesmo assim, apesar do impasse nas «negociações» com
a Espanha, a Alemanha começou a preparar a invasão militar da Península Ibérica.
Elaborado em Novembro de 1940, o plano de invasão alemão – denominado «Operação
Felix» – consistia na ocupação de Gibraltar e da costa portuguesa, bem como das ilhas
atlânticas, a fim de evitar um desembarque britânico em Portugal. De acordo com o plano
alemão, a Espanha não só deveria permitir a passagem das tropas germânicas pelo seu ter-
ritório, como também deveria participar activamente nas operações militares, entrando na
guerra ao lado do Eixo. O início da invasão estava marcado para 10 de Janeiro de 1941.
No entanto, a situação militar na Europa do Sul mudou radicalmente nos finais de
1940. O ataque italiano à Grécia revelou-se um desastre para os exércitos do Duce e Hitler
viu-se obrigado a intervir militarmente nos Balcãs, enviando as suas divisões em auxílio
dos italianos, a fim de evitar a abertura de uma frente aliada no Sudeste da Europa. Este
facto, aliado às reticências espanholas, obrigou os alemães a desistir – pelo menos tempo-
rariamente – da invasão da Península Ibérica. Em 12 de Dezembro de 1940, Hitler sus-
pendeu – ou pelo menos adiou – a execução da Operação Felix. Posteriormente, o ataque
alemão à União Soviética e a consequente transferência do centro das operações militares
para o Leste da Europa enterrou definitivamente o perigo duma invasão militar de
Portugal por parte das forças nazistas.
Paralelamente, e apesar da ameaça duma invasão, Portugal nunca deixou de manter
relações cordiais com as potências do Eixo. Por isso, ultrapassado o perigo da extensão da
guerra à Península Ibérica, Salazar procurou novamente manter-se equidistante dos dois
contendores, fazendo uma política intermédia entre a Inglaterra e a Alemanha. No plano
económico assistiu-se inclusive a um reforço das relações luso-alemãs a partir do segundo
semestre de 1941. Em troca de armamento e de ouro, Portugal vendeu volfrâmio, conser-
vas e outros mantimentos aos alemães. Este comércio enriqueceu os cofres do Estado
Português e uma quantidade indeterminada – mas muito substancial – de ouro roubado
aos países ocupados e aos judeus entrou em Portugal. Esta aproximação económica à
Alemanha não agradou aos Aliados, criando sérias tensões no relacionamento português
com a Inglaterra e com os Estados Unidos da América. A partir de 1941, britânicos e ame-
A ditadura militar, Salazar e o Estado Novo (1926-1945) 77

ricanos elaboraram planos de ocupação dos Açores, cuja posição estratégica era crucial
para o controlo do Atlântico. Na África Austral, a União Sul-Africana realizou também pre-
parativos militares para a ocupação de Angola e de Moçambique, ao mesmo tempo que
promoveu uma conspiração separatista dos colonos brancos em Angola. Nesta colónia a
situação política era especialmente tensa porque uma parte dos colonos brancos estava
decidida a pôr termo ao domínio português. Na verdade, os colonos estavam fartos do cen-
tralismo e do autoritarismo da administração colonial portuguesa, que os marginalizava
da governação do território. Assim, os colonos aspiravam à independência ou à integração
da colónia numa grande federação africana governada localmente pelos brancos – uma
espécie de Estados Unidos da África –, compreendendo a África do Sul, Angola, Moçam-
bique e as duas Rodésias. Face ao perigo de secessão, as autoridades portuguesas intervie-
ram com a força policial, prendendo um grande número de colonos, estudantes, jornalis-
tas e até o Vigário Geral de Angola, Monsenhor Alves da Cunha, ou seja, a segunda figura
mais importante da hierarquia católica em Angola, desmantelando a conspiração seces-
sionista. Londres, por sua vez, interveio no sentido de refrear as ambições sul-africanas e
não permitiu a ocupação das colónias portuguesas pelas forças de Pretória. Sorte diferente
teve a pequena colónia de Timor-Leste, que foi ocupada preventivamente pelos australia-
nos (1941) e, de seguida, pelos japoneses (1942), criando fortes embaraços ao governo por-
tuguês, que decidiu não quebrar as relações diplomáticas com nenhum desses países.
Apesar das dificuldades internacionais, Salazar conseguiu manter o país fora da guerra.
Um passo importante nesse sentido foi o reforço da aliança com a Espanha, mediante a rea-
lização de um encontro em Sevilha entre Franco e Salazar em Fevereiro de 1942. Nessa reu-
nião, os dois ditadores reafirmaram o Pacto Ibérico e a intenção da manter neutral a
Península Ibérica. As tentações espanholas de uma intervenção no conflito desapareceram
definitivamente com o desembarque aliado no Norte de África, que demonstrou a superiori-
dade militar dos anglo-americanos relativamente às potências do Eixo. Mas as tensões entre
Portugal e os Aliados conheceram novo agravamento durante o ano de 1943. Dois foram os
motivos principais dessas tensões: por um lado, a recusa portuguesa em ceder aos Aliados
bases militares nos Açores; por outro lado, a continuação das exportações portuguesas de
volfrâmio para a Alemanha. Na realidade, desde 1941 que britânicos e americanos queriam
construir bases nos Açores, mas o governo português recusou as sucessivas propostas dos
Aliados. Perante a intransigência portuguesa, Churchill e Roosevelt chegaram a discutir –
na Conferência de Trident – a possibilidade de ocupar militarmente o arquipélago portu-
guês. Mas face à evolução da guerra, cada vez mais favorável para o campo dos Aliados,
Salazar modificou a sua posição quanto ao problema dos Açores. Na verdade, Salazar
queria assegurar a sobrevivência do seu regime depois de terminado o conflito e percebeu
que a única forma de o fazer era conquistar a simpatia e o apoio dos prováveis vencedores,
ou seja, da Inglaterra e dos EUA. Desta maneira, em 23 de Junho de 1943 Salazar aceitou o
pedido britânico de concessão de bases militares nos Açores, mas solicitou em contrapar-
tida uma certa ajuda militar. Em 17 de Agosto de 1943, após longas e difíceis negociações,
Portugal e a Inglaterra assinaram um acordo que cedeu aos ingleses a base aérea das Lajes
78 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

e a utilização do porto da Horta. Os americanos foram excluídos do acordo, se bem que fosse
permitida a utilização das bases para o reabastecimento dos navios e dos aviões dos países
aliados. Os americanos pediram então a instalação de uma base na ilha de Santa Maria.
Embora reticente, Salazar decidiu satisfazer o pedido dos americanos em meados de 1944,
recebendo em troca o apoio de Washington para a recuperação de Timor-Leste, que conti-
nuava ocupado pelos japoneses. Resolvida a questão das bases nos Açores, restava só o pro-
blema da exportação de volfrâmio português para a Alemanha. A Grã-Bretanha pediu ao
governo português que cessasse as exportações desse mineral para o Reich, mas Salazar
tentou adiar o mais que pôde o fim desse comércio, que se revelava muito lucrativo para o
país. Por fim, praticamente nas vésperas do desembarque aliado na Normandia, Salazar
decidiu o fim das exportações de volfrâmio para a Alemanha. Esta decisão – a par da cedên-
cia das bases açorianas aos Aliados – foi fundamental para a sobrevivência da ditadura sala-
zarista depois da guerra. Daí em diante, Londres não só se mostrou cordial com o governo
português como inclusivamente deu sinais de que apoiaria a manutenção no poder de
Salazar depois de terminado o conflito mundial. O mesmo sucedeu com os americanos, que
não estavam interessados em interferir na política interna portuguesa.
Em 25 de Abril de 1945 chegou ao fim o regime fascista em Itália. Mussolini foi morto
pelos partigiani italianos e exposto à multidão enfurecida no Piazzale Loreto de Milão. Em
8 de Maio de 1945 a Alemanha capitulou na sequência do suicídio de Hitler em Berlim.
Salazar mandou colocar as bandeiras a meia haste em sinal de luto pela morte do Führer.
Nas ruas das principais cidades uma parte consistente da população portuguesa comemo-
rou a vitória dos Aliados e das democracias sobre as ditaduras. Salazar tinha consciência
de que tinha terminado um período fulcral da história da Europa – a época do fascismo
e dos regimes autoritários de direita. Para além da Itália e da Alemanha, tinham desapare-
cido todas as ditaduras de direita da Europa central e balcânica. Mas o facto não teve a rele-
vância esperada para o caso das ditaduras ibéricas. Nos últimos dois anos da guerra,
Salazar tinha seguido uma política de reaproximação diplomática aos Aliados e de afasta-
mento em relação às potências do Eixo. Foi aliás na capital portuguesa que se desenrolou
parte das negociações tendentes à assinatura do armistício entre a Itália e os Aliados (8 de
Setembro de 1943). Salazar também não reconheceu a República Social Fascista
(República de Saló) criada por Mussolini, sob a tutela alemã, no Norte de Itália. Ao mesmo
tempo, desenvolveu intensos esforços diplomáticos no sentido de que o regime franquista
fosse aceite pelas potências vencedoras. O seu objectivo era garantir a conservação do statu
quo na Península Ibérica. Neste contexto, para desilusão de todos os portugueses que espe-
ravam o regresso do país à democracia, a estratégia de Salazar revelou-se triunfante. Foi
preciso esperar mais três décadas para a queda do Estado Novo.
4
CAPÍTULO

O Estado Novo e as resistências


à democracia e à descolonização

Em 1945 os regimes autoritários de direita foram eliminados da maior parte do terri-


tório europeu. Não foi assim no extremo Ocidente da Europa. Salazar manteve a sua dita-
dura com a benevolência – senão com a cumplicidade – das potências vencedoras, nomea-
damente da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos da América. Claramente, Salazar foi obri-
gado a fazer algumas mudanças de forma – mas não de estrutura – para tornar o regime
mais consentâneo com o novo quadro político internacional. Para legitimar a continui-
dade do Estado Novo, Salazar abandonou as referências explícitas ao autoritarismo, redi-
mensionou os aspectos propriamente fascistas do regime, refreou temporariamente a
repressão e consentiu o aparecimento de uma oposição eleitoral. Perante o mundo e os
portugueses, Salazar declarou o seu regime uma «democracia orgânica» e prometeu a rea-
lização de «eleições tão livres como na livre Inglaterra». Na prática, a ditadura salazarista
durou mais três décadas e manteve o país debaixo de uma repressão feroz. Salazar resistiu
à democracia e, mais tarde, à descolonização do Império luso-africano. Neste caso, a dita-
dura construiu uma profunda identificação política com a ideia do Império, criando um
nexo político umbilical que acabou por decidir a sorte de ambos. A ditadura colonial sala-
zarista prolongou-se por mais trinta anos, mas não se manteve imutável. Tanto o regime
como a sociedade portuguesa conheceram mudanças significativas no período posterior à
2.ª Guerra Mundial. Aliás, essas mudanças começaram a ser produzidas durante a guerra
– e como consequência dela. Senão vejamos.
A 2.ª Guerra Mundial provocou transformações económicas, sociais e políticas em
Portugal. Na década de 1930, a política económica salazarista tinha assentado nalguns
pilares essenciais: estabilidade monetária pelo equilíbrio orçamental, protecção dos mer-
cados coloniais para as exportações metropolitanas, procura da autarcia do país e promo-
ção das exportações para o estrangeiro. Para além disso, os interesses agrários tinham pre-
valecido sobre os interesses do capital industrial, cujas aspirações a uma industrialização
mais consistente tinham sido em parte refreadas pela ditadura. Apesar da neutralidade por-
tuguesa, a eclosão do conflito europeu modificou este quadro económico, na medida em
80 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

que obrigou o regime a subordinar a economia ao «esforço de guerra». Tal como demons-
trou Fernando Rosas, a guerra obrigou a uma viragem industrializante do país, mediante
uma aposta na industrialização em detrimento dos interesses fundiários. No entanto, os
meios agrários tradicionais, adversos a quaisquer mudanças que tocassem nas estruturas
económicas, procuraram manter a todo o custo a imutabilidade do sistema. Por isso, no
final da guerra, Salazar procurou refrear a expansão da indústria, de modo a salvaguardar
os interesses fundiários, e encontrar novos equilíbrios entre os diferentes sectores que
compunham o capitalismo português. Para Salazar era necessário conservar a ordem eco-
nómica e social instituída, garante da estabilidade do regime e do seu próprio poder. O
objectivo foi conseguido com sucesso, mas a resistência conservadora dificultou a indus-
trialização do país no pós-guerra e impediu as transformações económicas necessárias
para uma evolução interna do Estado Novo.
Em termos sociais, a guerra provocou uma forte agitação social no mundo rural e
entre o operariado urbano em virtude do agravamento das condições económicas do país
e do aumento da repressão do regime. Não tendo quaisquer instrumentos de apoio social à
sua disposição, a maioria da população sofreu muitíssimo com a carestia e o aumento dos
preços dos géneros alimentares e dos bens de primeira necessidade. Centenas de milhares
de famílias pobres passaram à condição de miseráveis e a fome alastrou pelos campos.
Indigentes, muitos portugueses viviam em casebres insalubres, sem condições higiénicas
e em estreita convivência com os animais. Num país em que a mortalidade infantil era
ainda muito alta e a esperança de vida baixa, a morte ceifou um número indiscriminado
de crianças em tenra idade, na maior parte das vezes subnutridas e sem roupa adequada
para resistir ao frio. Nestas condições, e apesar do apertado controlo do regime, teve lugar
um conjunto de protestos, greves e manifestações camponesas e operárias logo a partir de
1941. Espontâneas ou organizadas por elementos comunistas, as greves afectaram a indús-
tria dos têxteis da Covilhã, os estaleiros navais e numerosas outras empresas da região de
Lisboa. As paralisações dos trabalhadores rurais tiveram maior impacto nas zonas do
grande latifúndio, no Ribatejo e Alentejo, mas por todo o país houve protestos, esboços de
revoltas e grande agitação camponesa, inclusive nas áreas de minifúndio do Norte. O
período mais intenso da agitação camponesa e operária foi de Julho de 1943 até Maio de
1944, mas a ditadura conseguiu sempre sufocar, pelo recurso à força policial, a «revolta»
dos pobres e dos oprimidos, dos portugueses subalternos, autênticos colonizados do inte-
rior, assegurando assim a continuidade da ordem social estabelecida e a supremacia eco-
nómica, social e política da restrita elite burguesa-aristocrática.
Em termos políticos, a guerra criou as condições para uma reorganização do Partido
Comunista Português. Extremamente debilitado pelas prisões efectuadas durante a Guerra
Civil de Espanha, o PCP estava numa situação de agonia política no início do conflito euro-
peu. O COMINTERN, suspeitando infiltrações dos serviços secretos britânicos no PCP,
decidiu a dissolução da sua secção portuguesa, o que equivaleu à expulsão do Partido
Comunista Português da Internacional Comunista. Mas os sobreviventes comunistas con-
tinuaram a trabalhar na clandestinidade contra a ditadura portuguesa. Em 1940 um
O Estado Novo e as resistências à democracia e à descolonização 81

núcleo de militantes comunistas, alguns deles saídos pouco antes das prisões do regime,
levou avante a reorganização do partido. Este grupo, que incluía nomes como Álvaro
Cunhal, Militão Ribeiro e Júlio Fogaça, «cortou» com a velha direcção partidária, consti-
tuída, entre outros, por Velez Grilo e Cansado Gonçalves. A luta entre o grupo dos «reor-
ganizadores» e o grupo dos antigos dirigentes foi intensa, mas os «reorganizadores» aca-
baram por se impor politicamente ao fim de poucos anos, com a realização do III
Congresso (ilegal) do Partido Comunista Português, no Monte Estoril, em Novembro de
1943. O Congresso elegeu um novo Secretariado Nacional composto por Álvaro Cunhal, já
então um dos grandes vultos do partido, Manuel Guedes e José Gregório.
Para além de desenvolver um intenso trabalho de mobilização política dos trabalhado-
res contra a ditadura, o PCP procurou obter a convergência de todas as forças democráti-
cas portuguesas numa frente única contra o Estado Novo. Assim, em Dezembro de 1943,
nasceu o Movimento de Unidade Antifascista (MUNAF), que reunia comunistas, republica-
nos de vários antigos partidos (nomeadamente do Partido Democrático e da Esquerda
Democrática), socialistas da SPIO (Secção Portuguesa da Internacional Operária), ele-
mentos da Seara Nova e até da maçonaria (que continuava a existir na clandestinidade). O
MUNAF coordenou as actividades da oposição no sentido do derrube da ditadura, pla-
neando uma sublevação militar contra Salazar, que chegou a estar marcada para Agosto de
1945. Mas o fim da guerra alterou substancialmente os planos da oposição, que se con-
venceu da queda eminente – e pacífica – das duas ditaduras ibéricas. Na verdade, grande
parte da oposição acreditou que os Aliados não tolerariam a continuação dos regimes sala-
zarista e franquista e que a democracia seria restabelecida na Península Ibérica. Como tal,
em 8 de Maio de 1945 o povo português saiu à rua para comemorar a vitória dos Aliados e
das democracias sobre o fascismo e o nacional-socialismo. Em Lisboa, manifestações de
massa tornaram evidente que a população queria o fim da ditadura, a realização de elei-
ções livres e o regresso à democracia. Manifestações semelhantes – mas mais pequenas –
tiveram lugar noutros pontos do país e até nas colónias. Em Angola, os colonos festejaram
efusivamente a vitória aliada nas ruas de Luanda, saudando os cônsules da Grã-Bretanha,
da França e dos Estados Unidos da América. Os colonos esperavam a queda eminente da
ditadura, o regresso à democracia e a atribuição de um regime de autonomia à colónia,
que lhes desse o self government ou, pelo menos, o controlo do Estado colonial.
Face às grandes manifestações populares e ao reforço da oposição, Salazar, astuto, pro-
mulgou algumas medidas que pareciam apontar para o início da transição do regime para
a democracia: amnistia para alguns condenados por delitos políticos, promulgação de uma
nova lei eleitoral (22 de Setembro de 1945), dissolução da Assembleia Nacional e convo-
cação de eleições legislativas para Novembro de 1945. Tal como já referimos, Salazar pro-
meteu também a realização de «eleições tão livres como na livre Inglaterra» e manifestou
a sua intenção de respeitar os direitos e as liberdades da oposição. Além disso, tentou
transmitir a ideia de que o Estado Novo não era um regime ditatorial, mas sim uma
«democracia orgânica», logo uma variante nacional da democracia. Esta nova terminolo-
gia e a adopção destas medidas aparentemente democratizantes foi o quanto bastou para
82 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

fazer a oposição acreditar na boa-fé do governo. Medidas que também satisfizeram os


Aliados, que de resto não tinham qualquer intenção de interferir nos assuntos internos de
Portugal. Londres estava aliás disposta a continuar a apoiar Salazar, desde que este fizesse
alterações formais mínimas no regime, tal como a convocação de eleições, a permissão de
uma oposição eleitoral e o abrandamento da censura e dos mecanismos de repressão.
Alterações que dessem ao regime pelo menos uma fachada levemente democrática, mas
que não implicavam uma mudança de estrutura e tão pouco o fim do Estado Novo. Ora foi
exactamente isso o que fez Salazar.
Neste contexto, perante as cedências do governo e acreditando na queda da ditadura
por via eleitoral, a oposição abandonou os intentos golpistas e preparou-se para a partici-
pação em eleições que esperava serem livres e democráticas. Em 8 de Outubro de 1945, a
oposição – por inspiração do MUNAF – fundou o Movimento de Unidade Democrática
(MUD) numa reunião no Centro Escolar Republicano Almirante Reis. O MUD reuniu comu-
nistas, socialistas, republicanos de várias tendências políticas, todos unidos no propósito
do restabelecimento da democracia em Portugal. Um dos seus líderes mais destacados foi
o General Norton de Matos. Em 10 de Novembro de 1945 foi constituída a secção de jovens
do movimento, que mais tarde adoptou o nome de MUD Juvenil. Mário Soares e Francisco
Salgado Zenha estiveram entre os seus mais conhecidos dirigentes. O MUD estendeu rapi-
damente as suas actividades às colónias. Em Angola, reuniu alguns dos principais líderes
políticos dos colonos – Simões Raposo, António Videira, etc. – e absorveu nas suas estru-
turas uma organização de colonos autonomistas, a Aliança Democrática de Angola. Nume-
rosos intelectuais portugueses deram publicamente a sua adesão ao MUD, entre os quais
os escritores Miguel Torga, Adolfo Casais Monteiro, José Régio e Vitorino Nemésio. Durante
algumas semanas a imprensa conheceu um mínimo de liberdade de expressão, em virtude
do relaxamento dos mecanismos da censura. Por isso, os jornais fizeram amplo eco das
reuniões, dos comunicados e das denúncias de carácter político do MUD. Por todo o país
milhares de pessoas aderiram ao movimento, assinando as listas do MUD.
No entanto, o regime não tinha qualquer intenção de criar as condições políticas neces-
sárias para a realização de eleições democráticas. A este respeito, a oposição apresentou ao
Presidente da República, General Carmona, um conjunto de condições tidas como funda-
mentais para a realização de eleições livres e democráticas. Desde logo, o MUD reivindicou
a execução de um novo recenseamento eleitoral e o adiamento por um período de seis
meses do acto eleitoral, de modo a permitir a organização da oposição. Foi também reivin-
dicada a possibilidade de formação de verdadeiros partidos políticos e a garantia por parte
do governo do respeito pela liberdade de reunião e de expressão do pensamento. O regime,
claramente, não aceitou as reivindicações da oposição e manteve as eleições legislativas a
18 de Novembro de 1945. Perante isto, o MUD, não querendo legitimar um acto eleitoral
que não seria nem justo, nem livre e nem tão pouco democrático, tomou a decisão de não
participar nas eleições. Porém, para demonstrar o forte apoio popular, o MUD anunciou ter
recolhido 50.145 assinaturas só na cidade de Lisboa. Salazar, astuto, colocou em causa a
veracidade das declarações dos dirigentes da oposição e anunciou que iria promover um
O Estado Novo e as resistências à democracia e à descolonização 83

inquérito – para verificação estatística – às listas do MUD. Os dirigentes oposicionistas reve-


laram então uma enorme ingenuidade política, entregando a maior parte das listas, com
milhares de assinaturas, às autoridades. O MUD queria fazer prova pública da sua força e
não tinha, por isso, motivos para recusar a verificação estatística por parte do Estado. Além
disso, o governo tinha dado a sua palavra de que não haveria qualquer represália sobre os
signatários das listas. Mas era mentira. O governo traiu a palavra dada e a oposição caiu na
cilada de Salazar. Apercebendo-se da gravidade do erro cometido, o MUD suspendeu a rea-
lização das sessões políticas que levava a cabo um pouco por todo o país. A expansão do
movimento parou e a ditadura passou à ofensiva.
A União Nacional venceu – sem oposição – as eleições legislativas de 18 de Novembro
de 1945, elegendo todos os cento e vinte deputados da Assembleia Nacional1. Numa popu-
lação que rondava os oito milhões de habitantes só na metrópole, o exíguo corpo eleitoral
rondava apenas os novecentos mil inscritos, dos quais cerca de quatrocentos e oitenta e
nove mil (53,8%) votaram na União Nacional. Isto significa que a totalidade dos deputados
da Assembleia Nacional foi eleita com os votos de apenas 6,1% da população portuguesa.
Este dado revela em toda a sua dimensão a falta de legitimidade democrática por parte do
governo de Salazar. Um outro dado também muito significativo diz respeito aos 46,2% de
eleitores inscritos que não votaram na União Nacional. Valor que contrastou com os resul-
tados nas eleições legislativas anteriores, nas quais o partido de Salazar tinha obtido 87,6%
dos votos. Isto significa que o consenso político do regime era reduzido mesmo no seio do
restrito corpo eleitoral. Por outro lado, logo após as eleições, Salazar deu início a uma
vasta campanha de repressão da oposição, mediante a perseguição de muitos cidadãos que
tinham assinado as listas do MUD. O MUD subsistiu numa situação ambígua de «oposição
tolerada», mas muitos dos seus elementos foram presos, outros vigiados de perto pela polí-
cia política e outros enfim demitidos de cargos públicos. No funcionalismo público as
represálias duraram anos e numerosos professores, académicos e cientistas sofreram pesa-
damente a sua adesão ao MUD. Para o efeito, Salazar reorganizou a polícia política, cujo
nome mudou de Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE) para Polícia Internacional
de Defesa do Estado (PIDE).
Perante o recrudescimento da repressão salazarista, o MUD fez o que pôde para denun-
ciar interna e externamente os ataques do regime aos direitos e às liberdades cívicas. Em
1946 levou a cabo uma campanha política que procurou chamar a atenção da opinião
pública internacional para a falta de democracia em Portugal. Na sequência do pedido de
admissão de Portugal às Nações Unidas, o MUD declarou que um regime ditatorial como
o salazarista não deveria ser admitido numa organização de países democráticos e, como
tal, a integração portuguesa na ONU só deveria acontecer quando o país regressasse à
democracia. Salazar reagiu demitindo da função pública dois dos elementos mais destaca-
dos do MUD, Bento de Jesus Caraça e Mário de Azevedo Gomes. Face a isto, o MUD e cerca
de duas centenas de intelectuais portugueses manifestaram a sua solidariedade para com

(1) A Assembleia Nacional passou de noventa para cento e vinte deputados em 1945.
84 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

esses dois democratas, protestando publicamente contra a actuação arbitrária e repressiva


da ditadura. Seguiu-se uma nova onda de perseguições e de demissões de académicos e de
alguns militares conotados com a oposição. Em Março de 1947, o MUD anunciou que o
General Norton de Matos seria o seu candidato às eleições para a Presidência da República
de 1949. Salazar, porém, não estava disposto a tolerar por muito mais tempo a existência
legal do MUD. Enfraquecido pela violenta campanha repressiva levada a cabo pelo regime,
o MUD foi ilegalizado pela ditadura exactamente um ano depois, em Março de 1948. Apesar
da ilegalização do movimento, muitos dos seus membros e dirigentes continuaram a
desenvolver actividades políticas no sentido de contrastar a política arbitrária da ditadura.
O MUD Juvenil manteve, aliás, durante anos uma intensa acção política junto dos meios
escolares, universitários e intelectuais. Em Coimbra, por exemplo, destacou-se o labor
político de Alberto Vilaça, militante do MUD Juvenil e do PCP, nas organizações culturais
e universitárias.
No entretanto, o PCP, para além de participar na estruturas do MUD, continuou a
desenvolver uma intensa actividade política clandestina junto do operariado, dos traba-
lhadores rurais e dos intelectuais. Em Junho de 1946, o PCP realizou (ilegalmente) na vila
da Lousã o seu IV Congresso, que reelegeu Álvaro Cunhal para o Secretariado. O PCP já
era então a principal força da oposição, ou pelo menos a melhor organizada, dispondo de
um conjunto de militantes e de quadros espalhados estrategicamente por grande parte do
país. Era também a força política que mais próxima estava dos estratos que compunham o
mundo dos subalternos portugueses – o mundo do povo miúdo, dos pobres, dos que mais
sofriam com a opressão económica, social e política da ditadura. Neste sentido, o PCP con-
seguiu promover um conjunto de greves, de paralisações e de protestos dos trabalhadores
das zonas industriais em torno de Lisboa (Barreiro) e dos grandes latifúndios do Centro-
-Sul (Ribatejo, Alentejo) durante o ano de 1947. A ditadura reagiu à agitação social com o
aumento da repressão sobre os trabalhadores e com a perseguição policial de todos os indi-
víduos suspeitos de comunismo.
Paralelamente, nos meios militares também se assistiu ao ressurgimento duma certa
oposição ao regime de Salazar. Em 11 de Outubro de 1946 houve uma tentativa de suble-
vação militar por parte de meios afectos à oposição, mas que foi rapidamente debelada
pelas tropas do governo na povoação da Mealhada, perto de Coimbra. Em 10 de Abril de
1947, uma Junta Militar de Libertação esboçou uma nova revolta, que foi prontamente eli-
minada pelas forças leais a Salazar. Foram detidos numerosos oficiais de alta patente, entre
os quais dois Generais e o Vice-Almirante Mendes Cabeçadas, bem como algumas dezenas
de civis. A ditadura demonstrava, assim, que estava de «pedra e cal» e que não daria qual-
quer possibilidade à oposição de aceder ao poder. Isto mesmo ficou patente nas eleições
presidenciais de 1949. Tal como anunciado dois anos antes pelo MUD, o General Norton
de Matos foi o candidato da oposição à Presidência da República. Norton de Matos foi
apoiado pela generalidade dos grupos oposicionistas – republicanos, socialistas, comunis-
tas. Cunha Leal foi uma das poucas figuras da oposição a não apoiar a candidatura do velho
general. A campanha eleitoral deu a possibilidade à oposição de se organizar em comissões
O Estado Novo e as resistências à democracia e à descolonização 85

de candidatura, que realizaram sessões, comícios e manifestações políticas em vários


pontos do país. Mas, tal como nas eleições legislativas de 1945, o Estado Novo não criou as
condições – e não deu garantias – para a realização de eleições democráticas, livres e
justas. Neste contexto, temendo que a ida às urnas apenas servisse para legitimar interna
e externamente o regime salazarista, os sectores oposicionistas mais à esquerda tomaram
posição pela desistência eleitoral do General Norton de Matos. Em 7 de Fevereiro de 1949,
após uma intensa discussão nas fileiras da oposição, foi tomada a decisão final de não ir às
urnas. Com a desistência de Norton de Matos, o General Carmona foi reeleito – sem opo-
sição – para o seu quarto e último mandato como Presidente da República.
As eleições presidenciais de 1949 representaram o último momento de unidade da opo-
sição à ditadura salazarista. A estratégia frentista adoptada pela oposição desde o final da
guerra soçobrou no rescaldo das eleições, assistindo-se à sua divisão em dois «grupos»: por
um lado, a oposição republicana e socialista moderada, pró-ocidental e «atlantista», que
procurou em vão obter o reconhecimento do seu estatuto legal por parte do regime sala-
zarista; por outro lado, o Partido Comunista e os grupos democráticos mais à esquerda,
que se colocaram numa posição de oposição frontal à ditadura e que continuaram a defen-
der a unidade das fileiras democráticas. Mas essa unidade tinha sido definitivamente que-
brada pelo aparecimento de divisões internas entre as diferentes sensibilidades políticas
que compunham a oposição portuguesa. Essas divisões reflectiam aliás o ambiente polí-
tico internacional marcado de forma indelével pela «Guerra Fria» que opunha a União
Soviética aos Estados Unidos da América. Para a oposição moderada, os comunistas repre-
sentavam os interesses de Moscovo, facto que era incompatível com a sua posição «atlan-
tista» e filo-ocidental e com as suas ideias liberais, tendentes à conservação do sistema
capitalista e à defesa da propriedade privada.
A divisão da oposição significou a vitória da ditadura salazarista, que superou incólume
o surto oposicionista do pós-2.ª Guerra Mundial. Salazar soube, aliás, explorar as divisões
na oposição para reconsolidar o regime em torno da defesa dos «valores» do capitalismo e
da religião católica, ao mesmo tempo que desferiu um ataque feroz ao Partido Comunista
Português. Na verdade, a participação comunista nas comissões eleitorais da oposição
tinha exposto grande parte das estruturas, dos quadros e dos militantes do PCP. Logo em
Fevereiro de 1949, a PIDE levou a cabo por todo o país uma onda de prisões de opositores
ao regime, em especial de comunistas. Em vagas sucessivas de detenções que se prolon-
garam até 1952, a PIDE conseguiu eliminar grande parte da rede clandestina do PCP, pren-
dendo muitos dos quadros e dos dirigentes do partido. Em 25 de Março de 1949 foram
presos, na localidade do Luso, Álvaro Cunhal e Militão Ribeiro. Militão Ribeiro morreu ao
fim de alguns meses nas prisões da ditadura, enquanto Álvaro Cunhal foi mantido arbitra-
riamente durante anos nas prisões de alta segurança do regime, nomeadamente no Forte
de Peniche, de onde conseguiu escapar numa fuga inédita (e de algum modo espectacular)
em 3 de Janeiro de 1960. As prisões, a repressão, a vigilância apertada da polícia política
conduziram a um refluxo assinalável das actividades comunistas. Mesmo assim, o PCP
continuou o seu trabalho clandestino de defesa dos trabalhadores, promovendo a realiza-
86 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

ção de greves dos assalariados rurais dos grandes latifúndios do Centro-Sul. Em 1950,
1952 e 1954 foram desencadeadas importantes greves rurais no Ribatejo e no Alentejo, que
as forças do regime reprimiram severamente com o recurso à força bruta. Em 19 de Maio
de 1954, numa dessas greves, foi barbaramente assassinada pela forças da ditadura Cata-
rina Eufémia, mártir e símbolo do protesto feminino das trabalhadoras portuguesas
contra a opressão salazarista. Mas muitos outros trabalhadores, comunistas e não só,
foram vítimas da violenta repressão do regime, que não se absteve de matar a sangue frio
cidadãos honestos e pacíficos e que não representavam qualquer ameaça ou perigo para a
sociedade.
No entanto, a repressão policial não era o único sustentáculo do poder de Salazar.
Salazar continuava a ser apoiado pela elite burguesa-aristocrata, logo pelo capital fundiá-
rio, industrial, comercial e financeiro, pela hierarquia militar, pela maior parte da hierar-
quia católica e pelos sectores mais reaccionários das classes médias. Além disso, Salazar
contava com o apoio internacional dos Estados Unidos da América, da Grã-Bretanha e dos
demais países demoliberais ocidentais. A Espanha franquista e o Brasil eram também alia-
dos próximos, tal como a África do Sul depois de 1945. Em 1949, Portugal foi um dos fun-
dadores da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), mais conhecida por NATO.
Fiel aliado do Ocidente, Salazar era considerado um «defensor» do mundo livre contra o
perigo comunista. Em 1955, Portugal entrou na Organização das Nações Unidas, junta-
mente com outros quinze países (entre os quais a Espanha e a Itália), na sequência da rea-
lização de um acordo entre os dois blocos da «Guerra Fria»2. Neste sentido, Salazar conse-
guiu que o seu regime fosse aceite pela comunidade internacional, a despeito da sua clara
rejeição da democracia e do desrespeito pelos direitos e liberdades dos cidadãos. Protegido
pelo chapéu da NATO, o Estado Novo já nada tinha a temer no plano internacional.
Neste contexto, a primeira metade da década de 1950 representou para a ditadura sala-
zarista um período de (re)fortalecimento político do ponto de vista interno e externo.
Dividida e enfraquecida a oposição, o Estado Novo endureceu a repressão política e poli-
cial sobre a sociedade portuguesa. Mas o regime salazarista não era um monólito político
e cedo surgiram tensões entre grupos diferentes no seio do Estado Novo. Embora unidas
no trabalho social de dominação, as várias sensibilidades políticas que compunham a dita-
dura estavam divididas quanto a algumas questões. Uma delas foi a da restauração da
monarquia, que se repropôs em 1951, no seguimento da morte do Presidente da Repú-
blica, General Óscar Carmona. Os monárquicos tentaram então uma espécie de «golpe de
Estado institucional», procurando forçar o regime a restabelecer a monarquia. Dispondo
de fortes apoios na União Nacional, na Assembleia Nacional e no governo, os monárquicos
constituíam uma parte substancial da elite política do Estado Novo. Na discussão interna
que se seguiu à morte de Carmona, o núcleo duro do regime dividiu-se em dois grupos
opostos: por um lado, os monárquicos conduzidos por Mário de Figueiredo (membro da
Assembleia Nacional), Lumbrales (Ministro da Presidência) e Cancela de Abreu (Presidente

(2) Anteriormente, a União Soviética tinha por várias vezes vetado a entrada de Portugal na ONU.
O Estado Novo e as resistências à democracia e à descolonização 87

da Comissão Executiva da União Nacional), favoráveis à restauração da monarquia; por


outro lado, o grupo favorável à manutenção da fórmula política republicana, onde pontifi-
cava a figura de Marcelo Caetano (Presidente da Câmara Corporativa) e que incluía Albino
dos Reis (Presidente da Assembleia Nacional) e Trigo de Negreiros (Ministro do Interior).
Apesar das pressões dos monárquicos, que conseguiram obter o apoio maioritário dos
deputados à Assembleia Nacional, Salazar optou por conservar a fórmula republicana, de
modo a não provocar uma ruptura política nas fileiras do Estado Novo. Porém, esta deci-
são criou uma grande desilusão nos meios monárquicos, levando ao distanciamento polí-
tico da Causa Monárquica em relação à ditadura.
Para suceder a Carmona, Salazar escolheu uma figura discreta do regime, o General
Craveiro Lopes. A oposição, dividida, apresentou dois candidatos às eleições presidenciais
que tiveram lugar em Julho de 1951. O Movimento Nacional Democrático, grupo político
que reunia comunistas e os meios mais à esquerda da oposição, candidatou o Professor
Ruy Luís Gomes, enquanto a oposição moderada candidatou o Almirante Quintão Meire-
les, oficial que estivera ligado ao regime nos primórdios da Ditadura Militar. Duas candi-
daturas antagónicas que vieram aprofundar ainda mais as divisões no seio da oposição. Por
sua vez, o Conselho de Estado considerou inelegível Ruy Luís Gomes, que assim foi afas-
tado da corrida às urnas, enquanto a ausência de condições políticas democráticas levou o
Almirante Quintão Meireles a desistir poucos dias antes do acto eleitoral. Único candidato,
Craveiro Lopes foi eleito Presidente da República com a maioria dos votos, tendo a abs-
tenção rondado os 22,4% dos eleitores inscritos.
Enterrada definitivamente a questão monárquica e apesar da vitória eleitoral de
Craveiro Lopes, o Estado Novo continuou a ser atravessado por tensões políticas internas.
Essas tensões opunham os sectores mais conservadores aos meios, por assim dizer, refor-
mistas, que eram favoráveis a uma viragem industrializante do país, a uma maior aproxi-
mação e integração económica de Portugal com a Europa Ocidental e a uma participação
mais vincada nas estruturas da NATO. Os primeiros eram contrários à introdução de refor-
mas de estrutura na economia, na sociedade e no regime político, enquanto os segundos
defendiam a necessidade de proceder a mudanças no país – inclusive um ajustamento do
sistema político –, de forma a preparar Portugal para enfrentar os novos desafios represen-
tados pelo processo de integração europeu e pela situação política internacional sempre em
mutação. Os conservadores eram liderados pelo Coronel Santos Costa, monárquico,
Ministro da Guerra desde 1944, ao passo que os meios reformistas eram «conduzidos» por
Marcelo Caetano, Professor de Direito da Universidade de Lisboa com uma longa carreira
política no seio do regime – Comissário Nacional da Mocidade Portuguesa, Ministro das
Colónias (1944-1947), Presidente da União Nacional, Presidente da Assembleia Corporativa
e Ministro da Presidência (1955-1958). Próximo de Marcelo Caetano estava o Presidente da
República, General Craveiro Lopes. As tensões entre conservadores e reformistas conhece-
ram um gradual agravamento à medida que o governo da ditadura – e muito especialmente
Salazar – se tornava cada vez mais alienado da realidade económica, social e cultural do
país, procurando ignorar as contradições e os contrastes existentes no seio da sociedade
88 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

portuguesa. Tudo isto se tornou evidente nos finais da década de 1950, nomeadamente
durante a campanha para as eleições presidenciais de 1958. Senão vejamos.
Em 1958 o mandato presidencial do General Craveiro Lopes chegou ao seu termo.
Durante sete anos, Craveiro Lopes tinha mostrado uma posição contemporizadora
das posições reformistas no seio do regime e tinha mantido contacto com certos meios
militares críticos da governação. Este facto não agradou nem aos meios mais conservado-
res liderados por Santos Costa, nem tão pouco a Salazar. Por isso, Salazar decidiu mudar
de Presidente da República, optando pela escolha de um novo candidato às eleições presi-
denciais. Foi escolhido um outro militar, o Almirante Américo Tomaz, Ministro da Mari-
nha, como candidato da União Nacional. Mas o regime estava dividido e foi precisamente
dos meios situacionistas que surgiu o principal candidato da oposição, o General Hum-
berto Delgado. Humberto Delgado, homem da primeira hora da ditadura, oficial distinto
da Força Aérea, tinha feito parte da sua carreira militar no quadro da participação portu-
guesa nas estruturas da NATO. Longe de ser de esquerda, Humberto Delgado representava
os sectores mais marcadamente filo-ocidentais do regime, favoráveis a uma aproximação
aos Estados Unidos da América. Dispunha por isso de alguns apoios políticos no seio das
Forças Armadas e no interior do Estado Novo, em especial de Craveiro Lopes e de alguns
militares liberais que eram favoráveis a uma progressiva liberalização da ditadura. A opo-
sição moderada – liderada por intelectuais como António Sérgio, Mário de Azevedo Gomes,
Aquilino Ribeiro, Jaime Cortesão – adoptou e patrocinou a candidatura de Humberto Del-
gado. Um terceiro candidato, o advogado Arlindo Vicente, foi apoiado pela oposição mais à
esquerda, nomeadamente pelo Partido Comunista Português.
Possuindo um inegável carisma e usando uma linguagem directa, Humberto Delgado
obteve um grande sucesso político entre a população portuguesa durante a campanha elei-
toral, mobilizando verdadeiras torrentes populares. Em 10 de Maio de 1958, no Porto,
questionado sobre a atitude que tomaria em relação a Salazar em caso de vitória nas elei-
ções, Humberto Delgado respondeu: «Obviamente, demito-o». Esta resposta histórica
atravessou como um relâmpago o país de Norte a Sul, criando uma dinâmica política de
massas na sua campanha eleitoral. Manifestações espontâneas de milhares de populares
receberam por todo o lado Humberto Delgado, colocando o regime na defensiva. Em 14 de
Maio de 1958, uma gigantesca manifestação popular manifestou o seu apoio a Humberto
Delgado no Porto, provocando o pânico nas hostes do Estado Novo. Em 16 de Maio de
1958, no seu regresso a Lisboa, Humberto Delgado foi impedido pela polícia de fazer o per-
curso estipulado, com o objectivo de o desviar da imensa multidão que o aguardava nas
ruas da capital. Seguiram-se intensos confrontos entre as forças policiais e a população,
que foi severamente reprimida. Face ao grande sucesso popular de Humberto Delgado,
Arlindo Vicente desistiu da sua candidatura presidencial a favor do «General Sem Medo»,
epíteto com que ficou conhecido o candidato independente da oposição.
No entanto, o enorme apoio popular obtido por Humberto Delgado provocou – para-
doxalmente – o distanciamento político de muitos militares liberais que inicialmente
tinham «apoiado» a sua candidatura. As movimentações populares de massas assustaram
O Estado Novo e as resistências à democracia e à descolonização 89

literalmente os meios militares, que não estavam interessados na subversão do statu quo
social do país, mas apenas numa progressiva liberalização do regime feita de cima para
baixo. Os militares temeram o fim abrupto do regime, a manipulação política do candidato
da oposição pelos comunistas e a queda do país no caos e na anarquia social, por outras
palavras uma espécie de revolução. Claramente, a revolução nunca esteve nos horizontes
políticos de Humberto Delgado, nem o PCP teve alguma vez qualquer tipo de influência
política sobre o General. Humberto Delgado também não queria uma subversão do statu
quo social, pelo que os receios dos militares não passavam de fantasmas políticos criados
– ou pelo menos difundidos – pelo próprio regime para os afastar do candidato da oposi-
ção. E a estratégia salazarista deu mais uma vez resultado. A neutralidade dos aliados oci-
dentais também contribuiu para a vitória de Salazar. Assim, muito embora se falasse num
eventual apoio dos EUA a Humberto Delgado, o facto é que os americanos não esboçaram
qualquer sinal de apoio ao candidato da oposição, pelo menos durante a campanha eleito-
ral. Como tal, apesar da extraordinária adesão popular, Humberto Delgado chegou à data
das eleições quase completamente isolado do ponto de vista militar. E o exército era a ins-
tituição que verdadeiramente contava em Portugal, pois era a única que podia depor o
regime. Os militares abandonaram Delgado, de forma que Salazar ficou com as mãos livres
para falsear os resultados eleitorais, cometendo toda a espécie de fraudes e de arbitrarie-
dades eleitorais. Por isso, as eleições de 8 de Junho de 1958 deram a vitória ao Almirante
Américo Tomaz, com 52% dos votos, contra cerca de 17% do General Humberto Delgado.
Em 9 de Agosto de 1958, Américo Tomaz foi empossado como Presidente da República.
Salazar conseguiu, mais uma vez, manter intacto o seu poder, mas a ditadura saiu aba-
lada das eleições de 1958. Para superar esse abalo político, Salazar resolveu fazer altera-
ções no governo e na Constituição e, ao mesmo tempo, aumentar a repressão policial sobre
a oposição. Desde logo, decidiu «arrumar a casa» com o objectivo de encontrar um novo
equilíbrio político no seio da ditadura e das Forças Armadas. Um equilíbrio que lhe per-
mitisse manter o poder indefinidamente, mesmo à custa do sacrifício de alguns dos seus
mais leais servidores. Salazar percebeu que, para «segurar» os militares, era necessário
apaziguar os ânimos e renovar determinadas chefias. Em Agosto de 1958, numa remode-
lação ministerial, Salazar afastou do governo o Coronel Santos Costa, substituindo-o no
Ministério da Defesa Nacional por um elemento mais liberal, próximo do círculo de Cra-
veiro Lopes, o General Botelho Moniz. Muito embora a acção de Santos Costa tivesse sido
fundamental para a vitória do regime nas eleições de 1958, a sua continuidade no governo
tinha-se tornado insustentável por pressão dos meios militares liberais. Simultaneamente,
Salazar decidiu afastar do governo o «guia» dos meios reformistas, Marcelo Caetano, que
foi demitido do cargo de Ministro da Presidência. Foi uma forma de compensar a saída de
Santos Costa e de evitar o aparecimento de uma eventual fractura no seio da ditadura, mas
também de afastar politicamente um «delfim» que se tinha tornado precocemente numa
espécie de alternativa a Salazar. Depois, para evitar uma repetição do cenário político veri-
ficado nas presidenciais de 1958 (ou seja, a possibilidade de uma espécie de «golpe de
Estado Constitucional», pelo qual Salazar podia ser demitido pelo Presidente da Repú-
90 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

blica), a Constituição foi revista no sentido de transformar o mecanismo de eleição do


Presidente da República. Assim, a partir de 1959 o Presidente da República deixou de ser
eleito directamente pela população e passou a ser escolhido por um colégio eleitoral for-
mado pelos deputados da Assembleia Nacional, pelos Procuradores da Câmara Corporativa
e por representantes das administrações municipais, distritais e coloniais. Esta decisão
agravou ainda mais o cariz ditatorial do regime e tornou evidente o carácter autocrático
do poder de Salazar, que não só recusou a democracia como rejeitou também qualquer
possibilidade de sucessão e, por conseguinte, de transformação política do Estado Novo. Ao
fim de trinta anos de governo, Salazar estava agarrado com «unhas e dentes» ao poder e
não tinha qualquer intenção de abandonar as rédeas do comando.
Neste contexto, Salazar redobrou a repressão policial sobre a oposição, que se reorga-
nizou na sequência das eleições. De facto, Humberto Delgado tinha contestado os resulta-
dos oficiais e acusado o regime de fraude eleitoral, reclamando para si o estatuto de
Presidente legítimo. Como tal, Delgado fundou um movimento político com algumas liga-
ções militares, o Movimento Nacional Independente (MNI). Salazar reagiu, demitindo o
General do cargo de Director-Geral da Aeronáutica Civil. Muitos outros dirigentes oposi-
cionistas foram perseguidos e presos pela PIDE. Em Março de 1959, as forças salazaristas
desarticularam uma conspiração militar (Revolta da Sé), inspirada pelo MNI, enquanto
Humberto Delgado foi obrigado a pedir asilo político na Embaixada do Brasil, país que o
acolheu como exilado. A partir do exterior, Humberto Delgado continuou a dirigir um con-
junto de movimentações e de conspirações contra a ditadura, entabulando conversações e
fazendo acordos com outros segmentos da oposição, até que foi assassinado pela PIDE, na
fronteira luso-espanhola, em 1965.
Mas a oposição política ao regime não proveio só dos meios próximos a Humberto Del-
gado. Nos ambientes católicos, tradicionalmente favoráveis ao salazarismo, também se
levantaram vozes de protesto contra a ditadura. Foi o caso do Bispo do Porto, D. António
Ferreira Gomes, que foi obrigado ao exílio pelo governo português, na sequência de uma
carta dirigida a Salazar, datada de 13 de Julho de 1958, na qual o prelado criticou a polí-
tica do governo e pediu o respeito pelas liberdades cívicas e políticas da população. Este
episódio representou o primeiro embate sério entre o regime e a hierarquia da Igreja
Católica e alienou o apoio de uma parte dos católicos à ditadura. Republicanos e socialis-
tas procuraram também reorganizar-se e promover um processo de democratização gra-
dual do regime, tendo para o efeito elaborado um «Programa para a Democratização da
República», publicado em 31 de Janeiro de 1961. Noutro campo, as Juntas de Acção
Patriótica (JAP), organizações clandestinas de oposicionistas de várias sensibilidades polí-
ticas, procuraram criar – com escasso sucesso – condições para o derrube da ditadura.
Enfim, o Partido Comunista Português, apesar de ter sofrido um conjunto significativo de
detenções dos seus quadros e militantes, continuou a desenvolver uma intensa campanha
de consciencialização política e sindical entre os operários e trabalhadores rurais. Por
exemplo, em Junho/Julho de 1958, na sequência das eleições, várias greves e manifesta-
ções de protesto mobilizaram um grande número de trabalhadores nas zonas urbanas de
O Estado Novo e as resistências à democracia e à descolonização 91

Lisboa e Porto, na Marinha Grande e noutras áreas do país. A partir de 1960, o PCP conhe-
ceu um período de renovação interna graças à fuga de Álvaro Cunhal e de outros dirigen-
tes do partido do Forte de Peniche (3 de Janeiro de 1960). Após várias reuniões do Comité
Central em Fevereiro, Março e Abril de 1961, o PCP elegeu Álvaro Cunhal para o cargo de
Secretário Geral, alterou os seus estatutos e modificou a sua linha de actuação política (a
chamada «correcção do desvio de direita»). De facto, em 1957, no seu V Congresso, o PCP
tinha admitido como possível uma transição pacífica da ditadura para a democracia, pro-
pondo para o efeito a cooperação com outros sectores da oposição. Foi aliás neste contexto
que se realizou o Congresso Republicano de Aveiro (6 de Outubro de 1957), que reuniu
elementos de vários sectores da oposição. Mas os resultados das eleições presidenciais
demonstraram a inexequibilidade da teoria da transição pacífica do regime e provaram que
a ditadura só cairia caso fosse derrubada. Por isso, o PCP elaborou e adoptou a tese do
«levantamento nacional», que esteve na génese da tese da «revolução democrática e nacio-
nal» apresentada por Álvaro Cunhal em 1964. Esta reformulação da linha de acção política
comunista coincidiu com um crescendo da agitação social e política no país no início da
década de 1960, na qual tomou parte activa o PCP.
Claramente, Salazar respondeu à oposição com mão de ferro, reforçando a repressão
policial. Mas um novo elemento alterou profundamente a evolução da vida política portu-
guesa: o início da guerra colonial em 1961. Efectivamente, a guerra nas colónias colocou
outra vez o factor colonial no centro das atenções dos portugueses, dando novo fôlego à
ditadura. Salazar era um defensor intransigente da integridade do Império e, pelo menos
nos primeiros anos da guerra, poucos eram os portugueses que aceitavam a independên-
cia dos territórios coloniais. Para além do MUD Juvenil, o PCP era o único partido da opo-
sição a defender a independência das colónias portugueses, decisão que mesmo assim foi
tomada algo tardiamente, mais precisamente no seu V Congresso, em 1957. Pelo contrá-
rio, muitos republicanos democratas e até socialistas não concebiam o fim do Império
Português, advogando – tal como o regime – uma espécie de originalidade colonial portu-
guesa. Nisto havia uma certa sintonia entre o governo e a oposição moderada. E isto
mesmo demonstra mais uma vez o peso do factor colonial na história do Século XX Por-
tuguês. Mas para entender o contexto em que rebentou a guerra nas colónias é necessário
perceber a evolução da política colonial portuguesa – e do quadro político internacional –
de 1945 a 1960.
Na década e meia subsequente a 1945 o mundo afro-asiático entrou em profunda con-
vulsão política: a independência da Índia (1947), a revolta antibritânica dos Mau-Mau no
Quénia (1951), a derrota francesa em Dien Bien Phu no Vietname (1954), o início da guerra
da Argélia (1954) e a Conferência de Bandung (1955) assinalaram a entrada dos povos colo-
nizados na cena política internacional como agentes do seu próprio destino. Os dois gran-
des vencedores da guerra, Estados Unidos da América e União Soviética, também não esta-
vam interessados na continuação dos impérios coloniais europeus, pelo que estimularam
a descolonização europeia na Ásia e na África. Isto mesmo ficou patente com a Crise do
Suez, em 1956, quando os americanos deixaram bem claro que não estavam dispostos a
92 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

apoiar as veleidades imperiais britânicas e francesas. A Organização das Nações Unidas


(ONU) também desempenhou um papel muito relevante no sentido de pressionar as potên-
cias coloniais a dar a independência aos respectivos territórios colonizados. Em termos
culturais, a politização da negritude e a publicação dos livros de Frantz Fanon, em espe-
cial Les Damnés de la Terre e Peaux noires, Masques blanches, anunciaram um período
de grandes transformações no continente africano. Face a estas modificações no quadro
internacional, as potências europeias assumiram posições diferentes. A Grã-Bretanha,
embora com algumas reticências e à custa da perda da sua influência política no mundo,
enveredou por uma política de descolonização das suas colónias asiáticas e, mais tarde,
também das africanas. Não podemos dizer que os britânicos tiveram uma política única e
coerente de descolonização, tal como ficou demonstrado pela resistência inicial à inde-
pendência do Quénia. De um modo geral, Londres procurou evitar, ou pelo menos adiar
tanto quanto possível, a descolonização dos territórios povoados por colonos britânicos
(Quénia, Rodésia do Norte e Rodésia do Sul), mas no fim acabou por aceitar a indepen-
dência dessas colónias sob o governo da maioria negra. Em clara oposição à política
inglesa, a França e Portugal optaram por uma política de reforma da administração colo-
nial, cujo objectivo foi, por um lado, sanar dissídios internos, permitindo a participação na
governação de certos segmentos das elites coloniais, e, por outro lado, prevenir eventuais
pressões internas e externas no sentido da descolonização. Mas esta política de auto-
-reforma da administração colonial não colocou em causa a existência em si do colonia-
lismo, nem tão pouco visou a sua superação, de forma que negou qualquer forma de auto-
nomização política das colónias. Foi aliás neste âmbito que se deu a «transformação»
nominal do Império Colonial Francês em União Francesa.
No caso português, a política de reforma do sistema colonial nunca respondeu verda-
deiramente às aspirações e aos interesses das elites coloniais, que exigiam a descentraliza-
ção da administração e uma maior participação na governação dos respectivos territórios.
Na verdade, o governo português continuou a manifestar algumas dificuldades em con-
trolar politicamente a comunidade branca de Angola. Depois de ter domado a custo as
movimentações separatistas dos colonos durante a 2.ª Guerra Mundial, Salazar enfrentou
uma séria oposição política das elites brancas angolanas no imediato pós-guerra. Em 1945,
os colonos apoiaram em força as listas do MUD, facto que obrigou a União Nacional a reti-
rar a sua lista e a patrocinar a candidatura de uma lista independente, denominada «Lista
de Angola». Esta lista englobava representantes directos dos interesses dos colonos,
nomeadamente Henrique Galvão. Henrique Galvão tinha sido um dos «homens do 28 de
Maio» e tinha exercido importantes funções na administração colonial, inclusive as de
Governador do Distrito da Huíla e as de Inspector Superior da Administração Colonial. A
pouco e pouco, porém, Henrique Galvão foi-se afastando das posições do regime, conver-
tendo-se num crítico da política do governo no tocante às colónias. Eleito deputado à
Assembleia Nacional (1945-1949), Henrique Galvão denunciou publicamente algumas das
falhas e das arbitrariedades cometidas pela administração portuguesa em Angola e tornou-
-se no porta-voz do descontentamento político dos colonos brancos, criando sérios emba-
O Estado Novo e as resistências à democracia e à descolonização 93

raços ao governo português. Salazar não lhe perdoou a ousadia. Em 1952, depois de ter
apoiado a candidatura presidencial do Almirante Quintão Meireles, Henrique Galvão foi
preso e condenado a vários anos de prisão por um Tribunal Militar. Esteve preso até 1959,
ano em que conseguiu ludibriar a polícia e escapar para a Embaixada da Argentina em
Lisboa. Pouco depois partiu para o exílio na Argentina e, mais tarde, na Venezuela.
Apesar do descontentamento dos colonos, o governo português não tomou medidas
adequadas para alterar – e modernizar – as estruturas da administração colonial. Na prá-
tica, a política de auto-reforma do colonialismo português trouxe apenas algumas peque-
nas modificações às bases da administração colonial. Em 1945 foi efectuada uma Revisão
do Acto Colonial, que delegou mais alguns poderes na pessoa do Governador Geral e criou
o cargo de Secretário Geral em Angola e em Moçambique. Um ano depois foram admiti-
dos os primeiros representantes dos africanos assimilados no Conselho de Governo de
Angola, mas os colonos continuaram excluídos da governação da colónia, facto que agra-
vou o já grande descontentamento da população branca em relação ao mando autoritário
de Lisboa. Em 1951, antecipando as pressões internacionais no sentido da descolonização,
Salazar modificou oficialmente o estatuto político das colónias portuguesas e aceitou fazer
algumas pequenas concessões às elites coloniais. Assim, a lei n.º 2048, de 11 de Junho de
1951, suprimiu o Acto Colonial, incorporando-o na Constituição Portuguesa com o título
Do Ultramar Português. Por consequência, foi efectuada uma alteração na terminologia
oficial do regime em matéria colonial: Portugal deixou – por decreto – de possuir colónias,
que passaram a ser designadas por províncias ultramarinas, enquanto a expressão Império
Colonial Português deu lugar à designação «Ultramar Português». Em 1953, a Carta
Orgânica do Império Colonial Português foi substituída pela Lei Orgânica do Ultramar
Português (lei n.º 2066, de 27 de Junho de 1953), de forma que cada «Província Ultra-
marina» recebeu um Estatuto Administrativo. Como tal, a Carta Orgânica de Angola foi
substituída pelo Estatuto da Província de Angola (Decreto n.º 40.225, de 5 de Julho de
1955). Procedeu-se assim à reorganização política e administrativa de Angola, bem como
das outras colónias, com o intuito de permitir uma maior participação política dos colo-
nos na governação do território. Em termos concretos, o produto mais importante dessa
reforma administrativa foi a criação de Conselhos Legislativos em Angola e em Moçam-
bique, cuja criação (ou, por outro, restabelecimento) constituía uma antiga aspiração das
elites coloniais. Em Angola, tinham assento brancos, mestiços e negros no Conselho
Legislativo, facto que lhe concedia uma certa importância simbólica. No entanto, o Con-
selho Legislativo tinha funções políticas muito limitadas e uma capacidade de decisão
muito reduzida, pelo que os vogais tinham poucos instrumentos à sua disposição para
impor uma determinada medida ao Governador Geral. Além disso, reunia com pouca fre-
quência e a maioria dos seus membros não era eleita, mas nomeada pelas autoridades colo-
niais. O facto é que o poder permaneceu nas mãos do representante directo do governo
metropolitano, o Governador Geral. Este, por sua vez, continuou estritamente dependente
do Ministério do Ultramar, logo do governo metropolitano, que, em última análise, era
quem governava Angola. Por isso, a reforma da administração colonial acabou por não
94 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

satisfazer as expectativas dos colonos brancos, que continuaram em grande parte arreda-
dos da governação colonial.
Paralelamente, o descontentamento dos colonos era agravado pela política económica
de Salazar, que protegia os interesses metropolitanos em detrimento dos interesses pro-
priamente coloniais. Por exemplo, a partir de 1945 Salazar praticou uma política de
fomento económico que consistiu na exportação para as colónias do excedente do capital
metropolitano acumulado durante a guerra. Este capital foi aplicado na exploração de
matérias primas e de produtos coloniais de elevado rendimento, nomeadamente o café e o
algodão. Era uma política que vinha ao encontro das necessidades de crescimento da bur-
guesia portuguesa, que não podia competir com o capital estrangeiro em mercados aber-
tos e em regime de livre concorrência. Em Angola permitiu-se inclusive o início duma
imberbe «industrialização» controlada pelo capital português e que se dirigia antes de
mais ao seu próprio fortalecimento, garantindo-lhe a hegemonia económica. Aos colonos
empresários, isto é, ao capital propriamente colonial, representado pelos elementos
empresariais sediados nas colónias, foi permitida uma associação subordinada aos investi-
mentos comandados pelo capital bancário, comercial e industrial português. Portanto, aos
colonos foi permitido crescer economicamente à «sombra» do capital metropolitano, ou
seja, numa posição de subalternidade económica, social e política em relação à burguesia
portuguesa. Claramente, os colonos nunca aceitaram de bom grado esta situação de subal-
ternidade em relação ao capital português, havendo por isso uma tensão latente entre as
elites coloniais brancas e o poder metropolitano.
Essas tensões foram acirradas pelas políticas de povoamento branco praticadas pelo
regime após 1945. Durante década e meia, de 1930 a 1945, Salazar desencorajou o povoa-
mento branco de Angola (e também de Moçambique), na medida em que temia eventuais
consequências do crescimento demográfico da comunidade branca, nomeadamente a sua
autonomização económica e política em relação à metrópole. Depois da guerra, Salazar
alterou a sua posição devido a motivos de ordem económica e política. Por um lado, a ace-
leração do povoamento branco veio ao encontro das aspirações da burguesia têxtil e
vinhateira portuguesa de alargamento dos respectivos mercados coloniais, a fim de escoar
as suas produções. Para tal era necessário aumentar o número de brancos nas colónias,
de modo a assegurar a existência de um mercado colonial sólido. Por outro lado, o cres-
cimento do número de brancos passou a ser encarado pelo governo como uma forma de
assegurar a continuidade da dominação colonial portuguesa em África, num momento em
que começavam a aparecer pressões variadas no sentido da descolonização. O Estado Novo
esperava que os colonos fossem os guardiães fiéis do colonialismo português, mantendo o
controlo político sobre as populações indígenas. Para o efeito, o salazarismo garantiu a
doutrinação política dos novos colonos, criando colonatos agrícolas nos planaltos angola-
nos que funcionavam segundo as normas estabelecidas pelo regime. Esses colonatos ins-
piravam-se nas experiências de colonização agrária realizadas na Líbia por Italo Balbo,
governador colonial e um dos máximos dirigentes do fascismo italiano, e que tinham sido
estudadas in loco por Vicente Ferreira, a convite do próprio Italo Balbo, nos finais da
O Estado Novo e as resistências à democracia e à descolonização 95

década de 1930. Ora, como muitos dos novos colonos partiam já imbuídos da ideologia
salazarista, segundo a qual os recursos das colónias deviam ser explorados para benefício
exclusivo dos interesses da metrópole, não havia (pelo menos aparentemente) o risco de
se rebelarem contra o domínio metropolitano. Além disso, para evitar que o crescimento
demográfico da comunidade branca viesse a reforçar politicamente os segmentos anti-
-salazaristas e autonomistas dos colonos, o regime promoveu o preconceito social – de
fundo racial – contra os brancos nascidos nas colónias. Assim, os brancos nascidos nas
colónias eram considerados socialmente inferiores aos brancos naturais da metrópole,
sendo etiquetados como «brancos de segunda» e como «euro-africanos». Com isto, o Estado
Novo esperava introduzir um elemento de fractura no seio da comunidade branca, opondo
diferentes gerações de colonos e «dividindo para reinar». Na prática quotidiana, a admi-
nistração portuguesa procurava favorecer os colonos recém-chegados na obtenção das
melhores terras agrícolas (sobretudo para a produção do café) e na competição pelo posto
de trabalho, em detrimento dos brancos naturais das colónias. Neste sentido, os brancos
coloniais sentiam o controlo apertado da economia angolana pela metrópole e a explora-
ção dos recursos locais para benefício quase exclusivo do capital português e estrangeiro;
a insuficiência da rede de ensino e, em particular, a ausência de ensino de carácter uni-
versitário; a inexistência de naturais da colónia em posições de comando na administra-
ção; a discriminação no emprego; etc.
As políticas de povoamento branco conduziram a um incremento consistente do
número de colonos portugueses em África. Em Angola, os brancos passaram de 44.083 em
1940 para 78.826 em 1950 e para 172.529 em 1960, ou seja, de 1,2% para 3,6% do total da
população. Em Moçambique, o número de brancos passou de 27.438 em 1940 para 48.910
em 1950 e para 97.245 em 1960, ou seja, de 0,5% para 1,5% do conjunto da população.
Mas, ao contrário das expectativas de Salazar, a «estratégia» de preconceito e de discrimi-
nação contra os brancos nascidos nas colónias acabou por incentivar ainda mais o protesto
autonomista e mesmo nacionalista, no sentido independentista, dos brancos coloniais.
Este facto ficou patente nas eleições presidenciais de 1958. Apesar da existência de fraudes
a favor do regime em vários pontos do Império, Humberto Delgado obteve nas duas maio-
res colónias portuguesas uma percentagem de votos superior à da metrópole: 34,05% em
Moçambique e 31,73% em Angola. Em Moçambique, Humberto Delgado venceu em vinte
e uma circunscrições eleitorais, incluindo a cidade da Beira. Em Angola, Humberto
Delgado obteve uma vitória esmagadora no distrito de Benguela, 66,7% dos votos, isto é,
aproximadamente o dobro do candidato apoiado pelo regime, que obteve apenas 33,3%.
Foi uma derrota para a ditadura sem paralelo na metrópole e no resto do Império.
Humberto Delgado venceu também na cidade de Sá da Bandeira e na zona urbana do
município de Luanda. Estes resultados constituíram um sinal claro da insatisfação política
dos colonos em relação à administração portuguesa. Um sinal que fez «estremecer» o
poder colonial português e o próprio Salazar.
Paralelamente ao descontentamento político dos colonos, Salazar teve de enfrentar o
aparecimento de movimentos nacionalistas e anticolonialistas entre as populações colo-
96 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

nizadas do Império Português. Inicialmente as pressões no sentido da descolonização vie-


ram da Índia, onde Portugal mantinha alguns pequenos territórios – Goa, Diu, Damão –
que, no seu conjunto, formavam o chamado Estado Português da Índia. Logo a partir de
1947, a União Indiana começou a exercer pressões sobre o governo salazarista no sentido
da integração dos territórios portugueses no novo país independente. Salazar, obvia-
mente, recusou os pedidos de Nehru. Em 1953, Lisboa e Nova Deli cortaram relações
diplomáticas e, no ano seguinte, os minúsculos enclaves portugueses de Dadrà e Nagar-
-Aveli, nas proximidades de Damão, foram ocupados pacificamente por manifestantes e
militares indianos. Lisboa, consciente da sua fraqueza militar, procurou envolver as ins-
tâncias internacionais para ganhar tempo e apoios para a sua causa. Depois de ter entrado
na ONU, em 1955, Portugal pediu ao Tribunal Internacional de Haia que se pronunciasse
sobre a questão indiana. Em 1960, o Tribunal de Haia reconheceu a soberania portuguesa
sobre os territórios indianos administrados por Portugal, mas a sentença pouco valeu ao
governo salazarista, porque a União Indiana estava determinada a colocar um ponto final
na presença colonial europeia no subcontinente indiano, mesmo à custa do recurso à
força das armas. E, tal como iremos verificar adiante, foi isto mesmo que aconteceu em
Dezembro de 1961.
No entretanto, Portugal também começou a enfrentar na ONU fortes pressões no sen-
tido de preparar os seus territórios africanos para a independência. Logo em 1956, a ONU
pediu ao governo português informações sobre a situação política nas colónias portuguesas.
Lisboa respondeu que não tinha colónias, nem quaisquer outros territórios não autóno-
mos, visto que as províncias ultramarinas eram parte integrante de Portugal. Assim, afir-
mando solenemente a unidade da Nação Portuguesa – o «Portugal do Minho a Timor» –,
Salazar rejeitou qualquer ingerência internacional nos assuntos internos portugueses. Era
uma unidade artificial do ponto de vista nacional, mas foi a fórmula encontrada pelo sala-
zarismo para justificar – e legitimar – a defesa acérrima da integridade do Estado-
-Império luso-africano. Oficialmente, Portugal era um país multicontinental, espalhado
por três continentes (Europa, África e Ásia) e plurirracial, onde todas as raças que consti-
tuíam a nação portuguesa viviam em harmonia. Para o efeito, o regime português adop-
tou as teorias do sociólogo brasileiro Gilberto Freyre, o lusotropicalismo, que defendia
uma especificidade colonial portuguesa no tocante às relações raciais, caracterizada pela
mestiçagem de raças e de culturas.
Claramente, os argumentos portugueses não convenceram as instâncias internacio-
nais. Em 14 de Dezembro de 1960, a ONU aprovou uma resolução que tornou ilegal toda
a prática colonial e, no dia seguinte, uma segunda resolução considerou como colónias
os territórios africanos sob administração portuguesa. Em 1961, a ONU condenou o colo-
nialismo português e reafirmou o direito à autodeterminação das populações das colónias
portuguesas. De facto, a situação internacional tinha mudado substancialmente na
segunda metade da década de 1950, tornando a posição portuguesa no tocante à defesa do
Império colonial muito complicada do ponto de vista diplomático. Fortes «ventos» de
mudança varriam a África colonial. Em poucos anos, o continente africano sofreu uma
O Estado Novo e as resistências à democracia e à descolonização 97

transformação inédita da sua geografia política que se concretizou na independência da


maioria das colónias europeias. Tudo se precipitou em 1958, ano de grandes alterações
políticas nos Impérios europeus. Em 13 de Maio de 1958, a 4.ª República Francesa foi
«enterrada» em Argel, na sequência do «golpe» conjunto dos pieds-noirs («colonos») e
de alguns meios militares franceses que colocaram no poder o General De Gaulle. Porém,
contrariando todas as expectativas dos colonos, De Gaulle levou a cabo a descolonização
da África francesa. Desde logo, transformou a União Francesa numa «Comunidade de
Estados» mais ou menos autónomos, a Comunidade Francesa. Esta fase de transição pre-
parou as colónias da África Ocidental Francesa (AOF) e da África Equatorial Francesa
(AEF) para a independência em 1960. Na Argélia, perante a eternização da guerra, De
Gaulle negociou a independência com os nacionalistas da Frente Nacional de Libertação
(FNL), mesmo à custa de perder o apoio dos «colonos», que saíram em massa do territó-
rio argelino em 1962. A Bélgica seguiu o exemplo da França e iniciou um processo que
conduziu à conturbada independência do Congo em 1960. O Reino Unido, com Harold
Macmillan, acelerou o processo de independência das suas colónias africanas a partir de
1957/1958, concedendo o self-government às colónias tropicais com poucos habitantes
brancos e, posteriormente, também aos territórios de povoamento europeu. Esta política
chocou com os interesses dos colonos britânicos instalados no Quénia e na Federação da
África Central, na medida em que Londres passou a defender o princípio do majority rule,
ou seja, da independência sob o governo das maiorias negras. Os colonos brancos foram
incapazes de evitar o fim da Federação da África Central (1963) e as independências do
Quénia e da Zâmbia (1964). Resistiram ao invés os brancos da Rodésia do Sul, que exi-
giam a independência sob o governo da minoria branca desde a década de 1950. Face à
recusa britânica, Ian Smith, Primeiro-Ministro da Rodésia do Sul e líder do United
Rhodesian Front, proclamou unilateralmente a independência da Rodésia em 11 de
Novembro de 1965.
Todas estas transformações internacionais tiveram impacto na situação interna das
colónias portuguesas. De facto, começaram a surgir nas várias colónias portuguesas
pequenos grupos políticos nacionalistas e anticolonialistas formados por negros, mestiços
e também por alguns brancos. Em 1955 foi fundada a União dos Povos do Norte de Angola
(UPNA), que mais tarde deu origem à União dos Povos de Angola (UPA, em 1958) e depois
à Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA, em 1962). Tratou-se de um movimento
que reunia angolanos negros da etnia bakongo e de religião baptista, residentes no Congo
Belga (Léopoldville/Kinshasa), sob a liderança de Holden Roberto. Pela mesma altura apa-
receram na capital angolana vários grupos nacionalistas clandestinos, alguns de matriz
marxista. Inicialmente, certos intelectuais brancos tiveram um papel bastante significativo
na organização desses grupos, chegando mesmo a promover a criação de uma estrutura
unitária denominada Movimento Nacional de Libertação de Angola (MNLA, 1958-1959),
que reunia brancos, mestiços e negros. Podemos dizer que todo este processo culminou
na formação do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), por vários intelec-
tuais nacionalistas no exílio. Mais concretamente, o MPLA foi fundado em 30 de Janeiro
98 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

de 1960, na 2.ª Conferência Pan-Africana, em Tunis, por dois mestiços, Viriato da Cruz e
Lúcio Lara. Ambos participaram nessa Conferência em representação do Movimento Anti-
-Colonial (MAC), uma organização unitária dos nacionalistas goeses e africanos das coló-
nias portuguesas, cuja fundação na capital portuguesa remontava à década de 1950.
Apoiado internacionalmente pelo PCP e por outros movimentos políticos da esquerda
europeia, o MPLA conseguiu implantar-se com alguma dificuldade no território angolano,
obtendo apoios e simpatias sobretudo junto da população urbana de Luanda. Entre os seus
principais dirigentes estiveram duas figuras históricas de Angola, o intelectual mestiço
Mário Pinto de Andrade e o médico negro Agostinho Neto. Tal como em Angola, nas outras
colónias portuguesas foram surgindo clandestinamente alguns grupos de nacionalistas
africanos. Na Guiné, o borbulhar nacionalista culminou na formação do Partido Africano
de Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), liderado pelo carismático Amílcar
Cabral, intelectual mestiço de origem cabo-verdiana mas nascido na Guiné. Em Moçam-
bique, embora algo tardiamente e já na década de 1960, foi fundada a Frente de Libertação
de Moçambique (Frelimo), que resultou da fusão de vários movimentos nacionalistas for-
mados no exílio por moçambicanos negros e mestiços, dos quais o mais significativo era a
UDENAMO. A Frelimo foi inicialmente liderada pelo intelectual negro Eduardo Mondlane.
Todos estes partidos e movimentos políticos exigiam a independência, imediata ou gradual,
dos respectivos países.
No entanto, Salazar rejeitou sempre qualquer forma de diálogo com os nacionalistas
das colónias portuguesas, reprimindo duramente todos os movimentos anticolonialistas
que foram surgindo clandestinamente nos territórios do chamado Ultramar. Para Sala-
zar estava fora de discussão a concessão da independência às colónias. Esta intransigên-
cia conduziu inevitavelmente o país para a guerra. Uma guerra que foi antecipada por
vários episódios de violência e até por alguns massacres, nomeadamente: o de Fevereiro
de 1953, em São Tomé e Príncipe, com a morte de centenas de são-tomenses (massacre
de Batepá); o de Agosto de 1958, na Guiné, na sequência de uma greve de estivadores do
porto de Pidjiguiti; o de Junho de 1960, no distrito de Cabo Delgado, Norte de
Moçambique (Mueda). Em Angola foram vários os episódios de violência que anuncia-
ram o início da guerra colonial. Em 1959, a polícia política portuguesa desmontou a
organização clandestina do MLNA, prendendo a maioria dos seus dirigentes e militan-
tes, entre os quais sete brancos. Os implicados foram julgados, no ano seguinte, no
âmbito do «Processo dos 50», assim designado porque envolvia cerca de meia centena
de réus. Em 1960, a PIDE realizou nova onda de prisões na região de Luanda, entre as
quais a de Agostinho Neto e a do padre Joaquim Pinto de Andrade, irmão do primeiro
Presidente do MPLA, Mário Pinto de Andrade. Na sequência de protestos contra a prisão
de Agostinho Neto, as forças coloniais portuguesas reprimiram uma manifestação de
várias dezenas de negros da região de Catete, causando um número elevado de feridos
e de mortos e criando entre a população um ambiente de medo, mas também de ódio
contra o regime colonial. Em Janeiro de 1961, os cultivadores de algodão da Baixa do
Cassange, no Norte de Angola, foram brutalmente reprimidos pelas forças portuguesas
O Estado Novo e as resistências à democracia e à descolonização 99

na sequência de protestos contra a administração despótica da COTONANG, uma


empresa majestática que impunha o cultivo obrigatório do algodão às populações afri-
canas. Estavam assim criadas as condições para o início da guerra, que rebentou poucas
semanas depois em Luanda e no Norte de Angola. E a guerra condicionou a médio prazo
os destinos da ditadura e do Estado-Império, levando à queda do regime em 25 de Abril
de 1974 e, sucessivamente, à descolonização.
5
CAPÍTULO

A Guerra Colonial e o consulado


de Marcelo Caetano (1961-1974)

Em 1961 eclodiu a guerra de independência de Angola, a primeira de três longas guerras


coloniais que consumiram o Império e a ditadura. Salazar foi então confrontado com a
pressão militar das guerrilhas nacionalistas angolanas, com uma tentativa de golpe de Estado
por parte de militares portugueses na metrópole (intentona de Botelho Moniz) e com uma
forte oposição política dos colonos brancos em Angola. Estes últimos formaram um movi-
mento político sediado em Benguela, a Frente de Unidade Angolana (FUA), que exigiu a auto-
nomia imediata de Angola, a qual deveria preparar o território para a independência. Res-
pondendo à guerrilha nacionalista e às pressões políticas dos colonos, o governo português
ensaiou uma breve experiência de reformismo colonial pela mão do novo Ministro do Ultra-
mar, Adriano Moreira. Uma experiência que poderia ter conduzido à superação da «versão
salazarista» do colonialismo português, mas que acabou por falhar com a demissão de Adriano
Moreira em 1962. A derrota da linha reformista no interior do regime levou à eternização da
guerra colonial e à sua extensão à Guiné e a Moçambique. Marcelo Caetano, que sucedeu a
Salazar em 1968, também não foi capaz de encontrar uma solução para o problema da guerra
colonial no quadro político do Estado Novo. Isto porque a política marcelista de progressiva
autonomização das colónias – com a participação das suas elites brancas, mestiças e negras
europeizadas – acabou por ser truncada pela ala direita da ditadura, os chamados integracio-
nistas, que se reuniram em torno do velho Presidente da República, o Almirante Américo
Tomaz. A incapacidade em solucionar o problema colonial conduziu ao bloqueio da governa-
ção de Marcelo Caetano e, por conseguinte, ao fracasso da tentativa de transição para um
regime mais liberal que fora ensaiada no início da sua governação, a chamada «Primavera
Marcelista». Em última análise, podemos dizer que foi a incapacidade do regime em resolver
o problema da guerra que levou à queda da ditadura em 25 de Abril de 1974.
Tudo começou na noite de 3 para 4 de Fevereiro de 1961, quando um grupo de nacio-
nalistas angolanos realizou uma operação suicida com vista à libertação de alguns compa-
nheiros encarcerados nas prisões de Luanda. Ulteriormente, o MPLA reclamou a paterni-
dade política do evento e instituiu-o como início simbólico da guerra de independência de
102 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

Angola. Poucas semanas depois, mais precisamente no dia 15 de Março de 1961, teve iní-
cio o levantamento armado das populações do Norte de Angola. Levantamento esse que foi
preparado por elementos da UPA provenientes do Congo-Léopoldville. Ao contrário do
MPLA, a UPA (e mais tarde a FNLA, sua herdeira e sucessora) considerou sempre o 15 de
Março de 1961 como a data do início da guerra de independência de Angola. Não há, pois,
uma data consensual para assinalar o princípio do conflito no território angolano e, por
consequência, da guerra colonial no seu todo. Vendo os acontecimentos pelo lado estrita-
mente português, podemos dizer que o 4 de Fevereiro de 1961 teve um valor fundamen-
talmente simbólico – e como tal político –, enquanto o 15 de Março de 1961 teve um carác-
ter mais militar, colocando as autoridades portuguesas perante a evidência da guerra.
Paralelamente, não existe consenso quanto à paternidade política do 4 de Fevereiro de
1961. Por outras palavras, não se sabe exactamente quem foi o responsável pela organização
da acção armada contra as prisões coloniais de Luanda. Como já referimos, o MPLA reclamou
a posteriori a paternidade dessa acção. No entanto, historicamente é pouco plausível que a
organização do 4 de Fevereiro de 1961 tenha pertencido ao MPLA. Vejamos porquê.
Por um lado, o MPLA não estava ainda implantado como organização política no inte-
rior de Angola em Fevereiro de 1961. De facto, uma primeira tentativa de estabelecimento
do MPLA no interior da colónia tinha falhado em Junho de 1960, devido à prisão de Agos-
tinho Neto e de outros nacionalistas da região de Luanda. A direcção do movimento estava
praticamente isolada no exílio, primeiro em Conakry e depois em Léopoldville, ainda que
alguns dirigentes permanecessem na Europa. No princípio de 1961, a direcção do MPLA,
apercebendo-se da fraqueza da sua organização, procurou reforçar com novos quadros a
sua estrutura partidária no exterior e obter maior credibilidade junto das instâncias inter-
nacionais. Para o efeito, o MPLA organizou – em conjunto com os nacionalistas de outras
colónias portuguesas, com os comunistas europeus e com determinadas organizações pro-
testantes de apoio à luta dos povos colonizados – a fuga de alguns estudantes coloniais que
frequentavam as Universidades portuguesas. A fuga maior aconteceu no Verão de 1961,
mas as saídas para o estrangeiro prolongaram-se até meados de 1962. Estes estudantes
eram, na sua maioria, negros e mestiços, quase todos ligados ao MAC (já extinto) ou pelo
menos à Casa dos Estudantes do Império. Os brancos eram poucos, pois os organizadores
das fugas por norma não recrutavam brancos. De qualquer das formas, foi só depois destas
fugas que o MPLA teve quadros em número e qualidade suficientes para organizar a luta
armada contra o colonialismo português em Angola.
Por outro lado, o MPLA ainda não tinha tomado uma opção clara pela luta armada em
4 de Fevereiro de 1961. De facto, o MPLA só decidiu avançar para a luta armada na reunião
da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP1) em

(1) A Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP) foi criada em
Abril de 1961, na reunião de Casablanca, em substituição da Frente Revolucionária Africana para a
Independência (FRAIN). A FRAIN era a estrutura que agrupava os movimentos nacionalistas das colónias
portuguesas e que tinha substituído o MAC, extinto em Janeiro de 1960, em Tunis.
A Guerra Colonial e o consulado de Marcelo Caetano (1961-1974) 103

Casablanca, em Abril de 1961, ou seja, dois meses depois dos assaltos às prisões de Luanda.
Antes de Abril de 1961, o MPLA apenas tinha meramente hipotizado – mas não decidido –
o recurso à luta armada, hipótese que fora colocada pela primeira vez numa comunicação
internacional feita em Londres, em Dezembro de 1960. Aliás, a decisão de avançar para a
luta armada constituiu uma espécie de resposta do MPLA ao levantamento da UPA de 15 de
Março de 1961, o qual tinha causado um grande número de vítimas mortais não só entre
os colonos, mas também entre os mestiços e negros. Por fim, o MPLA não tinha quadros,
militantes e armamento suficientes para lançar a luta armada em Fevereiro de 1961. E
mesmo depois da decisão tomada nesse sentido em Casablanca, o MPLA levou ainda algum
tempo a organizar os preparativos para o início das hostilidades. Com efeito, após algumas
tentativas goradas em 1962 e em 1963, o MPLA só começou a desenvolver uma guerrilha
efectiva e constante em 1964, no enclave de Cabinda, a partir das suas bases no Congo
Brazzaville. Assim, a organização do 4 de Fevereiro de 1961 não pertenceu ao MPLA.
Mas se não foi o MPLA, quem organizou então os assaltos às prisões de Luanda? O
estado actual da investigação não permite dar respostas categóricas à questão. A PIDE sus-
peitou – durante algum tempo – da existência de ligações entre os assaltos às prisões na
capital angolana e um episódio sem precedentes de oposição à ditadura salazarista: o apre-
samento do paquete Santa Maria por Henrique Galvão em Janeiro de 1961. Na verdade, o
apresamento em alto mar deste navio por um grupo de opositores às duas ditaduras ibéri-
cas – o chamado Directório Revolucionário Ibérico de Libertação (DRIL), do qual fazia
parte Henrique Galvão – constituiu um rude golpe para o prestígio do governo português,
na medida em que chamou a atenção do mundo inteiro para a situação política dos dois
regimes ibéricos. Henrique Galvão foi o principal mentor deste verdadeiro golpe de mão
que abalou o poder de Salazar. Relativamente às suas ligações aos assaltos às prisões de
Luanda, há alguns sinais de que Henrique Galvão pretendia desembarcar em Angola,
depois duma passagem pela ilha de Fernando Pó. Aliás, durante o apresamento do Santa
Maria Henrique Galvão fez-se fotografar endossando insígnias semelhantes às usadas pelo
Governador Geral de Angola. Porém, não existem provas documentais que permitam rela-
cionar directamente o 4 de Fevereiro com o projectado desembarque de Henrique Galvão
em Angola. O facto é que o Santa Maria acabou por aportar no Brasil, país que deu asilo
político aos raptores do navio. O Santa Maria foi então entregue às autoridades brasileiras,
que depois o devolveram ao Estado Português. Possivelmente, o «caso» Santa Maria
influiu apenas na escolha do momento da realização dos assaltos, visto que na capital
angolana estavam vários jornalistas estrangeiros que «esperavam» a chegada do paquete.
Foi provavelmente este facto que determinou a realização do assalto às prisões naquele
preciso momento, pois a presença dos meios de comunicação social estrangeiros garantia
a priori um certo impacto mediático internacional à acção. E assim foi, porque os assaltos
tiveram uma forte ressonância política e mediática.
Neste sentido, o mais plausível é que o 4 de Fevereiro de 1961 tenha sido uma acção
local organizada por nacionalistas do «interior» e sem ligações concretas às direcções dos
movimentos nacionalistas no «exterior», ainda que alguns dos seus protagonistas tenham
104 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

vindo mais tarde a identificar-se com o MPLA. À cabeça da organização parece ter estado
o Cónego Manuel das Neves, mestiço, discípulo de Monsenhor Alves da Cunha. O Cónego
Manuel das Neves era uma personalidade com bastante prestígio na sociedade colonial, ao
ponto de ter sido nomeado vogal do Conselho Legislativo de Angola em 1955. Mas em Abril
de 1961 esse mesmo clérigo foi preso pela polícia colonial, sob a acusação de esconder as
armas dos revoltosos que tinham participado nos assaltos às prisões. O MPLA, ao reclamar
a paternidade do 4 de Fevereiro de 1961, acabou por absorvê-lo na sua lista de pretensos
militantes, muito embora o Cónego Manuel das Neves nunca se tenha exprimido a favor
de qualquer movimento nacionalista. Aliás, já foi avançada a hipótese da existência de liga-
ções entre esse clérigo e a UPA.
Relativamente à UPA, podemos dizer que este movimento foi o primeiro partido nacio-
nalista angolano a considerar o recurso à luta armada; e foi também o primeiro a prepa-
rar-se para ela. Na verdade, a UPA foi fortemente influenciada pela teoria revolucionária de
Frantz Fanon e pela luta da FLN na Argélia. O recurso à luta armada surgiu aos olhos dos
dirigentes da UPA como a estratégia mais adequada para obter a independência de Angola.
Assim, pelo menos desde a independência do Congo Belga, em Junho de 1960, a UPA
começou a realizar preparativos militares para iniciar a luta armada contra o colonialismo
português, ao mesmo tempo que procedeu aos necessários contactos diplomáticos para
obter uma cobertura política internacional para o início das operações militares. Em vir-
tude das suas relações congolesas, a UPA foi o primeiro movimento nacionalista angolano
a ser reconhecido no exterior pelos principais líderes políticos africanos. Holden Roberto,
Presidente da UPA, participou na 1.ª Conferência Pan-Africana, realizada em Acra, capital
do Gana, em 1958. Os contactos estabelecidos em Acra com as autoridades ganesas e com
grandes figuras da luta de independência argelina, em especial Frantz Fanon, tiveram con-
sequências muito significativas no percurso político da UPA. Por um lado, deram-lhe uma
credibilidade política externa de que nenhum outro grupo político angolano então desfru-
tava, convertendo-a no interlocutor angolano privilegiado da maioria dos movimentos
nacionalistas africanos das colónias francesas, britânicas e belga. Por outro lado, a sua
prioridade e reconhecimento político internacional facilitaram-lhe os contactos com os
países ocidentais favoráveis à dissolução do colonialismo europeu, nomeadamente os EUA.
Como tal, a UPA contou desde cedo com o apoio de alguns meios políticos americanos e
da própria agência de segurança, a CIA.
A UPA conseguiu também absorver alguns partidos angolanos mais pequenos, como o
MDIA ou o ALIAZO, alargando assim a sua base de implantação e de mobilização política
a outras regiões angolanas que não os distritos setentrionais de maioria bakongo. Esse
processo de alargamento só ficou concluído já depois do início da guerra, com a fusão da
UPA e do PDA num movimento único denominado Frente Nacional de Libertação de
Angola (FNLA) e a constituição do Governo da República de Angola no Exílio (GRAE). Foi
Ministro das Relações Exteriores deste «governo» um jovem líder nacionalista negro pro-
veniente do Planalto Central, Jonas Savimbi. Mas, ao fim de algum tempo, Jonas Savimbi
entrou em ruptura com a direcção da FNLA, abandonou o GRAE e fundou o seu próprio
A Guerra Colonial e o consulado de Marcelo Caetano (1961-1974) 105

movimento nacionalista, a UNITA, que lançou a luta armada no Leste de Angola em 1966.
Neste sentido, a FNLA nunca conseguiu reunir a totalidade das forças nacionalistas ango-
lanas, tornando-se mesmo inimiga de algumas delas, nomeadamente do MPLA. A rivali-
dade política e militar entre a FNLA e o MPLA, pela supremacia no campo nacionalista,
desembocou na guerra civil entre os dois movimentos ainda durante a luta pela indepen-
dência de Angola. Foi uma guerra dentro da guerra.
No que diz respeito a Portugal, o início da guerra apanhou as chefias políticas e mili-
tares portuguesas pouco preparadas, senão mesmo desprevenidas. É verdade que tinham
sido feitos alguns preparativos militares na zona de Luanda, em previsão do aparecimento
de problemas com a população indígena e de tentativas de alteração da ordem pública.
Esses preparativos militares revelaram-se eficazes para conter – e neutralizar – a revolta
dos cultivadores negros de algodão da Baixa do Cassange, em Janeiro de 1961, havendo
relatos da realização de incursões e até de bombardeamentos aéreos portugueses sobre os
rebeldes e populações indefesas. Mas as autoridades portuguesas não estavam minima-
mente preparadas para lidar com uma rebelião da gravidade e das proporções do 15 de
Março de 1961. Não estavam preparadas do ponto de vista logístico e militar, mas também
– e sobretudo – do ponto de vista psicológico. Isto porque nada fazia prever aos governan-
tes portugueses uma explosão de violência como a que se verificou com a eclosão da guerra
no Norte de Angola. Por isso, a reacção portuguesa foi de pânico perante a violência dos
massacres de civis inocentes efectuados pela UPA.
O início da guerra foi caracterizado pela chacina de um grande número de colonos
brancos, mas também de mestiços, de assimilados e de trabalhadores negros de origem
ovimbundu, por parte da UPA. Esses massacres aconteceram em localidades, fazendas e
casas isoladas, que foram assediadas pelos apoiantes da UPA, muitos dos quais armados só
com catanas e armas rudimentares, enquanto outros dispunham de armas modernas.
Apanhados de surpresa e sem condições para se defenderem, muitos colonos e os demais
moradores das habitações assaltadas foram chacinados com particular violência pelos
revoltosos. Não se poupou ninguém, nem sequer as mulheres e as crianças. Foram fre-
quentes os casos de pessoas esquartejadas, inclusive mulheres grávidas e bebés. É difícil
explicar as razões de tanta violência. Recentemente, Holden Roberto afirmou ter perdido
o controlo sobre os seus militantes, ou melhor, sobre a população revoltada que era mera-
mente enquadrada pelos guerrilheiros da UPA. Sendo assim, a rebelião teria adquirido uma
dinâmica própria, autónoma, transformando-se numa torrente impetuosa e incontrolável
por parte da direcção política da UPA. Foi também argumentado que a explosão de violên-
cia no início da guerra foi uma consequência directa da repressão colonial portuguesa, que
durante décadas teria submetido as populações africanas a horríveis vexações, tornando
explosiva a situação social e política e criando um ódio imenso contra o regime colonial.
Mas, assim sendo, compreendem-se mal os motivos pelos quais também foram massacra-
dos milhares de africanos, entre os quais muitos trabalhadores negros provenientes das
regiões meridionais da colónia. Esses trabalhadores eram igualmente explorados – e repri-
midos – pelo colonialismo português. E o que dizer dos mestiços e dos assimilados mas-
106 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

sacrados pela UPA? O facto é que estes massacres criaram uma fractura dentro da socie-
dade angolana, inclusivamente nos meios nacionalistas. Por causa dos massacres, a UPA –
e depois a FNLA – foi considerada um partido racista e tribalista, não só pelos portugueses
mas também por muitos angolanos e até pelo MPLA. Isto porque a UPA tinha um enten-
dimento essencialista da «nação», que era pensada em termos pré-coloniais. Por outras
palavras, a UPA defendia um regresso impossível ao passado pré-colonial, de forma que a
derrota do colonialismo deveria implicar a eliminação – ou pelo menos a expulsão do país
– dos colonos brancos, dos mestiços e dos próprios negros assimilados. Facto que entrava
em contradição com a própria composição social da direcção da UPA, que era em parte
constituída por negros «assimilados» à cultura europeia no Congo Belga. Neste sentido, é
possível que os massacres de brancos (e de mestiços e assimilados) obedecessem a uma
estratégia deliberada de amedrontamento dos colonos, cujo objectivo seria provocar a fuga
apressada dos portugueses de Angola, tal como tinha acontecido poucos meses antes com
os belgas no Congo. Quanto aos massacres dos trabalhadores ovimbundu, é provável que
eles tenham sido o resultado de factores económicos, na medida em que esses trabalhado-
res competiam com a mão-de-obra local pelo posto de trabalho. Uma boa dose de messia-
nismo, de fanatismo e o uso de drogas parecem ter também contribuído para o descon-
trolo da rebelião, que desaguou num enorme banho de sangue.
A rebelião alastrou rapidamente a quase todo o Noroeste de Angola, causando um
número elevado de mortos e semeando o pânico entre as autoridades portuguesas. Focos
de revolta mais pequenos eclodiram noutros pontos da colónia. A administração portu-
guesa mostrou-se inicialmente impotente para conter militarmente a rebelião e proteger
as vidas e os bens das populações civis. Os colonos brancos demonstraram então uma capa-
cidade de resistência singular, organizando com os poucos meios que tinham à sua dispo-
sição a defesa dos seus lares. Isolados em casas e em minúsculas localidades no meio do
mato, a muitos quilómetros do quartel militar mais próximo, os colonos resistiram com
todas as suas forças aos ataques maciços dos rebeldes da UPA. E se Angola não caiu nas
mãos da UPA em 1961, isso deveu-se fundamentalmente à tenaz resistência dos colonos
brancos, que estiveram na linha da frente da luta contra os rebeldes. Mas isto não significa
que os colonos tenham cerrado fileiras com o regime colonial contra a independência de
Angola. O que os colonos fizeram foi lutar pelas suas vidas e pelos seus lares, que naquele
momento eram ameaçados pela rebelião da UPA. A maioria dos colonos era contrária à
ditadura salazarista e muitos sonhavam com a independência de Angola. Mas uma inde-
pendência para todos, que não excluísse ninguém, muito menos os brancos. Por isso, os
colonos não podiam aceitar o desígnio da UPA de fazer uma independência só para os
negros e à custa da expulsão dos brancos (e dos mestiços) do país. Em Angola – pensavam
os colonos – havia espaço para todos, negros, mestiços e brancos. Logo, os colonos não
viam qualquer motivo lógico para a sua expulsão do país, tanto mais que para muitos deles
aquela terra era a sua única casa, a sua pátria. Uma parte dos brancos já tinha nascido em
Angola e alguns eram mesmo angolanos há várias gerações; outros tinham nascido na
metrópole, mas tinham adoptado o território como sua casa e ali tinham todos os seus
A Guerra Colonial e o consulado de Marcelo Caetano (1961-1974) 107

bens e afectos. Por isso, os colonos brancos lutaram ferreamente não só pela salvaguarda
das suas vidas, mas também pelo direito a viver em Angola.
Paralelamente, o início da guerra agravou as tensões já existentes entre o governo por-
tuguês e os brancos de Angola. A incapacidade da administração colonial em assegurar a
ordem na colónia criou um perigoso vazio de autoridade em Angola. Em Luanda vivia-se
um ambiente de medo, que era exacerbado pelos contínuos assassinatos de pessoas ino-
centes nos bairros pobres da periferia (os chamados muceques). Aqui eram sobretudo
negros e mestiços que morriam às mãos de brancos de extrema direita que, enquadrados
por homens da PIDE, pretendiam incutir o terror entre a população africana. Estes assas-
sinatos tinham começado logo em Fevereiro de 1961, como forma de vingança pela morte
dos polícias portugueses durante os assaltos às prisões de Luanda. Em Março de 1961, com
a chegada dos primeiros refugiados do Noroeste de Angola, as violências cometidas pelos
extremistas brancos nos muceques da capital aumentaram de forma exponencial. Havia
sede de vingança, mas também medo, nos espíritos dos que cometiam esses crimes. E ao
incutir o terror entre a gente dos muceques, esses extremistas pensavam que consegui-
riam manter o controlo sobre a população africana, evitando a sua rebelião. Claramente, a
violência dos extremistas brancos foi deplorada pela maior parte dos colonos, nomeada-
mente pelas suas elites. As elites brancas responsabilizaram o governo salazarista pela gra-
víssima situação da colónia e exigiram de Lisboa a tomada de medidas urgentes para aca-
bar com a violência no território, bem como a realização de mudanças imediatas na admi-
nistração no sentido de conceder uma maior autonomia a Angola. Em Benguela, os
brancos foram ainda mais longe nas suas reivindicações, fundando um movimento nacio-
nalista denominado Frente de Unidade Angolana (FUA), o qual exigiu a concessão imediata
da autonomia política a Angola. Uma autonomia transitória, capaz de preparar a colónia
para a independência, que deveria ser feita de forma faseada, pacífica e democrática, com
a participação de todos os partidos políticos e que não excluísse nenhuma das componen-
tes demográficas do país.
No entretanto, em Portugal, o início da guerra colonial desencadeou um choque entre
um conjunto de sensibilidades políticas opostas nas Forças Armadas, canalizando tensões
que já vinham detrás no seio das hierarquias militares. Tensões essas que não tinham
ficado sanadas com o afastamento de Santos Costa do Ministério da Defesa Nacional em
1958. Em Abril de 1961, o choque entre os sectores mais conservadores, que pugnavam
pela continuação de Portugal em África mesmo à custa de uma guerra ilimitada, e os
meios reformistas, que desejavam uma saída política para o problema colonial, conduziu
à realização de uma tentativa de golpe de Estado militar, a chamada «Abrilada». Essa ten-
tativa de golpe foi protagonizada pelo General Botelho Moniz, Ministro da Defesa Nacional
e membro da tendência reformista, e contou com o apoio do antigo Presidente da Repú-
blica, o Marechal Craveiro Lopes, e doutros oficiais destacados, entre os quais o do futuro
General Costa Gomes. Próximos das posições da diplomacia americana, que era favorável
à independência das colónias portuguesas, os golpistas pretendiam imprimir mudanças de
fundo na política portuguesa. Em 27 de Março de 1961, numa reunião presidida pelo
108 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

General Botelho Moniz, um grupo de responsáveis pelos três ramos da Forças Armadas e
das forças policiais colocou a questão da substituição do governo para impor alterações
substanciais na orientação da política colonial. Botelho Moniz projectou então a realiza-
ção de um golpe de Estado «palaciano», que se produziria após uma reunião no Ministério
da Defesa Nacional, marcada para a tarde de 13 de Abril de 1961 e para a qual estava pre-
vista a assistência dos máximos chefes militares e dos comandantes das principais unida-
des. Salazar e Américo Tomaz seriam destituídos na sequência dessa reunião. Mas o plano
golpista não mereceu o apoio de todos os oficiais militares. Uma parte consistente das
Forças Armadas permaneceu fiel a Salazar, que foi informado dos passos dos militares
implicados na conspiração. Como tal, na manhã de 13 de Abril de 1961 foram publicadas
no Diário de Governo as demissões das figuras envolvidas no golpe, entre as quais a de
Botelho Moniz. Estas demissões, anunciadas a todo o país pela Emissora Nacional, foram
justificadas no âmbito duma remodelação ministerial, imposta pela necessidade de acabar
com a rebelião em Angola. Por isso, muitos dos oficiais envolvidos na conspiração não se
apresentaram nessa tarde na reunião do Ministério da Defesa. E os que se apresentaram na
reunião não puderam actuar, porque já não dispunham do comando directo de tropas por
efeito das demissões publicadas em Diário de Governo. O golpe tinha falhado mesmo antes
de ter começado.
Neste contexto de profunda crise política e militar, Salazar revelou uma energia polí-
tica e uma capacidade de acção inigualável, mobilizando a tropa e a população portuguesa
para a guerra. Verdade seja dita, os massacres de colonos provocaram uma profunda como-
ção política na sociedade portuguesa. E poucos portugueses estavam dispostos a aceitar a
independência imediata das colónias e, muitos menos, a entregar Angola «de mão beijada»
à UPA. A própria oposição portuguesa moderada não aceitava o fim do Império, se bem que
considerasse como necessária a realização de reformas na administração colonial no sen-
tido de dar uma maior autonomia às colónias. Isto mesmo fora expresso no «Programa
para a Democratização da República», apresentado pela oposição republicana em Janeiro
de 1961. Por isso, alguns dos velhos dirigentes republicanos e socialistas – como, por
exemplo, Ramada Curto – vieram a público apelar à unidade nacional, mostrando-se con-
trários ao abandono das colónias. Só o Partido Comunista Português aceitava a hipótese
da independência de Angola, mas dificilmente via na UPA um interlocutor credível para
uma eventual negociação ou passagem de poderes. Por isso, a decisão de Salazar de partir
para a guerra encontrou um amplo consenso político na sociedade portuguesa. Através da
televisão, da rádio, dos jornais e de todos os meios de comunicação que tinha à sua dispo-
sição, Salazar mobilizou – como nunca antes fizera – uma parte muito consistente da
população portuguesa. Maciças manifestações populares – organizadas, mas também
espontâneas – demonstraram por todo o país o seu apoio à decisão do governo. Em Lisboa
houve também manifestações contra os Estados Unidos da América, acusados de estarem
por detrás da rebelião da UPA. Muitos jovens portugueses alistaram-se voluntariamente no
exército para ir combater em África pela «Pátria e pelo Império». Ao som dos slogans
«Angola é nossa!» e «Para Angola e em força!», muitos milhares de portugueses cerraram
A Guerra Colonial e o consulado de Marcelo Caetano (1961-1974) 109

fileiras – pela primeira e única vez – em torno do velho ditador, Salazar. Isto não porque
apoiassem a sua ditadura, mas porque defendiam, como ele, a integridade do Império. Por
um (breve) momento, a nação metropolitana uniu-se em torno da defesa do Estado-
-Império luso-africano.
Dispondo de um amplo – ainda que temporário – consenso na sociedade portuguesa,
Salazar conseguiu organizar com uma velocidade impressionante um amplo contingente
de tropas metropolitanas para Angola. Em Maio de 1961, as primeiras tropas desembarca-
ram em Luanda. Seguiram-se muitos outros contingentes militares, que foram para as
zonas afectadas pela guerrilha no Norte e para outros pontos da colónia. Mas Salazar per-
cebeu que, para dominar a rebelião angolana, manter a soberania portuguesa na colónia e
salvar a ditadura e o Império não bastava mobilizar a tropa e a população metropolitana
para a guerra. O ditador compreendeu que tinha de fazer mudanças urgentes na sua polí-
tica colonial, fazer reformas na administração no sentido da descentralização e promover
o desenvolvimento económico e social das colónias. Só assim se poderia evitar a adesão das
populações colonizadas à causa nacionalista e manter sob controlo as elites brancas, que
exigiam um quinhão maior na governação de Angola (e de Moçambique). O Presidente do
Conselho chamou então Adriano Moreira, um jovem e reputado académico de ideias libe-
rais, para o cargo de Ministro do Ultramar, e nomeou o General Venâncio Deslandes, um
militar com experiência internacional, Governador Geral de Angola. Venâncio Deslandes
acumulou estas funções com as de Comandante Chefe das Forças Armadas em Angola, o
que na prática correspondeu a um reforço dos poderes do Governador Geral.
Em Maio de 1961, Adriano Moreira deslocou-se a Angola, numa visita prolongada
pelas zonas afectadas pela guerrilha e pelas principais cidades, onde dialogou com as elites
brancas. Perante as elites angolanas, o Ministro do Ultramar proclamou uma nova polí-
tica colonial baseada no princípio da «autonomia progressiva e irreversível» das colónias.
Estava assim lançada a base para um diálogo – e até para uma certa colaboração política
– entre os colonos brancos e a linha reformista do regime colonial. Uma nova era na
administração colonial parecia iniciar-se para o Estado-Império luso-africano. No arco de
poucos meses, Adriano Moreira reforçou a autonomia e os poderes dos Governadores e
dos órgãos políticos coloniais e elevou o número de deputados eleitos pelas colónias à
Assembleia Nacional. O objectivo era envolver o mais possível as elites coloniais – e não
só as brancas – na governação dos respectivos territórios. No plano económico, Adriano
Moreira fomentou o desenvolvimento das colónias através de uma política de investi-
mento público e abrindo os mercados coloniais a novo capital estrangeiro. Como tal,
Angola começou a crescer a um ritmo avassalador, como nunca tinha acontecido até então.
Um crescimento que também se verificou, em escala menor, em Moçambique e que atraiu
milhares de novos colonos brancos à África Portuguesa. No plano social, a reforma mais
marcante foi a abolição do Estatuto do Indigenato (6 de Setembro de 1961) e a concomi-
tante atribuição (pelo menos nominal) da cidadania portuguesa a todos os naturais das
colónias portuguesas. Foram tomadas medidas para a erradicação do trabalho obrigató-
rio, do cultivo forçado de certos produtos (como por exemplo o algodão) e para a melho-
110 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

ria das condições de vida da maioria negra. Em termos políticos, Adriano Moreira procu-
rou envolver no processo de autonomização colonial alguns intelectuais africanos com
peso político na área do nacionalismo. Assim, mandou libertar das prisões coloniais o
angolano Agostinho Neto, futuro Presidente do MPLA, e convidou o moçambicano
Eduardo Mondlane, futuro Presidente da Frelimo, para exercer as funções de docente
numa estrutura universitária que então se estava a tentar criar em Moçambique. Adriano
Moreira ordenou ainda a libertação de Fernando Falcão, o Presidente da Frente de Uni-
dade Angolana (FUA), que tinha sido preso e deportado para Portugal, juntamente com a
maioria dos seus companheiros da direcção da FUA, em Junho de 1961. Neste sentido,
Adriano Moreira tornou-se rapidamente numa figura com grande prestígio político na
metrópole e nas colónias, inclusive entre muitos africanos. Em Portugal começaram
mesmo a circular rumores de que Adriano Moreira era um dos principais candidatos à
sucessão de Salazar, facto que começou a suscitar invejas e incompreensões nalguns cír-
culos do poder.
Paralelamente à acção do Ministro do Ultramar, o Governador Geral de Angola,
Venâncio Deslandes, também colocou em acto uma nova dinâmica governativa que con-
quistou o apoio das elites angolanas. Desde logo, o Governador Geral procurou envolver a
emergente sociedade civil angolana no processo de decisão política por meio do Conselho
Legislativo. O número de vogais desse órgão legislativo foi aumentado para trinta, quinze
dos quais eleitos por sufrágio directo em representação de cada um dos quinze distritos de
Angola, e outros sete eleitos por várias organizações de carácter económico, cultural e reli-
gioso. Depois, apresentou um programa de governo, que foi submetido à aprovação do
Conselho Legislativo. Esse programa apostava seriamente na modernização da sociedade
angolana nas suas diversas áreas, da economia à educação, passando pelos sectores das
obras públicas, transportes, comunicações, saúde. E, de facto, começaram a ser dados
passos concretos no sentido do desenvolvimento económico, social e cultural da colónia,
facto que deu uma grande popularidade ao Governador Geral.
No entretanto, a tropa portuguesa – auxiliada pelas milícias dos colonos e por um
contingente significativo de africanos – realizou a reconquista militar das zonas afecta-
das pela rebelião da UPA no Norte de Angola. Ao fim de poucos meses de combates, o
exército português conseguiu obter o controlo de quase todo o território anteriormente
dominado pela UPA, expulsando a guerrilha para as zonas fronteiriças com o Congo. A
recuperação portuguesa foi porém assinalada por um conjunto de massacres e de vio-
lências várias sobre as populações africanas. O ódio e a sede de vingança levaram as fran-
jas mais extremistas a envolver-se em acções que, muito provavelmente, igualaram em
horror os massacres precedentes da UPA. Milhares de angolanos perderam a vida
durante a recuperação militar portuguesa e várias dezenas de milhares fugiram para o
Congo, acompanhando a retirada da guerrilha angolana. Muitos fugiram com medo das
represálias portuguesas, ainda que não estivessem directamente envolvidos no levanta-
mento da UPA. Em finais de 1961, a rebelião tinha sido sufocada e a guerra parecia estar
ganha para Portugal.
A Guerra Colonial e o consulado de Marcelo Caetano (1961-1974) 111

Paradoxalmente, a rápida recuperação militar portuguesa acabou por entravar o pro-


cesso de reforma do sistema colonial. Isto porque o «mito da guerra ganha» parecia
tornar as reformas desnecessárias do ponto de vista político. Este mito foi difundido pela
ala mais conservadora da ditadura, que se intitulava «integracionista» porque rejeitava a
autonomia das colónias e propunha, no seu lugar, uma total integração administrativa
entre a metrópole e os territórios «ultramarinos». Esta integração administrativa resul-
taria na prática num reforço do centralismo político de Lisboa. O Professor da Univer-
sidade de Coimbra Pacheco de Amorim foi um dos mais mediáticos porta-vozes da cor-
rente integracionista, que contava com uma forte representação na Assembleia Nacional e
no governo, entre os quais o Ministro de Estado José Correia de Oliveira. Aliás, Salazar
não era de todo insensível aos argumentos integracionistas, tanto mais que a sua política
colonial fora sempre no sentido de evitar a repetição do «Grito de Ipiranga» em Angola e
em Moçambique. Por isso, Salazar desconfiava de todas as propostas que implicavam um
crescimento da influência dos colonos na governação das colónias. Paralelamente, os
grandes interesses económicos metropolitanos e estrangeiros não queriam perder os seus
privilégios nas colónias portuguesas, pelo que tentaram obstruir as reformas no campo
económico.
Neste contexto, Adriano Moreira começou a debater-se com fortes entraves à sua polí-
tica reformista de autonomia para as colónias. Na verdade, o Ministro do Ultramar sabia
que, para concretizar a sua política autonomista, era necessário fazer reformas de estrutura
no sistema colonial português. Em primeiro lugar era indispensável fazer uma revisão da
Lei Orgânica do Ultramar, de modo a garantir e a definir no concreto a proclamada auto-
nomia progressiva e irreversível das colónias, os seus objectivos e os seus eventuais limites.
Depois era necessário rever o estatuto das grandes empresas internacionais que controla-
vam em regime de monopólio a exploração de minerais e matérias primas coloniais,
porque só assim se poderia assegurar a autonomia económica das colónias, bem como o seu
desenvolvimento e a melhoria das condições de vida das suas populações. Outro objectivo,
neste caso, seria dar às populações coloniais o controlo sobre a economia dos seus territó-
rios. Enfim, era preciso alargar o sistema escolar, investindo quer na alfabetização, quer na
criação de ensino superior de carácter universitário nas colónias, pelo menos em Angola e
em Moçambique, de modo a criar quadros em número e em qualidade suficientes para asse-
gurar a administração autónoma dos respectivos países. Mas no contexto político da dita-
dura portuguesa era muito difícil criar as condições necessárias para a realização destas
reformas. Para levar a cabo qualquer uma destas reformas, Adriano Moreira tinha primeiro
de superar um conjunto muito grande de obstáculos, facto que retardava a implementação
da autonomia e a actuação das reformas nas colónias.
Esta situação acabou por criar um conjunto de problemas e de tensões no relaciona-
mento entre o governo central e o Governador Geral de Angola que, mais permeável às
pressões das elites brancas, exigia mais autonomia e poder para actuar no sentido do
desenvolvimento de Angola. Face aos sucessivos atrasos na metrópole, o Governador Geral
começou a agir de forma independente, sem referir as suas decisões à prévia aprovação de
112 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

Lisboa. Por exemplo, Venâncio Deslandes decidiu tributar a Companhia dos Diamantes de
Angola (DIAMANG), na medida em que esta empresa majestática não pagava impostos,
mas apenas uma renda ao Estado Português. A DIAMANG pressionou então directamente
o governo central para anular a medida tomada por Deslandes. E Salazar, permeável aos
interesses do grande capital internacional, acabou por ceder às pressões da DIAMANG,
azedando as relações entre Lisboa e Luanda. Outro caso foi o da aprovação da criação dos
Centros de Estudos Universitários pelo Conselho Legislativo de Angola em Abril de 1962.
Esta decisão foi tomada sem a autorização do governo central, pelo que Lisboa declarou
inconstitucional a criação desses Centros e anulou o diploma do Governo Geral de Angola
em 17 de Julho de 1962. A anulação do diploma chocou a opinião pública angolana e pro-
vocou um movimento de protesto contra o governo de Lisboa. Angola viveu então dias de
grande efervescência política, falando-se abertamente na proclamação da independência.
Houve mesmo quem visse um eventual líder separatista na pessoa de Venâncio Deslandes.
O caso foi remediado por Adriano Moreira que, consciente da gravidade da situação, fez
todos os esforços para ultrapassar os obstáculos à criação do ensino superior nas colónias,
conseguindo-o por fim em 23 de Julho de 1962, com a criação dos Estudos Gerais
Universitários de Angola e Moçambique. Mas o episódio inquinou definitivamente as rela-
ções entre Salazar e Venâncio Deslandes, que foi demitido do cargo de Governador Geral
de Angola em Setembro de 1962.
Simultaneamente, tornou-se cada vez mais delicada a posição de Adriano Moreira no
governo português. Na verdade, Salazar e Adriano Moreira tinham concepções diferentes
do significado e da utilidade da reforma do sistema colonial português. Salazar conside-
rava que as reformas serviam apenas para ganhar tempo – e eventualmente apoios – para
vencer militarmente a guerra, ao passo que Adriano Moreira via nas reformas uma
maneira de resolver politicamente uma guerra que sabia não poder ser ganha pela força
das armas. Em finais de 1962, a guerra colonial parecia estar militarmente ganha para o
lado português, enquanto a política de reformismo colonial estava a criar sérias divisões na
ditadura, sendo mesmo fortemente hostilizada pelos meios integracionistas. Em Outubro
de 1962, Adriano Moreira tentou in extremis levar avante o processo de revisão da Lei
Orgânica do Ultramar, convocando para o efeito uma reunião do Conselho Ultramarino.
O Conselho Ultramarino discutiu o anteprojecto de reforma da Lei Orgânica do Ultramar,
contando com a participação de alguns observadores das elites brancas de Angola. Mas foi
uma tentativa em vão, porque o processo foi truncado pelos integracionistas e pelo pró-
prio Salazar. O Presidente do Conselho impôs o fim da política de reformismo colonial,
facto que conduziu à demissão de Adriano Moreira do cargo de Ministro do Ultramar em
4 de Dezembro de 1962.
A demissão de Adriano Moreira significou o fim da breve experiência reformista da polí-
tica colonial portuguesa e, claro, o fim de qualquer possibilidade duma evolução no sen-
tido da autonomização política das colónias. Efectivamente, a nova Lei Orgânica do
Ultramar, aprovada em Abril de 1963, negou qualquer forma de autonomia política às coló-
nias. A nova lei aceitou apenas um mera descentralização da administração colonial,
A Guerra Colonial e o consulado de Marcelo Caetano (1961-1974) 113

dotando as colónias de novas Cartas Orgânicas. Mas as alterações relativas à transferência


de poderes do governo central para os órgãos políticos coloniais foram muito limitadas.
Em Angola, por exemplo, o Estado colonial – Governador Geral, Conselho Legislativo, etc.
– continuou subordinado ao Estado central, por meio do Ministério do Ultramar. O
Conselho Legislativo manteve um carácter pouco mais do que consultivo, uma vez que o
sistema estava montado de maneira a que os vogais se limitassem a sancionar os projectos
de leis apresentados pelo Governador Geral. Por sua vez, o Governador Geral permaneceu
estritamente dependente do Ministério do Ultramar, de forma que se devia conformar com
as suas instruções, pareceres e ordens, pelo que o poder continuou solidamente nas mãos
dos governantes em Lisboa. A autonomia financeira da colónia foi mais uma vez adiada e
os grandes monopólios internacionais permaneceram intactos, apesar da abertura da coló-
nia a novos capitais. As mudanças mais significativas foram o crescimento do número de
vogais eleitos no Conselho Legislativo e a criação de um Conselho Económico e Social,
uma espécie de Câmara Corporativa, onde as elites coloniais podiam exprimir – de forma
limitada – os seus interesses. Mas estas pequenas concessões eram em si insuficientes para
dar à população angolana um real poder de intervenção na governação da colónia. O facto
é que os colonos e, no geral, os angolanos continuaram afastados da governação de Angola.
Disso era um sinal evidente o carácter altamente restrito do corpo eleitoral angolano,
mesmo depois da revisão – segundo as directivas da nova Lei Orgânica do Ultramar – dos
cadernos eleitorais: 153.472 eleitores inscritos em Março de 1964, numa população total
de cerca de cinco milhões de habitantes, ou seja, 3% dos angolanos.
Neste contexto, os integracionistas conseguiram bloquear o processo de autonomiza-
ção do Estado colonial. Mas ao minarem o processo de reforma das estruturas político-
-administrativas do Estado-Império, os integracionistas impediram a resolução do pro-
blema colonial no quadro político do Estado Novo e cavaram a cova do regime e do
Império. Isto porque o fracasso do processo de auto-reforma do colonialismo português
impediu o aparecimento de uma solução política para o problema da guerra colonial, não
deu qualquer resposta às pressões da comunidade internacional no sentido da descoloni-
zação e não fez nenhuma concessão às reivindicações políticas dos grupos nacionalistas
das colónias portuguesas. Por isso, Portugal continuou «isolado» na cena internacional,
em especial na ONU. Um «isolamento» que vinha desde Dezembro de 1960 e que tinha
sido propiciado pela hostilidade de Kennedy, Presidente dos EUA, à continuação do
Império Português. Após a morte de Kennedy, este «isolamento» foi gradualmente dimi-
nuindo, sobretudo durante a administração Nixon. Além disso, o afastamento de alguns
aliados tradicionais, como por exemplo a Grã-Bretanha, foi em parte compensado por um
estreitamento de laços com a África do Sul e com a Rodésia, os dois países mais interessa-
dos na manutenção do «bastião branco» na África Austral, mas também com a França do
General De Gaulle e com a Alemanha Federal.
A guerra colonial continuou, porém, sem solução à vista, em virtude do aparecimento
de guerrilhas na Guiné e em Moçambique. Salazar e os integracionistas erraram ao pensar
que a guerra estava ganha. Em Angola, o MPLA escolheu um novo líder – Agostinho Neto
114 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

– na sua 1.ª Conferência Nacional de Dezembro de 1962. Nos anos seguintes, reorganizou
as suas estruturas políticas e militares e abriu uma frente de combate no enclave de
Cabinda, a partir das bases de que dispunha no Congo-Brazzaville, e outra frente no Leste
de Angola, a partir da Zâmbia. A UPA, convertida em FNLA, continuou a exercer pressão
militar a partir do Congo-Léopoldville (o Zaire de Mobutu Sese Seko, cunhado de Holden
Roberto). No Leste de Angola, a UNITA, criada por Jonas Savimbi, lançou a sua luta armada
pela independência em finais de 1966. E os colonos, apesar da forte repressão do regime
sobre a FUA, também se mostraram particularmente irrequietos em relação ao poder colo-
nial. Na Guiné, o PAIGC de Amílcar Cabral lançou a guerra de independência em 1963, con-
tando para o efeito com o apoio da Guiné-Conakry de Sekou Touré. Apesar de algumas difi-
culdades iniciais, o PAIGC foi o movimento que conseguiu organizar a guerrilha mais efi-
ciente contra as forças coloniais, subtraindo vastas zonas do território guineense ao con-
trolo dos militares portugueses. Foi aliás na Guiné que a guerra foi mais dura para o lado
português, ao ponto de se poder falar na iminência de uma derrota militar nas vésperas do
25 de Abril de 1974. Em Moçambique, a Frelimo de Eduardo Mondlane iniciou as operações
militares nas regiões setentrionais do território em 1964. Contando com o apoio e a reta-
guarda da Tanzânia, a Frelimo conseguiu desenvolver uma guerrilha mais ou menos efi-
ciente no Norte de Moçambique, mas não conseguiu ameaçar verdadeiramente o controlo
da colónia por parte dos portugueses. Foi só já no final da guerra que a guerrilha moçam-
bicana conseguiu desenvolver algumas acções militares de relevo nas zonas de colonização
branca do centro do país, nas proximidades de Vila Pery (Chimoio) e da Beira.
Salazar e os integracionistas não quiseram ver a realidade e não compreenderam que
era indispensável realizar reformas de estrutura no Estado-Império, para que dele pudesse
permanecer algo depois das inevitáveis independências das colónias africanas. Na verdade,
a integridade do Império Colonial Português já tinha sido infringida em Dezembro de
1961, quando as forças militares da União Indiana puseram um ponto final na soberania
portuguesa em Goa, Diu e Damão. Adriano Moreira, que na altura ainda era Ministro do
Ultramar, não pôde fazer nada para evitar o fim do plurissecular Estado Português da
Índia. Na ocasião, Salazar, demonstrando uma completa falta de interesse pelo valor da
vida humana, tentou impor ao Governador Geral da Índia, Vassalo da Silva, o sacrifício
físico da guarnição portuguesa, ordenando a resistência militar até ao último homem.
Uma resistência inútil, dada a enorme superioridade militar indiana. Por isso, depois de
alguns combates com as forças da União Indiana, Vassalo da Silva, desobedecendo às
ordens de Salazar, negociou a rendição portuguesa. Uma rendição que poupou a vida a
muitas centenas de militares portugueses, mas que desencadeou a fúria de Salazar. Vassalo
da Silva e os militares foram responsabilizados pela «perda da Índia», uma situação que
gerou algumas tensões entre o poder político e certos meios militares.
Paralelamente, foi-se assistindo à erosão gradual do consenso político manifestado
por sectores substanciais da sociedade portuguesa em torno da política colonial do
regime. Inicialmente, o país tinha apoiado em peso a decisão de Salazar de ir para a
guerra em Angola. Mas com o passar do tempo e o alastramento do conflito às outras
A Guerra Colonial e o consulado de Marcelo Caetano (1961-1974) 115

colónias esse consenso desapareceu e deu lugar ao descontentamento. Este desconten-


tamento manifestou-se pelo aparecimento de fenómenos de contestação política à dita-
dura. A contestação foi protagonizada por grupos de esquerda, mas também pelos
ambientes universitários e pelas classes populares urbanas e rurais. Em 1962 o regime foi
abalado por uma crise académica sem precedentes e que envolveu os meios estudantis das
Universidades de Coimbra e de Lisboa. Houve graves confrontações de rua entre estu-
dantes universitários e forças policiais, as quais chegaram a reprimir os estudantes nas
instalações da Universidade de Lisboa. Em sinal de protesto pelo desrespeito da autono-
mia universitária por parte das forças policiais, Marcelo Caetano pediu a demissão do
cargo de Reitor da Universidade de Lisboa, consumando assim o seu afastamento em rela-
ção a Salazar. O 1.º de Maio de 1962 foi também marcado por imponentes manifestações
de milhares de trabalhadores em Lisboa e noutras cidades portuguesas. As manifestações
foram reprimidas com grande violência pela polícia, que prendeu centenas de manifes-
tantes, entre os quais o pai do autor deste livro. Outras importantes manifestações popu-
lares e de trabalhadores tiveram lugar em Lisboa, no Alentejo e noutros pontos do país
no biénio 1962-1963 e nos anos seguintes. A repressão policial causou um número ele-
vadíssimo de prisões, para além de muitos feridos e alguns mortos. A luta foi especial-
mente intensa entre os assalariados agrícolas dos grandes latifúndios do Alentejo, onde o
Partido Comunista Português dispunha de grande influência. O PCP foi aliás um dos
grupos fundadores da Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN), uma organização
unitária da oposição portuguesa no exílio criada em Roma em Dezembro de 1962. No ano
seguinte, em Praga, a FPLN deu vida a uma Junta Revolucionária Portuguesa, liderada
por Humberto Delgado. Mas o aparecimento de fortes divergências no seio da oposição
portuguesa no exílio levou à saída de Humberto Delgado da FPLN em 1964, ou seja, um
ano antes de ter sido assassinado por agentes da PIDE na fronteira luso-espanhola. Com
sede em Argel, a FPLN continuou a trabalhar com a participação dos comunistas até
1970, data em que novas divergências levaram ao afastamento do PCP. No plano interno,
apesar do aparecimento de grupos de extrema esquerda, alguns de tendência maoista, o
PCP continuou a ser o principal partido de oposição ao regime, sofrendo por isso de
forma mais severa a repressão salazarista.
Mas o facto mais significativo ocorrido nos últimos anos do salazarismo foi a morte
súbita do «Portugal velho», isto é, do país rural, profundo e arcaico tão caro a Salazar. Com
efeito, na década de 1960 assistiu-se ao colapso das estruturas tradicionais do Portugal
rural. Esse colapso foi provocado pelo abandono maciço dos campos por parte da popula-
ção camponesa. De 1960 a 1974 cerca de um milhão e meio de portugueses abandonaram
a pátria, emigrando para França e para outros países da Europa Ocidental e da América do
Norte. A África do Sul, a Austrália e a Venezuela foram outros destinos menores da emi-
gração portuguesa. Um número razoável de portugueses estabeleceu-se também nas coló-
nias da África Austral, ou seja, Angola e Moçambique. Portugal foi assim o único país da
Europa Ocidental a perder população, passando de 8.889.392 habitantes em 1960 para
8.668.267 em 1970. Esta sangria de portugueses para o estrangeiro foi acompanhada de
116 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

um crescimento do êxodo rural para as principais cidades, em especial para Lisboa. A capi-
tal ficou rodeada por uma enorme cintura de bairros de lata, onde as muitas famílias de
antigos camponeses viviam em penosas condições de pobreza e de higiene. A fuga maciça
dos campos dos trabalhadores agrícolas teve consequências dramáticas para o tecido eco-
nómico-social do país rural. Em poucos anos ruiu toda uma estrutura social alicerçada na
posse da terra e na superexploração da mão-de-obra barata representada pelos assalariados
rurais. Os campos ficaram vazios e as terras incultas por falta de braços para as trabalhar.
As classes possidentes rurais ficaram, de repente, sem o seu principal sustento económico
e não souberam dar uma resposta rápida e eficaz às transformações em acto. Em pouco
tempo o seu poder económico, social e político esboroou-se. Foi o ocaso definitivo do capi-
tal agrário, conservador e reaccionário, que durante décadas tinha sido um dos principais
sustentáculos da ditadura de Salazar.
Em compensação, assistiu-se ao crescimento do poder e da influência do capital finan-
ceiro, comercial e industrial português, que beneficiou do processo de industrialização do
país encetado a partir de finais da década de 1950. Uma industrialização que envolveu sobre-
tudo os centros urbanos e que foi feita à sombra da asa protectora do Estado, o qual favo-
receu o desenvolvimento de autênticos monopólios capitalistas. Na verdade, durante déca-
das uma autêntica industrialização do país fora entravada pela burguesia agrária de provín-
cia, que pretendia a conservação do statu quo económico e social do país rural. O regime
era obrigado a mediar os interesses agrários com os interesses industriais, comerciais e
financeiros e o resultado dessa mediação era a manutenção artificial de uma economia rural
atrasada, arcaica e rentista. Esta situação começou a mudar de forma radical a partir de
finais da década de 1950. O II Plano de Fomento (1959-1964), a entrada de Portugal na
EFTA (1960) e o aumento do investimento externo no país estimularam o desenvolvimento
dos sectores secundário e terciário. Além disso, a economia portuguesa foi «arrastada» pelo
boom económico dos países da Europa Ocidental e tornou-se sempre maior a integração
entre a economia portuguesa e a economia europeia. Contudo, os interesses capitalistas
portugueses não deixaram de ser relevantes em África. Pelo contrário, a industrialização da
metrópole foi acompanhada pelo desenvolvimento económico das duas maiores colónias
portuguesas, que se tornaram objecto de avultados investimentos de capitais metropolita-
nos e estrangeiros. Enfim, o êxodo rural para as cidades libertou uma imensa massa de mão-
-de-obra barata que foi utilizada no processo de industrialização do país. Industrialização
que só foi possível graças aos baixos salários pagos aos trabalhadores. Assim, se, por um
lado, o fim da economia agrária determinou o declínio inexorável da burguesia e da aristo-
cracia de província, por outro lado favoreceu as necessidades de crescimento da burguesia
industrial e da elite financeira e comercial, que à primeira estavam estreitamente associa-
das. O modelo de desenvolvimento salazarista, assente no equilíbrio entre os interesses
agrários e os interesses industriais, tinha falhado. A emigração dos proletários rurais
desembaraçou definitivamente os interesses industriais dos entraves à modernização eco-
nómica do país representados pelos interesses agrários. Mas a hegemonia da restrita elite
burguesa-aristocrática não foi beliscada. Ao invés, a elite acabou por ser uma das grandes
A Guerra Colonial e o consulado de Marcelo Caetano (1961-1974) 117

beneficiárias da nova situação económica criada pela industrialização do país. Os grandes


«capitães» da indústria, do comércio e da alta finança pertenciam quase todos a essa elite,
ou com ela mantinham estreitas relações de parentela. O capitalismo português entrou
numa nova fase, caracterizada pela concentração do capital na mão de grandes grupos eco-
nómicos e financeiros, cujos negócios foram favorecidos pelos monopólios concedidos pelo
Estado. Daqui emergiu uma autêntica burguesia monopolista.
O desenvolvimento económico do país propiciou também um crescimento das classes
médias urbanas, que beneficiaram de um aumento significativo do nível de vida. Mais
ricas, mais instruídas e com maiores expectativas e pretensões no campo político, as classes
médias tornaram-se cada vez mais favoráveis a uma modificação das estruturas políticas,
a uma liberalização do regime e a uma resolução do problema da guerra colonial, mas não
a uma revolução. Evolução do regime sim, mas não a queda do país no «caos» revolucio-
nário. Porém, a capacidade de pressão política das classes médias permaneceu muito limi-
tada, pelo menos no quadro político da ditadura. Mesmo que quisessem, as classes médias
não dispunham de força suficiente para promover a transformação do regime.
Na verdade, só a grande burguesia monopolista tinha o poder efectivo para patrocinar
a metamorfose do regime. Ora, a grande burguesia monopolista tinha consciência da
necessidade de adequar a superestrutura política à nova infra-estrutura económica e social
do país. A ditadura salazarista, que durante décadas tinha servido e protegido os interesses
da burguesia portuguesa, tinha-se tornado um empecilho a um maior e mais rápido cres-
cimento do capitalismo português. Para a grande burguesia monopolista era necessário
estreitar os laços económicos com os países da Europa Ocidental, que ofereciam novas e
vantajosas oportunidades de negócios. Mas, para essa burguesia, a integração da economia
portuguesa na economia europeia deveria ser acompanhada pela conservação dos interes-
ses económicos nas colónias, que aliás se tinham alargado por via do crescimento das eco-
nomias angolana e moçambicana. Como tal, a grande burguesia portuguesa entendia
como necessária uma liberalização do regime, a fim de facilitar a aproximação à Europa,
mas também a resolução do problema colonial, de modo a permitir a continuação dos seus
negócios em África. Resolver o problema colonial significava, neste caso, encontrar uma
solução política que pusesse fim à guerra e libertasse o país das ingentes despesas milita-
res, mas que, simultaneamente, mantivesse as colónias na órbita portuguesa. Isto é, passar
de uma forma de colonialismo clássico a uma forma de neocolonialismo político-econó-
mico, capaz de salvaguardar os interesses capitalistas portugueses na África Austral. Por
isso não interessava tanto à grande burguesia portuguesa o axioma salazarista da defesa da
integridade do Império. O importante era encontrar uma solução que lhe permitisse sal-
vaguardar os seus negócios nos territórios africanos, mesmo que isso significasse o fim
formal do Império Português.
Por outro lado, a grande burguesia monopolista tinha consciência da inexequibilidade
do regime se transformar enquanto Salazar fosse vivo, ou pelo menos enquanto permane-
cesse no poder. Mas sabia também que era necessário preparar a sucessão do velho ditador,
que mais cedo ou mais tarde teria que deixar as rédeas da governação. A pessoa escolhida
118 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

foi Marcelo Caetano, homem do regime, mas «guia» da corrente reformista e que tinha
sabido a seu tempo distanciar-se de Salazar. Professor e jurista prestigiado, especialista em
questões coloniais e experiente nas lides da governação na qualidade de Ministro das
Colónias e Ministro da Presidência, Marcelo Caetano dispunha de um número significativo
de «sequazes» bem posicionados na administração do Estado. Caetano tinha também o
respeito de alguns círculos da oposição moderada e dos meios intelectuais, sobretudo
depois da sua demissão do cargo de reitor da Universidade de Lisboa. Pelas suas ideias e
pelo seu perfil político, Marcelo Caetano parecia ser o homem certo para conduzir o pro-
cesso de liberalização do regime, aproximar o país da Europa, definir um novo modelo de
desenvolvimento económico nacional – mais consentâneo com os interesses da grande
burguesia monopolista – e encontrar uma solução em termos neocoloniais para o pro-
blema da guerra de África.
Em Setembro de 1968, Salazar caiu de uma cadeira, bateu com a cabeça no chão e,
embora tivesse sobrevivido ao acidente, ficou incapacitado de governar o país. Morreu dois
anos mais tarde, em 27 de Julho de 1970. Após algumas hesitações, o Presidente da Repú-
blica, Américo Tomaz, convidou Marcelo Caetano a formar governo, não sem antes lhe
colocar toda uma série de condições políticas, com a finalidade de garantir a estabilidade
do regime. Em 27 de Setembro de 1968, Marcelo Caetano tomou posse como Presidente
do Conselho de Ministros, pondo um ponto final a trinta e seis anos de governação directa
de Salazar. O processo de sucessão fez-se sem grandes sobressaltos políticos, porque no
fundo não havia outra escolha política possível. Havia outros candidatos, como por exem-
plo o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Franco Nogueira, mas nenhum dispunha dos
apoios e do prestígio de Marcelo Caetano. A nomeação de Marcelo Caetano foi uma derrota
para a ala dura do regime, para os integracionistas, para os interesses agrários tradicionais
e para os sectores mais atávicos da ditadura. O Presidente da República, Américo Tomaz,
era contrário a Caetano, tal como uma boa parte dos deputados da Assembleia Nacional e
dos dirigentes da União Nacional. Nas Forças Armadas muitos eram os oficiais que não
nutriam simpatia pelas posições reformistas do novo Presidente do Conselho. Mas todos
tiveram que aceitar a sua nomeação por falta de uma alternativa válida e, sobretudo,
porque Caetano teve o apoio da grande burguesia monopolista, classe que detinha a hege-
monia no seio do bloco de poder que constituía o regime. Além disso, pelo menos numa
primeira fase, Marcelo Caetano contou com o apoio de largos sectores da pequena e média
burguesia, ou seja, das classes médias urbanas que ansiavam por uma mudança. Para
Caetano, o grande problema era que se por um lado a ala dura não tinha poder suficiente
para evitar a sua nomeação, por outro tinha força bastante para lhe criar sérios entraves à
sua política de reforma e de liberalização do regime. Portanto, Marcelo Caetano assumiu
a chefia do governo, mas não conquistou verdadeiramente o poder. Pelo contrário, teve de
o partilhar com a ala dura do regime, que embora numa posição de subalternidade con-
tinuou a condicionar fortemente a governação portuguesa. Presidente da República,
Ministros, Secretários de Estado, deputados, Generais e outros oficiais militares permane-
ceram vigilantes e sempre prontos a intervir para refrear ou mesmo minar os planos refor-
A Guerra Colonial e o consulado de Marcelo Caetano (1961-1974) 119

mistas de Caetano. É que embora hegemónica, a grande burguesia monopolista não podia
governar sozinha.
A governação marcelista deve ser analisada em dois planos políticos: o metropolitano
e o colonial.
No plano metropolitano, Marcelo Caetano definiu a sua governação como uma forma de
«evolução na continuidade». Com esta fórmula, Caetano pretendia conquistar o apoio dos
liberais e de todos os que ansiavam por reformas e mudanças de estrutura no regime, mas,
ao mesmo tempo, não assustar os sectores mais conservadores da ditadura, garantindo-lhes
a continuidade de certas instituições, princípios e linhas de actuação política do salaza-
rismo. Marcelo Caetano manifestou também a sua intenção de substituir o «velho» Estado
Novo por um Estado Social e de Direito, mas não necessariamente democrático, querendo
com isto afirmar a vontade de proceder a uma redistribuição de rendimentos (reformas
sociais) e à reactivação de instituições constitucionais e administrativas (reformas políti-
cas). Era pois nesta base que seria feita a liberalização do regime, que nunca colocou como
objectivo último a construção de uma autêntica democracia política. No entanto, o povo
português, sobretudo as classes médias, viram na aparente abertura marcelista o fim do
longo «Inverno» salazarista, uma espécie de «Primavera». Por isso, os primeiros tempos do
consulado de Marcelo Caetano ficaram conhecidos como a «Primavera Marcelista».
Durante seis meses, Caetano manteve a maioria dos Ministros de Salazar, condição que
lhe tinha sido imposta no momento da sua nomeação por Américo Tomaz. Passado esse
termo, fez uma remodelação ministerial, substituindo boa parte dos Ministros, mas
mesmo assim mantendo alguns que herdara do governo precedente. Em todo o caso, a
remodelação governamental iniciou uma fase de mudanças significativas no regime e na
vida política portuguesa. No âmbito institucional, as medidas mais importantes foram: a)
a transformação da União Nacional (UN) em Acção Nacional Popular (ANP); b) a substi-
tuição da odiada polícia política (PIDE) por uma Direcção Geral de Segurança (DGS) que,
embora tivesse como função principal a repressão da oposição, não dispunha dos plenos
poderes da PIDE; c) o abrandamento da censura, facto que permitiu uma maior autono-
mia da imprensa, do cinema, do teatro e, no geral, das actividades dos artistas e dos inte-
lectuais. Marcelo Caetano procurou também criar um novo ambiente de distensão política
na nação, possibilitando o regresso ao país do Bispo do Porto (exilado desde 1958) e de
alguns elementos da oposição moderada no exílio. O advogado Mário Soares, que tinha
sido desterrado meses antes para a ilha de S. Tomé, foi autorizado a regressar à metrópole.
Caetano permitiu ainda a realização de um congresso da oposição moderada na cidade de
Aveiro, o chamado Congresso Republicano de Aveiro. Esta abertura à oposição criou a ideia
que o governo estava efectivamente empenhado no respeito da legalidade constitucional e
no restabelecimento de algumas liberdades democráticas.
Em termos de política social, Marcelo Caetano lançou as bases da Segurança Social,
sendo particularmente significativa a extensão da previdência e da assistência social à
população rural. Os camponeses e assalariados rurais tiveram, pela primeira vez, direito a
um sistema social de pensões, medida que teve um papel decisivo na elevação das condições
120 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

de vida de muitos milhares de portugueses. Na saúde foram também realizados esforços


importantes no sentido de dar assistência médica a um número maior de pessoas, em espe-
cial nos meios rurais. Na educação, a reforma do Ministro Veiga Simão procurou criar uma
escola primária em todas as aldeias, de forma a garantir a todas as crianças o acesso ao
ensino. Em termos económicos, o governo lançou-se numa política de obras públicas e de
construção de infra-estruturas e de novas vias de comunicação com vista ao rápido desen-
volvimento da economia. Entre os projectos mais ousados esteve a construção do porto de
Sines, o qual foi pensado como o centro de um grande pólo petrolífero e industrial capaz
de revolucionar a economia do Sul de Portugal. A política económica marcelista foi ainda
caracterizada pela protecção dos grandes grupos monopolistas da burguesia metropoli-
tana. Uma burguesia sobretudo financeira, mas que dominava, através dos bancos, a
grande indústria e o comércio, bem como alguns dos maiores latifúndios do país. Esta
grande burguesia prosperou durante todo o período da governação marcelista, nalguns
casos adquirindo e noutros fortalecendo a sua posição de burguesia monopolista. Eram
sete os principais grupos financeiros e monopolistas portugueses: grupo Companhia União
Fabril (CUF); grupo Espírito Santo; grupo Champalimaud; grupo Português do Atlântico;
grupo Borges e Irmão; grupo Banco Nacional Ultramarino (BNU); grupo Fonsecas e
Burnay. Estes sete grupos eram seguidos por outros grupos mais pequenos, mas mesmo
assim muito significativos, entre os quais o Banco Intercontinental Português, o grupo
Pinto de Magalhães, o Banco da Agricultura, a Sacor, a Sociedade Central de Cervejas e a
Sociedade Nacional de Petróleos (SONAP). O grupo CUF, da família Melo, era de longe o
maior de todos, tendo vastíssimos interesses na metrópole e nas colónias.
Em termos políticos, um dos momentos mais significativos do consulado marcelista foi
representado pelas eleições legislativas de 1969. Digamos que esse foi o ponto alto da
«Primavera Marcelista». Caetano permitiu a organização de comissões eleitorais da oposi-
ção, que foi pela primeira vez às urnas em quase todos os círculos da metrópole e ilhas
adjacentes, mas não nas colónias. A oposição, porém, não conseguiu encontrar uma uni-
dade, pelo que se constituíram duas formações eleitorais diferentes nos principais círculos
eleitorais (Lisboa, Porto, Braga), a Comissão Democrática Eleitoral (CDE) e a Comissão
Eleitoral de Unidade Democrática (CEUD). A CDE reunia a oposição mais à esquerda,
conotada com o Partido Comunista Português e defensora de mudanças de estrutura no
regime com o objectivo de colocar um ponto final na ditadura. A CEUD agrupava a oposi-
ção mais moderada, inclusive um grande número de socialistas, entre os quais Mário
Soares e Salgado Zenha. Durante algum tempo, a CEUD acalentou a esperança de se tornar
um partido político aceite pelo governo marcelista e com um papel activo na vida política
portuguesa. Também da parte do regime houve vozes que defenderam a constituição de
um autêntico partido da oposição com base na CEUD, no quadro de um bipartidarismo
legitimador da nova situação política configurada por Marcelo Caetano. Mas esta ideia
nunca se veio a concretizar. Um outro elemento de novidade – e um sinal de abertura polí-
tica – foi a renovação das listas da União Nacional (que ainda não tinha sido transformada
em Acção Nacional Popular). A União Nacional patrocinou a candidatura de um conjunto
A Guerra Colonial e o consulado de Marcelo Caetano (1961-1974) 121

de jovens personalidades de tendência reformista, centrista e liberal, não ligadas ao regime.


Representavam quase um quarto dos candidatos apresentados pelo partido do governo. A
sua inclusão nas listas criou a esperança de que uma verdadeira transformação estaria em
acto no seio do regime; uma transformação por dentro, promovida pelo novo Presidente
do Conselho2.
No entanto, o primeiro sinal de que essas esperanças eram infundadas foi dado logo
durante a campanha eleitoral. Muito embora o governo tenha permitido uma maior liber-
dade de actuação por parte dos candidatos oposicionistas, a oposição só dispôs de um mês
para fazer campanha eleitoral e não teve acesso aos meios necessários para competir em
condição de paridade com a poderosa máquina eleitoral do regime. Além disso, o corpo
eleitoral continuou a ser bastante reduzido (um milhão e oitocentos mil eleitores numa
população total de oito milhões e meio de portugueses só na metrópole). A lei eleitoral
também não previa qualquer forma de representação para as minorias, na medida em que
concedia a totalidade dos lugares à lista mais votada em cada um dos círculos. Resultado,
a oposição perdeu em todos os círculos eleitorais e não elegeu nenhum deputado. A União
Nacional elegeu todos os cento e vinte deputados da Assembleia Nacional. Ficava assim
patente a falta de democraticidade do sistema político português mesmo com a mudança
de chefe de governo.
Por outro lado, a eleição de um conjunto de novos deputados de tendência liberal que-
brou o tradicional «monolitismo» da Assembleia Nacional. Uma vez eleitos, esses deputa-
dos formaram uma espécie de «semioposição democrática» no seio da Assembleia, consti-
tuindo a chamada «Ala Liberal». Liderada por dois jovens deputados com ideias democrá-
ticas, José Pedro Pinto Leite e Francisco Sá Carneiro, a «Ala Liberal» procurou dar suporte
parlamentar ao programa de reformas de Marcelo Caetano, mas a sua exiguidade numé-
rica (apenas um quarto dos deputados) não permitiu grandes «voos» ao Presidente do
Conselho. O que aconteceu foi que os deputados liberais ficaram politicamente isolados
numa Assembleia dominada pelos sectores conservadores e integracionistas da ditadura.
De um modo ou do outro, estes sectores procuraram entravar – e minar – as reformas
marcelistas, sobretudo no que diz respeito à liberalização do regime e à política colonial.
E, a pouco e pouco, Marcelo Caetano foi obrigado a ceder às pressões da ala dura do
regime. Pressionado pela direita, Caetano acabou por não permitir a formação de um par-
tido da oposição, mas tão só de uma associação de estudos e reflexão política, a SEDES
(1970). Depois de um alívio inicial, o aparelho repressivo do regime voltou a perseguir a
oposição, levando ao exílio alguns dos seus líderes, entre os quais Mário Soares. De facto,
a repressão da população continuou a ser exercida com grande eficiência pela polícia polí-
tica, mesmo depois da transformação da PIDE em Direcção Geral de Segurança. O governo
tinha aliás já dado alguns sinais de que não toleraria uma oposição de rua, nem tão pouco
qualquer forma de agitação social, tal como tinha ficado demonstrado pela repressão dos

(2) Nalguns círculos eleitorais também se apresentaram ao escrutínio certas listas de monárquicos e
de dissidentes (à direita) da União Nacional.
122 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

meios estudantis universitários durante a «Crise Académica» de 1969. Não foi promulgada
uma nova lei de imprensa e a censura continuou a impedir a liberdade de expressão.
Ainda que de algum modo forçada, a viragem à direita do governo marcelista provocou
a desilusão e a desmobilização política de muitos deputados liberais. Sá Carneiro, desilu-
dido e descontente com o rumo da governação, renunciou ao cargo de deputado antes do
fim do mandato. Pinto Leite morreu num acidente aéreo na Guiné e a maioria dos depu-
tados liberais foi afastada das listas de candidatos da ANP às eleições legislativas de 1973.
Era o fim da «Ala Liberal» e da «Primavera Marcelista». Sem uma verdadeira base política
liberal à sua disposição, Marcelo Caetano acabou por ficar enleado na teia estendida pela
ala dura do regime. Esta situação tornou-se evidente quando Américo Tomaz forçou a sua
recandidatura à Presidência da República em 1972. Marcelo Caetano, sem força ou cora-
gem para se opor à vontade dos «ultras», teve de aceitar a contragosto a reeleição de
Américo Tomaz. O problema é que a reeleição presidencial do «velho» Almirante, militar
conservador e integracionista convicto, tornou Marcelo Caetano politicamente «refém» da
ala dura da ditadura por mais sete anos. A partir daqui, qualquer possibilidade de conse-
guir uma autêntica liberalização do regime e a resolução do problema colonial tornou-se
impossível no quadro político do Estado Novo. A transição tinha falhado; as estruturas
principais do salazarismo tinham conseguido resistir à tentativa de mudança encetada por
Marcelo Caetano
Paralelamente, o último ano do governo marcelista foi vivido com grande apreensão no
campo económico. A crise económica mundial, provocada pelo choque petrolífero de
1973, teve consequências nefastas sobre a economia portuguesa. A crise do petróleo colo-
cou em causa os grandes projectos públicos baseados na petroquímica (complexo de Sines)
e construção naval, assistindo-se também a uma contracção dos mercados de exportação
portuguesa e a uma perigosa subida da inflação. A situação económica era agravada pela
guerra colonial, cujos custos absorviam uma parte muito significativa do orçamento do
Estado Português. Esta situação não agradava à grande burguesia monopolista metropoli-
tana, que pretendia uma resolução rápida do problema colonial. Muito embora a guerra
tivesse representado uma oportunidade de enriquecimento para parte desse capital, o seu
prolongamento ad aeternum tinha-se tornado num peso para a economia do país. Por
outro lado, o crescimento das assimetrias económicas durante o consulado marcelista pro-
vocou um conjunto de tensões sociais entre os diferentes estratos burgueses: de um lado,
o núcleo restrito da grande burguesia monopolista, senhora de uma imensa fortuna e de
um enorme poder; do outro, a pequena e média burguesias urbanas que desejavam uma
redistribuição mais equitativa da riqueza e aspiravam a ocupar um papel de relevo na
administração política do Estado. Um conflito burguês que se sobrepôs ao conflito já exis-
tente entre as classes populares trabalhadoras, rurais e urbanas, e os patrões da agricul-
tura, da indústria e do comércio.
A incapacidade do governo marcelista em liberalizar o regime foi acompanhada por
uma derrota no plano da política colonial. Aliás, o falhanço da transição marcelista foi em
grande medida provocado pelo fracasso da estratégia de reforma do colonialismo portu-
A Guerra Colonial e o consulado de Marcelo Caetano (1961-1974) 123

guês gizada pelo Presidente do Conselho. E, em última análise, o Estado Novo caiu porque
não conseguiu resolver o problema da guerra colonial. Senão vejamos.
Embora não oficialmente, a política colonial marcelista tinha como finalidade a atri-
buição da independência às colónias, pelo menos nos casos de Angola e de Moçambique.
Este objectivo não constituía nenhuma «heresia» no âmbito do pensamento político de
Marcelo Caetano, que, de resto, foi um dos principais teóricos da colonização portuguesa.
Na verdade, Marcelo Caetano foi coerente consigo mesmo, ou melhor, com as suas ideias
sobre a colonização. É que para Marcelo Caetano, tal como para qualquer outro colonia-
lista, a independência duma colónia de povoamento era o resultado lógico da colonização.
Isto é, a independência das colónias não constituía em si um problema para Marcelo
Caetano, desde que ela fosse feita pelos colonos brancos. O problema só se apresentava no
caso em que a independência fosse feita pelas populações colonizadas (negras) e à custa da
expulsão dos colonos brancos. Se analisarmos com atenção os ensaios de política e de eco-
nomia colonial escritos por Marcelo Caetano, podemos verificar que estas ideias fizeram
sempre parte do seu pensamento colonial. Em 1968-1974, Marcelo Caetano tentou trans-
por as suas ideias acerca da colonização portuguesa para o plano da independência. Assim,
recusou a emancipação política das populações colonizadas, mas aceitou a ideia da inde-
pendência das duas colónias de povoamento, ou seja, Angola e Moçambique. Uma inde-
pendência pilotada por Lisboa e que teria por protagonistas as elites coloniais brancas,
auxiliadas pelos estratos intermédios mestiços, negros e de origem asiática. Por outras
palavras, no entendimento do governante português, os colonos, que tinham sido os «ver-
dadeiros construtores» das colónias, seriam também os fundadores das novas nações de
matriz portuguesa em África. Aos negros e mestiços cabia o papel de auxiliar os brancos
na construção dos «novos Brasis africanos» – quiçá «Novas Lusitânias» –, tal como tinham
auxiliado anteriormente no processo de colonização. Era este portanto o entendimento da
proclamada vontade de transformar Angola e Moçambique em «novos Brasis». Um enten-
dimento que não foi expresso de forma oficial, em virtude da oposição dos meios integra-
cionistas do regime, mas que pode ser apreendido no quadro das decisões tomadas e da
legislação promulgada, bem como nas entrelinhas dos discursos e dos muitos ensaios
escritos por Marcelo Caetano.
Marcelo Caetano defendeu desde muito cedo a atribuição de uma maior autonomia a
Angola e a Moçambique. Esta ideia já estava implícita nalguns dos discursos que realizou
durante o período que se manteve à frente do Ministério das Colónias (1944-1947). Em
1962, Marcelo Caetano exprimiu a necessidade de uma reforma estrutural do sistema colo-
nial português, pela criação duma federação entre Portugal e as suas colónias, num pare-
cer enviado ao Conselho Ultramarino. Marcelo Caetano também defendeu essa fórmula
federativa numa audiência com Salazar, na qualidade de Conselheiro de Estado e de antigo
Ministro das Colónias. Uma fórmula que modificaria as bases políticas e administrativas do
Estado-Império. Mas a ideia teve desde o início a oposição dos sectores integracionistas do
regime e nunca recebeu o apoio de Salazar. Uma vez no poder, Marcelo Caetano verificou
já não haver condições políticas internas e externas para a constituição duma federação
124 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

entre Portugal e as suas colónias, pelo que gizou uma política colonial centrada na ideia
da autonomia. Para Marcelo Caetano, a autonomia representava a via intermédia entre o
integracionismo da ala conservadora do regime e o revolucionarismo independentista dos
nacionalistas africanos. Caetano definiu essa autonomia como participação crescente das
populações coloniais na administração e no governo dos respectivos territórios, transição
de poderes legislativos e executivos em número e importância maior para os órgãos de
poder colonial e desvinculação da economia de cada colónia da economia metropolitana.
Na prática, entregar-se-ia o governo e a administração das colónias às suas populações,
procurando fazê-las participar em escala maior em todos os níveis da gestão pública. Por
isso, Marcelo Caetano designou a sua política colonial de «autonomia progressiva e parti-
cipada». O objectivo último desta «autonomia progressiva e participada» seria a prepara-
ção da independência das duas maiores colónias portuguesas. Uma independência que não
colocaria em causa a matriz portuguesa dos novos Estados, independentes no âmbito de
uma espécie de Commonwealth portuguesa, como nos casos dos velhos dominions britâ-
nicos da Austrália, do Canadá, da Nova Zelândia e da União Sul-Africana.
A política de autonomia progressiva e participada de Marcelo Caetano veio ao encontro
das aspirações políticas de alguns sectores das elites coloniais brancas, na medida em que
concedia aos colonos uma intervenção na governação dos respectivos territórios. Porém,
não podemos pensar a política marcelista simplesmente em termos de preparação da inde-
pendência branca, à maneira rodesiana, de Angola e de Moçambique. Em primeiro lugar,
porque a estratégia marcelista não pretendia a substituição da hegemonia do capitalismo
metropolitano nas colónias por uma espécie de capitalismo colonial branco autóctone,
nem tão pouco pelo mais dinâmico e vizinho capitalismo sul-africano. A independência das
colónias, em termos neocoloniais, deveria acima de tudo salvaguardar a hegemonia e os
interesses económicos da grande burguesia monopolista portuguesa em África, aceitando
quando muito uma associação das elites económicas locais. Para o efeito, serviria de
garantia a constituição dessa Commonwealth portuguesa sob a égide do governo de
Lisboa. Em segundo lugar, porque Marcelo Caetano previa de facto o envolvimento polí-
tico dos estratos médios negros, mestiços e, no caso moçambicano, de origem asiática.
Portanto, se bem que a liderança local do processo de independência estivesse reservada às
elites brancas, não havia a priori uma exclusão política de base étnica ou racial.
Claramente, este tipo de independência não se coadunava nem com o nacionalismo dos
movimentos guerrilheiros, nem com as expectativas políticas da comunidade internacio-
nal. De um certo ponto de vista, era um projecto que hoje nos pode parecer anti-histórico,
no sentido em que não acompanhava a evolução política dos tempos em África. Mas não
era assim no final da década de 1960 numa África Austral ainda dominada pelos regimes
de supremacia branca sul-africano e rodesiano. Foi aliás por esta altura que se difundiu,
nalguns círculos políticos, a teoria da «Terceira África», também denominada de África
Capricorniana (por referência ao Trópico de Capricórnio). Segundo esta teoria, o conti-
nente africano estava dividido em três regiões: uma África Mediterrânica, a Norte do
deserto do Saara, habitada fundamentalmente por populações árabes e islâmicas; uma
A Guerra Colonial e o consulado de Marcelo Caetano (1961-1974) 125

África Negra, no coração do continente, entre o deserto e a bacia do rio Congo, habitada e
controlada por populações negras; e, enfim, a África Branca, cujo governo caberia princi-
palmente às populações de origem europeia. Portanto, o projecto marcelista de indepen-
dência das duas maiores colónias portuguesas teria um seu «sentido histórico» no con-
texto dessa especificidade geográfica, demográfica e política da África Austral.
Marcelo Caetano iniciou a sua política de reformismo colonial com uma visita prolon-
gada por Angola e Moçambique. Era sua intenção inaugurar uma nova fase no relaciona-
mento político entre o governo português e as populações coloniais, nomeadamente com
os colonos e as suas elites. Salazar nunca visitou as colónias em quase quarenta anos de
governo; Caetano fê-lo seis meses depois de ter tomado posse como Presidente do Con-
selho. E, de facto, Caetano foi recebido entusiasticamente pelas populações das colónias,
que acreditaram seriamente numa mudança estrutural na administração portuguesa. Em
Abril de 1969, Marcelo Caetano proclamou em Luanda a sua política de «progressivo
desenvolvimento e crescente autonomia das Províncias Ultramarinas». Posteriormente,
Marcelo Caetano afirmou publicamente que a sua política de reforma do colonialismo por-
tuguês passava pela autonomia progressiva do governo das colónias, pela participação
crescente das populações coloniais nas estruturas políticas e administrativas dos respecti-
vos Estados coloniais e pela atribuição do «governo próprio» às colónias africanas. Estas
declarações suscitaram uma grande expectativa política não só entre os colonos, mas
também entre as classes médias mestiças e negras. Aliás, as elites brancas esperavam que
as promessas duma lata autonomia política e administrativa se concretizassem com a pro-
mulgação duma nova Lei Orgânica do Ultramar. Lei essa que abrisse finalmente as portas
a uma futura independência das colónias.
Mas o processo de reforma da Lei Orgânica do Ultramar foi lento e atribulado porque
teve a oposição dos sectores integracionistas da ditadura, que continuavam a ter um
grande peso na Assembleia Nacional e junto do Presidente da República. Os integracionis-
tas não admitiam qualquer solução de autonomia para as colónias e tão pouco a sua inde-
pendência, pelo que procuraram obstruir ao máximo a reforma da legislação colonial.
Marcelo Caetano bem procurou apoiar-se nos jovens deputados liberais, mas a «Ala Libe-
ral» não bastou para assegurar a «independência política» do Presidente do Conselho. Mas
vejamos no concreto em que é que consistiu a política colonial de Marcelo Caetano.
Em 2 de Dezembro de 1970, o governo apresentou a sua proposta de lei de revisão
constitucional, que incluía o título consagrado ao «Ultramar português». A oposição dos
integracionistas foi grande e o texto – redigido por Caetano – foi submetido a numerosas
alterações pela Assembleia Nacional, até que foi finalmente aprovado em 16 de Agosto de
1971. Na realidade, as frequentes referências de Marcelo Caetano ao Brasil como modelo
para as colónias portuguesas de África suscitaram suspeitas de que a autonomia proposta
por Caetano fosse um primeiro passo no sentido da criação dum Estado Federal ou duma
Comunidade de Estados Independentes de Língua Portuguesa. Assim, Marcelo Caetano foi
objecto de numerosas críticas e duma intensa campanha de difamação política por parte
dos integracionistas, que o acusaram de «traição». E foi necessário esperar pelo ano
126 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

seguinte para que se criassem condições políticas para publicar a nova Lei Orgânica do
Ultramar (23 de Junho de 1972) e os novos estatutos orgânicos de cada uma das colónias
portuguesas (22 de Dezembro de 1972), que só entraram em vigor em 1 de Janeiro de
1973. A nova Lei Orgânica do Ultramar introduziu algumas modificações na administra-
ção colonial, no sentido duma mais ampla descentralização política. Marcelo Caetano defi-
niu a nova construção jurídica colonial como uma «forma de regionalização», pela qual
cada colónia se tornava numa região autónoma com órgãos políticos privativos. Vejamos
quais foram as principais alterações.
Desde logo, Angola e Moçambique passaram a usar a denominação honorífica de «Esta-
dos» e todas as colónias, com a excepção de Macau, passaram a ser consideradas regiões
autónomas de Portugal. Constituíam localmente órgãos de «governo próprio» o Gover-
nador – Governador Geral nos casos dos Estados de Angola e de Moçambique – e a Assem-
bleia Legislativa, sucessora do Conselho Legislativo. O Governador Geral continuou a ser
nomeado por Lisboa, mas passou a ser considerado membro do governo central na metró-
pole. Era o mais alto representante do Estado Português e a máxima autoridade civil e mili-
tar na respectiva colónia. Nos casos de Angola e de Moçambique, o Governador Geral pre-
sidia a um governo constituído por Secretários Provinciais, que com ele reuniam em
Conselho de Governo, e era assistido nas suas funções por uma Junta Consultiva, que era
eleita. Para Angola, Marcelo Caetano nomeou Governador Geral o engenheiro Fernando
Santos e Castro, um branco angolano de origem madeirense. As Assembleias Legislativas
tinham mais e maiores competências legislativas do que os anteriores Conselhos Legis-
lativos, no sentido em que podiam fazer leis internas a cada território, aprovar o respectivo
orçamento e lançar impostos. Contudo, os Governadores continuaram a ter a faculdade de
publicar decretos – ou melhor, de governar por decreto – e a defesa e a política externa con-
tinuaram a ser prerrogativas do governo central. As Assembleias Legislativas eram eleitas
por sufrágio misto, directo e orgânico, tendo um número de vogais variável: 53 em Angola,
50 em Moçambique, 21 em Cabo Verde, 17 na Guiné, 16 em S. Tomé e Príncipe, 13 em
Macau e mais um designado pelo Governador. No caso concreto de Angola, trinta e dois
vogais eram eleitos pela população por sufrágio directo e vinte e um eram eleitos por sufrá-
gio orgânico. Em Moçambique, vinte vogais eram eleitos por sufrágio directo e os outros
trinta por sufrágio orgânico. As condições de voto restringiam-se teoricamente a saber ler
e escrever, o que mesmo assim excluía a maior parte da população, que permanecia anal-
fabeta. No caso angolano, o corpo eleitoral cresceu de 183.883 eleitores em 1969 para
627.942 em 1973, isto é, um aumento superior a 300%. Dado muito significativo era o facto
do corpo eleitoral ser quase o dobro do conjunto da minoria branca, então com 330.000
efectivos. Ora, na medida em que os menores de idade (menos de 21 anos), os analfabetos
e a maior parte das mulheres não tinham direito de voto, os eleitores brancos não atingi-
riam provavelmente as 200.000 unidades, isto é, um terço do corpo eleitoral. Eleitores
negros e mestiços estavam por isso em maioria, o que evidencia o fortalecimento dos estra-
tos médios não brancos nos últimos anos da dominação colonial portuguesa. Simultanea-
mente, cada colónia foi dotada duma Junta Consultiva Provincial, que sucedeu ao Conse-
A Guerra Colonial e o consulado de Marcelo Caetano (1961-1974) 127

lho Económico e Social, com competência idêntica, em assuntos internos de cada terri-
tório, à da Câmara Corporativa. A Junta Consultiva de Angola era constituída por vinte
vogais, alguns eleitos por sufrágio orgânico, outros nomeados pelo Governador Geral e
outros ainda por inerência (os vogais natos). Em Moçambique, a Junta Consultiva era cons-
tituída por vinte e um vogais, escolhidos pelo mesmo sistema. Foi também aumentada a
representação das colónias na Assembleia Nacional, com um número adicional de vinte
deputados. O poder judicial foi entregue aos tribunais locais, com Relações em Luanda e
Lourenço Marques, ainda que subordinados ao Supremo Tribunal de Justiça de Lisboa.
Estas foram, em síntese, as medidas tomadas por Marcelo Caetano para concretizar a
sua política de autonomia progressiva e participada. Para os sectores mais conservadores
do regime, estas reformas colocaram em causa a unidade da «nação portuguesa», pelo que
acusaram de traição Marcelo Caetano. Ao invés, para as elites brancas coloniais, as refor-
mas de Caetano foram no mínimo deludentes e não confirmaram as expectativas que se
tinham criado no início da sua governação. E isto porquê? Porque esperavam um passo
decisivo no sentido da independência. De resto, que outro objectivo poderia ter uma polí-
tica de autonomia colonial que não a preparação das colónias para a independência?
Porém, Marcelo Caetano nunca conseguiu colocar completamente em prática o seu pro-
jecto de autonomia para as colónias e tão pouco conseguiu criar as condições para a sua
independência. A forma como decorreu o processo de reforma da Lei Orgânica do Ultramar
evidenciou as dificuldades de aplicação da política autonomista de Caetano. Foi preciso
esperar três anos e meio pela sua publicação (1972) e mais meio ano pela sua entrada em
vigor (1973). Os integracionistas conseguiram também distorcer, truncar e mesmo impe-
dir a promulgação de muitas das medidas inicialmente enunciadas por Marcelo Caetano.
No embate entre Caetano e os integracionistas, estes últimos acabaram por levar de ven-
cida o Presidente do Conselho. E isto porque os integracionistas tinham muito peso polí-
tico no seio do regime, com ou sem Salazar. Por isso, mesmo depois do desaparecimento
do velho ditador, continuaram a exercer uma forte influência sobre a governação portu-
guesa, entravando a política autonomista de Caetano. Aliás, não se pode subestimar o facto
de, do ponto de vista institucional, Marcelo Caetano depender directamente do Presidente
da República, que era um integracionista convicto. A fraqueza política do Chefe de
Governo perante o Presidente da República ficou demonstrada pela incapacidade de Mar-
celo Caetano em evitar a reeleição de Américo Tomaz em 1972. Enfim, nos últimos
tempos do seu governo, Marcelo Caetano era abertamente hostilizado pelos integracionis-
tas e não tinha o apoio nem da maioria da Assembleia Nacional, onde foi «abandonado»
por muitos dos deputados liberais, nem de uma parte substancial dos meios militares.
Neste contexto, a nova Lei Orgânica do Ultramar não alterou a situação de subordina-
ção económica e política das duas maiores colónias em relação a Portugal. Esta subordi-
nação continuou a ser explícita – e altamente contestada – em Angola. De facto, o Gover-
nador Geral continuou a ser nomeado directamente pelo governo central, de forma que o
poder se manteve nas mãos do governo de Lisboa. A transformação do Conselho Legisla-
tivo em Assembleia Legislativa não correspondeu a uma completa autonomização política
128 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

desse órgão legislativo, porque estava subordinado à figura do Governador Geral, que era
o seu Presidente, e por conseguinte ao governo português. Além disso, a Assembleia
Legislativa tinha poderes legislativos limitados e podia ser dissolvida pelo governo central,
sob proposta do Governador Geral. Como tal, o poder legislativo continuava subordinado
ao poder executivo, que dependia directamente de Lisboa. Relativamente ao corpo eleito-
ral, a sua dimensão mais do que triplicou em relação a 1969, mas mesmo assim foi um
aumento limitado, visto que o eleitorado representava pouco mais de 10% da população de
Angola (627.942 numa população de cerca de 5.800.000 habitantes). O crescimento da
representação angolana na Assembleia Nacional também foi mínima, dado que passou de
sete para doze deputados, ou seja, Angola toda tinha tantos deputados como o círculo elei-
toral do Porto e menos que o de Lisboa (catorze deputados). Isto mesmo foi denunciado
pela imprensa angolana, que sublinhou a repartição desigual da representação da metró-
pole e das colónias na Assembleia Nacional, pois cerca de nove milhões de metropolitanos
tinham o direito de eleger cento e dezasseis deputados, enquanto treze milhões de colo-
niais só podiam eleger trinta e quatro3.
A insatisfação política das elites coloniais brancas foi agravada pelo profundo descon-
tentamento provocado pela subordinação económica de Angola à metrópole. De facto, ape-
sar do crescimento económico da colónia, a sua economia continuou amarrada aos inte-
resses metropolitanos e estrangeiros, o que prejudicava os interesses dos colonos. O petró-
leo angolano constituía um dos problemas que afectava o relacionamento político entre as
elites brancas e o governo central, na medida em que a exploração do petróleo era con-
trolada por uma companhia americana – a Gulf Oil –, sem a participação de capital pro-
priamente angolano, e só uma pequena parte dos seus lucros ficava em Angola. Paradoxal-
mente, Angola importava o seu próprio petróleo em produtos refinados e seus derivados,
porque o governo português impedia o aumento da capacidade de refinação em Angola. A
única refinaria da colónia estava localizada em Luanda e tinha uma capacidade de refina-
ção de apenas um milhão de toneladas por ano. Para ser auto-suficiente, Angola precisava
de triplicar a sua capacidade de refinação de um para três milhões de toneladas por ano, o
que implicava a criação de pelo menos mais uma refinaria. As elites económicas brancas
reivindicavam a criação dessa refinaria, eventualmente no Lobito, mas o governo portu-
guês protelava a sua construção desde 1971. Era uma situação que prejudicava gravemente
a economia angolana e impedia a sua rápida industrialização e independência económica.
Ao invés, favorecia os interesses económicos metropolitanos e estrangeiros que beneficia-
vam com a dependência angolana de produtos refinados e industriais.
Mas não era só o petróleo que era explorado para beneficio quase exclusivo de metro-
politanos e estrangeiros. Na prática quase todos os recursos minerais da colónia eram con-
trolados directamente pelo capital metropolitano e estrangeiro, com a bênção do governo
português. Por exemplo, a DIAMANG, companhia formada fundamentalmente por capital
sul-africano (De Beers), com a participação de algum capital metropolitano, controlava

(3) A Assembleia Nacional passou de cento e vinte para cento e cinquenta deputados.
A Guerra Colonial e o consulado de Marcelo Caetano (1961-1974) 129

cerca de 81% da extracção de diamantes. O grupo alemão Krupp controlava a extracção de


ferro no Sul de Angola, cujas reservas eram avaliadas em centenas de milhões de tonela-
das. Paralelamente, a Tanganyka Concessions, empresa majestática de capitais britânicos,
controlava o Caminho de Ferro de Benguela, que transportava o minério de cobre do
Catanga e do Copperbelt zambiano até ao porto do Lobito no Oceano Atlântico. O capital
metropolitano e estrangeiro controlava ainda sectores importantes da produção agrícola,
nomeadamente o algodão. Entre as numerosas empresas portuguesas com interesses em
Angola destacavam-se os grupos CUF, Espírito Santo, Champalimaud, Borges & Irmão,
Fonsecas & Burnay, Intercontinental Português, para além do Banco Português do Atlân-
tico, Banco de Fomento Nacional e Banco de Angola (ligado ao Estado). Isto significava que
as elites económicas brancas ficavam praticamente só com as «migalhas» ou, no máximo,
com algumas «sobras» dos enormes lucros da exploração das matérias primas angolanas.
E, ainda por cima, eram obrigadas a comprar a preços elevados quase tudo o que precisa-
vam à metrópole e, ao mesmo tempo, a vender a preços baixos os seus produtos a Portugal.
Portanto, as relações entre a colónia e a metrópole continuavam a processar-se segundo o
sistema arcaico do pacto colonial.
Neste contexto, em finais de 1973 tinham-se tornado evidentes para as elites brancas as
limitações do reformismo colonial de Marcelo Caetano, bem como a sua incapacidade de
levar avante um processo de independência das colónias portuguesas. O facto é que Marcelo
Caetano não tinha força suficiente para colocar em prática o seu projecto de autonomiza-
ção política das colónias, na medida em que tinha sido incapaz de levar de vencida a oposi-
ção integracionista às suas reformas. Para além disso, tinham-se agravado as tensões com
a metrópole por causa de problemas do foro económico, nomeadamente quanto ao controlo
dos recursos minerais angolanos. E aqui eram evidentes as profundas contradições da estra-
tégia neocolonial marcelista, no sentido em que se por um lado concedia aos colonos uma
maior intervenção na administração das colónias, por outro lado subordinava as suas neces-
sidades e aspirações aos interesses económicos do capitalismo português e internacional. E
isto porque, acima de tudo, a política marcelista visava a salvaguarda dos negócios da
grande burguesia monopolista metropolitana (e respectivos parceiros estrangeiros) em
África. Ora, para os colonos brancos, a continuação desta situação tinha-se tornado incom-
portável, de forma que começaram cada vez mais a encarar a hipótese duma independência
à revelia de Portugal. Os últimos meses da governação marcelista foram assim vividos sob
a ameaça de uma rebelião separatista nas colónias, em especial em Angola. Alguns círculos
da direita portuguesa falam mesmo na existência de um plano de secessão de Angola, cuja
preparação seria do conhecimento do Presidente do Conselho.
Marcelo Caetano foi também incapaz de resolver o problema da guerra colonial, na
medida em que nenhum dos movimentos nacionalistas, nem sequer os mais moderados,
aceitaram descer a pactos com o governo português. A única excepção foi representada
pela UNITA, de Jonas Savimbi, que fez um acordo com os portugueses, pelo qual se com-
prometeu a lutar contra o MPLA no Leste de Angola. Na verdade, Angola era o único caso
em que a situação militar estava perfeitamente controlada pela tropa portuguesa, que
130 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

dominava completamente todo o território da colónia. Mas era muito diferente – e clara-
mente desfavorável a Portugal – a situação militar nos outros dois cenários de guerra. Na
Guiné, o PAIGC, que controlava cerca de dois terços do território, proclamou a indepen-
dência em 1973, que foi reconhecida por cerca de noventa países com assento na ONU. Em
Moçambique, a Frelimo ameaçava as áreas de colonização branca de Vila Pery e criava
sérias dificuldades às comunicações entre a cidade da Beira e a Rodésia, um dos nós cen-
trais da economia moçambicana. O perigo eminente de uma derrota militar na Guiné – e
de uma derrota eventual em Moçambique – pesava como uma espada sob a «cabeça» de
Marcelo Caetano. Para muitos militares portugueses tinha-se tornado evidente o fracasso
da política colonial de Caetano, pelo que sentiam a necessidade de modificar a situação
política portuguesa de forma a resolver o problema da guerra. Para as chefias militares
integracionistas – lideradas pelo General Kaúlza de Arriaga – era necessário endurecer a
posição da ditadura e radicalizar a guerra contra os nacionalistas africanos, esperando cre-
dulamente numa impossível vitória militar. Para as chefias militares mais liberais, que ini-
cialmente tinham apoiado a política marcelista, era indispensável encontrar uma solução
política para o problema colonial; uma solução que não tinha sido encontrada por
Caetano. Essa solução teria necessariamente de passar pelo envolvimento político das
guerrilhas africanas, ou pelo menos dos nacionalistas mais moderados. O Chefe do Estado
Maior, General Costa Gomes, e o antigo Governador Geral da Guiné, General António de
Spínola, eram os principais líderes desta corrente dentro das Forças Armadas. Enfim, para
grande parte dos oficiais de pequena e média patente era necessário pôr um ponto final no
conflito colonial, pois estavam fartos de combater uma guerra longa e inútil e tão pouco
queriam ser responsabilizados por uma derrota que julgavam eminente. Neste sentido, no
início de 1974, Marcelo Caetano tinha sido abandonado pela quase totalidade das Forças
Armadas. E sem o apoio dos militares o regime não podia sobreviver por muito mais
tempo. Foi isso que aconteceu em 25 de Abril de 1974, quando a tropa derrubou a ditadura
que ela própria tinha criado meio século antes.
6
CAPÍTULO

O 25 de Abril e o fim do Império


(1974-1975)

A revolução de 25 de Abril de 1974 colocou um ponto final em quarenta e oito anos de


ditadura em Portugal e criou as condições políticas necessárias para a realização da des-
colonização das colónias africanas. Existiu, portanto, uma profunda interdependência
política entre o processo revolucionário na metrópole e o fim do Império Português em
África. Uma a uma, as colónias africanas acederam à independência sob o governo das
maiorias colonizadas. Foi um processo atabalhoado, nalguns casos caótico, e que resultou
no êxodo maciço das minorias brancas de Angola e de Moçambique. Foi o fim do Estado-
-Império e, sem sombra de dúvida, a maior ruptura política na história contemporânea
portuguesa. Em menos de dois anos, Portugal encontrou-se reduzido à sua dimensão
europeia, metropolitana, sem mais nenhuns vínculos coloniais que não a administração
temporária de Macau. Uma viragem histórica sem precedentes, provavelmente tão ou mais
significativa do que a ocasionada pela independência do Brasil. O corte foi mais radical e,
seguramente, mais brutal. Talvez por isso o país tenha reagido com uma certa amnésia his-
tórica, procurando esquecer o seu recente passado colonial. O sonho africano foi substi-
tuído pela miragem da Europa. No entretanto, o processo revolucionário em curso foi tra-
vado por uma coligação de forças políticas, económicas e sociais adversas à alteração da
ordem social estabelecida. Logo que ficou definida a situação política angolana, com a vitó-
ria das forças do MPLA em Luanda, a revolução metropolitana caminhou para o seu rápido
desenlace em 25 de Novembro de 1975. Os chamados «moderados» puseram um ponto
final no processo revolucionário; os militares radicais voltaram às casernas; e as ruas fica-
ram desertas, sem manifestantes nem bandeiras vermelhas. O povo, «sereno», voltou para
casa e o país recomeçou a viver habitualmente num misto de sossego e de melancolia. O
poder reconstituiu-se e a ordem social foi preservada. Houve uma mudança de super-
estrutura política, mas não de infra-estrutura económica e social. Houve um abalo, mas
não uma derrocada.
No início de 1974, treze anos de guerra tinham esgotado o exército português sem que
se vislumbrasse uma solução para o conflito nas colónias. A guerra tinha custado ao exér-
132 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

cito português quase dez mil mortos e muitos milhares de feridos, de estropiados e de
doentes com problemas psíquicos. Entre os africanos o número de mortos e de feridos era
muito mais elevado, não se sabendo ao certo o quantitativo das vítimas da guerra. Mas o
facto é que o tempo jogava contra Portugal, porque a situação militar piorava de dia para
dia em duas (das três) frentes de guerra. Na realidade, a derrota militar portuguesa come-
çava a ser evidente na Guiné, onde o PAIGC tinha proclamado a independência em
Setembro de 1973. Em Moçambique, a situação militar para o lado português também era
algo complicada, na medida em que a guerrilha da Frelimo estava actuando a menos de
cem quilómetros da cidade da Beira. Só em Angola a situação militar estava sob o controlo
português. Ao contrário do que acontecia na Guiné e em Moçambique, Portugal dominava
completamente o território angolano, ao passo que os guerrilheiros não controlavam
nenhuma zona do país. Durante o ano de 1973, a actividade guerrilheira tinha pratica-
mente desaparecido e os sessenta mil soldados do exército português ali estanciados, dos
quais cerca de 40% recrutados localmente, eram «senhores da situação». Aliás, as forças
militares portuguesas tinham sofrido apenas oitenta e uma baixas mortais, das quais só
quinze em consequência de confrontos directos com as forças nacionalistas, no arco dos
doze meses de 1973. As forças nacionalistas angolanas encontravam-se enfraquecidas, divi-
didas e desmobilizadas e a sua representatividade política no seio da sociedade colonial era
muito questionável. A razão principal do insucesso militar da guerra de guerrilha ango-
lana foi precisamente o forte divisionismo no seio do nacionalismo angolano, facto que
provocou a formação de movimentos antagonistas. Ao contrário da Guiné e de Moçam-
bique, onde os nacionalistas conseguiram construir uma frente nacionalista unida, em
Angola existiam vários grupos de guerrilha opostos. O MPLA, a FNLA e a UNITA eram os
movimentos militarmente mais relevantes e que contavam com apoios internacionais
mais significativos. A FLEC (Frente de Libertação do Enclave de Cabinda) lutava pela inde-
pendência separada de Cabinda. No Leste de Angola e na Zâmbia, um grupo dissidente do
MPLA assumiu a designação de Revolta de Leste, e já em 1974 apareceu um outro grupo
de dissidentes, a Revolta Activa, com sede em Brazzaville. Estes movimentos e dissidên-
cias, em vez de lutarem contra o colonialismo português, lutavam entre si pela hegemo-
nia no campo nacionalista. A luta mais violenta era travada entre o MPLA e a FNLA,
enquanto a UNITA tinha realizado um acordo secreto com as autoridades portuguesas em
1970 (a famosa «Operação Madeira») pelo qual se comprometera a lutar contra o MPLA no
Leste de Angola. Assim, paralelamente à luta pela independência cedo se desenharam os
contornos de uma guerra civil envolvendo a UPA/FNLA e o MPLA, primeiro, e depois
também a UNITA.
No entanto, apesar da situação militar favorável em Angola, Portugal enfrentava nessa
colónia uma forte oposição política à continuação da dependência colonial em relação a
Lisboa. Esta oposição era protagonizada pela minoria branca e pelas classes intermédias
mestiça e negra, que estavam «fartas» da exploração dos recursos económicos angolanos
imposta pelo poder colonial para benefício quase exclusivo do grande capital metropoli-
tano e estrangeiro. Uma situação que impedia o desenvolvimento económico de Angola,
O 25 de Abril e o fim do Império (1974-1975) 133

bem como o crescimento do microcapitalismo colonial branco. Por isso, entre a minoria
branca e as classes intermédias mestiça e negra aumentavam os adeptos de uma eventual
secessão da colónia pela mão das suas elites. Existem aliás vários indícios e testemunhos
que atestam a existência de um plano de secessão, mediante a realização de um golpe em
Luanda, com o apoio do exército e a provável cumplicidade do Governador Geral, Fer-
nando Santos e Castro, um branco angolano de extracção madeirense. Existiria aliás já
uma data marcada para a realização da secessão angolana, 15 de Agosto de 1974. Isto sig-
nifica que a situação portuguesa no plano colonial era muito difícil, pois era eminente o
perigo de um colapso militar na Guiné e, a médio prazo, também em Moçambique,
enquanto em Angola se preparava a secessão do território pela mão das elites brancas, com
o apoio de parte do exército e da administração colonial.
Em Lisboa havia consciência da gravidade da situação política e militar nas colónias,
mas Marcelo Caetano mostrava-se impotente para resolver a situação. Perante a «debili-
dade» política do Presidente do Conselho, diferentes facções militares realizaram, no
espaço de poucos meses, um conjunto de movimentações contraditórias com vista a uma
alteração da situação política em Portugal. Tudo se precipitou entre o final de 1973 e os
primeiros meses de 1974.
Por um lado, a direita integracionista – liderada pelo General Kaúlza de Arriaga, ex-
-Governador Geral de Moçambique – esboçou uma conspiração com vista à realização de
um golpe de Estado em Dezembro de 1973. Kaúlza de Arriaga defendia o reforço das acti-
vidades militares e a continuação da guerra a todo o custo e a direita integracionista, no
geral, considerava Marcelo Caetano um «fraco» e um «traidor», ao ponto de o acusar de
pretender abandonar as colónias e até de preparar a sua independência. A extrema direita
ambicionava assim uma mudança na condução política portuguesa, com um endureci-
mento da posição do regime no plano colonial. No entanto, a conjura da extrema direita
não conseguiu derrubar Marcelo Caetano, porque não teve o apoio de grande parte das
chefias militares, nomeadamente do General Costa Gomes, Chefe do Estado Maior General
das Forças Armadas, e do General Spínola, antigo Governador Geral da Guiné e oficial de
grande prestígio no exército e no país. Além disso, a conjura foi denunciada «publica-
mente» pelo Tenente-Coronel Carlos Fabião, um oficial pró-spinolista, durante um está-
gio de oficiais militares no Instituto de Altos Estudos Militares, em 17 de Dezembro de
1973. Denúncia essa que limitou, à partida, o sucesso da acção conspirativa de Kaúlza de
Arriaga. Mas, embora falhada, a tentativa golpista funcionou como um aviso intimidatório
para o Presidente do Conselho. Para além disso, Marcelo Caetano estava de «mãos e pés
atados» porque dependia institucionalmente do Presidente da República, Américo Tomaz,
que era um dos principais líderes – e protectores – da corrente integracionista. Marcelo
Caetano estava pois entre a «espada e a parede» e não tinha força política (e militar) sufi-
ciente para reagir à ameaça representada pela extrema direita. A sua política reformista
estava bloqueada e não dispunha de apoios políticos e militares suficientemente sólidos
para dar a volta à situação, na medida em que tinha perdido grande parte do suporte ini-
cial dos meios reformistas e liberais.
134 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

Por outro lado, uma decisão ministerial relativa à promoção e abertura do quadro per-
manente do exército aos oficiais milicianos desencadeou um forte descontentamento entre
os oficiais de carreira. Tratou-se do decreto-lei n.º 353/73, de 13 de Julho de 1973, que deu
a possibilidade aos oficiais milicianos de se tornarem oficiais de carreira do Quadro
Permanente, ao fim de um único ano de formação na Academia Militar, em vez dos quatro
anos até então requeridos para o efeito. Esta decisão provocou um profundo descontenta-
mento entre os oficiais de carreira, sobretudo entre os capitães, que eram os mais afecta-
dos pelo decreto-lei. Depressa se formou um movimento de protesto, de tipo corporativo,
que tomou a designação de «movimento dos capitães». Do protesto corporativo passou-se
à contestação política, assistindo-se rapidamente à politização desse movimento. Na ver-
dade, o mal-estar entre as médias e as baixas patentes do exército português vinha de
longe. Eram eles que combatiam a guerra no mato, juntamente com os soldados rasos. E
foram eles os primeiros a ganhar consciência da inutilidade do conflito. Por isso, o pro-
testo corporativo deu lugar a um protesto político contra a continuação da guerra colonial
e contra a própria ditadura. O governo procurou remediar a situação, suspendendo o
decreto em questão em Outubro de 1973. Mas era tarde demais. Em 1 de Dezembro de
1973, numa reunião em Óbidos, o «movimento dos capitães» tomou a designação de
Movimento dos Oficiais das Forças Armadas (MOFA) e elegeu uma «comissão coordena-
dora e executiva» dirigida, entre outros, pelos oficiais Otelo Saraiva de Carvalho, Vítor
Alves e Vasco Lourenço. O MOFA estreitou contactos com os dois principais chefes milita-
res cujas posições favoráveis a uma solução política para a guerra eram conhecidas nas
estruturas do exército, os Generais Costa Gomes e Spínola. Começou também a tomar
corpo a ideia de derrubar a ditadura. Não podendo dominar a efervescência militar por
meio da repressão, tal era o número de oficiais envolvidos no movimento contestário, o
governo enveredou por uma estratégia de aliciamento e de concessões aos militares. Em
22 de Dezembro de 1973, o governo retirou definitivamente a legislação que tinha estado
na base do descontentamento corporativo dos capitães e decretou um aumento substan-
cial dos salários dos militares. Pouco depois, Spínola foi nomeado Vice-Chefe do Estado
Maior General das Forças Armadas, cargo que foi criado propositadamente para esse Gene-
ral. Spínola tomou posse do cargo em 14 de Janeiro de 1974, mas a estratégia do governo
não deu resultado, ainda que tenha contribuído para uma «estagnação» temporária das
actividades do MOFA. Porém, novos desenvolvimentos no cenário colonial provocaram
uma viragem política definitiva no seio do movimento dos militares. Vejamos.
Em Janeiro de 1974, a morte da mulher de um fazendeiro branco no centro de Moçam-
bique, durante um ataque da Frelimo, provocou o protesto dos colonos brancos, que se
manifestaram violentamente contra o exército português na cidade da Beira, acusando-o
de incompetência e de nada fazer para proteger a população. Os protestos dos colonos
brancos moçambicanos contra o exército português criaram um forte mal-estar entre os
militares, que não estavam dispostos a continuar a lutar para defender os chamados «inte-
resses» da minoria branca. Como tal, os protestos dos colonos brancos tiveram um papel
determinante na mobilização das médias e baixas patentes do exército contra a continua-
O 25 de Abril e o fim do Império (1974-1975) 135

ção da guerra. Isto é, depois dos incidentes da Beira, uma parte do exército convenceu-se
definitivamente da necessidade de sair o mais rapidamente possível das colónias, mesmo
contra a vontade do governo de Lisboa. A hipótese de derrube da ditadura por via da rea-
lização de um golpe militar conquistou adeptos e ganhou força entre os militares, no sen-
tido em que se afigurou como a única via possível para resolver o problema da guerra.
Poucas semanas depois, o MOFA recebeu um novo estímulo à sua acção conspirativa
graças à publicação do famoso livro de Spínola, Portugal e o Futuro. Neste livro, publicado
em 22 de Fevereiro de 1974, Spínola denunciou a ausência de uma solução militar para a
guerra colonial e a necessidade de encontrar uma solução política para o conflito. Solução
essa que deveria passar pelo reconhecimento do direito dos povos das colónias portugue-
sas à autodeterminação. A autodeterminação, porém, deveria ser concretizada depois de
um período de transição, ou melhor, de preparação, e através da realização de um referendo.
Nesse referendo, Spínola esperava que as populações coloniais optassem pela constituição
de uma federação com Portugal, uma espécie de Comunidade de Estados de Língua
Portuguesa, senão mesmo uma Commonwealth Lusitana. O livro foi um dos maiores best-
-sellers da história livreira portuguesa, granjeou um enorme prestígio político interno e
externo a Spínola, dando-lhe inclusive um significativo apoio popular. Por sua vez, o MOFA
utilizou o livro de Spínola para convencer os sectores militares que hesitavam em partici-
par no golpe de Estado para derrubar a ditadura. Por outro lado, encontrou em Spínola
um interlocutor válido no seio da hierarquia militar, capaz de assumir a gestão do país
depois do derrube da ditadura. De facto, para assegurar o êxito do golpe era necessário
encontrar uma pessoa respeitada, com prestígio político (e militar) e com as relações
certas nos planos nacional e internacional. Spínola reunia como ninguém todas essas con-
dições. Assim, muito embora Costa Gomes recolhesse a maior parte das «simpatias políti-
cas» dos conspiradores, foi Spínola o General que assumiu às rédeas do poder na tarde do
dia 25 de Abril de 1974.
A publicação de Portugal e o Futuro provocou um autêntico escândalo político entre
as fileiras do regime, em especial entre a ala dura integracionista. Marcelo Caetano con-
vocou então as hierarquias militares para afiançar a sua lealdade ao governo. Realizada no
dia 14 de Março de 1974, a cerimónia representou uma espécie de prova de força entre o
governo e as hierarquias militares. Os militares deveriam demonstrar a sua concordância
e solidariedade para com a linha política do governo em relação à guerra colonial. O grosso
da hierarquia militar compareceu no «beija-mão», episódio que passou à história com a
designação de «Brigada do Reumático». Recusaram comparecer os Generais Costa Gomes
e Spínola. Perante a recusa e pressionado pelos sectores mais conservadores da ditadura,
Marcelo Caetano foi «obrigado» a demitir os Generais Costa Gomes e Spínola dos cargos
de Chefe e Vice-Chefe do Estado Maior das Forças Armadas.
As demissões dos dois prestigiados oficiais fizeram precipitar os acontecimentos. Em
16 de Março de 1974 houve uma primeira tentativa de golpe militar, que falhou porque só
uma unidade militar – a das Caldas da Rainha – saiu à rua. Houve falta de organização e
de coordenação, mas os conspiradores aprenderam a lição. Assim, um mês depois, em 25
136 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

de Abril de 1975, os militares contestatários realizaram com sucesso um golpe de Estado,


tomando rapidamente conta de Lisboa, do Porto e do resto do país. Foi um golpe quase
sem derramamento de sangue, porque o regime – prostrado pelas divisões internas pro-
vocadas pelo problema da guerra colonial – não teve qualquer capacidade de reacção mili-
tar. As operações tiveram início na madrugada de 25 de Abril de 1974. Uma canção do céle-
bre cantor José Afonso, Grândola, Vila Morena, transmitida para todo o país pela Rádio
Renascença, foi o sinal que desencadeou o início do golpe. Mais tarde, esta canção tornou-
-se no símbolo da revolução. Lisboa foi o principal palco das operações, dado que era ali a
sede do poder. O golpe foi coordenado, entre outros, por Otelo Saraiva de Carvalho. Os pri-
meiros objectivos militares a serem ocupados foram os meios de comunicação social
(Radiotelevisão, Emissora Nacional, Rádio Clube Português, etc.), bem como o aeroporto
e as principais vias de acesso à capital. Através da rádio e dos outros meios de comunica-
ção social, o movimento militar apresentou-se ao país sob a designação de Movimento das
Forças Armadas (MFA, nome definitivo e que passou à história). O MFA aconselhou a popu-
lação a manter a calma e a não sair de casa, mas, contrariando as indicações dos militares,
o povo saiu à rua com a firme convicção de apoiar o movimento golpista e de participar
activamente no derrube da ditadura. Por isso, o golpe de Estado militar transformou-se
rapidamente numa revolução com a participação popular. Foi assim posta em prática a
tese do levantamento nacional definida anos antes por Álvaro Cunhal. Uma multidão
imensa encheu as ruas de Lisboa, festejando os militares e participando nas operações.
Algumas mulheres começaram a oferecer flores aos militares, sobretudo cravos, que sim-
bolicamente foram colocados na ponta das armas. E foi também o povo que cercou
Marcelo Caetano, no Quartel do Carmo, em Lisboa.
No entretanto, os militares tomaram conta do Terreiro do Paço – a praça dos Minis-
térios e símbolo do poder – e cercaram as instalações da PIDE/DGS e da Legião Portu-
guesa. Durante as operações distinguiu-se no terreno o Capitão Salgueiro Maia que, entre
outras coisas, negociou a rendição de Marcelo Caetano. Às 17.30 do dia 25 de Abril de
1974 o General Spínola entrou no Quartel do Carmo para receber o poder de Marcelo
Caetano. O chefe do governo teria pedido expressamente a presença de Spínola, a fim de
que o poder não viesse a «cair na rua». A ditadura tinha terminado. A revolução era vito-
riosa. Caetano saiu do quartel numa viatura blindada («Chaimite») sob os apupos da mul-
tidão. Spínola e os militares foram vitoriados pelo povo em delírio. No espaço de vinte e
quatro horas caíram todos os bastiões ainda fiéis ao velho regime, entre os quais a sede da
PIDE/DGS. A polícia política foi aliás a responsável pelo ferimento e morte das únicas víti-
mas da revolução. Isto porque, esboçando uma resistência louca e insensata, alguns dos
agentes dispararam sobre a multidão antes que os militares tivessem conseguido tomar as
instalações dessa famigerada polícia. Coube também aos civis um papel central na liberta-
ção dos presos políticos, cercando as prisões do regime e colaborando com os militares na
libertação dos prisioneiros. Foram presos, ao invés, Américo Tomaz e os restantes membros
do governo. Dias depois, foram levados sob prisão, juntamente com Marcelo Caetano, para
a ilha da Madeira e, daí, exilados no Brasil.
O 25 de Abril e o fim do Império (1974-1975) 137

Derrubada a ditadura, o poder foi assumido por uma Junta de Salvação Nacional (JSN),
constituída por sete oficiais escolhidos em representação dos três ramos das Forças Arma-
das: Spínola, Costa Gomes e Jaime Silvério Marques pelo Exército; Pinheiro de Azevedo e
Rosa Coutinho pela Marinha; Galvão de Melo e Diogo Neto pela Força Aérea. A Presidência
da JSN foi assumida por Spínola, que fez uma proclamação ao país na noite de 25 de Abril
de 1974. Foi apresentado o Programa do Movimento das Forças Armadas (MFA), que apon-
tava claramente no sentido da constituição de um regime democrático e da resolução do
problema colonial, ainda que fosse omisso quanto à forma de colocar termo à guerra. E
isto porque não havia uma total sintonia política entre Spínola e a Comissão Coordenadora
do MFA quanto ao futuro das colónias portuguesas, facto que suscitou divergências e até
tensões logo na noite da revolução. Mas, por enquanto, o ambiente no país era de festa pelo
fim da ditadura.
Os primeiros dias do novo regime foram marcados pelo desmantelamento do aparelho
político do Estado Novo, com a exoneração dos mais altos representantes do Estado e dos
Governadores Gerais de Angola e de Moçambique, a dissolução da Assembleia Nacional e
da Acção Nacional Popular, a extinção da Legião Portuguesa e da Mocidade Portuguesa. A
PIDE/DGS foi extinta na metrópole, mas mantida nas colónias, sendo convertida em
Polícia de Informação Militar (PIM). Os presos políticos foram libertados, sendo amnistia-
dos todos os imputados de crimes políticos ou de deserção. Foi permitida a formação de
partidos políticos ou reconhecida a sua existência legal, como no caso do Partido Comu-
nista Português. Na realidade, o PCP era o único partido que tinha sobrevivido a quase
meio século de ditadura; era também o movimento que mais tenazmente tinha lutado pela
liberdade dos portugueses. Por isso, o prestígio dos comunistas era muito grande na socie-
dade portuguesa e a sua participação no processo revolucionário era considerada indis-
pensável pela maioria dos militares, inclusive por Spínola. Próximo do PCP estava o
Movimento Democrático Português (MDP), que reunia os elementos das antigas Comis-
sões Democráticas Eleitorais formadas pela oposição para concorrer às eleições legislati-
vas do «velho» Estado Novo. Obteve também o seu reconhecimento legal o Partido
Socialista Português (PS), fundado por Mário Soares e por outros portugueses no exílio,
em Abril de 1973. Embora inicialmente se proclamasse marxista, o PS teve a adesão prin-
cipalmente das classes médias urbanas que queriam uma evolução do país no sentido da
social-democracia. À direita do PS apareceu o Partido Popular Democrático (PPD), fun-
dado por Sá Carneiro e por outros elementos da antiga «Ala Liberal» da Assembleia
Nacional. O PPD representava sobretudo os interesses da média burguesia e de parte subs-
tancial do país rural e católico (mas não clerical), sobretudo no Centro-Norte. Mantinha
contactos com a grande burguesia monopolista, mas tinha um programa de pendor
social-democrático. Os sectores democráticos mais conservadores agruparam-se no
Centro Democrático Social (CDS), onde foi figura proeminente Freitas do Amaral. Fiel
representante dos interesses da grande burguesia monopolista, o CDS reconheceu con-
tudo a necessidade de uma democratização do país, desde que esta mantivesse intacta a
estrutura capitalista. O CDS teve a adesão de algumas figuras do regime deposto (por
138 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

exemplo, Adriano Moreira) e dos meios católicos mais conservadores, sobretudo nos meios
rurais do Norte. Para além destes partidos, surgiu um grande número de movimentos da
extrema esquerda (MRPP, UDP, etc.) e da direita encapotada (Partido Cristão Democrático),
mas cuja representatividade política era muito reduzida.
O poder revolucionário permitiu também a legalização e a livre constituição de sindi-
catos dos trabalhadores. O 1.º de Maio de 1974 foi celebrado com enorme entusiasmo pela
população portuguesa. Em Lisboa, Álvaro Cunhal, Secretário Geral do Partido Comunista
Português, regressado à pátria depois de um longo exílio de catorze anos, discursou
perante um milhão de portugueses, reunidos num clima de grande euforia e de festa pela
liberdade reconquistada. Cunhal era, sem dúvida, o mais respeitado de todos os oposicio-
nistas políticos à ditadura. Para muitos portugueses era um mito e um herói da luta pela
liberdade. Luta essa que lhe tinha custado anos de prisão e de exílio. Mário Soares asso-
ciou-se à manifestação do 1.º de Maio de 1974, aparecendo de mão dada com Cunhal, em
sinal de unidade, não podendo porém competir em prestígio com o máximo dirigente do
Partido Comunista.
Em 15 de Maio de 1974, António de Spínola tomou posse como Presidente da Repú-
blica. Spínola contava com o apoio de uma parte significativa dos militares e do grande
capital português. Aparentemente, a grande burguesia monopolista acreditava que Spínola
seria capaz de conduzir o processo revolucionário sem grandes sobressaltos, fazendo as
mudanças necessárias para a democratização política do país e para a resolução do pro-
blema colonial mas mantendo intacta a estrutura capitalista. No dia seguinte, Spínola deu
posse ao I Governo Provisório, chefiado pelo advogado Adelino da Palma Carlos, um demo-
crata liberal e homem da confiança do Presidente da República. Fizeram parte deste pri-
meiro governo elementos independentes, liberais, socialistas e comunistas. Sá Carneiro e
Álvaro Cunhal foram empossados como Ministros Sem Pasta; Mário Soares foi nomeado
Ministro dos Negócios Estrangeiros; António Almeida Santos, também um socialista, foi
para a pasta da Coordenação Interterritorial, nova designação do Ministério do Ultramar.
No plano colonial, o 25 de Abril de 1974 criou as condições políticas para a realização
da descolonização do Império luso-africano. Este ponto ficou mais ou menos claro desde
o início do processo revolucionário na metrópole. O que ficou por esclarecer foi o tipo de
descolonização que os portugueses iriam tentar realizar em África. Na realidade, os auto-
res do golpe militar na metrópole não eram unânimes quanto à forma de pôr termo à
guerra e, sobretudo, quanto ao futuro político das colónias. Logo na noite de 25 de Abril
de 1974, apresentaram-se duas linhas distintas no seio do poder revolucionário relativa-
mente à definição da política colonial. Por um lado, havia uma linha mais conservadora
encabeçada pelo General Spínola e apoiada pelos sectores que lhe eram fiéis – os «spino-
listas» – dentro do Movimento das Forças Armadas (MFA). Na continuação do que escre-
vera no livro Portugal e o Futuro, Spínola encarnava uma solução do tipo gaullista, isto
é, defendia a formação de uma federação de Estados entre a metrópole e as colónias, cuja
aprovação seria submetida – por referendo – ao escrutínio das populações coloniais.
Paralelamente, para Spínola era importante encontrar uma acomodação política com os
O 25 de Abril e o fim do Império (1974-1975) 139

movimentos independentistas, na medida em que a guerra lhes tinha dado uma projecção
política internacional que não podia ser ignorada por Lisboa. Porém, não era de todo per-
ceptível a forma como Spínola pretendia acabar com a guerra se esses movimentos rejei-
tassem a sua proposta. Em clara oposição a Spínola, havia uma linha mais «revolucioná-
ria», de esquerda, encabeçada por Costa Gomes e em maioria no seio do MFA, que defen-
dia a independência imediata das colónias e a transferência de poderes directamente para
as mãos das guerrilhas nacionalistas. Esta linha considerava que as guerrilhas representa-
vam, senão a totalidade, pelo menos a maioria da população em cada colónia. Não atribuía
por isso qualquer legitimidade política a outros movimentos que não os que efectivamente
tinham feito a guerra contra os portugueses. Isto é, considerava que a guerra tinha dado
às guerrilhas uma espécie de legitimidade revolucionária que não era compartilhada por
quaisquer outros movimentos políticos coloniais.
Nas duas maiores colónias portuguesas, o 25 de Abril foi recebido com um misto de
esperança e de medo. Na verdade, para os brancos angolanos e moçambicanos a figura de
Spínola parecia constituir garantia suficiente de que o novo regime não tomaria medidas
contrárias aos seus interesses. Isto porque o projecto federalista de Spínola parecia vir ao
encontro das velhas aspirações dos colonos de uma autonomia alargada ou mesmo de uma
independência no quadro da muito propalada Comunidade Lusíada. Além disso, os colo-
nos brancos esperavam que o processo de independência fosse conduzido segundo os prin-
cípios democráticos e que se realizassem eleições gerais com o concurso de todas as
forças políticas. E, de facto, o poder revolucionário português permitiu, pelo menos nos
primeiros tempos, a formação de novos partidos, como por exemplo o Partido Cristão
Democrático de Angola (PCDA), bem como a legalização de alguns movimentos que
tinham tido uma existência política anterior na clandestinidade. Foi o caso da Frente de
Unidade Angolana (FUA), cuja primeira fundação datava de 1961, mas que tinha sido dura-
mente reprimida pelas autoridades coloniais durante a ditadura, para além de hostilizada
– em termos políticos – pelo MPLA e pela FNLA.
No entretanto, as diferenças de posição relativamente à política colonial tornaram ine-
vitável o confronto entre Spínola, por um lado, e, por outro, Costa Gomes e a Comissão
Coordenadora do MFA, com clara desvantagem para o Presidente da República. Com
efeito, Spínola viu a sua posição fragilizada com a resignação de Palma Carlos ao cargo de
Primeiro-Ministro (9 de Julho de 1974). Esta decisão foi tomada na sequência da rejeição
pelo I Governo Provisório da proposta feita por Palma Carlos para adiar as eleições para a
Assembleia Constituinte e avançar com as eleições presidenciais ainda em 1974. A Palma
Carlos sucedeu um governo (o II Governo Provisório) liderado por Vasco Gonçalves, um
militar esquerdista, próximo do PCP, que acentuou a pressão para uma mudança da polí-
tica colonial de Spínola. O facto é que as tentativas de conversações com as guerrilhas afri-
canas não tinham dado fruto, excepto no caso da UNITA, porque Lisboa não tinha reco-
nhecido oficialmente o direito das colónias à autodeterminação e à independência. Perante
isto, Spínola teve de aceitar a realização de modificações na sua política colonial no sen-
tido de uma aceleração do processo de descolonização. Após pressões dos sectores mais
140 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

radicais do MFA, Spínola promulgou uma nova Lei Constitucional em 26 de Julho de 1974,
a Lei n.º 7/74. A nova Lei reconheceu «o direito à autodeterminação, com todas as suas
consequências, incluindo a aceitação da independência dos territórios ultramarinos». No
dia seguinte, Spínola declarou oficialmente na televisão que reconhecia o direito das coló-
nias à independência. Derrotado, Spínola teve que colocar definitivamente de parte o seu
projecto de formação de uma Comunidade de Estados de Língua Portuguesa.
Apesar da derrota do seu projecto federalista, Spínola tentou à mesma conduzir o pro-
cesso de descolonização mediante a formação de uma Comissão Nacional de Descolo-
nização (CND), que reunia sob a sua presidência. Mas o Presidente da República acabou
por ser ultrapassado pelos acontecimentos, sobretudo nos casos da Guiné e de Moçam-
bique. Na realidade, Costa Gomes e a ala esquerda do MFA conseguiram impor – contra a
vontade do Presidente da República – a sua linha favorável à transferência directa dos
poderes exclusivamente para as mãos das guerrilhas nacionalistas. Isto porque Spínola
não conseguiu «ter mão» – se assim podemos dizer – nos seus próprios delegados às con-
versações com os movimentos guerrilheiros (por exemplo, em Otelo Saraiva de Carvalho),
bem como no Ministro dos Negócios Estrangeiros, Mário Soares. No fundo, Spínola não
dispôs de autoridade suficiente sobre o governo e sobre os meios militares mais à
esquerda do MFA.
Neste contexto, Spínola foi obrigado a aceitar a transferência de poderes directamente
para as guerrilhas na Guiné (PAIGC) e em Moçambique (Frelimo). Em 26 de Agosto de
1974, Portugal reconheceu, por meio do Acordo de Argel, a independência da República da
Guiné-Bissau. A transferência definitiva de poderes deu-se em 10 de Setembro de 1974,
tendo as tropas portuguesas saído definitivamente do território guineense em Outubro de
1974. Em Moçambique, a transição para a independência foi mais complicada devido à pre-
sença de uma significativa comunidade branca e de vários partidos políticos que contesta-
ram a entrega do poder exclusivamente à Frelimo. Em 7 de Setembro de 1974, em Lusaka,
representantes portugueses (Otelo Saraiva de Carvalho, Mário Soares, Almeida Santos)
assinaram com a Frelimo o acordo de independência de Moçambique. O Acordo de Lusaka
estabeleceu a transferência de poderes exclusivamente para as mãos da Frelimo, marcou a
data da independência para 25 de Julho de 1975 e definiu a constituição de um Governo
de Transição, formado por seis Ministros nomeados pela Frelimo e três por Portugal. O
Governo de Transição seria chefiado por um Primeiro-Ministro indicado pela Frelimo
(Joaquim Chissano). Portugal nomearia um Alto Comissário (Victor Crespo), cujas funções
seriam semelhantes às de um Chefe de Estado, assumindo também o cargo de Coman-
dante das Forças Armadas Conjuntas Portuguesas e da Frelimo. O Acordo não definiu o
sistema político do novo país (democracia multipartidária, regime de partido único, etc.),
atribuindo essa prerrogativa à Frelimo. O Acordo também não salvaguardou os direitos da
minoria branca residente no território, nem sequer o direito à nacionalidade moçambi-
cana. Portanto, o Acordo de Lusaka serviu fundamentalmente para sancionar internacio-
nalmente a entrega de Moçambique à Frelimo, atribuindo-lhe o controlo exclusivo do
poder político depois da independência. Os signatários justificaram esta posição pelo facto
O 25 de Abril e o fim do Império (1974-1975) 141

da Frelimo ser o único movimento moçambicano a ter adquirido uma «legitimidade popu-
lar pela via revolucionária indubitável», isto é, pela via militar. Por isso, foram excluídas
do processo de independência e tornadas ilegais todas as outras forças políticas moçambi-
canas, preparando assim o terreno para a criação dum regime político de partido único em
Moçambique.
O Acordo de Lusaka provocou uma reacção imediata das forças políticas moçambica-
nas excluídas do processo de independência, FICO, GUMO, COREMO, etc.1. Dirigentes
brancos – Gomes dos Santos, Hugo Velez Grilo, Pires Moreira, Gonçalo Mesquitela – e
negros – Joana Simião, Uria Simango, Kawandame, Gumane – juntaram-se numa única
plataforma política para impedir a aplicação do Acordo, o Movimento Moçambique Livre
(MML). O Movimento Moçambique Livre desencadeou, no próprio dia da assinatura do
Acordo, uma rebelião em Lourenço Marques, ocupando a principal estação emissora, a
Rádio Clube de Moçambique, e, momentaneamente, o aeroporto. O MML conseguiu ainda
mobilizar centenas de manifestantes que desfilaram nas ruas da capital moçambicana.
Porém, a rebelião foi sufocada militarmente pela tropa portuguesa comandada pelo Gene-
ral Costa Gomes, que para o efeito deslocou efectivos militares do Norte de Moçambique
para Lourenço Marques. Nas semanas seguintes, Lourenço Marques e Beira foram palco
de desordens e de confrontos armados entre grupos não necessariamente pertencentes à
Frelimo, mas que provocaram um número elevado de mortos entre a população civil,
inclusive entre os brancos. Em 21 de Outubro de 1974, cerca de cinquenta brancos
moçambicanos foram massacrados nessas duas cidades, na sequência de uma rixa entre
militares. Neste contexto de acentuada violência, gerou-se um êxodo maciço de brancos
para o exterior, tendo milhares de famílias atravessado as fronteiras com a Rodésia e com
a África do Sul, enquanto muitas outras optaram por fugir para Portugal.
Contrariamente ao que aconteceu no caso moçambicano, Spínola tentou garantir a rea-
lização de um processo de descolonização democrático em Angola, com a participação de
todas as forças políticas angolanas, e tentou também evitar o espargimento de sangue e o
êxodo da população branca. De facto, Spínola não tinha qualquer intenção de ceder de novo
às pressões da ala esquerda do MFA, na medida em que Angola era a maior e a mais rica
colónia portuguesa e a que tinha o maior número de brancos. Além disso, Spínola julgava
que era mais fácil gerir o processo de descolonização desta colónia, porque as guerrilhas
angolanas estavam divididas entre si e eram fracas do ponto de vista militar. Por isso,
Spínola tentou assumir directamente a condução do processo de descolonização de Angola.
Em 9 de Agosto de 1974, a Junta de Salvação Nacional, pela mão de Spínola, propôs um
plano de descolonização para Angola com a duração de três anos. Este plano consistia na
realização dum cessar-fogo com as guerrilhas nacionalistas e a constituição de um governo
provisório de coligação que representasse «todos os movimentos de libertação, em para-
lelo com os agrupamentos étnicos mais expressivos do Estado de Angola», incluindo a

(1) GUMO e COREMO já antes tinham formado entre si coligações, nomeadamente a FRECOMO e o
Partido de Coligação Nacional.
142 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

«etnia branca». Ao governo de coligação competiria elaborar uma lei eleitoral que garan-
tisse a livre expressão de toda a população de Angola, e proceder ao recenseamento eleito-
ral na base de «um homem um voto». O governo provisório deveria também organizar, no
prazo aproximado de dois anos, a eleição de uma Assembleia Constituinte por sufrágio uni-
versal, directo e secreto, à qual competiria a elaboração da Constituição do Estado
Angolano e a definição das ligações que desejasse estabelecer com Portugal. Aprovada a
Constituição, a Assembleia Constituinte deveria dissolver-se automaticamente e proceder-
-se-ia a novas eleições, de acordo com a Constituição, das quais resultaria a formação de
uma Assembleia Legislativa e de um Governo representativo da «vontade soberana do povo
de Angola». O plano de Spínola previa também o envolvimento das Nações Unidas, nomea-
damente através do envio de observadores internacionais aos «actos de consulta popular».
Com este plano, Spínola pretendia assegurar o carácter pacífico do processo de descoloni-
zação de Angola, criar as condições para a permanência da comunidade branca no país e
garantir a salvaguarda dos interesses económicos da grande burguesia metropolitana no
território mesmo depois da independência.
Mas o plano spinolista não foi aceite nem pelos meios políticos e militares portugueses
à esquerda do Presidente da República nem pelas duas guerrilhas angolanas ainda em
guerra (FNLA e MPLA). A FNLA rejeitou a atribuição de qualquer forma de representativi-
dade política aos «grupos étnicos», pois não estava disposta a aceitar a presença de bran-
cos no governo transitório. O MPLA considerou o plano spinolista demasiado longo do
ponto de vista temporal. Além disso, ambos os movimentos exigiram como pré-condição
fundamental para a obtenção dum acordo de cessar-fogo o reconhecimento português da
aceitação do princípio da independência incondicional, isto é, uma espécie de «rendição
incondicional» do Estado Português. Possivelmente, os movimentos independentistas
temiam uma manipulação do processo eleitoral por parte de Spínola e também a concor-
rência política de outros partidos em eleições livres.
Face à oposição ao seu plano de descolonização de Angola, Spínola tentou «colocar
mão» na situação, procurando para o efeito quer o apoio externo dos EUA e do Zaire
(encontrou-se com Nixon nos Açores e com Mobutu na ilha do Sal), quer o apoio interno das
sociedades civis angolana e portuguesa. Como tal, Spínola convocou os representantes das
associações, grupos cívicos e partidos políticos angolanos para uma reunião em Lisboa, em
26 de Setembro de 1974. Nessa reunião, o Presidente da República reafirmou o seu empe-
nho na realização de um processo de descolonização pautado pelo respeito dos princípios
democráticos, em especial do sufrágio popular, da pluralidade partidária e da intervenção
dos cidadãos na elaboração e alteração das leis. Por isso, frisou a sua rejeição de governos
minoritários, nomeadamente de minoria branca, considerando que o governo de Angola
teria de ser exercido sobre o voto e por mandato inequívoco das maiorias africanas do ter-
ritório. E considerou também que o processo de descolonização teria de envolver forçosa-
mente as guerrilhas independentistas. Mas isto não significava a transferência pura e sim-
ples do poder para as mãos das guerrilhas, pois uma coisa era a luta pela independência,
outra coisa era a governação de um país. Assim, muito embora as guerrilhas tivessem con-
O 25 de Abril e o fim do Império (1974-1975) 143

tribuído através da luta armada para alcançar a independência, a governação do território


deveria ser exercida somente pelos representantes eleitos democraticamente pela popula-
ção angolana.
No entanto, esta reunião acabou por ser o «canto do cisne» da política colonial de
Spínola, uma vez que, quatro dias depois, era obrigado a resignar ao cargo de Presidente
da República, na sequência do falhanço da manifestação da «maioria silenciosa» de 28 de
Setembro de 1974. A manifestação da «maioria silenciosa» fora convocada para apoiar a
política de Spínola, que pretendia assim reforçar a sua posição perante os seus opositores
de esquerda no governo e no MFA. Isto é, a manifestação deveria restabelecer a suprema-
cia política do Presidente da República sobre o governo e sobre o MFA. Porém, as forças
políticas e militares de esquerda consideraram que ela era o prelúdio de um golpe de
Estado de direita, pelo que procuraram evitar a sua realização. Aparentemente, Kaúlza de
Arriaga e a extrema direita conspiravam para tomar conta do poder através de um golpe
na capital portuguesa, servindo-se para o efeito da cobertura dada pela manifestação con-
vocada por Spínola. Na sequência do golpe, Spínola seria destituído e o processo revolu-
cionário seria bloqueado. Neste sentido, na noite de 27 para 28 de Setembro de 1974,
foram montadas barricadas populares, com o auxílio de militares, para impedir a entrada
dos apoiantes de Spínola em Lisboa. Segundo a Embaixada Britânica em Lisboa, Spínola
teria ordenado o levantamento das barricadas, mas às quatro horas da madrugada de 28 de
Setembro elas estavam ainda intactas. Spínola teria então percebido que só poderia remo-
ver as barricadas com o uso da força e das tropas que lhe eram leais, com o consequente
espargimento de sangue. Ora, Spínola não estaria pronto a aceitar derramamento de
sangue entre portugueses. Por isso, na manhã de 28 de Setembro, mandou cancelar a rea-
lização da manifestação da «maioria silenciosa» a fim de evitar incidentes. Segundo outra
teoria, Spínola teria de facto acreditado na existência de uma conspiração da extrema
direita e, por isso, teria consentido no cancelamento da manifestação. De qualquer das for-
mas, o fracasso da manifestação acabou por comprometer definitivamente a estratégia de
Spínola, que perdeu o controlo sobre a situação política e militar no país. Na verdade, as
forças políticas e militares de esquerda impuseram o afastamento dos elementos mais con-
servadores da Junta de Salvação Nacional, os Generais Diogo Neto, Galvão de Melo e Jaime
Silvério Marques, e efectuaram um conjunto de prisões que afectaram duramente os sec-
tores políticos da direita. Foram também «incomodados» alguns grandes empresários por-
tugueses, acusados de participação no golpe. Spínola, sem força para resistir às imposições
da esquerda político-militar e não querendo ser cúmplice das decisões por esta tomadas,
resignou ao cargo de Presidente da República em 30 de Setembro de 1974. Em sua subs-
tituição foi escolhido – pelos restantes três membros da JSN – o General Costa Gomes, que
assumiu o cargo nesse mesmo dia.
A resignação de Spínola provocou uma radicalização à esquerda do processo revolucio-
nário. Costa Gomes deu posse ao III Governo Provisório, chefiado por Vasco Gonçalves,
onde a influência da esquerda militar era crescente. Para além de participar no governo, o
MFA intervinha na vida política através do Conselho de Estado e do Comando Operacional
144 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

das Forças Armadas (COPCON), onde era figura proeminente Otelo Saraiva de Carvalho.
Era particularmente influente na esfera política a 5ª Divisão do Estado Maior General das
Forças Armadas. Surgiram também vários outros «organismos» ligados ao MFA (Conselho
dos 20, Assembleia de Delegados, etc.), os quais procuraram coordenar a acção militar com
o intuito de influir na condução política do país. Mas não só. Os sectores militares mais poli-
tizados tentaram envolver todo o país no processo revolucionário através de um programa
de «dinamização cultural» da sociedade portuguesa. Militares, comunistas e outros ele-
mentos esquerdistas levaram a efeito uma intensa campanha de consciencialização política
da população, sobretudo dos estratos subalternos. O resultado foi o crescimento da agita-
ção social, das manifestações e greves de trabalhadores, que, pela primeira vez, eram livres
de reivindicar os seus direitos. Uma situação que gerou incompreensões e medos junto das
classes médias, bem como nos meios rurais católicos e conservadores do Norte. Assim,
começou a ser patente a existência de divergências e de tensões no seio da esquerda portu-
guesa: de um lado os socialistas e os militares moderados, que temiam uma «deriva bol-
chevique» do processo revolucionário; do outro lado os comunistas e os militares radicais
que visavam uma transformação da infra-estrutura económica e social do país no sentido
do socialismo real. Estas tensões foram-se agravando à medida que os comunistas foram
conquistando cada vez mais influência junto dos órgãos de governo e do poder militar.
Paralelamente, a resignação de Spínola implicou uma mudança radical na orientação
política portuguesa em relação ao processo de independência de Angola. A partir de então,
a opinião dominante na Presidência da República, no Governo Provisório e nas Forças
Armadas foi a de negociar o mais rapidamente possível a independência de Angola com os
três principais movimentos guerrilheiros – e só com esses movimentos –, FNLA, MPLA e
UNITA. Relativamente às divisões no interior do MPLA, a opinião prevalecente foi a de
reconhecer como legítimo interlocutor exclusivamente Agostinho Neto, em detrimento
das facções lideradas por Daniel Chipenda (Revolta de Leste) e Joaquim Pinto de Andrade
(Revolta Activa). Neste sentido, o projecto de descolonização apresentado pela JSN em
Agosto de 1974 foi sendo posto de parte até que foi definitivamente abandonado em
Janeiro de 1975, com a assinatura do acordo de independência de Angola. Isto significa que
o Estado Português deixou de aceitar a participação das forças políticas não armadas no
processo de descolonização de Angola. Por outras palavras, Portugal decidiu excluir os
representantes políticos da população branca – e de todos os angolanos que não se identi-
ficavam com nenhum dos três movimentos armados – do processo de independência de
Angola. Portanto, depois de ter recusado durante décadas de ditadura a intervenção dos
colonos na governação colonial, Portugal negou a participação da minoria branca no pro-
cesso de independência e de construção do Estado Angolano. E os brancos angolanos, que
ao contrário dos rodesianos nunca tinham conseguido obter o controlo do Estado colonial,
poucos instrumentos políticos tinham à sua disposição para rebater a decisão portuguesa.
Claramente, a modificação da posição portuguesa provocou um forte descontenta-
mento político entre os colonos brancos. Mas as autoridades portuguesas reagiram aos
protestos dos brancos com a repressão, a censura e a força policial. Na verdade, as tensões
O 25 de Abril e o fim do Império (1974-1975) 145

entre os colonos e as autoridades portuguesas eram evidentes pelo menos desde meados
do mês de Setembro, quando Rosa Coutinho, Presidente da Junta Governativa de Angola,
ordenou a prisão de cerca de quarenta pessoas suspeitas de ligações à Frente de Resistên-
cia Angolana (FRA). A FRA era uma organização local, mas que dispunha de ligações
estreitas à extrema direita metropolitana. O seu intuito era condicionar o processo de
independência angolano no sentido da instituição de um regime neocolonial em Angola.
Tinha por isso objectivos totalmente distintos, senão mesmo opostos, dos partidos políti-
cos criados pelos colonos brancos, nomeadamente a FUA. A FUA pretendia uma indepen-
dência genuína, quer do ponto de vista político, quer numa perspectiva económica; mas
uma independência para todos, feita com a participação de todas as forças políticas ango-
lanas e que não excluísse ninguém, muito menos a minoria branca. Não era essa porém a
visão de uma parte substancial dos militares portugueses estacionados no território, que
não aceitaram a participação dos brancos no processo de independência. Em 18 de
Setembro de 1974, num plenário à porta fechada realizado no Palácio do Governo de
Luanda, cerca de quinhentos oficiais portugueses aprovaram uma moção que considerava
que o processo de descolonização só deveria ter em conta «as forças políticas verdadeira-
mente representativas do povo angolano». Segundo esses oficiais portugueses, as únicas
forças representativas da população angolana eram os movimentos guerrilheiros que
tinham combatido pela independência de Angola, ao passo que todas as outras forças polí-
ticas angolanas – FUA incluída – não passavam de «pseudopartidos fantoches, formados
por elementos reaccionários, servidores de interesses fascistas-colonialistas do antigo
regime»2. Esta tomada de posição dos oficiais portugueses gerou um forte mal-estar no
seio da população branca, nomeadamente entre os apoiantes da FUA. A FUA denunciou a
contradição entre a moção aprovada por esses militares e o programa de descolonização
estabelecido pela Junta de Salvação Nacional. Para a FUA, essa moção desrespeitava ainda
os princípios democráticos expostos no Programa do Movimento das Forças Armadas e
constituía «uma grave ingerência na vida política de um Estado em formação», na medida
em que os militares portugueses pretendiam impor directrizes num processo político que
só aos angolanos caberia decidir. Em resposta, a FUA foi acusada de estar a cometer um
crime ao colocar em causa a legitimidade do papel das Forças Armadas Portuguesas no
processo de descolonização de Angola, bem como de encobrir os interesses colonialistas
responsáveis pela exploração do povo angolano. Interpelado sobre o assunto pelo Cônsul
Geral Britânico em Luanda, um membro da Junta Governativa de Angola afirmou que, se
fosse necessário, as Forças Armadas estariam dispostas a abrir fogo sobre os brancos3.
Neste contexto de forte tensão política, as autoridades portuguesas tomaram medidas
para neutralizar os partidos formados pelos colonos. Logo após a resignação de Spínola,

(2) A Província de Angola, n.º 15.845, de 22 de Setembro de 1974, pp. 1 e 5; A Província de Angola,
n.º 15.846, de 23 de Setembro de 1974, pp. 5 e 11.
(3) PRO, FCO 45/1504, Political Situation in Angola, 1974 (British Consulate General, Luanda,
2/10/1974).
146 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

Rosa Coutinho instituiu temporariamente a censura prévia sobre a comunicação social e


ordenou a prisão de várias personalidades ligadas aos meios políticos brancos mais conser-
vadores. Foram presos vários dirigentes do PCDA, enquanto outros elementos tiveram que
fugir para o estrangeiro para escapar às prisões. Entre estes esteve o director do principal
jornal angolano, A Província de Angola, Rui Correia de Freitas. A FUA não foi afectada
por esta primeira vaga repressiva, dado que o seu Presidente, Fernando Falcão, exercia as
funções de Secretário Adjunto do Governo Provisório de Angola. Por sua vez, os colonos
procuraram reagir como puderam à repressão portuguesa. Em Novembro de 1974, os
camionistas angolanos lançaram uma greve que paralisou a economia da colónia, isolando
Luanda e as demais cidades das suas fontes de abastecimento de géneros alimentares. O
objectivo era obrigar o governo colonial a garantir a paz, a ordem e a segurança no territó-
rio e evitar a exclusão política da minoria branca do processo de independência. Em res-
posta, os camionistas foram acusados pelas autoridades portuguesas e pelo MPLA de serem
instrumentos da «reacção branca» e de sabotarem a economia de Angola. Uma intensa cam-
panha de desinformação na imprensa metropolitana procedeu à «demonização» política das
elites brancas, que foram rotuladas de «reaccionárias» e de «inimigas» do povo angolano.
Gradualmente, a minoria branca foi reduzida ao estatuto de camada reaccionária da socie-
dade colonial. Para dobrar a «resistência» dos camionistas, a Junta Governativa de Angola
prendeu os indivíduos que considerava responsáveis pela «sabotagem económica» do país,
nomeadamente o Presidente da Associação Comercial de Luanda, Joaquim Fernandes
Vieira, detido em 17 de Novembro de 1974. Lisboa também elevou Rosa Coutinho à condi-
ção de Alto Comissário de Angola, dando-lhe plenos poderes para resolver a «situação»
angolana. Enfim, perante a firmeza do protesto dos colonos, o MFA decidiu tomar uma posi-
ção de força, ameaçando publicamente intervir contra qualquer grupo que colocasse em
causa a autoridade portuguesa e as directivas do Alto Comissário4. Face à ameaça de inter-
venção da tropa portuguesa, os dirigentes das associações económicas, os camionistas e a
maior parte dos opositores à governação colonial recuaram nas suas posições. Tomou-se
consciência de que ninguém em Angola tinha força suficiente para enfrentar abertamente
as Forças Armadas Portuguesas. O único partido angolano que perseverou na defesa da rea-
lização de um processo de descolonização pacífico e democrático foi a FUA.
De facto, a FUA tentou a todo o custo assegurar a construção de um Estado Angolano
independente e democrático, no qual os direitos e as liberdades cívicas e políticas de cada
cidadão fossem respeitadas, num clima de paz e de respeito mútuo entre as várias compo-
nentes demográficas de Angola. Um regime que permitisse a participação de todas as cor-
rentes políticas angolanas, de forma que nenhum segmento da população fosse – ou se
sentisse – excluído do processo de governação. E, no específico, a FUA tentou propiciar a
criação das condições para que a minoria branca permanecesse no país depois da inde-
pendência, não numa condição de subordinação política em relação à maioria negra, mas
numa condição de paridade de direitos e de deveres perante a lei angolana. Mas os gover-

(4) A Província de Angola, n.º 15.911, de 28 de Novembro de 1974, p. 5.


O 25 de Abril e o fim do Império (1974-1975) 147

nantes portugueses já tinham decidido a linha de rumo da descolonização angolana.


Assim, no início de Dezembro de 1974, Rosa Coutinho anunciou a realização duma
cimeira no Alvor (Algarve), entre representantes do Estado Português e dos três principais
movimentos armados (FNLA, MPLA e UNITA), com o objectivo de preparar o governo de
transição. Não participariam nessa cimeira representantes de quaisquer outras forças polí-
ticas. A FUA reagiu ao anúncio, tornando pública à população angolana a sua posição atra-
vés de um comunicado. Nesse comunicado, considerava que a realização da cimeira da
independência só com os representantes dos três movimentos armados constituía uma
distorção do processo de independência. A FUA julgava inconcebível, em democracia, a
ideia da marginalização do processo de independência de todas as forças políticas angola-
nas que não os três movimentos armados. Por isso, sentia-se na obrigação de denunciar
publicamente o perigo que representava para o país a distorção do processo de indepen-
dência, em particular o desrespeito pelas proclamadas liberdades democráticas. A FUA
declarou ainda a sua preocupação pela mais que provável eclosão de uma guerra civil entre
os três movimentos, logo que o poder lhes fosse transferido em regime de monopólio, na
medida em que as guerrilhas continuavam a treinar e a enquadrar elementos nos seus
exércitos, como que preparando um regresso à guerra. Mas de nada valeram as denúncias
e os apelos da FUA para a realização de um processo de descolonização pacífico e demo-
crático, que envolvesse todos os segmentos da população angolana, inclusive a sua com-
ponente branca.
No dia 15 de Janeiro de 1975 foi assinado o acordo de independência de Angola, o Acordo
do Alvor. O Acordo foi negociado, decidido e assinado exclusivamente pelos representan-
tes de Portugal e dos três movimentos armados, FNLA, MPLA e UNITA. O Acordo do Alvor
reconheceu a FNLA, o MPLA e a UNITA «como os únicos e legítimos representantes do
povo angolano», de modo que todas as outras forças políticas angolanas deixaram de ter
legitimidade política para continuar a existir. Como tal, deveriam dissolver-se ou integrar-
-se num dos três movimentos armados. O Acordo estabeleceu a criação de um Governo de
Transição, liderado por um colégio presidencial de três membros, um em representação de
cada um dos três movimentos armados. Todas as outras forças políticas angolanas eram
excluídas do governo de transição. O lugar de Presidente do Governo de Transição seria
ocupado rotativamente por cada um dos três membros do colégio presidencial, sendo as
decisões tomadas obrigatoriamente por maioria de dois terços. Portugal nomearia um Alto
Comissário, à semelhança do que acontecia em Moçambique. O Governo de Transição
entraria em funções no dia 31 de Janeiro de 1975. Ao Governo de Transição caberia orga-
nizar eleições para uma Assembleia Constituinte, antes do final de Outubro de 1975. Às
eleições só seriam admitidos os candidatos dos três movimentos armados, pelo que
nenhuma outra força política poderia participar nas eleições gerais para a Assembleia
Constituinte. A lei eleitoral, a elaboração dos cadernos eleitorais e o registo das listas de
candidatos (apresentadas unicamente pelos três movimentos) seriam organizadas por uma
comissão central constituída em partes iguais por membros dos três movimentos arma-
dos. Esta comissão central também seria a responsável pela elaboração da Lei Fundamen-
148 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

tal, isto é, uma espécie de «Constituição Provisória», que estaria em vigor até à entrada em
vigência da Constituição de Angola. Constituição essa que seria elaborada pela Assembleia
Constituinte formada exclusivamente pelos representantes dos três movimentos armados.
O Acordo estabeleceu enfim a formação de um exército nacional angolano, composto por
oito mil militares de cada um dos três movimentos, mais vinte e quatro mil soldados pro-
venientes das antigas Forças Armadas Portuguesas em Angola. A tropa portuguesa ficaria
no território até Fevereiro de 1976. A data da independência foi marcada para o dia 11 de
Novembro de 1975.
Neste contexto, o Acordo do Alvor serviu fundamentalmente para sancionar a transfe-
rência de poderes do regime colonial para os três movimentos armados. Portugal optou
assim por entregar o poder em regime de monopólio aos movimentos com a chamada legi-
timidade «revolucionária» – confundida com legitimidade nacionalista. Mas ao impor o
domínio tripartido dos três movimentos guerrilheiros, Portugal negou à população ango-
lana o direito de decidir sobre o seu próprio futuro, o sistema político e governativo a
adoptar, no quadro de um multipartidarismo amplo e não apenas restrito a três movi-
mentos. Além disso, ao excluir as demais forças políticas angolanas (FUA, FLEC, as facções
«mpelistas» Revolta de Leste e Revolta Activa) do processo político da independência, cada
um dos três movimentos armados ficou com as «mãos livres» para preparar sozinho a
tomada do poder, em detrimento dos outros dois parceiros. A este respeito, os factos
demonstraram que nenhum dos três movimentos armados estava disposto a partilhar o
poder com os outros dois parceiros, ao ponto de prepararem a tomada individual do poder
pela guerra. Ora, Portugal não tomou no Acordo de independência medidas precaucionais
para evitar a guerra civil. Pelo contrário, o Acordo de Alvor proporcionou as condições
políticas para a queda do país na guerra civil. Em primeiro lugar porque era impensável
que três movimentos que durante anos se tinham combatido violentamente entre si na
mata viessem, da noite para o dia, conviver pacificamente no governo de transição, sem ter
havido primeiro um período de adaptação. Em segundo lugar porque os três movimentos
armados não dispunham de condições para começarem a governar o território angolano
apenas duas semanas depois da assinatura do Acordo, na medida em que não tinham expe-
riência política, sobretudo experiência democrática, nem quadros em número suficiente
para assegurar a governação e a administração económica do país. Como tal, o governo de
transição jamais poderia ter funcionado de forma eficaz. Nove meses era também um
período de tempo demasiado curto para que três movimentos essencialmente militares se
transformassem em partidos políticos capazes de organizar e disputar pacificamente as
eleições gerais para a Assembleia Constituinte. Por fim, em termos militares, era inconce-
bível que três guerrilhas inimigas pudessem formar em poucas semanas um só exército
nacional, unificado à pressa com a tropa colonial, sob um comando tripartido.
Por outro lado, a exclusão do processo de independência – e por conseguinte do
governo de transição e das eleições gerais – de todas as forças políticas angolanas que não
os três movimentos armados criou as condições políticas para o êxodo dos brancos de
Angola e para a consequente queda do território no caos económico e administrativo.
O 25 de Abril e o fim do Império (1974-1975) 149

Outra coisa não se podia esperar, visto que os brancos – tal como os independentistas de
Cabinda e todos os angolanos que não se identificavam com os três movimentos armados
– foram de facto marginalizados do processo de independência, apesar das promessas
feitas anteriormente pelas autoridades portuguesas. Como tal, o Acordo não assegurou
suficientemente a permanência da minoria branca no país depois da independência. A
guerra civil apressou o êxodo maciço dos brancos de Angola, muitos dos quais «zelosa-
mente evacuados» para a metrópole. Mas a guerra foi apenas a mola, porque as causas do
êxodo residiram na forma como foi conduzido o processo de descolonização, que se saldou
na exclusão política da população branca.
Os primeiros incidentes aconteceram pouco depois da entrada em funções do governo
angolano de transição em 31 de Janeiro de 1975. No dia 13 de Fevereiro de 1975, o MPLA
atacou as instalações da Revolta de Leste, de Daniel Chipenda, em Luanda. Este ataque pro-
vocou baixas mortais em ambas as partes. A única reacção do Governo de Transição foi a
decisão de abrir um inquérito para apurar responsabilidades e resolver o conflito. Atacada,
a Revolta de Leste colocou-se sob a protecção da FNLA. Em Março de 1975 rebentaram os
primeiros confrontos entre as forças do MPLA e da FNLA, causando um número elevado de
mortos, sobretudo em Luanda. Apesar dos apelos para a paz, os confrontos militares conti-
nuaram, intervalados por uma ou outra pausa ou trégua temporária, que servia aos dois
movimentos para cerrar fileiras e rever estratégias de combate. Foi o início da «primeira»
guerra civil angolana (1975-1976). Não é nosso objectivo fazer aqui a narração da evolução
da guerra civil em Angola. Em todo o caso, convém assinalar que a guerra alastrou rapida-
mente a outros pontos do território angolano e afectou sobretudo os centros urbanos, onde
vivia a maioria da população branca. A UNITA entrou no conflito em Junho de 1975, depois
de ter sido atacada pelo MPLA. Em Agosto de 1975, a FNLA, a UNITA e outras forças de
menor importância – Revolta de Leste e Exército de Libertação Português (ELP) – fizeram
uma aliança política e militar em função anti-MPLA. No entretanto, o MPLA tinha conse-
guido obter o controlo de Luanda graças à neutralidade colaborante das autoridades portu-
guesas. O Governo de Transição cessou de existir. Cada um dos três movimentos procurou
consolidar a sua própria área de influência e canalizar para o respectivo território os apoios
logísticos e militares internacionais. No Norte de Angola, a FNLA foi apoiada por tropas zai-
renses, por militares duma certa direita portuguesa e por mercenários de vários países
europeus, bem como por instrutores militares dos EUA e da República Popular da China.
Em Luanda, o MPLA recebeu o apoio maciço de tropas cubanas (30.000 soldados) e o apoio
logístico da URSS, que lhe foi facilitado pela intervenção do Partido Comunista Português
e, em geral, da esquerda militar do MFA. No Sul de Angola, a UNITA e seus aliados – Revolta
de Leste e ELP – foram apoiados por tropas sul-africanas. Os socialistas portugueses mos-
traram-se especialmente próximos das posições da UNITA. A entrada das forças militares
estrangeiras no território angolano foi atestada pelo menos a partir de Agosto/Setembro de
1975. Como tal, a guerra civil angolana depressa se transformou num conflito internacio-
nal no quadro político regional da África Austral e no contexto mundial da Guerra Fria.
Perante a eclosão da guerra civil e o consequente desaparecimento do Governo de Transi-
150 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

ção, Portugal decidiu suspender o Acordo de Alvor, mantendo porém a data da indepen-
dência para o dia 11 de Novembro de 1975. O Estado Português decidiu também repatriar
até à data da independência todos os «europeus» – ou seja, os brancos – por via aérea.
Assim, contemporaneamente aos combates, procedeu-se à evacuação para a metrópole de
centenas de milhares de brancos, de mestiços e até de alguns negros. Foi um dos episódios
mais dramáticos da descolonização portuguesa.
A trágica evolução do processo de independência angolano teve consequências muito
significativas sobre a situação política metropolitana, provocando um aumento das ten-
sões políticas internas. Spínola convenceu-se da necessidade de recuperar o poder, mesmo
à custa da realização de um novo golpe militar. Apoiavam-no muitos membros da direita
militar, herdeira do regime salazarista e que não tinham qualquer relação com o seu pro-
jecto liberal. Tratava-se de um apoio meramente conjuntural, em função anti-revolucio-
nária. Spínola temia também a realização de acções violentas contra os meios que lhe
eram afectos por parte da extrema esquerda. Por isso, em 11 de Março de 1975, tentou sem
sucesso tomar o poder por meio de um golpe militar. O golpe teve a adesão de parte da
Força Aérea, mas fracassou em virtude da sua incipiente organização e pelo facto do plano
ter chegado ao conhecimento do MFA. A população também se manifestou em massa con-
tra a tentativa de golpe do General. Neutralizado o golpe, foram detidos muitos dos mili-
tares implicados na acção. Spínola foi obrigado a fugir para o exílio, primeiro no Brasil e,
depois, em Espanha.
O 11 de Março de 1975 inaugurou uma nova fase no processo revolucionário portu-
guês, provocando uma nova radicalização à esquerda. Podemos situar aqui o início do cha-
mado «PREC», ou seja, do «Processo Revolucionário em Curso», que durou até 25 de
Novembro de 1975. Foi a fase mais aguda da revolução, na qual os conflitos políticos e
sociais foram mais intensos e mais e maiores foram as mudanças na sociedade portuguesa.
Logo após o 11 de Março de 1975, a esquerda militar procurou institucionalizar a sua posi-
ção política pela criação de um novo órgão de poder, o Conselho da Revolução, que subs-
tituiu a defunta Junta de Salvação Nacional. O Conselho da Revolução tinha por objectivo
zelar pelo cumprimento do programa revolucionário do MFA. No fundo constituía uma
espécie de tutela militar sobre a vida política portuguesa. Os militares assumiram assim o
papel de guardiães da revolução, vigiando de perto a acção dos partidos políticos. Em 11
de Abril de 1975 foi assinado um pacto entre o MFA e os principais partidos políticos – o
Pacto MFA-Partidos –, que definiu as grandes directrizes políticas do processo revolucio-
nário. Dias antes, em 26 de Março de 1975, tinha tomado posse o IV Governo Provisório,
liderado ainda por Vasco Gonçalves e que contava com a participação de comunistas, socia-
listas e liberais do PPD.
Paralelamente, o país foi atravessado por uma onda de manifestações, protestos, greves,
ocupações de terras e de empresas, nacionalizações, etc., que colocaram pela primeira vez
em causa o sistema capitalista. Generalizou-se a fuga de capitais para o estrangeiro e muitos
grandes empresários procuraram exílio no Brasil, em Espanha e noutros países. Em poucos
meses, a grande burguesia monopolista perdeu – temporariamente – a sua hegemonia eco-
O 25 de Abril e o fim do Império (1974-1975) 151

nómica, social e política. A revolução portuguesa tomou feições bolcheviques, facto que
preocupou os aliados ocidentais. Os EUA pensaram mesmo em expulsar Portugal da NATO.
Teve assim início o processo contra-revolucionário. A França, a Alemanha Ocidental e outros
Estados europeus procuraram apoiar os partidos moderados, em especial os socialistas de
Mário Soares, com o objectivo de contrastar a força dos comunistas. Após algumas hesita-
ções, os EUA adoptaram a mesma estratégia. Simultaneamente, os meios contra-revolucio-
nários suscitaram a formação de numerosos partidos extremistas à esquerda do PCP, com o
objectivo «encapotado» de enfraquecer o processo revolucionário, de criar confusão e de
roubar apoios ao Partido Comunista. Muitos foram os provocadores de direita infiltrados em
movimentos de esquerda e que tramaram para a queda do país no caos económico, social e
político. Além disso, a extrema direita fundou organizações clandestinas (Exército de Liber-
tação Português, Maria da Fonte, etc.), que actuaram em território português a partir da
Espanha. Algumas destas organizações tomaram «feições militares» e, com o apoio dos
meios católicos ultraclericais, organizaram assaltos às secções do PCP nas regiões do Centro
e do Norte de Portugal. Dezenas de secções comunistas foram incendiadas ao longo de 1975,
na sequência de manifestações populares organizadas pela direita extrema e clerical. Nalguns
casos registaram-se feridos e mortos entre os militantes comunistas.
Foi neste contexto de grande agitação social e política que se realizaram as eleições
para a Assembleia Constituinte de 25 de Abril de 1975, um ano exacto depois do golpe de
Estado. Numerosas condicionantes influíram sobre os resultados eleitorais. O Partido
Socialista foi claramente favorecido durante a campanha eleitoral por certos meios do
poder, inclusive pelo Presidente da República, General Costa Gomes. Ao invés, o Partido
Comunista foi altamente desfavorecido pela campanha de medo, de ódio e de violência sus-
citada contra si pela extrema direita no Norte de Portugal. Os resultados eleitorais espelha-
ram estes e outros condicionalismos. O Partido Socialista venceu as eleições com 37,9%
dos votos, o Partido Popular Democrático arrecadou 26,4% e o Partido Comunista apenas
12,5%, aos quais podemos adicionar os 4,1% obtidos pelos seus aliados do MDP/CDE. A
partir deste momento, o Partido Socialista procurou utilizar a sua legitimidade eleitoral
para retirar aos comunistas a sua influência no governo e nos meios militares e travar,
assim, o processo revolucionário. Divergências que vinham de trás acentuaram-se, dando
lugar a uma autêntica contraposição entre um bloco de forças moderadas (PS, PPD, mili-
tares moderados) e um bloco de forças revolucionárias (PCP, MDP/CDE, militares radi-
cais). Para reforçar as suas posições, socialistas e moderados não tiveram pejo em fazer
alianças com a direita político-militar, enquanto os comunistas tentaram apoiar-se ao
máximo na esquerda militar, defendendo um projecto político de unidade «Povo-MFA», no
qual o «Povo» era representado pela vanguarda revolucionária consubstanciada no PCP.
Nos meses seguintes às eleições, o confronto entre socialistas e comunistas agravou-se
em torno de questões como a unidade sindical, o controlo da imprensa e da informação, a
ocupação pelos trabalhadores agrícolas dos grandes latifúndios do Centro-Sul, a descoloni-
zação de Angola, etc. Assistiu-se mesmo a uma polarização político-social em torno destes
dois partidos: trabalhadores rurais do Ribatejo e Alentejo e proletariado urbano da cintura
152 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

industrial de Lisboa apoiavam o PCP, ao passo que as classes médias urbanas e os estratos
rurais do Norte, fortemente influenciados pelo catolicismo, apoiavam o PS e os seus «alia-
dos» moderados, entre os quais o PPD. Soares e os socialistas abandonaram rapidamente o
marxismo e tornaram-se nos mais fiéis guardiães do capitalismo. Daqui em diante, o PS
será sempre o principal defensor dos interesses da pequena e média burguesia. Um partido
burguês, que pretendeu substituir a hegemonia política da grande burguesia monopolista
por uma nova hegemonia pequeno-burguesa. Não conseguindo fazê-lo integralmente, os
socialistas não hesitaram em associar-se aos representantes políticos da grande burguesia
para derrotar os comunistas, obter o poder e assegurar a ordem social burguesa.
Durante cerca de meio ano, o confronto político entre socialistas e comunistas foi
áspero. No chamado «Verão Quente» de 1975, perante a crescente diluição da autoridade
do Estado, temeu-se por mais de uma vez a queda do país na guerra civil. Grandes mani-
festações populares contrapuseram-se nas ruas, acirrando o confronto político. Discursos
exaltados dos dirigentes partidários inflamaram as massas. Ficou célebre, por exemplo, o
discurso de Mário Soares na Fonte Luminosa, em Lisboa. Neste contexto de forte agitação
social, muitos foram os quadros médios e superiores que fugiram para o estrangeiro, facto
que criou sérias dificuldades na economia e na administração do país. A derrapagem da
economia foi aliás evidente ao longo do processo revolucionário. Nas Universidades e em
muitas outras instituições sucederam-se em catadupa os saneamentos de pessoal, segundo
as conveniências políticas do momento. Os lugares deixados vagos foram então ocupados
por elementos sem competência, o que prejudicou o funcionamento normal das institui-
ções. A maioria dos grandes empresários também foi para o exílio. As nacionalizações de
bancos e doutras grandes empresas deu um duro golpe no poder da grande burguesia
monopolista, que deixou temporariamente de existir. As dificuldades económicas e admi-
nistrativas foram agravadas pela chegada repentina de meio milhão de refugiados prove-
nientes das antigas colónias africanas – os chamados retornados –, a maioria dos quais sem
nada e escapando da guerra civil em Angola. Uma a uma as colónias foram acedendo à
independência: Guiné-Bissau, 15 de Outubro de 1974; Moçambique, 25 de Junho de 1975;
Cabo Verde, 5 de Julho de 1975; São Tomé e Príncipe, 12 de Julho de 1975. A independên-
cia de Angola tinha data marcada para 11 de Novembro de 1975. Timor-Leste será ocupado
pela Indonésia no início de Dezembro de 1975. Sob a administração portuguesa ficou só
Macau, até 1999.
Conscientes de que o poder residia, em última análise, nos militares, os socialistas pro-
curaram reforçar os seus apoios no seio do MFA. O objectivo era criar uma base militar
moderada que permitisse contrabalançar – e derrotar – a facção militar revolucionária.
Esta operação foi realizada com sucesso no Verão de 1975. Em Junho/Julho de 1975, as
chefias moderadas do MFA reuniram-se em torno de oficiais como Vasco Lourenço e Melo
Antunes. O Presidente da República, General Costa Gomes, pendeu também para o lado
dos socialistas. Em 7 de Agosto de 1975, nove elementos do Conselho da Revolução, entre
os quais Melo Antunes, assinaram um documento onde recusaram o modelo de sociedade
de tipo soviético «proposto» pelos comunistas. Era um claro sinal de que os militares
O 25 de Abril e o fim do Império (1974-1975) 153

moderados não permitiriam aos comunistas obter a hegemonia política no país. Este
documento – conhecido por «Documento Melo Antunes» ou «Documento dos Nove» –
conseguiu reunir os apoios de amplos sectores militares e políticos, favorecendo a área
moderada. Estava criado o Grupo dos Nove, principal catalisador político dos militares
moderados. A acção política do Grupo dos Nove foi favorecida pela divisão em dois grupos
da esquerda militar: por um lado os chamados «gonçalvistas», apoiantes de Vasco
Gonçalves e próximos da linha política do PCP; por outro lado a extrema esquerda do COP-
CON, apoiante de Otelo Saraiva de Carvalho.
A formação de uma base militar moderada teve consequências imediatas no plano polí-
tico. Em Julho de 1975, os socialistas, seguidos dos liberais do PPD, abandonaram o IV
Governo Provisório, provocando a sua queda. Em 8 de Agosto de 1975 tomou posse o V
Governo Provisório, o último presidido por Vasco Gonçalves, com participação comunista,
mas sem representantes socialistas. Desapoiado por uma parte substancial do espectro
político e militar, o novo governo mostrou-se incapaz de assegurar a ordem no país,
que foi varrido por uma onda de violência política. Foram sobretudo as sedes do Partido
Comunista e de outros partidos de esquerda os alvos principais dos actos de violência, em
especial no Norte de Portugal. Era enorme a efervescência política na sociedade portu-
guesa e nas Forças Armadas. No entretanto, o Grupo dos Nove procurou ocupar os luga-
res chave nos comandos militares. Esta operação foi realizada com sucesso ao longo do
Verão de 1975. Em finais de Agosto de 1975, os comunistas perderam definitivamente ter-
reno para as forças moderadas. O V Governo Provisório caiu em 25 de Agosto de 1975. Dois
dias depois, a 5.ª Divisão, principal apoiante de Vasco Gonçalves e do projecto revolucio-
nário, foi silenciada por uma operação conjunta de militares moderados e da extrema
esquerda do COPCON. Vasco Gonçalves abandonou a cena política. No entretanto, tinha
entrado em funções o VI Governo Provisório, presidido pelo Almirante Pinheiro de Aze-
vedo, um militar moderado, tido por próximo da área socialista. O novo governo foi hege-
monizado por socialistas e por outros moderados. Os comunistas foram relegados para
segundo plano na acção governativa. Gradualmente, o Grupo dos Nove, com o apoio de
Costa Gomes, conseguiu obter o controlo de todas as Regiões Militares, com a excepção de
Lisboa, que permaneceu nas mãos de Otelo Saraiva de Carvalho. Nas ruas, a agitação social
e política prosseguiu, sendo alimentada pelos partidos da extrema esquerda. O PCP seguiu
uma atitude de maior prudência: participou no movimento de contestação política, man-
tendo um peso considerável nos sindicatos e meios laborais, mas não hostilizou frontal-
mente o governo. Para além de considerações de carácter nacional, o PCP agiu também
em função da situação angolana, já que os comunistas queriam garantir a vitória do MPLA.
Por isso, o PCP realizou todos os esforços para manter em Lisboa uma correlação de forças
favorável ao MPLA, que dominava Luanda com o beneplácito português.
Mas a situação política agravava-se de dia para dia, com um envolvimento cada vez
maior de elementos externos. Americanos e britânicos fizeram planos de intervenção mili-
tar em Portugal. Washington pretendeu obter o controlo dos Açores, essencial para o domí-
nio do Atlântico e para as comunicações entre a Europa, o Mediterrâneo e a América do
154 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

Norte. Em Lisboa temeu-se a secessão das ilhas atlânticas pela mão de grupos indepen-
dentistas suscitados pelos americanos. Londres ponderou uma intervenção em Portugal
Continental, com o objectivo de apoiar as forças políticas moderadas portuguesas. Foi
mesmo esboçado um plano de divisão do país em dois «Estados»: o Norte sob o controlo
de socialistas e moderados; o Sul, com Lisboa, controlado pelos comunistas e pela extrema
esquerda militar. Em caso de guerra civil, os moderados seriam apoiados militarmente por
forças britânicas que, «facilmente», esmagariam a «Comuna de Lisboa». Foi para um
cenário deste tipo que Portugal caminhou no Outono de 1975.
Em 27 de Setembro de 1975, a Embaixada de Espanha em Lisboa foi assaltada por
manifestantes portugueses, em sinal de protesto contra a execução de presos políticos por
parte do regime de Franco. Em 21 de Outubro de 1975, a Rádio Renascença, órgão da
Igreja Católica, foi tomada por uma manifestação de trabalhadores suscitada pela extrema
esquerda. Durante um curto espaço de tempo, a Rádio Renascença transformou-se na voz
radical dos revolucionários portugueses, até que o seu emissor foi destruído pelos pára-
-quedistas por ordem do Conselho da Revolução. Em 12 de Novembro de 1975, uma mani-
festação de trabalhadores da construção civil cercou o Palácio de São Bento, sede da
Assembleia Constituinte e do governo provisório, sequestrando durante cerca de dia e
meio os deputados e alguns elementos do governo. Chamados a intervir para desbloquear
a situação, os militares do COPCON recusaram actuar contra os manifestantes. Poucos
dias depois, o governo anunciou a sua auto-suspensão de funções por não ter condições
para continuar a governar. Por todo o país proliferaram os actos de violência contra os
comunistas e outros elementos considerados da esquerda radical. Estreitou-se também a
«aliança» entre moderados e a direita político-militar, esta última representada por vários
grupos clandestinos, entre os quais o Movimento Democrático de Libertação de Portugal
(MDLP), dirigido por Spínola a partir de Espanha.
Mas o desenlace final do processo revolucionário português estava mais próximo do
que parecia, tendo para o efeito contribuído a clarificação da situação em Angola. De facto,
em Novembro de 1975, a FNLA foi derrotada pelas forças conjuntas cubanas e do MPLA às
portas da capital, ao passo que as tropas sul-africanas pararam inexplicavelmente a duzen-
tos quilómetros de Luanda. Às zero horas do dia 11 de Novembro de 1975, a bordo de um
barco de guerra português, o Alto Comissário Leonel Cardoso transferiu formalmente a
soberania para o «povo angolano» e saiu das águas territoriais de Angola. Foi o fim do
domínio colonial português e do Estado-Império luso-africano. Um fim miserável para um
Império que se quis grande. Em Luanda, o MPLA proclamou solenemente a independên-
cia da República Popular de Angola. No Huambo, a FNLA e a UNITA proclamaram a inde-
pendência da República Democrática de Angola, que veio a perecer pouco depois com a
vitória do MPLA. Por alguma razão, que até hoje permanece desconhecida, os sul-africa-
nos decidiram não entrar em Luanda. Pouco depois, iniciaram a retirada para Sul, que ter-
minou oficialmente em 27 de Março de 1976. Com os sul-africanos retiraram também as
forças do Exército de Libertação Português (ELP), da Revolta de Leste e da UNITA. É pro-
vável que a retirada sul-africana tenha tido alguma relação com o acordo realizado pelo
O 25 de Abril e o fim do Império (1974-1975) 155

MPLA e a Gulf Oil sobre o petróleo de Cabinda. Segundo o historiador espanhol Josep
Sánchez Cervelló, o MPLA negociou esse acordo com os «americanos», por intermédio da
CIA, em finais de Outubro de 1975. Em troca, os americanos teriam pressionado os sul-
-africanos, primeiro, a não entrar em Luanda e, depois, a retirar para o Sudoeste Africano.
A conclusão do processo de independência angolano possibilitou finalmente uma defi-
nição da situação política em Portugal. Os comunistas tinham ganho, pelo menos aparen-
temente, a sua aposta em Angola. Mas sabiam que a situação portuguesa era muito dife-
rente. Membro da NATO, Portugal não seria nunca uma «segunda Cuba». Nem o Ocidente
o permitiria, nem os soviéticos estavam interessados nisso. A Europa estava dividida em
duas esferas de influência desde o final da 2.ª Guerra Mundial. Portugal fazia parte da
órbita americana, mesmo que essa não fosse a sua vontade. Por isso, tal como os america-
nos não intervieram na Hungria (1956) ou em Praga (1968), os soviéticos não interviriam
em Portugal. A revolução portuguesa caminhou assim para o seu rápido desenlace contra-
-revolucionário.
Em 20 de Novembro de 1975, por ordem do Conselho da Revolução, Otelo Saraiva de
Carvalho foi substituído por Vasco Lourenço no comando da Região Militar de Lisboa. A
decisão não foi bem aceite por muitos dos oficiais da esquerda militar e do COPCON. Os
pára-quedistas, que se sentiam instrumentalizados pelas chefias militares desde o caso da
Rádio Renascença, decidiram avançar, caindo na «provocação» lançada pelos moderados. Na
manhã de 25 de Novembro de 1975, os pára-quedistas ocuparam o Comando Operacional
da Força Aérea em Monsanto, bem como outras quatro bases do mesmo ramo militar. Mas
foi uma acção isolada, sem apoios fortes nas chefias militares e nos meios políticos. Otelo
Saraiva de Carvalho não participou na acção, facto que desmobilizou uma boa parte da
esquerda militar. O PCP também não se manifestou em apoio dos pára-quedistas, desmo-
bilizando os muitos milhares de militantes que eventualmente estariam prontos a apoiar
o golpe. A atitude dos comunistas foi fundamental para evitar a eclosão da guerra civil.
Revelando um grande sentido de Estado, Álvaro Cunhal realizou todos os esforços para que
os cerca de quarenta mil trabalhadores que se tinham reunido em torno dos pára-quedis-
tas não participassem na operação golpista. Falava-se abertamente em constituir barrica-
das populares em volta da capital, a fim de impedir a entrada dos militares moderados em
Lisboa. Caso isto tivesse acontecido, teria sido a guerra civil e um mais que provável banho
de sangue. O PCP evitou tudo isso, servindo-se para o efeito da sua influência na Inter-
sindical e junto da população de Lisboa.
No entretanto, Mário Soares e outros dirigentes moderados dirigiram-se ao Porto. Esta
manobra fazia parte de um plano mais amplo de transferência do governo e dos órgãos de
decisão política para o Norte, que era controlado pelos militares moderados do Grupo dos
Nove. Provavelmente, Soares acreditou que os comunistas apoiariam o golpe dos pára-que-
distas e que, por conseguinte, o país cairia na guerra civil. Neste caso, talvez fosse esperada
uma intervenção britânica em apoio dos moderados. Mas a guerra civil nunca veio a acon-
tecer. Por intermédio do General Costa Gomes, que permaneceu na capital portuguesa na
qualidade de Presidente da República, o PCP e o Grupo dos Nove chegaram a um compro-
156 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

misso que deixou isolados os pára-quedistas, evitando assim a queda do país na guerra. No
fundo, o PCP e o Grupo do Nove acordaram o fim do processo revolucionário, o regresso
da esquerda militar aos quartéis, a assunção definitiva do poder por parte dos moderados e
a normalização política do Estado. Em troca, os comunistas viram reconhecidas muitas das
conquistas políticas e sociais obtidas durante a revolução: construção de um Estado social
de orientação socialista, tal como ficou mais tarde consagrado pela Constituição de 1976;
intervenção do Estado na economia e manutenção das nacionalizações; reforma agrária;
direitos e liberdades dos trabalhadores. Este compromisso evitou o espargimento de sangue
e levou à rendição dos pára-quedistas em 28 de Novembro de 1975.
A Revolução dos Cravos terminou em finais de Novembro de 1975. Durante o período
revolucionário teve lugar a descolonização, um dos acontecimentos mais marcantes da
história portuguesa. O Estado-Império luso-africano ruiu, abandonado pela «cabeça»
metropolitana, e dele nasceram meia dúzia de novos Estados, entre os quais um novo
Portugal. Com o fim do Império, chegou ao seu termo o «Século XX Português». Portugal
voltou uma página fundamental da sua história e iniciou um novo tempo. Mas do passado
imperial ficou uma memória, que o historiador tem o dever de preservar, de intelectuali-
zar e de dar a conhecer. E este é certamente um dos sentidos da História.
EPÍLOGO

Um Novo Tempo Histórico: o Portugal


Europeu e Pós-Imperial (1975-2009)

O «Século XX Português» terminou com a dissolução do Estado-Império luso-africano


em Novembro de 1975. A independência angolana proporcionou também a rápida definição
da situação política na metrópole e o fim abrupto do processo revolucionário português.
Teve assim início um novo tempo histórico, que já não pertence ao Século XX. É ainda
demasiado cedo para podermos classificar este novo tempo da contemporaneidade portu-
guesa. Mas consideramos oportuno fazer um breve apanhado da história das últimas três
décadas e meia em Portugal, com o intuito de mostrar as principais linhas de rumo da polí-
tica portuguesa depois do desaparecimento do Império. Daí a razão de ser deste epílogo.
O fim do processo revolucionário português foi seguido por um período de transição e
de normalização da vida política que durou até à primeira metade da década de 1980.
Pinheiro de Azevedo, que tinha suspendido a acção governativa pouco antes do 25 de
Novembro de 1975, reassumiu as suas funções como Primeiro-Ministro. Em 2 de Abril de
1976, a Assembleia Constituinte aprovou por maioria a nova Constituição da República
Portuguesa. A Constituição de 1976 consagrou um regime democrático de tipo ocidental,
dando porém uma orientação socialista ao papel do Estado na regulação da economia.
Teoricamente estabeleceu um sistema semipresidencial, sob inspiração francesa, mas na
prática privilegiou o parlamentarismo e a intervenção dos partidos na vida política. O
objectivo foi criar um equilíbrio de forças entre os vários órgãos de poder. Assim, foi
estabelecida a eleição por sufrágio universal do Presidente da República, facto que lhe
garantia autonomia política em relação à Assembleia da República. À Assembleia da
República, eleita também por sufrágio universal, foi atribuído o poder legislativo e a capa-
cidade de vigiar a acção de governo do Primeiro-Ministro. Ao Primeiro-Ministro foi dado
um conjunto muito lato de funções, mas o seu poder dependia da confiança política quer
do Presidente da República, quer da Assembleia da República. A Constituição reconheceu
ainda a liberdade e a independência do poder judicial, baseado nos tribunais.
Posteriormente, foi criado um Tribunal Constitucional cuja função era assegurar a
constitucionalidade das leis. Foi dada autonomia política e legislativa às ilhas adjacentes
158 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

pela criação das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. O poder local, assente nos
municípios e freguesias, foi reforçado pela extensão da sua autonomia em relação ao poder
central. Os órgãos autárquicos passaram a ser igualmente eleitos por sufrágio universal. O
direito de voto foi reconhecido a todos os cidadãos portugueses maiores de dezoito anos,
independentemente da sua raça, sexo, credo religioso ou político e habilitações literárias.
Foram garantidos todos os direitos e liberdades do indivíduo estabelecidos na Carta
Universal dos Direitos do Homem. A título meramente transitório, a Constituição reco-
nheceu um papel político às Forças Armadas por meio do Conselho da Revolução. O Con-
selho da Revolução deveria velar pelo cumprimento das disposições constitucionais
durante a primeira fase de transição para a democracia. Em Agosto de 1982, uma primeira
Revisão Constitucional aboliu o Conselho da Revolução e diminuiu o protagonismo polí-
tico do Presidente da República, se bem que tivesse mantido a fórmula semipresidencia-
lista. Em 1989, num contexto político nacional e internacional completamente diferente
do de 1976, uma segunda Revisão Constitucional expurgou a Constituição dos seus ele-
mentos socialistas ou socializantes, inclusive o princípio da irreversibilidade das naciona-
lizações. Portugal abandonou formalmente a via do socialismo, renegando definitivamente
a evolução socialista da sua economia, e tomou a estrada sinuosa do capitalismo neolibe-
ral que então triunfava em toda a Europa.
No entretanto, a vida política tomou o seu rumo assente fundamentalmente na acção
política parlamentar e do governo. Em 25 de Abril de 1976 tiveram lugar as primeiras elei-
ções legislativas, que deram a vitória ao Partido Socialista, com 35% dos votos. O PS foi
seguido pelo Partido Popular Democrático (24%), pelo Centro Democrático Social (16%) e
pelo Partido Comunista Português (15%). Todos os outros partidos tiveram votações insig-
nificantes. Em 27 de Junho de 1976, Ramalho Eanes, um dos oficiais moderados que con-
duzira as operações militares no 25 de Novembro de 1975, foi eleito Presidente da República
com 61,5% dos votos, derrotando Otelo Saraiva de Carvalho com 16,5%. Em 23 de Julho de
1976, o Presidente da República deu posse ao I Governo Constitucional, chefiado por Mário
Soares e constituído exclusivamente por socialistas. Porém, a ausência de uma maioria par-
lamentar sólida dificultou a acção de governo socialista, levando Soares a negociar um
entendimento com a direita. Em Janeiro de 1978 entrou em funções o II Governo Consti-
tucional, chefiado à mesma por Mário Soares, mas formado por socialistas e por conserva-
dores do Centro Democrático Social (CDS). Problemas e divergências internas conduziram
à demissão de Mário Soares em Agosto de 1978. Esta situação levou à intervenção directa
do Presidente da República, General Ramalho Eanes. Por sua iniciativa foram formados,
à margem dos partidos, três governos presididos por personalidades independentes:
o III Governo Constitucional, liderado por Nobre da Costa (Agosto-Dezembro de 1978); o
IV Governo Constitucional, chefiado por Mota Pinto (Dezembro de 1978 a Julho de 1979);
o V Governo Constitucional, liderado por Maria de Lourdes Pintasilgo (Julho a Dezembro
de 1979), a primeira mulher portuguesa a exercer as funções de chefe de governo. Clara-
mente, sem o apoio parlamentar dos partidos políticos, estes governos permaneceram
fracos e com pouca capacidade para estabilizar a situação política.
Epílogo: Um novo tempo histórico: o Portugal europeu e pós-imperial (1975-2009) 159

Neste contexto, em 11 de Setembro de 1979, o Presidente da República dissolveu a


Assembleia da República e marcou eleições legislativas intercalares para o final desse ano.
Estas eleições legislativas foram ganhas por uma coligação de forças de direita denominada
Aliança Democrática (AD), que reunia os liberais do Partido Social-Democrata (PSD, nova
designação do Partido Popular Democrático), os conservadores do Centro Democrático
Social (CDS) e os monárquicos do Partido Popular Monárquico (PPM). A AD obteve 42,5%
dos votos, os socialistas 27,3% e os comunistas e seus aliados (reunidos na Aliança Povo
Unido, APU) 18,8%. O método de Hondt, aplicado no escrutínio eleitoral, permitiu à AD
conquistar uma maioria absoluta de deputados na Assembleia da República, a primeira da
história da jovem democracia portuguesa. Em 3 de Janeiro de 1980, Sá Carneiro, líder do
PSD, tomou posse como Primeiro-Ministro do VI Governo Constitucional. A AD alargou a
sua maioria parlamentar em novas eleições legislativas, realizadas em 5 de Outubro de
1980, obtendo 44,4% dos votos. Os socialistas ficaram na casa dos 27% e os comunistas bai-
xaram para 16,9%. Animada pela vitória nas eleições legislativas, a AD tentou a eleição de
um seu candidato à Presidência da República, apoiando a candidatura de Soares Carneiro.
Contudo, um facto de grande gravidade condicionou a campanha eleitoral: a morte do
Primeiro-Ministro Sá Carneiro num acidente aéreo em Camarate, às portas de Lisboa, em
4 de Dezembro de 1980. As eleições presidenciais, realizadas apenas três dias depois, deram
a vitória a Ramalho Eanes, que obteve 56,5% dos votos, contra apenas 40,2% de Soares
Carneiro. Paralelamente, o desaparecimento de Sá Carneiro provocou um conjunto de ten-
sões no seio dos vários partidos que constituíam a AD. Pinto Balsemão, dirigente do PSD,
foi escolhido para chefiar o VII Governo Constitucional, que entrou em funções em 9 de
Janeiro de 1981. Porém, problemas internos levaram à queda deste governo ao fim de
poucos meses e à sua substituição por outro, também presidido por Pinto Balsemão, em 4 de
Setembro de 1981. O VIII Governo Constitucional realizou a Revisão Constitucional, apro-
vada pelos votos da AD e do PS, e manteve-se em funções durante cerca de ano e meio. Mas
dificuldades internas à AD, aliadas à incapacidade do governo em resolver a difícil situação
económica do país, levaram à marcação de eleições legislativas antecipadas por parte do
Presidente da República. A Aliança Democrática desfez-se e os seus componentes concor-
reram separados às eleições, que se realizaram em 25 de Abril de 1983. O eleitorado deu a
vitória ao PS, que obteve 36,1% dos votos, seguido pelo PSD com 27,2%, pelos comunistas
e seus aliados (APU) com 18% e pelo CDS com 12,5%. Não dispondo de uma maioria par-
lamentar sólida, Mário Soares negociou um acordo com o PSD, do qual resultou a forma-
ção de uma coligação pós-eleitoral PS-PSD que passou à história com a designação de
«Bloco Central». Em 9 de Junho de 1983, Mário Soares tomou posse como Primeiro-
-Ministro do IX Governo Constitucional, formado por socialistas e sociais-democratas. O
Bloco Central durou cerca de dois anos, durante os quais se procurou fazer a recuperação
económica do país. Um dos factos mais salientes deste período foi a assinatura do Acordo de
Adesão à Comunidade Económica Europeia (CEE), realizado no Mosteiro dos Jerónimos,
em Lisboa, em 12 de Junho de 1985.
No entanto, divergências entre os dois partidos que constituíam a coligação do Bloco
160 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

Central levaram à demissão dos ministros sociais democratas em Julho de 1985 e à con-
sequente convocação de eleições legislativas antecipadas para 6 de Outubro de 1985. Estas
eleições deram a vitória ao PSD, liderado então por Cavaco Silva, um jovem professor de
economia, que fora eleito para a presidência do partido poucos meses antes num célebre
congresso na Figueira da Foz. Estas eleições foram também marcadas pelo aparecimento
de um novo sujeito político, o Partido Renovador Democrático (PRD), partido suscitado
pelo Presidente da República, Ramalho Eanes, e que roubou votos ao PS. Das eleições não
saiu contudo uma maioria parlamentar estável, já que o PSD obteve apenas 29,8% dos
votos, seguido pelo PS com 20,7%, pelo PRD com 17,9%, pelos comunistas da APU com
15,4% e pelo CDS com 9,9%. Mesmo assim, Cavaco Silva formou um governo uniparti-
dário – o X Governo Constitucional –, recusando alianças tanto à esquerda como à direita.
Poucos meses depois, dois eventos muito significativos marcaram o fim do processo de
normalização da vida política portuguesa: por um lado, a adesão de Portugal à CEE, que
se tornou efectiva em 1 de Janeiro de 1986; por outro lado, a eleição do primeiro civil para
a Presidência da República, Mário Soares, facto que assinalou a retirada definitiva dos
militares da cena política. Estas eleições presidenciais assinalaram igualmente o último
grande confronto ideológico do Portugal democrático, com o posicionamento dos parti-
dos da direita e da esquerda em dois campos opostos. A direita (PSD e CDS) concorreu
unida, apoiando a candidatura de Freitas do Amaral. Os partidos da esquerda apresenta-
ram-se divididos na primeira volta eleitoral, havendo três diferentes candidatos: Mário
Soares, Maria de Lourdes Pintasilgo e Salgado Zenha, o último dos quais foi apoiado pelo
PCP e pelo PRD. A primeira volta foi ganha por Freitas do Amaral, com 46,3% dos votos,
ficando em segundo lugar Mário Soares, com apenas 25,4%. Mas na segunda volta das
eleições a situação inverteu-se graças ao apoio prestado pelos comunistas a Mário Soares.
Num discurso memorável e revelando um grande sentido democrático, Álvaro Cunhal,
Secretário Geral do PCP, apelou a todos os comunistas e a todos os cidadãos de esquerda
para que votassem em Mário Soares, seu velho «inimigo» político, porque essa era a única
forma de evitar a viragem do país à direita, com evidentes consequências para a estabili-
dade da democracia portuguesa. A intervenção de Cunhal revelou-se fundamental para a
vitória do candidato da «esquerda». Portugal cindiu-se ao meio em eleições que ficaram
para a história. Em 16 de Fevereiro de 1986, Mário Soares foi eleito Presidente da
República, com 51,1% dos votos, derrotando Freitas do Amaral, que obteve 48,8%. Ao fim
de seis décadas de hegemonia militar na Presidência da República, Portugal voltava a ter
um Chefe de Estado civil.
Neste contexto, 1986 foi um ano de charneira na história da 3.ª República Portuguesa.
Terminada a fase da transição democrática e normalizada definitivamente a situação polí-
tica, Portugal entrou num novo ciclo político, o da integração europeia. A Europa repre-
sentou para o país uma grande oportunidade de modernização da sociedade e de desen-
volvimento económico. Uma oportunidade que só foi aproveitada em parte e nalguns casos
de forma ineficiente. Ingentes recursos financeiros entraram no país, possibilitando a
construção de infra-estruturas fundamentais (estradas, pontes, escolas, hospitais, etc.) e o
Epílogo: Um novo tempo histórico: o Portugal europeu e pós-imperial (1975-2009) 161

fomento de certas actividades económicas. O reverso da medalha foi a destruição de um


conjunto importantíssimo de actividades produtivas (agricultura, pescas, etc.), em nome
de uma reconversão económica que, afinal, não conduziu ao tão ansiado boom da econo-
mia nacional. Agricultores, pescadores e empresários de outros ramos receberam subsí-
dios para não produzir ou para reduzir em muito as suas produções. Noutros casos, os
empresários, recebendo de antemão os subsídios, não se importaram com os resultados
concretos dos seus investimentos. Facto que apenas revela a mediocridade empresarial de
parte da pequena e média burguesia portuguesa. Quem mais ganhou com a nova situação
económica foi o grande capital, que começou a regressar ao país logo a partir de 1976.
Depois de 1989, com o fim da irreversibilidade das nacionalizações e a consequente priva-
tização dos bancos e das grandes empresas, a grande burguesia reconquistou a sua posi-
ção económica temporariamente perdida em 1974/1975. As «antigas famílias» voltaram a
controlar os bancos, as principais indústrias e o grande comércio, continuando porém a
privilegiar o sector financeiro, aliado à especulação bolsista e imobiliária. As grandes obras
públicas favoreceram o enriquecimento desse capital, que recolheu os proveitos duma
certa expansão da economia nacional na primeira década e meia da integração europeia.
No plano político, assistiu-se ao reforço da maioria parlamentar do PSD, cuja hegemo-
nia foi contrabalançada pelo Presidente da República, Mário Soares. Em 1987, o governo
de Cavaco Silva caiu depois de ter sido alvo de uma moção de censura na Assembleia da
República, aprovada por todos os partidos da oposição. Mas os «ventos» correram de
feição a Cavaco Silva, que superou a crise, vencendo com maioria absoluta as eleições
legislativas antecipadas, realizadas em 19 de Julho de 1987. O PSD obteve 50,2% dos votos,
contra apenas 22,2% do PS. Os comunistas e os ecologistas, reunidos numa nova plata-
forma política denominada Coligação Democrática Unitária (CDU), tiveram 12,1% dos
votos, enquanto o PRD conseguiu apenas 4,9% e o CDS 4,4%. Os resultados eleitorais
exprimiram a vontade de estabilidade política por parte da maioria da população portu-
guesa, que deu os números necessários a Cavaco Silva para governar sem entraves. O XI
Governo Constitucional tomou posse em 17 de Agosto de 1987 e cumpriu toda a legisla-
tura até 1991. Neste ano, Cavaco Silva conseguiu nova maioria absoluta nas eleições legis-
lativas realizadas em 6 de Outubro. Apesar de uma subida da votação no PS, que obteve
29,1% dos votos, o PSD ganhou com 50,6%. O PCP perdeu uma parte consistente do seu
eleitorado, mercê talvez dos factores externos ligados ao fim do bloco soviético, descendo
para 8,8%. O CDS manteve os 4,4% e o PRD desapareceu da cena política. Cavaco Silva viu
assim reforçada a sua posição de «homem forte» da política portuguesa, desbaratando os
seus oponentes. Este facto foi acompanhado pelo desenvolvimento de um fenómeno de
crescente personalização da vida política, ao ponto dos dez anos de governação social-
-democrata terem passado à história com o nome de «cavaquismo». No plano presidencial,
Mário Soares foi reeleito (com 70,4% dos votos) para mais um mandato como Presidente
da República em Janeiro de 1991, desta vez com o apoio de socialistas e de social-demo-
cratas, o que demonstra o esbatimento das diferenças ideológicas entre os dois principais
partidos portugueses.
162 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

No entanto, os últimos dois anos do «cavaquismo» foram marcados por um cresci-


mento do descontentamento da população em relação ao governo do PSD. Duas maiorias
absolutas geraram no partido do poder uma certa «arrogância no trato», a que não foi
alheio o estilo pessoal de Cavaco Silva. Além disso, as privatizações e o enriquecimento de
certos sectores da burguesia à sombra da política de obras públicas do «cavaquismo» pro-
vocaram um aumento acentuado das desigualdades sociais. O país parecia crescer a duas
velocidades e uma parte substancial da população continuava a viver na pobreza, não exis-
tindo «instrumentos de apoio social» suficientes para garantir um mínimo de condições
económicas aos mais desfavorecidos. Uma «normal» recessão económica internacional
fez-se sentir pesadamente em Portugal a partir de 1992/1993, revelando a fragilidade da
economia portuguesa e a debilidade das classes médias. Cavaco Silva não soube reagir a
este descontentamento e às críticas que lhe foram feitas de vários quadrantes políticos e
sociais, inclusive do Presidente da República, classificando os críticos de «forças de blo-
queio». Atacado por um conjunto cada vez maior de figuras públicas, entre as quais ele-
mentos do seu partido, Cavaco Silva anunciou que não se recandidataria à liderança do
PSD e, por conseguinte, às eleições legislativas de 1995. Estava aberta a estrada para a vitó-
ria eleitoral dos socialistas.
Com efeito, as eleições de 1 de Outubro de 1995 deram a vitória ao PS, com 43,1% dos
votos, seguido do PSD, com 34,1%, do CDS, com 9,0%, e do PCP, com 8,5%. António
Guterres, Secretário Geral do Partido Socialista, tornou-se no Primeiro-Ministro do XIII
Governo Constitucional. Embora não dispondo de maioria absoluta, António Guterres
conseguiu cumprir toda a legislatura, que foi assinalada, entre outras coisas, pela realiza-
ção da Exposição Universal de Lisboa de 1998, a qual deu uma imagem renovada e
moderna de Portugal. Para a estabilidade governativa contribuiu a ascensão de um outro
socialista à Presidência da República, Jorge Sampaio. Antigo dirigente do PS e Presidente
da Câmara Municipal de Lisboa, Jorge Sampaio venceu – com o apoio comunista – as elei-
ções presidenciais de 14 de Janeiro de 1996, com 53,8% dos votos, batendo o seu opositor
de direita, Cavaco Silva, que obteve apenas 46,1%. Portugal virava aparentemente à
esquerda; mas era uma esquerda mitigada, com fortes tendências centristas e pouco pro-
pensa a radicalismos ideológicos. Embora o governo tenha introduzido alguns «mecanis-
mos» para combater a exclusão económica e social, entre os quais o Rendimento Mínimo
Garantido, os socialistas deram continuidade às políticas económicas de Cavaco Silva. As
privatizações, as grandes obras públicas e os subsídios comunitários continuaram a servir
para o enriquecimento da grande burguesia, sem que os problemas económicos do país
fossem de facto resolvidos. Mas a situação económica internacional favorável a partir de
1995 e o forte apoio financeiro europeu permitiram, durante algum tempo, criar a ilusão
de bem-estar social entre as classes médias e mesmo entre os estratos economicamente
mais desfavorecidos da sociedade portuguesa.
Neste sentido, em Outubro de 1999 o Partido Socialista obteve nova vitória nas eleições
legislativas, conseguindo eleger exactamente metade dos deputados da Assembleia da
República, 115 num total de 230. Não era uma maioria absoluta, mas era uma maioria
Epílogo: Um novo tempo histórico: o Portugal europeu e pós-imperial (1975-2009) 163

sólida. A oposição perdeu à direita e à esquerda, com a excepção de um novo sujeito polí-
tico, o Bloco de Esquerda (BE), que nasceu da fusão de três pequenos grupos políticos da
extrema esquerda, entre os quais a União Democrática Popular (UDP) e o Partido
Socialista Revolucionário (PSR). O Bloco de Esquerda conseguiu eleger dois deputados e
colocou-se politicamente entre o Partido Socialista e o Partido Comunista, «roubando»
votos a ambos os partidos. Os resultados eleitorais foram os seguintes: PS 44%, PSD 32%,
CDU 9%, CDS/PP 8% e BE 2%. Entre os factos mais salientes ocorridos durante o período
de governo de António Guterres contaram-se três acontecimentos de política externa rela-
cionados (ainda) com a questão colonial: a) a fundação da Comunidade de Estados de
Língua Portuguesa (CPLP), em Julho de 1996, reunindo Portugal, o Brasil e as cinco ex-
-colónias portuguesas de África; b) a realização do referendo em Timor-Leste, em 30 de
Agosto de 1999, pelo qual a maioria dos habitantes se manifestou favorável à independên-
cia, que se tornou efectiva em 19 de Maio de 2002; c) a entrega de Macau à República
Popular da China em 20 de Dezembro de 1999. Em termos de política interna, apesar da
vitória eleitoral folgada, a segunda legislatura não correu de feição a António Guterres. A
partir de 2000 avolumaram-se os sinais de crise económica e social, que já vinham de trás,
mas que só então se tornaram evidentes para grande parte da população. Assim, muito
embora Jorge Sampaio tivesse sido reeleito Presidente da República em Janeiro de 2001,
o Partido Socialista sofreu uma pesada derrota nas eleições autárquicas realizadas em
finais de 2001, perdendo os municípios de Lisboa e do Porto. Face à derrota, António
Guterres decidiu apresentar a demissão do governo, mantendo-se à frente de um execu-
tivo de gestão até ao início de 2002.
Em Março de 2002, as eleições legislativas deram a vitória ao PSD, cujo líder, José
Manuel Durão Barroso, formou um governo de coligação com o CDS. Os resultados foram
os seguintes: PSD 40%, PS 38%, CDS 9%, CDU 7% e BE 3%. A direita estava de novo no
poder e, desta vez, decidida a imprimir um rumo diferente à política portuguesa. Utili-
zando como pretexto a existência de um «elevado» défice orçamental do Estado, o qual era
incompatível com os parâmetros impostos pela União Europeia1, o governo de Durão
Barroso lançou-se numa política cega de cortes orçamentais em áreas fundamentais como
a saúde, a educação ou a assistência social. Ex-maoista, Durão Barroso tornou-se no fiel
paladino do neoliberalismo triunfante, realizando uma política de destruição pura e
simples do Estado Social em Portugal. «Amigo» do Presidente Bush, Durão Barroso ali-
nhou com a posição belicista dos Estados Unidos da América no tocante à crise do Iraque,
patrocinando a famosa «cimeira da guerra» nos Açores, em 2003. Esta posição valeu-lhe,
talvez, a simpatia de alguns dirigentes políticos europeus pró-americanos, facto que pro-
vavelmente favoreceu a sua eleição para Presidente da Comissão Europeia no Verão de
2004. Perante a oportunidade de ocupar um cargo internacional dessa relevância, Durão
Barroso abandonou o lugar de Primeiro-Ministro, deixando o país numa crise económica,

(1) Portugal adoptou a nova moeda europeia, o Euro, em 2002, pelo que foi obrigado a cumprir os
parâmetros europeus em termos de política financeira.
164 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

social e política pior do que a que existia no início do seu mandato. Em sua substituição,
Jorge Sampaio nomeou Pedro Santana Lopes, Vice-Presidente do PSD e Presidente da
Câmara Municipal de Lisboa, para o cargo de Primeiro-Ministro. Porém, o governo de
Santana Lopes durou poucos meses, em virtude da forte oposição política, fora e dentro do
seu próprio partido. Não conseguindo ter mão na situação, Santana Lopes foi demitido
pelo Presidente da República em finais de 2004.
Em Fevereiro de 2005, novas eleições legislativas sancionaram o regresso dos socialis-
tas ao poder, desta vez pela mão de José Sócrates. O PS ganhou com 46% dos votos,
seguido do PSD com 29%, da CDU com 8%, do CDS/PP com 7% e do BE com 6%. Dis-
pondo de uma maioria absoluta parlamentar, José Sócrates continuou as políticas neolibe-
rais dos seus predecessores, prosseguindo na estrada da destruição do Estado Social. Rene-
gando completamente qualquer forma de socialismo ou de social-democracia, o governo
de José Sócrates fechou escolas, hospitais e maternidades, reduzindo ainda mais o papel
social do Estado. «Acarinhado» pelo grande capital, José Sócrates enveredou por uma
estratégia de delapidação dos direitos dos trabalhadores, colocando em prática medidas já
anunciadas pelos anteriores governos de direita. Muito «cordiais» foram, pelo menos ini-
cialmente, as relações do chefe de governo com o novo Presidente da República, Cavaco
Silva, eleito para esse cargo em 2006, com 50,5% dos votos. Esta clara viragem à direita
do PS permitiu a José Sócrates «conquistar» boa parte do eleitorado tradicional do PSD,
mas alienou-lhe o apoio dos sectores mais à esquerda da população. Face ao descontenta-
mento de muitos trabalhadores, José Sócrates acusou os comunistas de serem responsá-
veis pela promoção de um clima de agitação social no país. Em resposta, a oposição de
esquerda acusou o governo de «tiques de autoritarismo» e denunciou a incapacidade dos
socialistas em resolver a crise económica e social que o país atravessa desde 2001.
Por outro lado, tornou-se cada vez mais perceptível o crescimento eleitoral dos parti-
dos à esquerda do PS, nomeadamente do Bloco de Esquerda. Além disso, contrariando a
tese de muitos analistas que consideravam o PCP um partido em agonia e caminhando
inexoravelmente para a extinção, o Partido Comunista revelou uma notável capacidade de
renovação política dos seus quadros, militantes e simples simpatizantes. Podemos mesmo
falar de uma inversão de tendência no campo eleitoral, no sentido em que o PCP aumen-
tou levemente a sua votação, pelo menos desde 2005. Em Junho de 2005, o funeral de
Álvaro Cunhal constituiu a demonstração pública da crescente energia política do PCP.
Mais de duzentas mil pessoas participaram no funeral do antigo dirigente comunista,
seguramente um dos mais carismáticos políticos portugueses do Século XX, enchendo de
bandeiras vermelhas as ruas de Lisboa. Muitas outras centenas de milhares de portugue-
ses acompanharam o funeral pela televisão e pela rádio. A comoção política no país foi
enorme. O governo, face à grandiosidade da manifestação popular, foi impelido a decretar
luto nacional por três dias. Nas eleições legislativas de 27 de Setembro de 2009, o PS
perdeu a maioria absoluta, ainda que tenha sido o partido mais votado com 36,5% dos
votos. O PSD não conseguiu reverter a seu favor o descontentamento da população em
relação ao governo socialista, mantendo-se na casa dos 29%. A incapacidade dos sociais
Epílogo: Um novo tempo histórico: o Portugal europeu e pós-imperial (1975-2009) 165

democratas foi aproveitada à direita pelo CDS/PP, que subiu para 10,5%. O Bloco de
Esquerda obteve 9,9% dos votos e a CDU manteve-se próxima dos 8%, pelo que a esquerda
de raiz marxista obteve a confiança de quase 18% dos eleitores. Os resultados eleitorais
revelaram pois novas tendências na vida política portuguesa: por um lado, uma descida
notória do consenso político no Partido Socialista e, de um modo geral, nos partidos do
«centro» (PS e PSD), que passaram a representar apenas dois terços do eleitorado; por
outro lado, um crescimento expressivo dos partidos à esquerda do PS, nomeadamente do
Bloco de Esquerda; por fim, um crescimento também relevante da direita conservadora
representada pelo CDS/PP, que reverteu a seu favor a crise do PSD. Na sequência das elei-
ções, José Sócrates formou o seu segundo governo, todo ele socialista. Mas sem uma maio-
ria absoluta parlamentar, o PS terá de fazer acordos à esquerda ou à direita para poder
governar. O jogo político está por isso em aberto.
Breve cronologia da Época Contemporânea
Portuguesa

1799-1816, Regência Oficial do Príncipe D. João, por loucura da rainha D. Maria I.


1801-1802, Recenseamentos gerais da população metropolitana. População apurada 2.931.930 habi-
tantes.
1802, Fundação do Grande Oriente Lusitano.
1807, Primeira Invasão Francesa, comandada por Junot, com consequente fuga da Corte Portuguesa
para o Brasil
1809, Segunda Invasão Francesa, comandada por Soult.
1810, Terceira Invasão Francesa, comandada por Massena.
1811, Retirada final dos exércitos franceses do território português.
1815, Elevação do Brasil à condição de Reino.
1816, Morte de D. Maria I. Subida ao trono de D. João VI, rei de Portugal e Imperador do Brasil.
1817, Conspiração falhada de Gomes Freire de Andrade contra a governação de Beresford em Por-
tugal.
1820, Pronunciamento militar no Porto (24 de Agosto) e triunfo da primeira revolução liberal.
1821, Regresso do rei D. João VI e da Corte Portuguesa a Lisboa. D. Pedro, o príncipe herdeiro, per-
manece no Brasil.
1822, D. Pedro proclama a independência do Brasil (7 de Setembro, «Grito do Ipiranga»). Em Lisboa
é aprovada a primeira Constituição Portuguesa.
1823-1824, Intentonas golpistas absolutistas, lideradas pelo príncipe D. Miguel, que conseguem
obter a suspensão da legislação liberal. Exílio de D. Miguel.
1825, Portugal reconhece a independência do Império do Brasil.
1826, Morte de D. João VI. Regência da infanta D. Isabel Maria. A coroa portuguesa é oferecida a D.
Pedro, Imperador do Brasil. D. Pedro IV outorga uma Carta Constitucional a Portugal e abdica
do trono português a favor da sua filha, D. Maria II, que deveria contrair casamento com o tio,
D. Miguel.
1828, Regresso de D. Miguel a Portugal. As Cortes Portuguesas («Três Estados do Reino») aclamam
D. Miguel como «rei absoluto» de Portugal. Revolta e exílio dos liberais portugueses.
1831, D. Pedro abdica do trono brasileiro e regressa à Europa.
1832, D. Pedro assume a regência de Portugal em nome de sua filha, D. Maria II. D. Pedro, ao
168 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

comando das forças liberais, desembarca no Mindelo e conquista a cidade do Porto. Promul-
gação da legislação liberal de Mousinho da Silveira.
1834, Derrota final das forças absolutistas leais a D. Miguel. Convenção de Évora-Monte (26 de Maio)
e exílio definitivo de D. Miguel. Extinção das Ordens Religiosas masculinas e nacionalização
dos seus bens (30 de Maio). Morte de D. Pedro (24 de Setembro) e início efectivo do reinado
de D. Maria II.
1836, Revolução de Setembro da esquerda liberal. Reposição da Constituição de 1822 em substitui-
ção da Carta Constitucional de 1826. Proibição do comércio transatlântico de escravos por
decreto do Ministro Sá da Bandeira.
1838, Promulgação da Constituição de 1838, em substituição da Constituição de 1822.
1839, Início da carreira de explorador africano do sertanejo Silva Porto.
1842, Reposição da Carta Constitucional de 1826, em substituição da Constituição de 1838, por ini-
ciativa do Ministro Costa Cabral.
1846, Revolta da Maria da Fonte contra Costa Cabral.
1847, Revolta da Patuleia.
1849, Regresso de Costa Cabral à chefia do governo.
1851, Golpe militar de Saldanha e consequente demissão de Costa Cabral. Início da Regeneração e
do rotativismo.
1852, Promulgação do Acto Adicional à Carta Constitucional.
1853, Morte de D. Maria II. Regência do rei-consorte D. Fernando durante a menoridade de D. Pedro V.
1855, Início do reinado efectivo de D. Pedro V.
1856, Inauguração do primeiro troço de caminho de ferro em Portugal (Lisboa-Carregado).
1861, Morte de D. Pedro V. Início do reinado de D. Luís.
1864, Primeiro recenseamento moderno da população portuguesa. População apurada 3.829.618
habitantes.
1865-1866, Questão Coimbrã, envolvendo Antero de Quental e várias gerações de académicos por-
tugueses, que abalou os meios universitários de Coimbra.
1869, Abolição da escravatura nos domínios portugueses.
1870, Golpe de Saldanha. Fim da primeira fase do rotativismo monárquico.
1871, Realização das Conferências Democráticas do Casino Lisbonense (Maio-Junho), nas quais se
salientou a figura de Antero de Quental. Proibição da continuação da sua realização em 26 de
Junho.
1873, Fundação do Centro Republicano Liberal.
1875, Fundação do Partido Socialista Português. Fundação da Sociedade de Geografia de Lisboa.
1876, Formação do Partido Progressista, por fusão de Históricos e Reformistas, e que se opõe ao
Partido Regenerador de Fontes Pereira de Melo.
1877-1878, Viagens de exploração de Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens no interior de Angola.
1878-1879, Travessia de África, de Benguela ao Natal, por Serpa Pinto.
1879, Tratado Luso-Britânico de Lourenço Marques.
1880, Comemorações republicanas do tricentenário da morte de Luís Vaz de Camões, poeta épico
nacional.
1883, Congresso da Comissão Organizadora do Partido Republicano.
1884, Estabelecimento de colonos madeirenses no Planalto da Huíla, em Angola.
1884, Tratado com a Inglaterra sobre o rio Zaire.
Breve cronologia da época contemporânea portuguesa 169

1884-1885, Expedição de Capelo e Ivens de Angola a Moçambique.


1885, Conferência de Berlim.
1886, Celebração de convénios com a França e a Alemanha. Projecto colonial do Mapa Cor-de-Rosa.
1887, Morte de Fontes Pereira de Melo.
1889, Morte de D. Luís. Início do reinado de D. Carlos. Paiva Couceiro ocupa o Barotze, na região do
Zambeze. Atritos diplomáticos com a Inglaterra pelo controlo dos territórios entre Angola e
Moçambique.
1890, Ultimatum Inglês (11 de Janeiro). O governo português cede ao Ultimatum britânico que exi-
gia a retirada dos portugueses das regiões entre Angola e Moçambique sob a ameaça do uso da
força. Trauma nacional: manifestações e forte agitação política e social contra a monarquia e
a Inglaterra; suicídio de Silva Porto no Bié. Demissão do governo português e crise sem pre-
cedentes da monarquia constitucional.
1891, Revolta republicana falhada no Porto (31 de Janeiro). Morte, aparentemente por suicídio, de
Antero de Quental. Tratado com a Inglaterra que define as fronteiras das colónias portuguesas
de Angola e de Moçambique. Crise financeira e bancária em Portugal.
1892, Depressão económica geral em Portugal.
1895, Combates contra o Império Vátua em Moçambique. Mouzinho de Albuquerque, António Enes
e Paiva Couceiro heróis nacionais das guerras de conquista colonial em África.
1900, Censo da população portuguesa. População apurada 5.016.267 habitantes.
1901, Suicídio de Mouzinho de Albuquerque.
1906, Início do governo de João Franco.
1907, Dissolução da Câmara dos Deputados sem marcação de eleições. Início da ditadura de João
Franco.
1908, Assassinato do rei D. Carlos e do príncipe herdeiro Luís Filipe. Início do reinado de D. Manuel II.
1910, Proclamação da República Portuguesa (5 de Outubro), na sequência do triunfo da revolução
republicana em Lisboa. Exílio de D. Manuel II. Teófilo Braga preside ao primeiro governo
republicano.
1911, Lei de separação entre a Igreja e o Estado. Eleição da Assembleia Nacional Constituinte.
Eleição de Manuel de Arriaga para o cargo de primeiro Presidente da República. Promulgação
da Constituição Política da República Portuguesa.
1915, Ditadura do General Pimenta de Castro (Janeiro-Maio), deposta por revolução promovida pelo
Partido Democrático. Demissão de Manuel de Arriaga da Presidência da República, cujas fun-
ções são assumidas interinamente por Teófilo Braga. Eleição de Bernardino Machado para o
cargo de Presidente da República.
1916, Portugal entra na Grande Guerra ao lado da França e da Inglaterra (9 de Março). Governo da
«União Sagrada».
1917, Rebelião militar chefiada por Sidónio Pais. Prisão de Afonso Costa e destituição de Bernardino
Machado. Sidónio Pais assume a Presidência da República. Início da ditadura sidonista
(República Nova).
1918, Derrota do Corpo Expedicionário Português na batalha de La Lys (9 de Abril), na Flandres,
Frente Ocidental da Grande Guerra. Eleição directa de Sidónio Pais para o cargo de Presidente
da República (28 de Abril). Assinatura do Armistício que põe fim à 1.ª Guerra Mundial (11 de
Novembro). Assassinato de Sidónio Pais (14 de Dezembro) e sua substituição pelo Almirante
Canto e Castro.
170 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

1919, Retorno da legalidade constitucional. Revolta monárquica no Porto, chefiada por Paiva Cou-
ceiro (Monarquia do Norte), que é dominada pelos republicanos ao fim de algumas semanas.
Eleição de António José de Almeida para a Presidência da República. Fundação da Confedera-
ção Geral do Trabalho (CGT).
1921, Inicio do regime de autonomia administrativa e financeira de Angola e Moçambique, por meio
de Altos Comissariados. Norton de Matos é designado Alto Comissário da República em
Angola. Fundação do Partido Comunista Português (PCP). «Noite Sangrenta» em Lisboa (19-
-20 de Outubro), com o assassinato de figuras gradas do republicanismo. Descrédito dos par-
tidos republicanos.
1923, Eleição de Manuel Teixeira Gomes para a Presidência da República.
1924, Crise financeira de Angola. Demissão de Norton de Matos do cargo de Alto Comissário da
República em Angola.
1925, Manuel Teixeira Gomes resigna à Presidência da República. Bernardino Machado é eleito Pre-
sidente da República.
1926, Pronunciamento militar do General Gomes da Costa em Braga (28 de Maio). Marcha militar
dos revoltosos sobre Lisboa. Demissão do governo democrático de António Maria da Silva.
Encerramento do Senado e da Câmara dos Deputados. Bernardino Machado nomeia o Coman-
dante Mendes Cabeçadas para Presidente do Ministério e, em seguida, demite-se do cargo de
Presidente da República, transmitindo-lhe todos os poderes (30-31 de Maio). Fim da 1.ª Repú-
blica e início da Ditadura Militar. Golpe de Estado do General Gomes da Costa, que impõe a
demissão de Mendes Cabeçadas (17 de Junho). Gomes da Costa assume a Presidência da Repú-
blica (26 de Junho). Deposição de Gomes da Costa e sua substituição pelo General Óscar Car-
mona no cargo de Presidente da República (8-9 de Julho). Criação da Polícia Especial e da cen-
sura prévia à imprensa. Promulgação das Bases Orgânicas da Administração Colonial e do
Estatuto Político, Civil e Criminal dos Indígenas de Angola e Moçambique.
1927, Revolta militar falhada contra a ditadura no Porto e em Lisboa. Proibição da Confederação
Geral do Trabalho (CGT).
1928, Eleição de Óscar Carmona para Presidente da República. António Oliveira Salazar é nomeado
Ministro das Finanças (27 de Abril).
1930, Salazar é nomeado interinamente Ministro das Colónias. Revolta dos colonos e de parte do
exército em Angola (Março). Promulgação do Acto Colonial por Salazar (8 de Julho). Lança-
mento das Bases da União Nacional.
1931, Revolta fracassada contra a ditadura na Madeira.
1932, Salazar é nomeado Presidente do Conselho de Ministros.
1933, Plebiscito Constitucional (19 de Março). Promulgação da Constituição do Estado Novo (11 de
Abril). Reorganização da censura prévia. Criação da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado
(PVDE, 20 de Agosto).
1934, Greve Geral Revolucionária contra a ditadura (18 de Janeiro). Primeiras eleições legislativas
do Estado Novo.
1935, Reeleição de Óscar Carmona para Presidente da República. Ilegalização das sociedades secre-
tas, inclusive da maçonaria.
1936, Criação do Campo de Concentração do Tarrafal (23 de Abril). Instituição da Mocidade Portu-
guesa (19 de Maio) e da Legião Portuguesa (9 de Setembro).
Breve cronologia da época contemporânea portuguesa 171

1937, Atentado anarquista contra Salazar (4 de Julho). Forte repressão policial sobre o Partido
Comunista Português.
1939, Assinatura do Tratado de amizade e não agressão (Pacto Ibérico) entre Portugal e o governo
franquista de Espanha (13 de Março). Início da 2.ª Guerra Mundial: Salazar declara a neutra-
lidade portuguesa por meio de uma nota oficiosa.
1940, Assinatura da Concordata e do Acordo Missionário com o Vaticano (7 de Maio). Inauguração da
Exposição do Mundo Português (2 de Junho). Protocolo Adicional ao Tratado de amizade e não
agressão luso-espanhol (29 de Julho). Início da reorganização do Partido Comunista Português.
1942, Reeleição de Óscar Carmona para o cargo de Presidente da República. Encontro entre Franco
e Salazar em Sevilha (11-13 de Fevereiro).
1943, Acordo luso-britânico sobre os Açores (17 de Agosto). Greves e agitação social dos trabalha-
dores rurais no Ribatejo e Alentejo. Criação do Conselho Nacional de Unidade Antifascista,
depois Movimento de Unidade Nacional Antifascista (MUNAF).
1944, Embargo português das exportações de volfrâmio para a Alemanha. Acordo luso-americano
sobre os Açores.
1945, População portuguesa comemora o fim da guerra na Europa e a vitória das democracias frente
ao nazi-fascismo (8-9 de Maio). Revisão da Constituição e convocação antecipada de eleições legis-
lativas. A PVDE transforma-se em Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE). Fundação
pela oposição do Movimento de Unidade Democrática (MUD, 8 de Outubro). O MUD desiste das
eleições por ausência de garantias, por parte do governo, da democraticidade do acto eleitoral.
1946, Criação do MUD Juvenil.
1948, Ilegalização do MUD. Candidatura de Norton de Matos à Presidência da República.
1949, Norton de Matos retira a sua candidatura às eleições presidenciais por falta de condições
democráticas. Reeleição de Óscar Carmona. Marcelo Caetano, antigo Ministro das Colónias e
Presidente da Comissão Executiva da União Nacional, torna-se Presidente da Câmara Corpo-
rativa. Portugal assina o Pacto Atlântico e é um dos fundadores da NATO.
1951, Morte de Óscar Carmona. Tentativa constitucional de restauração da monarquia pelos secto-
res monárquicos do Estado Novo. Eleições presidenciais com candidaturas de Ruy Luís Gomes
e do Almirante Quintão Meireles, pela oposição, e do General Craveiro Lopes pela União Nacio-
nal. Ruy Luís Gomes é impedido de concorrer e Quintão Meireles desiste por falta de con-
dições democráticas. Craveiro Lopes é eleito Presidente da República. Revisão da Constituição
e revogação do Acto Colonial, que é integrado no dispositivo constitucional português com o
título «Do Ultramar Português».
1953, Promulgação da Lei Orgânica do Ultramar Português, pela qual as colónias passam a ser desig-
nadas por Províncias Ultramarinas.
1954, Manifestações de descontentamento popular e greves de trabalhadores contra o regime animadas
pelo Partido Comunista Português. Assassinato da ceifeira Catarina Eufémia pelas forças repres-
sivas da ditadura. Promulgação do Estatuto dos Indígenas da Guiné, Angola e Moçambique.
1955, Marcelo Caetano é nomeado Ministro da Presidência.
1957, Realização na clandestinidade do V Congresso do Partido Comunista Português (14 de
Setembro), no qual é reconhecido o direito dos povos das colónias portuguesas à autodeter-
minação e independência. Realização do I Congresso Republicano de Aveiro.
1958, Eleições presidenciais (8 de Junho). Afastada a hipótese de reeleição de Craveiro Lopes, a União
Nacional escolhe como seu candidato o Almirante Américo Tomaz. A oposição moderada
172 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

patrocina a candidatura do General Humberto Delgado. A oposição de esquerda apresenta


Arlindo Vicente, que depois desiste a favor de Humberto Delgado. Após grandes manifestações
populares de apoio a Humberto Delgado em Coimbra, Porto e Lisboa, a oposição vai pela pri-
meira vez às urnas. Humberto Delgado perde e acusa o regime de fraude eleitoral. Nas coló-
nias, Delgado vence no distrito de Benguela (Angola) e na Beira (Moçambique). Marcelo
Caetano abandona o governo no âmbito de uma remodelação governamental efectuada por
Salazar. O Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, escreve uma carta a Salazar, na qual
pede mudanças na política do governo.
1959, Exílio de Humberto Delgado no Brasil. Depois de uma viagem a Roma, D. António Ferreira
Gomes é impedido de entrar em Portugal.
1960, Portugal e outros seis países fundam a EFTA. A ONU considera como territórios não autóno-
mos as Províncias Ultramarinas Portuguesas (15 de Dezembro).
1961, Henrique Galvão, à frente de um grupo de oposicionistas ibéricos, assalta em pleno mar o
paquete Santa Maria (Operação Dulcineia, 21 de Janeiro). Assaltos às prisões de Luanda por
nacionalistas angolanos (4 de Fevereiro). Sublevação das populações do Norte de Angola pro-
movida pela União dos Povos de Angola (15 de Março). Início da guerra colonial em Angola.
Intentona falhada de Botelho Moniz em Lisboa (13 de Abril). Adriano Moreira é nomeado
Ministro do Ultramar. Abolição do Estatuto do Indigenato e do Código de Trabalho Indígena
por Adriano Moreira. Ocupação de Goa, Damão e Diu pela União Indiana (18 de Dezembro).
1962, Crise Académica nas Universidades de Coimbra e de Lisboa. Demissão de Marcelo Caetano do
cargo de reitor da Universidade de Lisboa. Grandes manifestações populares contra a ditadura
nos campos e nas cidades por ocasião do Dia do Trabalhador (1 de Maio). Fundação da Frente
Patriótica de Libertação Nacional (FPLN), pela oposição portuguesa, em Roma. Demissão de
Adriano Moreira do cargo de Ministro do Ultramar.
1963, Início da guerra colonial na Guiné.
1964, Início da guerra colonial em Moçambique.
1965, Assassinato em Espanha de Humberto Delgado por agentes da PIDE (13 de Fevereiro).
Reeleição presidencial, por colégio eleitoral, de Américo Tomaz.
1968, Salazar cai de uma cadeira e fica inapto para continuar a governar (Agosto-Setembro). Marcelo
Caetano é empossado como Presidente do Conselho de Ministros por Américo Tomaz (27 de
Setembro). Marcelo Caetano ensaia uma curta experiência de liberalização do regime, a cha-
mada «Primavera Marcelista».
1969, Crise Académica na Universidade de Coimbra. Realização do II Congresso Republicano de
Aveiro. Realização de eleições legislativas (26 de Outubro). A oposição concorre separada às
eleições legislativas. Formação da Comissão Democrática Eleitoral (CDE), mais à esquerda, e
da Comissão Eleitoral de Unidade Democrática (CEUD), mais ao centro. As listas da União
Nacional integram um número considerável de candidatos liberais. A União Nacional vence as
eleições, mas a oposição contesta os resultados eleitorais. A PIDE é transformada em Direcção
Geral de Segurança (DGS).
1970, A União Nacional muda de nome para Acção Nacional Popular (ANP). Morte de António
Oliveira Salazar (27 de Julho).
1971, Revisão Constitucional. Marcelo Caetano é acusado de traição pela direita integracionista, em
virtude das mudanças introduzidas pelo governo em relação ao Ultramar Português.
1972, Promulgação da nova lei da censura. Reeleição presidencial, por colégio eleitoral, de Américo
Breve cronologia da época contemporânea portuguesa 173

Tomaz. Promulgação de uma nova Lei Orgânica do Ultramar, que é amplamente contestada
pela ala direita do regime. Concessão do direito a pensões de velhice aos trabalhadores rurais,
facto que marca o início do Estado Social em Portugal (12 de Outubro).
1973, Francisco Sá Carneiro e outros deputados liberais renunciam ao respectivo mandato na
Assembleia Nacional. Bloqueio da governação marcelista pelas forças da direita integracio-
nista. III Congresso da Oposição Democrática em Aveiro. Fundação do Partido Socialista Por-
tuguês (PS) na Alemanha. O PAIGC proclama a independência da República da Guiné-Bissau.
Formação do «movimento dos capitães», embrião do Movimento das Forças Armadas (MFA).
Tentativa de golpe de Estado pela ala direita da ditadura.
1974, Publicação do livro Portugal e o Futuro pelo General António de Spínola (22 de Fevereiro).
Américo Tomaz pressiona Marcelo Caetano a demitir os Generais Costa Gomes e Spínola das
chefias do Estado Maior General das Forças Armadas. Marcelo Caetano ameaça demitir-se.
Após pressões da ala direita, Marcelo Caetano demite Costa Gomes e Spínola (14 de Março).
Golpe de Estado protagonizado pelo Movimento das Forças Armadas (MFA). Marcelo Caetano
transmite o poder ao General Spínola. Fim do Estado Novo (25 de Abril). Formação da Junta
de Salvação Nacional presidida por Spínola. Álvaro Cunhal regressa do exílio e discursa
perante um milhão de portugueses em Lisboa (1 de Maio). António de Spínola é nomeado
Presidente da República pela Junta de Salvação Nacional. Portugal reconhece o direito das
colónias portuguesas à autodeterminação e independência (26 de Julho). Acordo de Lusaka
que estabelece a independência de Moçambique (7 de Setembro). Manifestação falhada da
«maioria silenciosa» em Lisboa (28 de Setembro). Spínola demite-se do cargo de Presidente
da República por não concordar com o rumo do processo de descolonização (30 de Setembro).
Costa Gomes é nomeado Presidente da República.
1975, Acordo do Alvor que estabelece a independência de Angola, mediante a transferência do poder
exclusivamente para as três guerrilhas, FNLA, MPLA e UNITA. Exclusão dos colonos brancos
e da sociedade civil do processo de independência angolano (15 de Janeiro). Tentativa de golpe
spinolista e contragolpe da esquerda militar em Lisboa (11 de Março). Exílio do General
Spínola. Criação do Conselho da Revolução. Início da guerra civil em Angola, acompanhada
pelo êxodo de centenas de milhares de brancos e mestiços para a metrópole e outros países.
Eleições para a Assembleia Constituinte (25 de Abril). Nacionalização de algumas das princi-
pais empresas e bancos. Início da reforma agrária dos latifúndios do Centro-Sul. As sedes do
Partido Comunista Português são assaltadas e destruídas por populares no Centro-Norte.
Manifestações e confrontos nas ruas entre manifestantes de partidos opostos ao longo do
Verão e do Outono. Independências de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Moçambique.
Portugal abandona Angola, deixando o país mergulhado no caos e na guerra civil. Procla-
mação da independência da República Popular de Angola, em Luanda, pelo MPLA e da Repú-
blica Democrática de Angola, no Huambo, pela FNLA e UNITA (11 de Novembro). Tentativa de
golpe de Estado por alguns sectores da esquerda militar em Lisboa. Os militares moderados
tomam o poder e colocam um ponto final no processo revolucionário (25 de Novembro).
Portugal abandona Timor-Leste, que é ocupado pelo exército indonésio (7 de Dezembro).
1976, Promulgação da nova Constituição da República Portuguesa (2 de Abril). Realização das pri-
meiras eleições para a Assembleia da República, ganhas pelo Partido Socialista (25 de Abril).
Mário Soares é nomeado Primeiro-Ministro do I Governo Constitucional. Eleição do General
Ramalho Eanes para o cargo de Presidente da República.
174 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

1977, Portugal formaliza o seu pedido de adesão à Comunidade Económica Europeia (CEE).
1979, Formação de uma coligação de centro-direita, denominada Aliança Democrática (AD), pelo
Partido Social-Democrata (PPD/PSD), Centro Democrático Social (CDS) e Partido Popular
Monárquico (PPM). A AD vence por maioria absoluta as eleições legislativas intercalares.
1980, Sá Carneiro, líder da AD, toma posse como Primeiro-Ministro (3 de Janeiro). Morte de Marcelo
Caetano no Rio de Janeiro (27 de Outubro). Morte de Sá Carneiro num acidente aéreo (4 de
Dezembro). Reeleição presidencial de Ramalho Eanes (7 de Dezembro).
1982, Revisão Constitucional. Extinção do Conselho da Revolução.
1983, Formação de uma coligação de governo denominada Bloco Central entre o PS e o PSD.
1985, Assinatura do Tratado de Adesão de Portugal à CEE (12 de Junho). O PSD vence as eleições
legislativas antecipadas com maioria simples. Cavaco Silva, líder do PSD, é indigitado Primeiro-
-Ministro.
1986, Adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE, 1 de Janeiro). Mário Soares é
eleito, à segunda volta, Presidente da República. Retirada definitiva dos militares da cena polí-
tica.
1987, O PSD vence as eleições legislativas antecipadas com maioria absoluta. Cavaco Silva forma o
seu segundo governo.
1990, Álvaro Cunhal deixa o cargo de Secretário Geral do PCP, mas mantém uma influência notável
na orientação política e ideológica do partido. É substituído por Carlos Carvalhas.
1991, Mário Soares é reeleito Presidente da República. O PSD vence as eleições legislativas com nova
maioria absoluta. Cavaco Silva forma o seu terceiro governo.
1995, O PS vence com maioria simples as eleições legislativas. António Guterres forma o seu pri-
meiro governo.
1996, Jorge Sampaio, dirigente socialista, é eleito Presidente da República.
1999, O PS vence com maioria simples as eleições legislativas. António Guterres forma o seu segundo
governo.
2001, Jorge Sampaio é reeleito Presidente da República.
2002, O PSD vence as eleições legislativas antecipadas e forma uma coligação de governo com o
CDS/PP. Durão Barroso, líder do PSD, é indigitado Primeiro-Ministro.
2004, Durão Barroso abandona o cargo de Primeiro-Ministro para ocupar o lugar de Presidente da
Comissão Europeia. É substituído por Pedro Santana Lopes, dirigente do PSD, que conhece
uma forte oposição mesmo dentro do seu partido.
2005, O PS vence com maioria absoluta as eleições legislativas antecipadas. José Sócrates é indigi-
tado Primeiro-Ministro. Em Lisboa morre Álvaro Cunhal, líder histórico comunista (13 de
Junho). O seu funeral é acompanhado por centenas de milhares de pessoas.
2009, O PS vence com maioria simples as eleições legislativas. José Sócrates forma o seu segundo
governo totalmente socialista. Crescimento acentuado da área política à esquerda do PS.
Fontes e Bibliografia

FONTES

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Índice analítico

A Carneiro, Francisco Sá, 121, 122, 137, 138, 159,


Acção Nacional Popular (vide União Nacional), 173, 174, 177
119, 172 Carvalho, Otelo Saraiva de, 134, 136, 140, 144,
Albuquerque, Mouzinho de, 26, 28, 169 153, 155, 158, 177
Almeida, António José de, 30, 36, 37, 39, 41, 170, Casa dos Estudantes do Império (CEI), 102
187 Castro, José Luciano de, 23, 24, 27, 28, 32
Andrade, Mário Pinto de, 98 Castro, General Pimenta de, 38, 39, 169
Antunes, Melo, 152, 153 Centro Católico Português (CCP), 56, 60, 66
Arriaga, Manuel de, 36, 38, 39, 169 Centro Democrático Social (CDS), 137, 158, 159,
Azevedo, Pinheiro de, 137, 153, 157 163, 164, 174
Cordes, General Sinel, 50, 58, 59
B Cortesão, Jaime, 62, 63, 64, 74, 88, 178
Bandeira, Marquês Sá da, 15, 16, 17, 95 Costa, Afonso, 30, 31, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 44,
Barroso, José Manuel Durão, 163, 174 48, 62, 169, 178
Bloco de Esquerda (BE), 163, 164 Couceiro, Paiva, 26, 41, 169
Braga, Teófilo, 30, 34, 39, 169, 177 Coutinho, Almirante Rosa, 137, 145, 146, 147
Cunha, Monsenhor Alves da, 61, 77, 104
C Cunhal, Álvaro, 74, 81, 84, 85, 91, 136, 138, 155,
Cabeçadas, Comandante Mendes, 50, 58, 59, 60, 160, 164, 173, 174, 179, 187
63, 170
Cabral, Amílcar, 98, 114, 175 D
Caetano, Marcelo, 51, 87, 89, 101, 115, 118, 119, Delgado, General Humberto, 88, 89, 90, 95, 115,
120, 121, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 129, 172, 179
130, 133, 135, 136, 171, 172, 173, 174 Deslandes, General Venâncio, 109, 110, 112
Camacho, Brito, 36, 37, 41, 47
Câmara, Comandante Filomeno da, 58, 61, 67 E
Capelo, Hermenegildo, 21, 168 Eanes, General Ramalho, 158, 159, 160, 173, 174
Carmona, General Óscar, 59, 67, 68, 86, 170, Enes, António, 26, 169
171 Eufémia, Catarina, 86, 171
190 Portugal e o Século XX. Estado-Império e Descolonização (1890-1975)

Exército de Libertação Português (ELP), 149, Movimento das Forças Armadas (MFA), 136, 137,
151, 154 138, 139, 140, 141, 143, 144, 145, 146, 149,
150, 151, 152, 173, 176
F Movimento de Unidade Democrática (MUD), 82,
Falcão, Fernando, 110, 146 83, 84, 91, 92, 171
Ferreira, Vicente, 95, 179 Movimento de Unidade Democrática Juvenil
Franco, João, 27, 28, 31, 32, 169 (MUD Juvenil), 84
Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), Movimento Moçambique Livre (MML), 141
98, 110, 114, 130, 132, 134, 140, 141 Movimento Nacional de Libertação de Angola
Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (MLNA), 97, 98
(FLEC), 132, 148 Movimento Popular de Libertação de Angola, 97,
Frente de Resistência Angolana (FRA), 145 98, 102, 103, 104, 105, 106, 110, 113, 114,
Frente de Unidade Angolana (FUA), 101, 107, 129, 131, 132, 139, 142, 144, 146, 147, 149,
110, 114, 139, 145, 146, 147, 148, 176 153, 154, 155, 173, 176, 186
Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA),
97, 102, 104, 105, 106, 114, 132, 139, 142, N
144, 147, 149, 154, 173 Neto, Agostinho, 98, 102
Neves, Cónego Manuel das, 104
G
Galvão, Henrique, 58, 92, 93, 103, 172, 180 P
Gomes, General Costa, 59, 107, 130, 133, 134, Pais, Sidónio, 40, 41, 44, 55, 169
135, 137, 139, 140, 141, 143, 151, 152, 153, Partido Comunista Português (PCP), 44, 64, 73, 74,
155, 173 80, 81, 84, 85, 86, 88, 89, 90, 91, 98, 108, 115,
Gomes, Henrique de Barros, 23 120, 137, 138, 139, 149, 151, 152, 153, 155,
Grupo Unido de Moçambique (GUMO), 141 156, 158, 160, 161, 162, 164, 170, 171, 173
Guterres, António, 162, 163, 174 Partido Cristão Democrático de Angola (PCDA),
139, 146
I
Partido Democrático, 36, 37, 38, 39, 41, 44, 47,
Ivens, Roberto, 21, 168
48, 49, 54, 66, 81, 169
L Partido Evolucionista, 36, 37, 39, 41
Leal, Francisco Cunha, 47, 48, 60, 61, 62, 64, 85 Partido Liberal Republicano, 41, 47
Lopes, General Craveiro, 87, 88, 89, 107, 171 Partido Nacionalista, 37, 47, 48, 57
Lopes, Pedro Santana, 164, 174 Partido Popular Democrático (PPD), 137, 150,
151, 152, 158, 159, 174
M Partido Republicano Português (PRP), 19, 24,
Machado, Bernardino, 30, 36, 38, 39, 40, 49, 50, 28, 30, 35, 36, 37
58, 169, 170 Partido Social-Democrata (PSD, vide Partido
Matos, General Norton de, 39, 47, 63, 71, 82, 84, Popular Democrático), 159, 174
85, 170, 171 Partido Socialista Português (PS), 39, 137, 151,
Melo, Fontes Pereira de, 18, 19, 168, 169, 181 152, 158, 159, 168, 173
Mondlane, Eduardo, 98, 110, 114 Pintasilgo, Maria de Lourdes, 158, 160
Moniz, General Botelho, 89, 101, 107, 108, 172 Pinto, Serpa, 21, 168
Moreira, Adriano, 101, 109, 110, 111, 112, 114, Porto, Silva, 16, 168, 169
138, 172, 182, 183
Índice analítico 191

Q Spínola, General António de, 130, 133, 134, 135,


Quental, Antero de, 20, 168, 169 136, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 143, 144,
145, 150, 154, 173
R
Revolta Activa (MPLA), 132, 144, 148 T
Revolta de Leste (MPLA), 132, 144, 148, 149, 154 Tomaz, Almirante Américo, 51, 88, 89, 101, 108,
Ribeiro, Hintze, 24, 27 118, 119, 122, 127, 133, 136, 171, 172, 173
Roberto, Holden, 97, 104, 105, 114, 117
U
S União dos Povos de Angola (UPA), 97, 102, 103,
Salazar, António de Oliveira, 51, 53, 54, 56, 57, 104, 105, 106, 108, 110, 114, 132, 172
58, 59, 60, 61, 62, 63, 65, 66, 67, 68, 69, 70, União dos Povos do Norte de Angola (UPNA), 97
71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 98, 114, 115, União Nacional (UN), 65, 66, 67, 68, 70, 72, 83,
116, 119, 123, 125, 127, 170, 171, 186 86, 87, 88, 92, 118, 119, 120, 121, 170, 171
Sampaio, Jorge, 162, 163, 164, 174 União Nacional para a Independência Total de
Santos, António Almeida, 138, 140 Angola (UNITA), 105, 114, 129, 132, 139,
Savimbi, Jonas Malheiro, 104, 114, 129 144, 147, 149, 154, 173
Silva, Aníbal Cavaco, 160, 161, 162, 164, 174 União Republicana, 36, 37, 39
Soares, Mário, 82, 119, 120, 137, 138, 140, 151,
152, 155, 158, 159, 160, 161, 173, 174 V
Sociedade de Geografia de Lisboa, 21, 23, 61, Vicente, Arlindo, 88, 172
168, 179
Sócrates, José, 164, 174 Z
Zenha, Salgado, 82, 120, 160

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