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E-BOOK BP OS LOUCOS ANOS 20


CURSO
“OS LOUCOS ANOS 20”
COM PROFESSOR GUILHERME ALMEIDA

SINOPSE

Os Loucos Anos 20, mesmo sendo um breve período da

história do século XX, mostrou as incertezas, os medos, a insegurança

dos homens e mulheres que sobreviveram aos horrores da primeira


Guerra Mundial e que viram surgir no horizonte do leste do mundo

o terror vermelho soviético.

A grande ferida causada pelo Tratado de Versalhes, que

conduziu os perdedores nos pós guerra, criou o terreno fértil para

nascer as sementes de totalitarismos insanos e violentos como o

fascismo italiano e o nazismo.

E, neste ambiente conturbado e incerto, homens e

mulheres praticam os excessos de uma vida “pra ontem”, uma


vida sem perspectiva de futuro, uma vida de carpe diem. Numa

sociedade mais “liberal” como a parisiense ou mais fechada com a

estadunidense, com sua lei seca e controles sociais, estes excessos,

bons e ruins, abriram as portas para uma nova arte plástica, literária

e musical. Paris foi uma festa legalizada, e os EUA uma ilegal.

BONS ESTUDOS!
AU L A 1

O FIM DA PRIMEIRA GUERRA

E A DESORGANIZAÇÃO

GERADA PELO TRATADO DE

VERSALHES
INTRODUÇÃO

Olá, sou o professor Guilherme Almeida, é um prazer estar novamente

aqui na Brasil Paralelo apresentando um curso sobre os loucos anos 20

e como eles ecoam na nossa realidade histórica; não será tão somente o

recorte histórico de um período do século XX, pois há muitas lições deste

período a serem aprendidas através de uma profunda análise.

O título do curso, Os Loucos Anos 20 e o Carpe Diem, está relacionado

com a ideia de aproveitar o dia de hoje sem se importar muito com o dia de

amanhã, porque, ao que nos parece, esse era o grande mote das pessoas

que vivenciavam essa Europa mergulhada na ideia da loucura, de poetas

degenerados e malditos1, como foram os grandes nomes da Literatura e

das artes que viveram nesta época em Paris.

Para chegarmos ao cerne da questão é necessária a apresentação

de alguns temas, visto que nós precisamos relembrar os antecedentes

desse conteúdo como um todo. Eu poderia partir da Ciência, da Filosofia, da

História ou das artes e discorrer secamente sobre o conteúdo que veremos,

no entanto, trarei o conteúdo de uma forma mais dinâmica e sintética, para

não dizer até mesmo, de forma um pouco angustiante.

Alguns autores, como por exemplo, Paul Johnson2 no livro Tempos

Modernos, fala que a modernidade da década de 20 começou com a grande

visibilidade do eclipse solar que foi visto a partir de 1919 em Sobral, Brasil, e

na Europa; outros autores irão colocar o Tratado de Versalhes de 1919 como

a grande pedra angular para entender o início da modernidade e a década

de 20. Eu, particularmente, gosto dessas informações.

Começando com pouco de História, trouxe para vocês uma frase de

Paul Valéry3 que vale a pena termos em mente: “A História justifica tudo

quando se quer. Ela não ensina rigorosamente nada, pois contém tudo e

1 Gertrude Stein inventou e popularizou o nome Geração Perdida para designar os escritores expatriados em
Paris.
2 Paul Bede Johnson nasceu em 1928 e é um escritor, jornalista e historiador britânico.
3 Ambroise-Paul-Toussaint-Jules Valéry (1871-1945) foi um filósofo, escritor e poeta francês.

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dá exemplos de tudo”. Fazendo uma interpretação, diria que os exemplos

históricos do passado não terão a exata reprodução na nossa realidade,

porque o contexto e o momento são outros, mas a análise dos exemplos

nos permite que tomemos determinadas decisões em relação ao meio

em que vivemos.

Fazendo uma paráfrase de Ortega y Gasset4, podemos dizer que

“o homem é o homem e as suas circunstâncias”, entender as nossas

circunstâncias culturais, econômicas, políticas, é fundamental para

entendermos nós mesmos como agentes históricos da nossa própria

realidade e o momento em que vivemos. O olhar para o passado, com essa

frase de Paul Valéry, é fundamental para entendermos o momento passado

e também os elementos presentes na nossa atualidade.

Trago-lhes mais uma citação de Hemingway5, que é de um ar

delicioso, a respeito da década de 20, “Conclui-se que todas as gerações

eram perdidas por alguma coisa, sempre tinham sido e sempre haveriam

de ser”; guardem essa frase, porque, quando chegarmos no momento de

Paris sendo uma festa, saberemos que essa festa tem um porquê de ser e

conseguiremos, assim, lidar melhor com esse entendimento.

Também gostaria de ler uma passagem de Christopher Dawson


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“Quando a moralidade é privada dos elementos religiosos e metafísicos,

inevitavelmente subordina-se a fins mais inferiores, e quando os fins são

negativos — como na revolução e na guerra — toda a escala de valores

morais se reverte”. Tenho citado esse grande autor recorrentemente, e seu

maravilhoso livro chamado O Julgamento das Nações consta nas nossas

referências bibliográficas.

É isso que veremos nos antecedentes desses loucos anos 20, nos

quais a Europa mergulha de cabeça, mas com os Estados Unidos e Brasil,


4 José Ortega y Gasset (1883-1955) foi um ensaísta, jornalista e ativista político, fundador da Escola de Madrid. A
Frase referenciada é “eu sou eu e minha circunstância, e se não salvo a ela, não me salvo a mim” de sua obra Med-
itaciones del Quijote.
5 Ernest Miller Hemingway (1899-1961) foi um escritor norte-americano autor de grandes obras como Paris é
uma Festa, Por Quem os Sinos Dobram, etc.
6 Christopher Henry Dawson (1889-1970) foi um estudioso independente britânico que escreveu muitos livros
sobre história cultural e cristandade.

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acontece de modo diferente. No nosso caso, a década de 20 toma a forma de

um grande fim de semana enlouquecido e sem limites, no qual as pessoas

realmente chutaram o balde, e a década de 30 assume a forma de uma

grande dor de cabeça.

A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL


Depois desse preâmbulo, começamos, de fato, a primeira aula, para

tratar daquilo que será o grande mote para esse período de incertezas e de

negação de valores tidos como pétreos até a Primeira Guerra Mundial, visto

que esses loucos anos 20 possuem um porquê de ser assim.

Nós temos de lembrar que a Primeira Guerra Mundial foi uma crise

das potências europeias que tinham seus problemas de um lado e suas

alianças do outro; por exemplo, a Tríplice Entente era formada por Inglaterra,

Rússia, França e países satélites ligados a eles, e a Tríplice Aliança, formada

pelo Império Austro-Húngaro, Itália (até 1915) e o Império Otomano, que

estava também na órbita de tudo isso.

A Tríplice Aliança e a Tríplice Entende

O que facilita o entendimento da Primeira Guerra Mundial como

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um todo é justamente isso: ela foi, para dar uma explicação contundente, o

choque entre interesses nacionalistas.

O que era o Nacionalismo? Essa prática política que muitas pessoas

colocam como sendo de direita, era uma aliança entre burguesia e

aristocracia que surgiu na Europa do século XIX, principalmente nas

potências que querem se firmar como grandes nações europeias, como

Inglaterra, França, e as novas potências como Alemanha e Itália — que

tiveram seu território unificado no final do século XIX. O Nacionalismo

— essa prática com “N” maiúsculo — é uma forma que as potências

europeias encontraram para fazer uma política internacional através do

imperialismo, a tomada de territórios na África e na Ásia e, internamente,

o nacionalismo misturado ao patriotismo como, por exemplo, a exaltação

dos valores internos da nação, como a bandeira, o hino, etc.

A Primeira Guerra Mundial tem, nas suas entranhas, o choque das

potências imperialistas europeias juntamente com as alianças. Por que isso

é assim? Porque haverá momentos em que essas alianças entre nações

europeias se farão valer para que uma proteja a outra, e é nesse ínterim de

crises e alianças que nós teremos a Primeira Guerra Mundial iniciada em

1914.
Não aprofundarei aqui o conteúdo de Primeira Guerra Mundial,

mas é fundamental que lembremos pelo

menos as três fases da Primeira Guerra

Mundial: a primeira parte chamada de

Guerra de Movimento, a segunda, Guerra

de Trincheiras e a terceira parte que consta

a saída da Rússia da guerra e a entrada dos


Guerra de Trinceiras
Estados Unidos, fundamental para o fim

desta.

O interessante é que essa primeira parte da Primeira Guerra Mundial

tinha ainda uma aura um pouco mais humana, um pouco mais poética.

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Descrevo assim porque as fileiras que lutaram na Primeira Guerra Mundial,

em grande parte, consistiam de voluntários, eles formavam uma grande

porcentagem do Exército, da Marinha e da pequena Aeronáutica que existia

na época. As pessoas iam ao fronte imbuídas em defender os valores da

nação, aqueles valores criados desde o século XIX.

É interessante também vocês assistirem ao filme Joyeux Noël —

em português, Feliz Natal, um filme de 2005 — que trata do período do

Natal e ano novo nas trincheiras entre 1914 e 1915; o filme mostra com uma

grande leveza esse momento histórico de que nós estamos tratando, e ele

coaduna com esse início de guerra um pouco mais romântico. As grandes

nacionalidades estão presentes no filme: de um lado das trincheiras os

alemães, do outro lado os franceses e escoceses; todos com certas ressalvas

em relação ao outro, às vezes com ódio, como no caso dos franceses e dos

alemães. Depois de os alemães tomaram o território francês da Alsásia-

Lorena com a unificação decorrida da Guerra Franco-prussiana7, isso causa

um sentimento de ódio muito grande nos franceses, que eles chamaram

de Revanchismo.

O início desse filme é muito interessante, porque mostra três crianças,

uma inglesa, uma francesa e uma alemã, falando contra o seu inimigo; a
criança inglesa fala contra a alemã, a francesa também contra a alemã e

a alemã contra os ingleses. É curioso, e um pouco assustador, ver o ódio

presente naquelas crianças, assim como, elas estão em um cenário escolar,

o local de formação de “amantes” das nações.

Um outro filme que pode ajudar a entender esse momento de

formação das identidades europeias, principalmente da germânica, é A Fita

Branca, filme de 2009, fenomenal para entender essas nuances; apesar de

ser em preto e branco, é um filme novo.

No filme Feliz Natal podemos notar que há algo que está além

daqueles valores daquelas pessoas, algo que está além de ser francês,
7 A Guerra Franco-Prussiana ou Guerra Franco-Germânica foi um conflito entre o Império Francês e o Reino da
Prússia entre 19 de julho de 1870 e 10 de maio de 1871.

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inglês, alemão ou escocês, que é o espírito do Natal. Há uma cena na qual

os alemães estão montando suas árvores de natal na trincheira e alguém

começa a cantar Noite Feliz, concomitantemente, os escoceses também

estão ensaiando uma pequena comemoração, na qual uma das personagens

que é um padre pega uma gaita de fole quando, de repente, escuta alguém

cantando do outro lado da trincheira; as diferenças de nacionalidade caem

por terra e surge o espírito da noite de Natal no momento em que o padre

começa a acompanhar o cantor alemão “inimigo”.

Independentemente de alguém ser

protestante ou católico, existe um símbolo

superior, que é superior até às suas noções

religiosas, que é o símbolo do natal, o amor

incondicional de um ser para com toda a

humanidade, um amor que não tem nação, país

ou Estado. No filme, os inimigos até mesmo se

juntam para uma foto comemorativa e logo em

seguida vão jogar uma partida de futebol, isso é

um maravilhoso retrato do início da guerra, mas,


Trégua na noite de Natal (1914)
infelizmente, a guerra começará a ser muito
violenta.

Como tudo que é bom acaba, há os grandes manipuladores, generais

e marechais de guerra, que, informados desta situação, mandam esses

soldados para outro lugar: alguns foram presos, outros enviados a Verdun,

um campo de batalha muito violento. A guerra de trincheiras passa a atuar

de modo mais cruel para com todos, os soldados passam meses e meses

entocados nesses buracos fétidos e todo aquele ar poético vai por água

abaixo, pois a partir de 1915 as pessoas estão morrendo aos milhões.

Há uma frase fundamental à qual costumo recorrer: “Os homens

criam as ferramentas e as ferramentas recriam os homens” — geralmente

atribuída a Marshall McLuhan. A Primeira Guerra Mundial é cria dessa ideia.

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Por quê? Novas tecnologias estão aparecendo no campo de batalha, como

metralhadoras de repetição, os grandes tanques de guerra e o avião, que

começa a ser utilizado para a guerra. Temos aqui uma imagem do Barão

Vermelho, um famoso aviador que por anos não foi derrotado. Apesar

dos requintes da tecnologia, ainda assim as armas eram equipadas com

baionetas, para que, quando as balas acabassem, os soldados avançassem

para a luta corpo a corpo.

Essa imagem aqui é muito significativa,

porque, além de ela tratar do uso de gás no

campo de batalha, aparece um burro com

uma máscara contra o gás. Isso evidencia a

quantidade de animais mortos na Primeira

Guerra Mundial que chegou a quase 30 milhões


Burro de máscara contra o gás
de animais nas batalhas.

Tratando das mortes, alguns historiadores

estimam em 9 milhões de mortos, outros como 12 milhões de mortos —

nunca uma guerra obteve tantas baixas, militares e civis — uma quantidade

enorme de pessoas mutiladas, cerca de 30 milhões de feridos, 6 milhões

de prisioneiros, 10 milhões de refugiados, 3 milhões de viúvas, 6 milhões de


órfãos e milhões de litros de lágrimas derramadas. Essa guerra até pode

ter sido um pouco romântica no seu início por causa dos valores nacionais,

mas mostrou-se como uma chaga para a humanidade.

As imagens da Primeira Guerra são contundentes para

demonstrar justamente os horrores disso: pessoas mortas,

vivas, muitas mutiladas. Há uma frase do General Sherman8

muito interessante: “Somente aqueles que nunca deram

um tiro, nunca ouviram o grito e o gemido dos feridos é que

clamam por sangue, vingança e mais desolação. A guerra é


Homem ferido na I GM
um inferno”. Existem dois tipos de guerra: a dos gabinetes,

8 William Tecumseh Sherman (1820-1891) foi um militar, empresário, educador e escritor norte-americano.

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feita pelos políticos e a guerra real; uma vez eu escutei de um general que

o soldado é o que menos quer ir para a guerra, porque é ele que morre. Essa

guerra, particularmente, possui um sentido muito profundo, ela destrói

certezas e valores que até então estavam fortalecidos nessa Europa.

O final da Primeira Guerra Mundial é marcado por um

armistício feito pela Alemanha, na cidade de Copenhague e,

mais tarde, é ratificado com o terrível Tratado de Versalhes.

Eu fiz questão de colocar duas imagens, uma que mostra o

próprio tratado e a outra é uma charge mostrando que esse

Tratado de Versalhes foi “comido” pelos ratos nacionalistas,


Charge do Tratado de Versalhes
como os ingleses e os franceses, por exemplo.

Lembram-se daquilo que falei do revanchismo francês?

Os alemães foram forçados a assinar o Tratado de Versalhes, que deve seu

nome a essa assinatura que ocorreu na Sala dos Espelhos em Versalhes,

e, como a França foi a principal articuladora do Tratado de Versalhes, a

sua vingança realizou-se — a vingança é um prato que se come frio, como

dizem — nesse local onde os franceses foram extremamente humilhados, é

aqui que a revanche será feita.

Esse tratado arrebentou a Alemanha no campo político, econômico


e militar, pois fez com que ela pagasse indenizações monstruosas para

a França e a Inglaterra e, também, que limitasse seu exército a 100 mil

soldados — imagine uma Alemanha que já foi tão grande na Europa poder

ter apenas 100 mil soldados. Além disso,

a Alemanha perdeu o Reno, territórios

da Polônia, da atual Checoslováquia,

principalmente na região de Sudetos —

que era germânica na sua essência —,

foram todos para outras nacionalidades,

a Alemanha virou um gigante morto


Antes e após a I GM porque tiraram-lhe todos os poderes.

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Qual é o problema disso? Causou um grande sentimento de frustração

e revolta no povo alemão e isso vai fazer com que valores que até então

estavam mortos — como os grandes nacionalismos — voltem com novas

roupagens, como veremos em seguida.

O Tratado de Versalhes será um grande divisor de águas na história

desses anos 20, e é aqui que começamos a ver o desenvolvimento de novas

nações: o fim de grandes potências como o Império Austro-Húngaro, que

torna-se apenas Áustria; a Alemanha deixa de ser um império e vira uma

república, a República de Weimar. Então tudo aquilo que o povo alemão

conhecia como certo começa a ser balançado e o povo austríaco perde o

título de um grande império.

Localidades como aquelas da imagem, que vocês podem fazer uma

comparação entre 1914 e o final de 1918; note os desmembramentos de

alguns territórios, a incorporação de alguns territórios por antigas nações, a

criação, por exemplo, da Iugoslávia9, que coloca diferentes culturas dentro

de um mesmo território e isso vai ser um problema como veremos no século

XX, causando uma tremenda guerra entre os países dos Balcãs a partir do

fim da União Soviética nas guerras de 1994 e 199510.

Nesse momento, nós temos um período histórico único para ser


analisado, um período que lidará com problemas graves. Alguns

historiadores colocam que não houve uma Primeira e a Segunda Grande

Guerra, houve apenas uma grande guerra, com o intervalo de vinte anos

entre algumas batalhas e as outras, ou seja, na Primeira Guerra Mundial

que acaba em 1918, parece que os líderes não deram conta de resolver

alguns problemas e, nos vinte anos que se seguiram, acontece a formação

de novas crises e ocorre um boom inicial em 1939 com a campanha de Hitler

na Polônia, criando o que ficou comumente chamado de Segunda Guerra

9 A Iugoslávia foi um país que existiu na região dos Balcãs após a Primeira Guerra Mundial sob o nome de Reino
dos Sérvios, Croatas e Eslovenos em áreas que pertenciam ao Império Austro-Húngaro e ao Império Otomano.
10 Já em junho de 1991 a Eslovênia e a Croácia declararam independência; logo em setembro a Macedônia seguiu
o exemplo e, em outubro a Bósnia e Herzegovina fez o mesmo, mas neste caso houve um grave conflito. Em 1998
os albaneses separatistas de Kosovo pressionaram pela separavam deste território, mas o exército reagiu violenta-
mente. Em junho de 2006 foi a vez de Montenegro declarar-se independente.

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Mundial.

Aqui cito uma frase de Paul Johnson retirada do livro Tempos

Modernos — que está na nossa referência bibliográfica — e que eu já citei

algumas vezes: “A guerra gera revoluções e gerar revoluções é uma velha

forma de guerra”; interpretando, é como se uma coisa alimentasse a outra.

O que nós vemos do meio para o fim dessa guerra? Conturbações sociais

violentas; por exemplo, na Rússia estamos vendo conturbações criadas

principalmente por bolcheviques e mencheviques. Eu convido vocês a

assistir ao curso ministrado pelo Lucas Ferrugem chamado Uma Breve

História da Rússia disponível no Núcleo de Formação da Brasil Paralelo.

A Revolução Russa tem suas bases criadas no final do século XIX, e

vai crescendo com a perda do território da Manchúria para o Japão, com o

domínio sangrento realizado pelo Czar e com o exílio de Lênin11. Geralmente

dividimos essa revolução em duas etapas:

A primeira etapa, conhecida como Revolução de Fevereiro de

1917 ou Revolução Branca, foi comandada pelos mencheviques — o líder

bolchevique, Lênin, estava exilado — na qual instaurou-se um Governo

Provisório de caráter liberal-burguês comprometido com os direitos

relacionados à propriedade privada e com a continuidade da participação


russa na Primeira Guerra Mundial.

Interessada em que a Rússia deixasse o fronte para que a balança

pendesse para o seu lado, a Alemanha dá a Lênin a quantia de 40 milhões

de goldmarks — moeda usada pelo Império Alemão —, a fim de que este

faça a sua revolta e tire a Rússia da guerra.

Acontece então a segunda etapa, conhecida como Revolução de

Outubro de 1917 ou Revolução Vermelha, Lênin volta à Rússia e escreve as

teses de abril mostrando o grande slogan dos bolcheviques: Paz, Terra e

Pão; a paz é a saída da Rússia da guerra, terra é a coletivização das fazendas

e pão é o baixo preço do alimento e a distribuição dos produtos básicos


11 Vladimir Ilyich Ulianov, mais conhecido pelo pseudônimo Lênin, (1870-1924) foi um revolucionário comunista,
político e teórico político russo que foi líder do governo da Rússia Soviética de 1917 a 1924.

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para a população russa, assim, começamos a ver uma nova configuração

surgindo. É a partir disso que acontece o Tratado de Brest-Litovski, o tratado

de paz entre a Rússia e o Império Alemão que o próprio Lênin chamou de

Tratado de “Paz Vergonhosa” pois os termos foram humilhantes para a

Rússia.

Em outubro de 1917 a Revolução Bolchevique ganha forma, a trilogia

do mal — Lênin, Trotsky12 e Stálin13 — está formada; Kerensky14, que era o

principal líder menchevique, foge para os Estados Unidos. Começa-se então

um aumento do poder dos sovietes, um termo designado para significar

os conselhos de operários, trabalhadores do campo e grupo de soldados

ligados a essa ideologia, e um fortalecimento do regime socialista em cima

daquilo que Lênin chamava de idiotas úteis, o povão, os sovietes.

É interessante que essa revolução veio muito em consequência da

Primeira Guerra Mundial, conforme aquela frase citada de Paul Johnson.

Há neste período uma verdadeira guerra civil: brancos de um lado,

vermelhos de outro. Isso mergulha a Rússia em uma tremenda guerra civil,

em uma desgraceira sem precedentes até o ponto em que as potências

europeias não veem isso com bons olhos, tanto que algumas potências

(cerca de dezessete) colocaram o pouco dinheiro que lhes sobrou nos


contrarrevolucionários, os brancos, mas não deu certo, os vermelhos e Lênin

se mantiveram no poder.

Restou às potências ocidentais, ditas democráticas, fazer o famoso

cordão sanitária, o isolamento da Rússia e, em 1922 — com essa nova

reprogramação social e política que Lênin chamava de NPEP (Novo

Programa Econômico e Político) — nós temos a criação da URSS, União das

Repúblicas Socialistas Soviéticas.

E como estava o Brasil neste período? Nós vemos uma disputa entre
12 Leon Trótski, nascido Liev Davidovich Bronstein (1879-1940), foi um intelectual marxista e revolucionário bol-
chevique, organizador do Exército Vermelho. Foi rival de Stálin na disputa pelo poder após a morte de Lênin, a qual
perde e depois é perseguido pelo governo stalinista.
13 Josef Stálin (1878-1953) foi um revolucionário comunista e político soviético de origem georgiana. Governou a
União Soviética de 1924 até o ano de sua morte.
14 Alexander Fyódorovich Kerensky (1881-1970) foi um político social-democrata e advogado. Foi o segundo e últi-
mo primeiro-ministro do Governo Provisório Russo.

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as oligarquias de Minas Gerais e São Paulo alternando o poder, por isso

que a nossa chamada República Velha também é chamada de República

Café com Leite; como a República foi comandada por oligarquias, foi

também chamada República das Oligarquias, e por ser sempre comandada

— principalmente no Nordeste — por coronéis, também recebeu o nome

República dos Coronéis.

O Brasil vive em uma bolha de pouca

participação política, poucas pessoas tinham

poder de voto, já que analfabetos, mulheres,

militares e clérigos estavam afastados das

eleições, além da falta de interesse do povo. Essa


Charge sobre o voto do cabresto
charge representa de uma forma muito bacana

essa política do voto do cabresto: “Quem vem

votar é o zé-besta?”; e o outro responde: “Não, é o zé-burro”. O Brasil está

imerso nessa nossa política chamada política velha.

Em meio a toda essa violência deste período, voltemos

nossos olhos para a arte: em 1916 surge o movimento artístico

chamado Dadaísmo do qual Duchamp15 é um dos seus grandes

expoentes — não foi o fundador do movimento, mas ele era alguém


bastante atento. Olhem bem essa imagem colocada, para o

Dadaísmo, a destruição também é criação. Essa é uma pá de gelo,

mas porque ele deu o nome de “Antecipação do Braço Perdido”?

Duchamp faz essa outra obra que é um mictório no centro de

uma sala. Por que isso? Por que o Dadaísmo é tão


Antecipação do Braço Perdido,
Duchamp presente nesse momento? As vidas não importam

mais, pois milhares estão sendo perdidas nos

campos de batalha. Se a vida não importa, a arte também

não importa, as definições também não importam. Tudo

pode acontecer pois milhões de almas são perdidas. Mictório de Duchamp

15 Marcel Duchamp (1887-1968) foi um pintor, escultor e poeta francês.

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Há uma frase sobre o tema: “Em uma guerra não morrem milhões

de pessoas como uma massa amorfa, morre um que gosta de sorvete, outro

que gosta de passear no parque aos domingos, o outro que é casado, o outro

que é solteiro, a outra que é uma costureira que sonha em ser bailarina,

morrem pequenas histórias”, a Primeira Guerra Mundial levou 9 milhões

de pequenas histórias.

O que o Dadaísmo está mostrando é que, se a vida perde o valor,

a arte também perde o valor — e isso é uma interpretação livre minha

baseada em estudos da história da arte. Essa imagem de uma pá pode ser

muito bem retratada naquela frase do general francês que está presente,

inclusive, no filme Joeux Noël, ele diz o seguinte: “Eu nunca vi em uma

guerra uma pá ter mais importância do que uma espingarda”. Por quê?

Porque as pás criavam as trincheiras, que eram os lugares de salvaguarda

dos soldados, portanto, é uma provocação de Duchamp; a história da Arte

demonstra que esse movimento de transgressão, de destruição e criação,

está presente no movimento dadaísta que terá o seu fim já na década de 20

para dar início a outro movimento, o Surrealismo16.

Eu gostaria de terminar essa primeira aula com duas citações, a

primeira é desse grande livro de Barbara Tuchman17 sobre a Primeira Guerra


Mundial, e convido vocês a comprarem essa obra — que está na nossa

referência bibliográfica — chamada A Torre do Orgulho; se me permitem,

vou ler aqui o posfácio, que é extremamente claro e lúcido:

“Os quatro anos que se seguiram foram como Graham Wallas

escreveu: ‘quatro anos do mais intenso e heroico esforço que a raça

humana jamais fizera’, quando esses esforços terminaram, as ilusões e

os entusiasmos que se tinham tornado possíveis em 1914, mergulharam

lentamente no mar da mais profunda ilusão. Pelo preço que pagou, o

maior benefício da humanidade seria a penosa conclusão das suas próprias

limitações, a torre do orgulho, construída através da grande época da


16 Serão dadas maiores explicações desta escola artística nas próximas aulas.
17 Barbara Wertheim Tuchman (1912-1989) foi uma escritora e historiadora autodidata estadunidense.

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civilização europeia, era um edifício de grandeza e de paixão, de riqueza e

de beleza e de caves escuras. Os seus habitantes viviam, se compararmos

aos tempos que se seguiram, com mais confiança em si próprios, mais

segurança, mais esperança, maior aparato, extravagância e elegância, mais

descuidadamente, mais alegres, com mais prazer na companhia um dos

outros e nas conversas, com maior injustiça e hipocrisia, maior miséria e

dificuldade, mais sentimentos – incluindo os falsos sentimentos -, menos

tolerância para a mediocridade, mais dignidade no trabalho, mais amor

à natureza, mais ardor. O velho mundo perdeu desde então mais do que

ganhou, olhando para trás, desde 1915, Émile Verhaeren, o poeta socialista

belga, indicaria as suas páginas: ‘com emoção ao homem que eu era’.

O que nós temos aqui? Justamente um ponto de demonstração

de que tudo que era certo se desfez no ar. A Primeira Guerra Mundial

representou o fim de certezas e o início de incertezas, balançou os

valores centrais colocados até então na poderosa Europa do século XIX,

as pessoas estão sem eira nem beira, desamparadas e desiludidas.

Também, eu gostaria de fazer uma menção a um livro chamado

A Sagração da Primavera, de um grande historiador da Universidade de

Toronto, Modris Eksteins18; esse livro, que tira o título de uma obra apresentada
por Stravinsky 19— uma obra do balé de Paris de 1913 — desvenda o que

está acontecendo na Europa no preâmbulo da Primeira Guerra Mundial,

desenvolvendo de forma extremamente bem analítica a história da Primeira

Guerra Mundial e dos anos que se seguem.

Finalizo aqui a primeira parte desse nosso encontro com uma

frase de Virgínia Woolf20: “A nossa vida é uma incerteza, um cego que

revoluteia no vazio em busca de um mundo melhor, cuja existência é

apenas uma suposição”, ela, por ser uma grande escritora, sente as dores

e as agressividades dessa perda de valores, perda de certezas, assim, o fim


18 Modris Eksteins nasceu em 1943 é um historiador latviano-canadense especialista e história alemã e cultura.
19 Ígor Fiódorovitch Stravinsky (1882-1971) foi um compositor, pianista e maestro russo. Foi conhecido principal-
mente pelo motim que se instalou a estreia de sua obra A Sagração da Primavera.
20 Adeline Virginia Woolf, nascida Adeline Virginia Stephen, (1882-1941) foi uma escritora, ensaísta e editora
britânica.

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E-BOOK BP OS LOUCOS ANOS 20
da vida dela é triste, pois ela se suicida. É isso que eu quero apresentar

para vocês, que essa Primeira Guerra começa a balançar valores e certezas

desse mundo europeu. Finalizamos aqui a primeira parte da aula, logo na

sequência nós teremos a segunda.

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