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RELATOS &

MEMÓRIAS
A REVOLUÇÃO FRANCESA SOB O OLHAR
DE QUEM VIVENCIOU OS DIAS SOMBRIOS
DA FRANÇA DO SÉC. XVIII

Escola Pequeno Aprendiz


RELATOS &
MEMÓRIAS
A REVOLUÇÃO FRANCESA SOB O OLHAR
DE QUEM VIVENCIOU OS DIAS SOMBRIOS
DA FRANÇA DO SÉC. XVIII

Escola Pequeno Aprendiz


Parauapebas/PA
RELATOS E MEMÓRIAS

© 2022 Escola Pequeno Aprendiz


ÍNDICE
*
1ª Edição: Junho de 2022

Relatos & Memórias


Alunos do 8º ano, do turno da tarde,
da Escola Pequeno Aprendiz

Editor
???????? Apresentação......................................................................................6
Revisão de Texto
??????????
Prefácio............................................................................................... 7

Consultoria Pedagógica 1- Antes da Tormenta........................................................................8


???????????
2- Tristeza e fome..............................................................................9
Ilustrações
Google Images / Freepik 3- Relatos sobre o caos.................................................................... 10

Diagramação e Capa 4- Dias inesquecíveis....................................................................... 12


Emerson Freire

Impressão
5- Em busca de alimento................................................................. 14
Editora Missionária “A Verdade Presente”
6- Caos e violência........................................................................... 15
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida,
armazenada ou transmitida de nenhuma forma ou por nenhum meio 7- Cartas de um pai para seu filho.................................................. 16
físico ou eletrônico sem a permissão prévia por escrito do editor.
8- Diário da minha mãe................................................................... 19

9- O relato de uma sans culottes..................................................... 21

Dados para Catalogação 10- Uma carta de proclamação e despedida................................... 22

Escola Pequeno Aprendiz 11- A dor que fortalece.....................................................................24


Alunos do 8º ano, período da tarde
12- A nobreza em Versalhes........................................................... 27

13- Esquecer jamais.........................................................................28


1. História - Revolução Francesa
14- Um rei em desespero.................................................................29

15- Tentativa de resgate...................................................................31

16- Um general, uma missão.......................................................... 33


Índices para catálogo sistemático:
1. História 17- Lembranças de um burguês...................................................... 38

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APRESENTAÇÃO PREFÁCIO

UM POUQUINHO DA
HISTÓRIA DESTE LIVRO

D E
entro do processo criativo, o ponto inicial, foi o que é cha- ste é um pequeno livro elaborado pelos alunos do 8º ano, do
mado de Brainstorming. Os alunos escreveram seus textos de turno da tarde, ano 2022, da Escola Pequeno Aprendiz. Nele, os
forma livre, a partir somente de uma pequena orientação, de alunos escreveram páginas de diários e cartas, imaginando-
se imaginarem vivendo na França do século XVIII. -se nos momentos traumáticos da França revolucionária.

Envolvidos pelas aulas sobre Revolução Francesa e o conheci- Temos variados relatos: de reis, nobres, burguesia, pobres que
mento adquirido pelo assunto, foram capazes de se “transporta- viviam em Paris, camponeses do interior da França, etc. Todos tendo
rem” para o passado. suas vidas marcadas pela violência e radicalismo da Revolução.

Para surpresa de todos, quando os textos foram compartilhados Como professora de história e orientadora deste projeto,
em sala, percebeu-se que cada um escolheu personagens diferentes. fiquei muito feliz com o resultado do presente trabalho, fruto da
Desta forma, os momentos traumáticos do processo revolucionário dedicação de todos os envolvidos.
ocorrido na França pôde ser percebido através dos mais diferentes
olhares. Foi então, que surgiu a ideia de unir todos os relatos em um A produção deste livro foi marcante para cada aluno, que se
só lugar. aprofundou no conhecimento do tema, através de pesquisas, tendo
também seu potencial cognitivo e criativo aguçado, e sem dúvidas,
Assim, nasceu o projeto, a partir daí foi iniciado o processo de es- tendo agora mais interesse pela escrita e leitura.
critas e reescritas dos textos, escolha de imagem, formato do livro, etc.
Contamos também com a colaboração da professora de português,
O livro Relatos e Memórias dá a oportunidade ao leitor de conhe- Valquíria Garcia, que gentilmente se disponibilizou a fazer a revisão
cer os difíceis momentos vividos por diversos personagens: nobres, ortográfica do livro.
pobres camponeses, sofridos Sans culottes e até um rei apavorado
com os rumos da revolução. Portanto, ao ler este livro, o leitor poderá se emocionar, aventurar,
indignar e ter os mais diferentes sentimentos, além de aprender um
pouco mais sobre este importante período da história. Preparem-se
para conhecer a França Revolucionária, a partir do olhar dos seus
vários sujeitos históricos. Boa leitura!

Leila Oliveira Alves Miranda Silva

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Antes da TRISTEZA
TORMENTA e fome
PÁGINA DE UM DIÁRIO, ESCRITO
BEM ANTES DA REVOLUÇÃO
ABALAR A FRANÇA

Relato de Clara Leblanc,

A
uma jovem viúva
cordo e vou me trocar, francesa
peço a minha dama de (1769-1805)
companhia para pegar a
mais linda roupa, ela vem com
um dos meus vestidos, volumo-
so e bem longo, visto e calço meu
lindo salto alto e coloco um cha-

H
péu com laços, desço as escadas e oje fui novamente às ruas, mesmo com o grande risco de
vou fazer meu desjejum, em se- morrer. Tenho três filhos e não tenho o que dar de comer a
guida vou dar uma voltar no jar- eles, a clavícula e costelas do caçula ficam cada vez mais apa-
dim que era enorme. rentes e os meus outros dois filhos tentam pedir alimento na rua,
mas sempre voltam para casa de mãos vazias.
Depois de uma rotineira ma- Relato feito por Quézia Cartier,
nobre cortesã, filha de um rico
nhã, caminho até meu quarto conde da corte de Versalhes Meu marido morreu nas ruas, eu pude ver uma bala perfurando
para me arrumar, pois, após o seu peito e sendo pisoteado pelo povo e não pude fazer nada, desde
almoço haveria um grande chá então me culpo todos os dias. Crio meus filhos sem uma figura pa-
da tarde, com jogos de cartas, em um salão na residência de um im- terna, sozinha, não sei mais o que fazer, estou adoecendo de tanta
portante duque onde vários nobres estarariam presentes. preocupação.

Mais tarde, assisto a uma ótima e linda ópera, depois de tudo vol- O que a nobreza e o clero estão fazendo é uma atitude de extremo
to ao castelo e ceio meu belo jantar. egoísmo e falta de compaixão, pois nós, os camponeses, que culti-
vamos o seu alimento, quase não recebemos nada, além dos altíssi-
mos impostos que são cobrados de nós. Vivemos apenas de migalhas.
*Antes do processo revolucionário que
abalou a França, a nobreza cortesã vivia Sinto tanta falta do meu marido. Meu maior desejo é poder olhar
seus dias de glória, usufruindo de muitos para seu rosto novamente, só mais uma vez.
privilégios, enquanto os pobres tinham
necessidade do básico.

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não comeu direito a sopa que eu


Relatos sobre fiz com alguns legumes que so-
braram, agora ela está dormin-

O CAOS
do, vou aproveitar também para
dormir.

Terceira Carta

Outubro de 1789
Está acontecendo uma gran-
Relato feito por Beatrys
Lacerda. Moradora da região de marcha das mulhers, estou
de Versalhes (Nascida em participando. Avançamos mui-
1759 - faleceu em 1789) to, estamos nos aproximando
do palácio, muitos da nobreza e
do clero já morreram em vários
lugares. Outras pessoas se jun-
taram a nós, me machuquei um
pouco. Hoje eu vou para mais
Primeira Carta gos, parentes, até meu pai e o pai perto do castelo, tentarei não ser pisoteada pela multidão. Muitos já
das crianças, cuido delas sozi- estão loucos e eu estou tentando ser forte para aguentar tudo, mas
Março de 1789 nha. Comecei a ir para as ruas em não é nada fácil, tudo isso esgota o nosso psicológico.

S
empre ao acordar já me busca de justiça, sempre deixo Sinto que vou ser atropelada pelas pessoas, por mais que tenha
lembro da situação que meus filhos com uma prima mi- sido difícil, consegui chegar muito perto do castelo, mas para meu
estamos. Nada está fácil! nha que não quer vir para as ruas horror levei um tiro, tudo começou a embaçar, veio a minha mente
Cada dia que passa mais caos por medo, eu a entendo. várias lembranças da minha família, como era minha vida antes dis-
têm. Há uns dias o preço do pão so, tudo acabou e hoje cheguei a meu fim. Que meus filhos consigam
aumentou, as colheitas estão seguir suas vidas, terem suas próprias famílias e lembrarem de seus
ruins, não há alimentos para pais.
quase ninguém. Todos tentamos Segunda Carta
sustentar nossas famílias, mas
está cada vez mais difícil. Eu Julho de 1789 A Marcha das Mulheres sobre Versalhes, foi um dos principais eventos do
deixei de me alimentar para Hoje não consegui ir para as início da Revolução Francesa em 1789. No dia 5 de outubro daquele ano,
dar mais comida aos meus ruas, minha filha ficou doente, enquanto caçava animais em um bosque na comuna francesa próxima
filhos, eles são tão inocentes tive que cuidar dela, pois ela es- de Meudon, o então rei Luís XVI foi noticiado que uma multidão de
e frágeis para esse mundo, tava muito fraca, dói muito meu mulheres feirantes estava indo em direção ao palácio real, cujo objetivo
era exigir farinha e/ou trigo dos soberanos, assim como algumas
ainda não entendem o que está coração quando meus filhos es-
mudanças constitucionais ofertadas pela Assembleia Nacional.
acontecendo. tão doentes, tenho medo de ser
algo sério, são meus únicos bens,
Agora com essa “revolução” dei remédios e chás caseiros para
muitos já morreram, meus ami- ela. Ela melhorou um pouco, mas

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Dias Acabei me unindo àque-


la grande marcha. Alguém me
deu um chapéu vermelho*,

INESQUECÍVEIS todos gritavam bravamente:


‘’Viva la revolución, viva la re-
volución! liberte, igualité, fra-
ternité!’’ Quando me dei con-
ta, já estava no meio daquele
Relato feito por Arthur tumulto, gritando como eles.
Olivier, um pai, vivendo Houve uma confusão muito
os inesquecíveis gande, os soldados, fiéis ao rei,
dias da Revolução
Francesa. (1744 – 1789) vieram ao nosso encontro, lu-
tei bravamente contra alguns
deles e por pouco não morri.
Voltei para casa, minha esposa estava preocupada comigo. Acalmei-
02 de julho de 1789

A
-a dizendo que estava tudo bem, comi um pedaço de pão e fui dormir.
cordei com o cantar do
galo, joguei um pouco de 14 de Julho de 1789
água no rosto e fui para Acordei com barulhos na rua, era outra marcha. Coloquei meu
nossa pequena sala de jantar, chapéu vermelho, peguei meu rastelo, despedi-me da minha esposa
vi minha família comendo pão e filhos. Fui para o protesto. Nesse dia, nosso alvo era a Bastilha, uma
e água. Fiz carinho no meu prisão muito bem protegida, mas com certeza, não era impenetrável.
fiel cão, Louis, que, mesmo
um pouco magro parecia feliz. Conseguimos invadir a Bastilha. Celebramos muito, mas ainda
Fui trabalhar, meu trabalho não é o bastante, estamos planejando ir até Versalhes, ao castelo.
é exaustivo. Ao fim do dia, quando voltei para casa, estava muito Nosso desejo: prender o rei, e fazer ele pagar por todo mal que fez
cansado. Ao chegar, juntei-me a minha família no jantar, observei ao povo.
que menos pães estavam sobre a mesa, perguntei o porquê daquilo, a
resposta da minha esposa é que o preço do pão havia aumentado muito,
fiquei meio decepcionado, mas estava tão exausto que logo fui dormir.
Acordei de forma abrupta no meio da noite, pois escutei barulhos *Em 14 de julho de 1789, as ruas de Paris se encheram de pessoas dos mais
vindo das ruas, imaginei que eram pessoas lutando e brigando, variados grupos sociais pertencentes ao Terceiro Estado (camponeses,
talvez embriagadas. Fiquei um pouco assustado, mas voltei a dormir. burgueses, pequenos lojistas, artesãos, etc.). Munidas com as armas
que tinham (muitas vezes, meros instrumentos de trabalho), a multidão
13 de julho de 1789 enfurecida conseguiu invadir a antiga prisão, conhecida como Bastilha.
Foi um dia marcante, pois a população enfrentou inúmeros soldados e
Acordei com a luz do sol batendo em meu rosto. Escutei alguém
conseguiu tomar esta fortaleza que era o grande símbolo da tirania real.
batendo na porta, era meu vizinho Jaques. Ele me chamou para a
*O chapéu vermelho mencionado no texto é o Barrete frígio, também
marcha. “Que marcha?’’ perguntei. Ele me explicou que havia uma
conhecido como chapéu de liberdade. Foi adotado pelos republicanos
multidão indignada com os privilégios e regalias da nobreza e do alto franceses que lutaram pela tomada da Bastilha em 1789, que culminou
clero, muitas pessoas estavam indo para um grande protesto. Ele com a instalação da primeira república francesa em 1793. Por essa razão,
disse também que vários dos nossos vizinhos estavam indo. Decidi tornou-se um forte símbolo do regime republicano.
me juntar a eles.

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Em busca Caos e
DE ALIMENTO
Relato feito por Eduarda Vaux
VIOLÊNCIA Relato feito no dia 10 de julho de 1789
(1771-1803) pelo camponês Gabriel Domenique

H
(1742– 1790)
oje dia 05 de abril de- Nosso estoque de comida já

M
cidi sair da minha casa acabou, minha mãe e meu pai, ais um dia de caos na França, nosso país tornou-se um lu-
em busca de alimentos como são idosos, não aguentarão gar cheio de conflitos, há brigas por tudo. Há uma grande
para mim e minha família, te- ficar mais um dia sem comer, on- crise, eu como camponês, vivo trabalhando no campo para
nho 18 anos, moro com minha tem mesmo brigamos porque falei dar luxo aos ricos.
mãe de 62 anos e com meu pai de que iria hoje para a cidade. Como
65 anos, tinha uma Irmã mais minha irmã morreu tentando fa- Estou praticamente sem ter nada para beber e comer, minha úni-
velha, de 32 anos, mas ela mor- zer o que eu quero fazer, minha ca opção é ir para as ruas da França atrás de uma vida melhor.
reu quando eu tinha 12 anos. Ela mãe não gostou muito, mas ela
decidiu sair de casa em busca sabe que precisamos disso. O tempo vai passando e parece que tudo só piora, pois há grande
de alimentos, quando os guar- medo entre todos. A violência está maior a cada dia.
das da nobreza a mataram, eu Meu pai trabalhou muito no
e meus pais passamos dias sem campo, e este trabalho foi mais
comer por conta disso. Fica- para sustentar a nobreza do que
mos muito chateados, mas de- a nós mesmos, agora eu preciso
cidi, que por mais perigoso que lutar pelo meu direito de comer
seja, tenho que ir atrás de ali- e sair na cidade sem medo de al-
mentos para nos sustentarmos. gum guarda idiota me ameaçar.
Espero que eu consiga terminar
Há muita violência na cidade, esse diário, mas caso não consi-
quando os guardas encontram ga, quero dizer: mãe e pai amo
algum camponês nas ruas, já muito vocês e não poderia ter
acham que fazem parte do grupo morrido sem ao menos tentar
de revoltosos. Muitos têm mor- ajudar a nossa família. Eu amo
rido, mesmo sendo inocentes. vocês, até algum dia, eu acho!

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Cartas de
UM PAI PARA
SEU FILHO
REGISTRO DE UM PAI
PARA QUE SEU FILHO NO
FUTURO SOUBESSE O QUE
REALMENTE OCORREU NOS
DIAS TURBULENTOS DE SEU
NASCIMENTO

Terceira carta Algumas pessoas tentavam


me abraçar ou falar comigo, eu
Relato feito por
Enquanto voltava do não as ouvia, naquele momento
Adriano Pietro
( 1765-1792) trabalho, vi um alvoroço na estava no fundo do poço.
frente da minha casa, soltei
minhas ferramentas ali mesmo, Enquanto falavam comigo,
Primeira carta Segunda Carta corri para ver o que estava tentando me acalmar, levei o
acontecendo. corpo da minha amada para

L
es salutations Bernard, Há gente protestando em dentro de casa. Você estava
quem fala é seu pai todos os lugares, desde vilas a Algumas mulheres quando enrolado em um paninho
Adriano, a situação por cidades, invadindo até edifícios me viram, foram me abraçar, não branco, escondido em um cesto
aqui está muito complicada e importantes. Estava com muito entendi o que tinha acontecido, de palhas, eu gritava o nome
parece que vai piorar ainda mais, medo, sua mãe, Ágatha Martins, começaram a me levar enquanto da sua mãe, esperando algo em
ouvi alguns boatos sobre novo estava prestes a ter você e evitava aquela multidão abria o troca e nada!
aumento do preço do pão, o povo locais com confusões e brigas. caminho, foi quando eu vi minha
está indignado e eu também . Estou orando muito a Deus para esposa, MORTA. Minha esposa De repente, ouvi uns barulhos
proteger minha família. estava morta na minha frente! A de tiro, as pessoas que estavam
O Rei está profundamente minha reação foi me ajoelhar no aglomeradas, próximas a
louco, enquanto trabalhamos chão e começar a gritar muito. minha casa, rapidamente foram
que nem jumentos, esses nobres embora.
estão em festas e bebedeiras. Era indescrítivel a dor que
sentia, chamava o nome dela Bateram na minha porta de
várias vezes e simplesmente ela forma agressiva, rapidamente
não me respondia. peguei você, meu filho. O meu

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fora e comecei a gritar,


dizendo: “Vocês vão Diário da
MINHA MÃE
deixar eles assassinarem
mais e mais pessoas?
Vamos deixar de ser
medrosos e vamos para
batalha”! Começaram a
gritar.

Mas naquele exato


Relato feito pela menina
momento, por mais dor e francesa Sofia Medeiros
raiva que sentia por per-
der sua mãe, percebi que Sofia (1790 a 1868)
Mãe de Sofia (1769-1793)
o mais sensato era pegar
nossas coisas e fugir dali
antes que percebessem
instinto falou para apenas fugir, que um dos soldados havia desa-

E
mas aquela raiva que eu estava parecido. Precisava te proteger. u sou uma simples
sentindo, de alguma forma me menina, de uma família
deixou mais forte. Um homem muito pobre, meu nome é
arrebentou a porta da casa Última Carta Sofia Medeiros. E tudo começou
e apontou a arma pra mim, com a minha mãe me deixando
simplesmente começou a me Dizem que existem cinco aos cuidados da minha tia, mas claro, eu era só uma criança, não
xingar. Bem baixinho cochichei: estágios do luto: negação, tinha noção das coisas que estavam por vir.
raiva, negociação, depressão
-Covarde! e aceitação, mas gostaria de Eu estava procurando algumas coisas antigas da família, por
acrescentar mais um: curiosidade, lá encontrei o diário da mamãe, a minha tia disse que
-Fale alto! Odeio quem foi a única coisa que sobrou dos meus pais. Não entendi o porquê das
resmunga- Esbravejou o soldado. VINGANÇA! datas do diário serem do mesmo ano em que fui deixada com minha
Ele se preparou pra atirar, tia, mas agora, depois de ler o que estava nele, compreendo o amor
rapidamente me agachei, peguei Amanhã te deixarei no abrigo da minha mãe.
uma foice que estava no chão, onde está sua tia Margaret, vou
quando me viu no chão acabou protestar nas ruas da França, não No diário dizia:
sem querer atirando no própio sei se voltarei pra te ver, porém
pé, peguei ele pelo colarinho, e saiba que eu te amo. Bernard só “Meu diário, hoje o dia já começa sendo um tormento. Tinha
apenas falei: me prometa uma coisa, sempre começado um alvoroço na frente de casa, Ricardo (meu marido) foi ver
leve esta frase consigo: o que estava acontecendo, nada mais era do que um grupo de pessoas
-Quem é que está resmun- manifestando nas ruas, todos revoltados pelo impagável preço do pão. E,
gando agora? Liberté, Egalité, Fraternité. para ser sincera, não sei o que esperar dos dias que virão, acredito que,
deste dia em diante, as coisas vão piorar muito.”
Matei ele ali mesmo. Fui para
****

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“Meu diário, vou tentar não deixar de te falar absolutamente nenhum


detalhe, tentarei registrar tudo. Hoje de manhã fui ver minha vizinha,
ela simplesmente me disse o que estava acontecendo, alguns rumores de
O relato de uma
uma grande revolta.

Fiquei simplesmente em choque, passaram-se mais alguns dias, ela


SANS-CULOTTES*
gritando, me chamou em pânico e falou: ‘A cabeça do rei será cortada,
juntamente com qualquer outro que quiser impedir.’ Simplesmente não
acreditei em suas palavras, pois parecia algo impossível de ocorrer”.
Sara Letícia Laurent -
**** moradora de um dos
bairros pobres de Paris
(1768 -1798)
“Quando eu menos esperava, Ricardo chegou a mim e disse: ‘A comida
já está acabando, já vendemos tudo o que tínhamos’. E o que você quer
que eu faça? Perguntei. Ele simplesmente olhou pra mim e repetiu o que a
minha vizinha tinha me dito: ‘Estamos vivendo dias perigosos e difíceis,
a cabeça do rei será cortada, juntamente com qualquer outro que quiser
impedir’, e completou: ‘Leve Sofia pra sua irmã, ela cuidará da nossa 15 de novembro de 1788
pequena.’ Três dias depois de deixar minha pequena Sofia na minha Mais um dia começa na França no século XVIII.

H
irmã, olhei pela janela, vi todo tipo de gente, com boinas vermelhas e
bandeiras, gritando muito alto, fiquei confusa, Ricardo não estava em oje fui começar a trabalhar como aprendiz de artesão,
casa, entrei em desespero. infelizmente vivo na França, um lugar onde tem tanta
fome e miséria, não conseguimos comprar um só pão, pois
Quando menos esperava, escutei tiros das armas dos soldados, pensei: o o preço aumenta sempre, apesar de estarmos passando fome,
que está acontecendo?! Quando minha vizinha entrou na minha casa com temos que pagar ainda altos impostos cobrados pelo governo.
outras mulheres e disse: ‘Eu estava certa! Está acontecendo!’ Exclamou
bem alto. E ainda completou: ‘Pegue as facas que você tiver aí, podemos Hoje no caminho para o trabalho, vi famílias sendo humilhadas e
precisar nos defender.’ Me juntei a elas. Com toda esta violência é um filhos sendo separados de seus pais.
milagre eu ainda não ter morrido e não sei de mais nada: quem está certo,
quem está errado, não sei mais o que pensar em meio a tanta violência. Enquanto nós nos esforçamos para ganhar um dinheiro para pôr
pelo menos um pão na mesa, o governo simplesmente nos cobra
A única coisa que sei é que eu não voltarei pra ver você minha querida muitas taxas, pega nossos impostos, simplesmente para sustentar
irmã e minha pequena Sofia. Agora minha filha, a única coisa que digo: A o luxo da nobreza .
cabeça do rei realmente será cortada!*

* A execução do rei Luís XVI *Os Sans-culottes eram trabalhadores urbanos, pequenos comerciantes
aconteceu em 21 de janeiro ou mesmo desempregados. Durante a Revolução, passaram também a
de 1793, às 10h20m, em Paris. serem referidos aos grupos políticos mais radicais, constituindo a base de
apoio dos políticos populares.

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Uma carta de
PROCLAMAÇÃO
E DESPEDIDA
Sara Letícia Laurent - moradora de um dos bairros pobres de Paris,
participante da tomada da Bastilha*
(1768 -1798)

S
e algum dia alguém achar essa carta, por favor, mostre a quantas
pessoas puderem. Moro na França e as coisas aqui não estão
fáceis. Há morte para todo lado, talvez eu seja a próxima... mas,
por enquanto ainda estou aqui e estou aproveitando para registrar
sobre o que está acontecendo.

Primeiramente, tenho que ser rápida, meu povo não está *A Bastilha era um fortaleza medieval, usada como prisão. Era
aguentando mais essa injustiça, então decidimos invadir a Bastilha. considerada um dos grandes símbolos do poder do rei. No dia 14 de
Não vou sozinha, alguns camponeses estão vindo juntos e outros julho de 1789, revolucionários procurando tomar posse do estoque de
pólvora e armas, libertaram os prisioneiros e invadiram a prise de la
moradores da cidade também. Nosso objetivo é invadir e libertar as
Bastille (a prisão da Bastilha).
pessoas que estão lá dentro, pois foram presas injustamente, sem
um julgamento sequer. Temos que acabar com tudo isso que está
acontecendo.

Como na Bastilha tem muitas armas, pegaremos para nos ajudar


e gritaremos para toda a cidade ouvir, proclamaremos a todos os
cantos da França : “AS COISAS NÃO PODEM CONTINUAR ASSIM!”

Nossa invasão está proclamada para o dia 14 de julho de 1789,


espero que meu grupo, os Sans-culottes, estejam preparados para
formar uma multidão no meio das ruas e espero também que nossa
invasão não seja em vão.

Se você estiver lendo isso, saiba de uma coisa: não tenhas medo,
todos precisam ter liberdade.

Liberdade, igualdade e fraternidade, esse é o nosso lema e estará


sempre em nossos corações e mesmo que muitos de nós sejamos
mortos, outros se levantarão. Não vamos desistir!

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A mãe da criança, em meio às lágrimas, pedia para para-


rem de bater em seu marido. A criança, chorando, disse com
uma voz doce e sofrida:

- Por favor parem de bater no meu pai, ele não fez mal a
ninguém!

Mas não a ouviram e aquela criança mesmo pequena, na-


quele momento, entendeu que sua vida não seria mais a mes-
ma. Que cena horríve! A criança ver seu pai sendo espancado,
todo ensanguentado, porém o pior momento foi presenciar
aqueles guardas cruéis colocarem o pobre homem, já prati-
camente desfalecido, de joelho e sem nenhuma piedade atira-
rem na cabeça dele bem na frente da esposa e da sua pequena
filha. A mãe foi arrastada para fora da casa e levada para uma
carroça. A mulher não tinha mais forças para reagir e mesmo
se tivesse, qualquer coisa que fizesse só a levaria a morte mais
rápido. A criança chorando muito, disse alto:
A dor que -Mamãe! Mamãe! Não me deixe.

FORTALECE A mulher buscando as últimas forças que lhes restava, dis-


se a menina:

- Filha, eu e seu pai te amamos muito, te amaremos para


sempre. Agora me escute: seja forte e sobreviva. Tenha cora-
gem, fuja, se esconda! Faça o que for preciso, mas viva!

A
s ruas de Paris estão um caos, desespero, gritos e execuções
todos os dias. Hoje é um dia como os outros, ruas Inexplicável a dor daquela mãe, que sabia que sua filha fi-
completamente cheias de gente desesperada. Vejo sempre caria sozinha, que não poderia ajudá-la!
pessoas sendo levadas, arrancadas de suas casas como se fossem
más, assassinas ou tivessem roubado algo. Ouvi muitos gritos que A criança ainda era muito nova para entender tudo que
me assombravam todos os dias. estava acontecendo, quando a carroça começou a se mover
levando sua mãe e os demais prisioneiros, ela não se escon-
Mas neste dia, em especial, algo terrível aconteceu. Guardas en- deu como a mãe havia pedido, ao contrário, saiu corren-
traram em uma casa, um pai e uma mãe, em profundo desespero,, do atrás da carroça. Logo a diante, a carroça parou em uma pra-
sendo levados. Eles imploravam para não fazerem nem um mal a ça, onde havia incontáveis pessoas. Tiraram sua mãe e os outros,
sua pequena filha. O pai da criança, totalmente conturbado, bateu e os fizeram passar em meio àquela multidão que gritava palavras
no rosto de um daqueles guardas para tentar ficar perto de sua filha de ordem, pessoas raivosas, sedentas de ver mais e mais sangue.
e protegê-la, mas quando isto aconteceu, os soldados jogaram o A criança em meio à multidão tentava chegar mais próximo ao lo-
pobre homem no chão que foi duramente espancado. cal, onde tinham levado sua mãe. Era um local de execução. Várias

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cabeças já haviam sido cortadas


na guilhotina, uma verdadeira A nobreza
EM VERSALHES
cena de terror. E a menina apa-
vorada via tudo aquilo e só dizia:
“Não! Não”!

Relato feito pela


A mãe da criança, conse- duquesa Gabriella
guiu vê -la, sabia que não havia Chaput, nobre da
mais nada a fazer e não queria corte de Versalhes
1760-1815
demonstrar desespero para sua
filha, então sorriu suavemente

E
para ela, uma lágrima rolou no
seu rosto, havia lágrimas também no rosto da criança. Esta foi m um belo dia de sol eu
a última vez que viu sua mãe. olhava pela janela do lindo
e belo Palácio de Versalhes,
A menina saiu andando pela ruas, sem rumo, entrou em o maravilhoso jardim deste
algumas ruelas que estavam vazias, ficou pensando em tudo palácio é repleto de plantas,
o que a mãe havia lhe dito. Voltou para casa e viu o corpo do flores de todos os tipos, fico um
seu pai jogado no chão. Pegou um pano molhado, se ajoelhou tempo observando aquilo de uma
e limpou amavelmente o rosto ensanguentado de seu pai, e forma que meus olhos castanhos
disse: brilham com tanta beleza ali
envolvida. Logo em seguida, saio
-Querido papai, eu juro que vou ser forte e vou sobreviver! dos meus aposentos com um Com esta grande revolução
belo vestido luxuoso e pomposo ocorrendo nas ruas da França,
Levantou-se, cobriu o corpo e ateou fogo nele. Saiu e ao de tom púrpura, junto com o com certeza, algumas coisas
longe viu sua casa em chamas. Não parecia mais ser aquela lilás e detalhes minuciosos em mudarão, seii que sou privile-
frágil menina de outrora. Buscando forças, com firmeza, dis- preto, indo direto ao salão onde giada por ser da nobreza, por ser
se: “Vou seguir em frente! Vou sobreviver”. estariam servindo um delicioso e uma duquesa e nascer em uma
rico café da manhã. família de destaque, mas não
E assim eu fiz, pois aquela menina sou eu. existem só pessoas como eu, sei
Depois fui visitar algumas que vários súditos estão sofren-
propriedades, pois eu já era dona do, principalmente por causa do
de algumas terras e queria ver preço do pão que está aumen-
Esta história está inserida no contexto da Revolução Francesa, mais algumas, pois meu mari- tando de forma absurda.
especificamente no período mais radical, conhecido como do tem um cargo importante no
“Período do terror”, onde jacobinos, grupo da esquerda política, governo e eu sou de uma famí- Esses súditos estão indo às
governavam o país. Foi um momento marcado pela perseguição lia nobre importante, sou des- ruas de Paris protestar, muitos
religiosa e política, guerras civis e execuções na guilhotina. cendente dos que participavam são burgueses ricos, outros são
Em 17 de setembro de 1793, os jacobinos aprovaram a Lei dos suspeitos. das cruzadas, não preciso pagar simples camponeses. Todo tipo
Esta lei permitia deter qualquer cidadão, homem ou mulher, que fosse impostos, mas do jeito que tudo de gente reclamando e se indig-
suspeito de conspirar contra o governo revolucionário. está indo, acho que vamos per- nando, o rei não faz nada. Temo
der nossa influência política. que isto não vá acabar bem.

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Esquecer Um rei
JAMAIS! EM DESESPERO Rei Marcos V*(1754 - 1793)

A
Relato feito pela camponesa Angéle cordo e minha primeira preocupação já vem: que roupa e
que acabou morrendo no dia 14 peruca usar hoje. Meus servos já estão apostos, logo trazem
de julho de 1789, ao participar dos
protestos nas ruas de Paris. Sua carta uma roupa muito elegante, com certeza, a mais elegante
ficou conhecida ao ser encontrada e de toda França. Meu desjejum foi maravilhoso, ao passear pelos
publicada, anos mais tarde, em um aposentos do palácio, percebo que algo estranho está acontecendo.
famoso jornal francês .
Ouço muitas vozes, que ferozes gritam: “Vive la révolution.” Sabia
que a situação era muito grave, mas nunca imaginei que o povo fosse
ter a audácia de querer invadir o castelo.

Todos os pobres da França já es- Estranhamente me vem um pensamento repentino: não tive a
tavam revoltados com o descaso

M
oportunidade de ler o livro “O Príncipe” de Nicolau Maquiavel. Pelo
e chamo Angéle, da nobreza. que já ouvi falar sobre esta obra, se tivesse lido, provavelmente po-
sou uma das muitas deria ter salvo meu reinado.
camponesas que Para sobreviver a esta gran-
tentam sobreviver na França, de crise, tivemos que vender Foi certo ter aumentado tanto os impostos, o preço do pão? Mas
Me juntei aos jacobinos, fui para os poucos bens que tínhamos. precisávamos de recursos. Agora não adianta mais pensar nisto, mi-
as ruas exigir nossos direitos, Sofremos com a falta de vários nha vida corre perigo e a última gota de esperança que me resta está
pedia principalmente pelo fim de produtos, principalmente de co- sendo depositada em alto mar, por lá, é onde meu filho primogênito
alguns impostos, pois eles nos mida, mas isso tinha que ter fim. está e com ele se vai minha honra e legado. A partir deste momento,
deixam sem nada. declaro que fui um rei fraco e inseguro.
Começou uma grande revol-
Perdi meus dois filhos: Joa- ta, muitas pessoas pereceram
na e Leroy, eles também esta- e ainda continuam morrendo.
vam tentando sobreviver, mas Muito sofrimento, sangue, gri-
infelizmente não conseguiram. tos e muitas coisas horríveis de
se ver.
Eu e minha família traba-
lhamos muito e recebemos mi- Escrevi algumas cartas onde
galhas que mal dá para nos ali- registrei o que está acontecendo.
mentar. Espero que um dia essa história
seja contada a várias pessoas,
Muitos me acham forte, pois para que nunca se esqueçam dos
viver em uma crise como essa e que sofreram e lutaram pela li-
perder os filhos nela, não é fácil. berdade.

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Tentativa
DE RESGATE

H
oje, após minha chegada em
Amsterdam, recebo uma carta
do meu pai. O mensageiro,
que secretamente me entregou a
carta, informou que o local usado para
escrever esta carta foi invadido e meu
pai foi capturado.

Após a leitura, não me contive, co-


mecei a chorar achando que ele iria
Na verdade, não sei bem o que houve, pois sempre pensei que era morrer, então com ódio e não racio-
amado pelo povo francês, porém algo aconteceu e hoje sou odia- cinando direito, decidi voltar para
do, se não fosse esses revoltosos jacobinos, com certeza teriam França, invadir a prisão e tentar sal-
outros que dariam um golpe de estado e me destituiriam do poder. var meu pai. Convoquei alguns sú-
ditos que ainda permaneciam leais e
Apesar de não ter lido o livro “O Príncipe”*, já ouvi falar muito embarcamos nesta perigosa missão.
dele. Uma das coisas que já ouvi, e agora me certifico ser verda-
de é que: “Melhor ser temido do que amado”! Este povo que me Ao pôr do sol, com um plano não
amava, hoje me odeia, não tem mais medo de mim. Estou prestes muito elaborado, fomos tentar resga-
a perecer.* tar meu pai, quando chegamos, parecia
que sabiam que iríamos para lá, esta-
vam alertas, escondidos, nos esperan-

*O rei Marcos V, é uma tipificação do rei Luís XVI, rei da França, que foi
preso, julgado e decapitado pelos revolucionários em 21 de janeiro de
O personagem João Luis de Boubon, representa o segundo filho de Luís
1793.
Augusto de Bourbon, o rei Luis XVI. O nome verdadeiro deste filho era:
Luis Carlos de Bourbon.
Em 1795, após a execução do rei Luis XVI, Luis Carlos morreu com
apenas 10 anos de idade, por problemas de saúde relacionados às
*O Príncipe é um livro escrito por Nicolau Maquiavel em 1513, é um brutais condições da prisão.
manual político, cheio de conselhos para ajudar os governantes a se O primeiro filho do rei morreu aos sete anos, provavelmete vítima de
manterem no poder. tuberculose.

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Escola Pequeno Aprendiz RELATOS E MEMÓRIAS

do. Acredito que fomos delatados por um destes súditos que apenas
fingiu lealdade.

Me apanharam de surpresa, só dei conta quando senti uma dor


aguda na barriga, percebendo assim, que uma espada a atravessava.
Após isto, não me lembro de quase nada, só de cair para trás e acor-
dar dentro desta cela. Achei que ia morrer quando fui atingido, mas
estou vivo, porém, agonizando de dor dentro desta masmorra.

Graças ao meu ódio e estupidez agora estou preso, sem honra,


sem a minha vida e a do meu pai, pois a nós, com certeza, só nos
resta a execução na guilhotina.

Um general,
UMA MISSÃO
Janeiro de 1789

E
u sou Tiago Rousseau, sou um general, este trabalho
exige muita dedicação, pois o rei, o soberano da França
confiou a mim sua segurança.

Faz um ano que meu pai, Jean Rosseau morreu. Ando meio
triste e solitário, a França está à beira da falência. Dias atrás,
pedi ao rei Marcos V, liberação de verbas para fortalecer o
exército, mas ele se negou a gastar um pingo de dinheiro, nem
uma moeda de prata sequer.

Está faltando recursos básicos até para os soldados come-


rem. Estou tendo que retirar do meu salário para ajudá-los.
Isto não é nada bom, nem pra mim, nem para os soldados,
nem para o rei, que pode perder a lealdade dos seus soldados
a qualquer momento.

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PLANO MEDO
OUSADO
Junho de 1791
Janeiro de 1789 A cidade está lotada de revoltosos, tivemos muitos homens
Vi homens andando pelas ruas com bandeiras vermelha, mortos. Esses revolucionários têm apoio de gente rica, pode-
branca e azul. Achei estranho. Perguntei para um desses ho- rosos burgueses, pessoas com alto poder aquisitivo.
mens o que significava isso. Eles se recusaram a dizer. Então,
cheguei a agredir fortemente um destes homens e assim fiquei Hoje, ao amanhecer, eu e alguns dos meus soldados está-
sabendo que se tratava de uma grande revolta dos Sans culot- vamos perto do castelo fazendo a proteção do local, para que
tes que para mim, era a escória da humanidade, um monte de o rei, sua família e os nobres que vivem neste local ficassem
mendigos juntos. em segurança. De repente, um tiroteio sem fim. Me vi numa
situação de medo, uma coisa que eu não estava acostumado a
Neste dia, fui ver meus cavalos, um estava doente, mandei sentir, logo eu, um general de guerra renomado e experiente.
tratá-lo logo, pois, precisava dele. Neste dia, montei em um
dos meus lindos cavalos, um alazão de cor branca como neve, Para não ser derrotado fiz um plano ousado,, mas que po-
o meu melhor cavalo. deria dar certo. Primeiro, nós forçaríamos estes revoltosos a
entrarem no castelo sem que o rei estivesse nele, logo com
Fui ver o que estava acontecendo na cidade, pois logo eles presos dentro do castelo, abateríamos todos.
cedo, recebi muitas cartas sobre os últimos ocorridos. Logo
me espantei, pois vi muitos civis armados, não com ar- Assim fizemos e conseguimos eliminar muitos revoltosos.
mas normais de gente pobre e sim com armas de fogo, al- Cada soldado matou bravamente
tamente letais. Logo me perguntei: como eles conseguiram uma média de três revolucionários.
aquelas armas desse porte? Parei em uma O problema é que são como ratos,
esquina e ouvi um plano de invadir a Basti- uma peste, impossível acabar com
lha*. Era um plano ousado. Pensei: Impos- todos. Quando achávamos que tí-
sível invadirem aquela fortaleza, mas senti nhamos matado todos, surgiam
que deveria levar a sério o que eu ouvia, mes- mais e mais. Praticamente impos-
mo sabendo que a Bastilha era impenetrável. sível! As munições acabaram, não
tínhamos como atacar, nem nos de-
Terminei de ouvir tudo e fui para casa, me fender. O único jeito foi sacrificar os
deitei em minha cama confortável, mas não soldados, lutando corpo a corpo com
consegui dormir, pensei em muitas coisas, in- os revolucionários. Alguns, poucos
clusive no aumento do preço do pão, uma coi- de nós, soldados do rei, sobrevive-
sa inaceitável, até eu, um general que ganho mos, uns fugiram, outros se escon-
muito mais que a maioria dos franceses, estou deram.
tendo problemas para obter mantimentos para
meus soldados e para mim.

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A FUGA A EXECUÇÃO
Tentei salvar o rei, conseguimos uma carruagem e saímos Logo, ele foi executado, uma cena horrível! Foi decapita-
às pressas do castelo, ao sair, vimos ao longe, próximo ao do numa guilhotina. Tanto sangue! Não qualquer sangue, mas
lago, muitos cavalos, mas não eram cavalos dos nossos solda- sangue real. Eu estava totalmente perplexo com aquela cena e
dos, eram dos revolucionários, estavam pintados de sangue. esqueci de ficar alerta, logo dois homens me seguraram. Não
acreditei! Fui reconhecido. Esses homens eram fortes, me de-
Em certa altura, percebi que os revolucionários nos des- sarmaram, consegui me desvencilhar deles e correr, mas fui
cobriram e estavam nos alcançando, mandei o condutor da fechado pela multidão. Fui pego e levado para o mesmo local
carruagem ir mais rápido, enquanto eu ia atirando nos re- do rei. E novamente voltei a refletir: como pode? Um general
volucionários. Matei sete deles, pensei que estava livre. renomado entre a população, um homem que serviu em inú-
Logo mais à frente, saindo do país, fomos alcançados, con- meras guerras, sendo julgado como um camponês, como um
segui fugir e me disfarçar na multidão perto da fronteira. súdito comum? Em que situação chegou este país! Não conse-
O rei não teve a mesma sorte, tentou se disfarçar, mas foi gui me conter, gritei: seus ratos imundos!
descoberto. Estava acabado, só Deus para lhe ajudar agora!
Janeiro de 1793 Um dos homens me atacou, me feriu e comecei a sangrar
muito. Mas isso não importava, eu ia morrer e ninguém ia
Fiquei escondido por dias, às vezes, passando dia e noi- fazer nada. Deitaram-me na guilhotina sem nem ao menos
te no mato, às vezes me escondendo em vilarejos. Consegui passar por um julgamento. Logo vi a lâmina vindo, não senti
roubar um cavalo e voltei até a cidade, fui até minha casa, es- nada... foi tão rápido, vi meu corpo ficando leve... fim.
tava faminto, peguei um pão mofado
e uma pistola que mantinha escon-
dida em casa. Coloquei em um saco e
fui em direção à praça, onde haviam
anunciado a execução do rei. A cena
que vi foi triste, algo que nunca podia
imaginar: um rei antes tão poderoso,
agora como um simples malfeitor,
totalmente humilhado.

Estava longe, não conseguia ouvir


o que ele dizia, mas acredito que ele
implorou para não morrer.

Não parava de pensar: como pode


um rei tão poderoso que controlava a
vida e a morte de todos seus súditos,
morrer como um cachorro, um mero
pobre?

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Escola Pequeno Aprendiz

Lembranças de
UM BURGUÊS
Relato de Jackes Filipe (1755-1830)

O
fim do século XVIII foi história da humanidade, pois
a época da Revolução trouxe direitos nunca imagina-
Francesa, assistimos o dos às pessoas que não eram da
fim do absolutismo no nosso nobreza e também liberdades in-
país. Na época em que tudo dividuais que tanto sonhávamos
ocorreu, eu era apenas um jovem antes. A partir da declaração dos
e rico comerciante. Um burguês, direitos do cidadão, estas con-
como diziam. quistas ficaram mais evidentes.

Hoje, já avançado em idade, Percebo que ganhamos mui-


olhando para trás, percebo que to com tudo que houve, mas
esta revolução teve um caráter quando lembro dos dias difíceis,
burguês, e claro um alto grau de também consigo entender, que o
radicalismo. Ninguém estava sa- que houve não foi bom para toda
tisfeito, ricos ou pobres. A nossa população, pois gerou crise po-
situação era precária, seja pela lítica, econômica e social, foram
fome ou pelos altos impostos. dias de muito insegurança.

Já passado anos dos aconte- Como membro da burguesia e


cimentos, consigo perceber, que hoje passado tantos anos depois
essa revolução foi um marco na do ocorrido, vejo que eu e ou-
tros burgueses ganhamos muito
com todo acontecido. Antes não
éramos nada na política, não tí-
nhamos nenhum privilégio ou
direito, havia uma desigualdade
extrema, comparando a nobreza
e os membros do terceiro estado.

Até hoje penso se tudo valeu a


pena, tantas mortes, mas tantos
ganhos tivemos. Vou deixar para
as futuras gerações julgarem se o
que houve foi bom ou ruim.

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Liberté
Egalité
Fraternité

E
ste é um pequeno livro elaborado pelos alunos do 8º ano, do tur-
no da tarde, ano 2022, da Escola Pequeno Aprendiz. Nele, os alu-
nos escreveram páginas de diários e cartas, imaginando-se nos
momentos traumáticos da França revolucionária.

Temos variados relatos: de reis, nobres, burguesia, pobres que viviam


em Paris, camponeses do interior da França, etc. Todos tendo suas vidas
marcadas pela violência e radicalismo da Revolução.

Como professora de história e orientadora deste projeto, fiquei


muito feliz com o resultado do presente trabalho, fruto da dedicação de
todos os envolvidos.

Portanto, ao ler este livro, o leitor poderá se emocionar, aventurar, indig-


nar e ter os mais diferentes sentimentos, além de aprender um pouco
mais sobre este importante período da história. Preparem-se para co-
nhecer a França Revolucionária, a partir do olhar dos seus vários sujei-
tos históricos. Boa leitura!

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