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Winston Churchill
INTRODUÇÃO
Para realizar tal feito, percorre-se não apenas a bibliografia supracitada, mas os
principais intérpretes das grandes guerras consagrados pela historiografia oficial
como os historiadores Richard Evans, Niall Ferguson, Ian Kershaw e outros. No
primeiro capítulo faz-se uma sucinta descrição dos principais eventos da Primeira
Guerra Mundial (bem como do importante pré-guerra), à luz da problemática aqui
levantada e tentando justificar a afirmação de Winston Churchill que, na verdade,
não foram duas guerras, mas um único grande conflito com um interstício
parcialmente pacífico e de atmosfera belicosa. No segundo capítulo empreende-
se a mesma tarefa, não sem antes tentar refutar as principais interpretações
correntes para a ocorrência da Segunda Guerra Mundial e para a ascensão do
nazismo. E, por fim, no terceiro capítulo debruça-se efetivamente sobre a
bibliografia crítica partidária da tese que aqui se observa e, de certa maneira,
divulga, analisando os fatos mencionados, a argumentação trazida e até onde a
hipótese se mostra realmente sólida e capaz de ser fundamentada pela ciência
histórica. Além disso, ao longo de todos os capítulos, busca-se sustentar as
afirmações também com a ajuda dos principais filósofos estudiosos do fenômeno
totalitário, a saber, Hannah Arendt e Eric Voegelin.
Vale notar aqui que este trabalho rema contra a narrativa — vastamente
predominante na academia — marxista de se contar a história[3]. Para o
marxismo clássico (em oposição ao que se pode chamar de “teoria crítica”, isto é,
a Escola de Frankfurt, por exemplo) o motor da História é o “conflito de classe”, ou
seja, os mais ricos e poderosos visando manter sua condição privilegiada em
detrimento dos mais fracos, pobres e oprimidos. Transferida essa chave de análise
para o contexto das guerras mundiais que aqui interessa (e que aparece na
maioria esmagadora dos livros didáticos), a principal explicação para a ocorrência
da Primeira Guerra Mundial (e, por corolário, da Segunda) é o crescimento
incontrolável dos interesses imperialistas das potências colonialistas europeias
(poderosos opressores) sobre as colônias alhures (pobres oprimidos). Enfatiza-se
que não se trata de negar a afirmativa marxista em absoluto, visto que se concebe
os interesses imperialistas das potências como um elemento explicativo para a
Guerra, mas não o único e, talvez, nem de longe o principal, como há muito
tempo faz-se crer (empreendimento este que pode ser feito tanto para a Primeira
como para a Segunda Guerra Mundial).
Por si só esse quadro seria mais que suficiente para causar a revolta geral,
contudo, os fatos foram, ainda, aproveitados pela malta e pelos líderes
bolcheviques para instalar sentimentos de ódio para com o família imperial e
angariar adeptos para a causa comunista, tanto que uma das promessas de
Vladimir Lenin (1870–924) caso obtivesse apoio (que jamais veio nas proporções
esperadas, ficando restrito aos centros e ao pequeno grupo “proletário” que havia
na Rússia na época) era a retirada do país do conflito. No final das contas, a
participação russa na guerra acabou servindo de peça de propaganda
antimonárquica por parte dos comunistas
Até que, em 17 de julho de 1918, todos os Romanov (o Czar Nicolau II, a Czarina
Alexandra, seus cinco filhos e outros que decidiram acompanha-los) são
assassinados por uma trupe comunista liderada por Yakov Yurovsky. Embora
especule-se se a ordem do assassinato tenha partido do próprio Lenin, não há
documentos oficiais que atestem a especulação.
O envolvimento russo com a guerra teve início devido aos já mencionados acordos
de proteção pré-existentes. A Rússia tinha um comprometimento com a Sérvia,
país que sediou o estopim da guerra, a saber, o assassinato do arquiduque do
Império Austro-húngaro Francisco Ferdinando. Com o assassinato, o Império
Austro-húngaro declara guerra à Sérvia, por sua vez, a Rússia se vê comprometida
a declarar guerra ao Império Austro-húngaro.
Após longo desgaste, a Revolução Bolchevique ganha cada vez mais força. Em
março de 1917 estabelece-se um governo moderado, porém, com o Czar já
excluído do poder. Em outubro do mesmo ano, os bolcheviques, desejosos de
chegar ao poder a qualquer custo, mesmo que por meios violentos, derrubam o
governo provisório, de natureza mais liberal, e tomam o poder para deixá-lo
apenas em 1991. Nesse mesmo outubro de 1917 é cumprida a “promessa de
campanha” de deixar a guerra e a Rússia abandona o conflito ainda não
encerrado.
Com isso, uma das figuras centrais desse estudo ainda não está no poder —
Joseph Stalin (1878–1953), mas é já durante o exercício de poder de Vladimir
Lenin que o novo desenho geopolítico para a Rússia, então União Soviética, na
Europa começar a ganhar contornos, o que terá consequências para quando então
Lenin deixar o poder após sua morte, Stalin assuma a governança soviética com
suas já conhecidas mãos de ferro e ponha em prática suas intenções imperialistas
de exercer domínio sobre todo o continente europeu.
Ainda nesse meio tempo e retornando ao bloco ocidental, Itália, Romênia e Grécia
adentram a guerra, do lado da Entente (eixo formado por Império Austro-húngaro
e Império Alemão, futuro “eixo do mal” na Segunda Guerra), ao passo que
Bulgária e Império Otomano aliam-se às potências centrais. O desenrolar da
primeira metade da guerra pode ser descrito assim.
A Grande Guerra não foi apenas uma tragédia humanitária, mas também
econômica. A maioria dos países estava com suas economias seriamente
comprometidas devido aos gastos com armamento, além do rescaldo de
destruição deixado para trás em muitas cidades (muitas pontes, estradas e
prédios a serem reconstruídos), que precisariam ser refeitas, a manutenção dos
hospitais que cuidavam dos feridos e o pagamento de pensões às viúvas ou
aposentadoria aos militares mutilados ou com problemas mentais (que eram em
grande número).
Tido como um dos melhores livros já escritos por diversos intelectuais, vale a
menção à obra “A Sagração da Primavera”, de Modris Eksteins, focado justamente
em como a Primeira Guerra Mundial moldou o destino do mundo no século XX.
Os EUA só se envolvem no conflito ao final dele, para virar a mesa e sair ao lado
dos vitoriosos (cena que se repetirá na Segunda Guerra Mundial). Enquanto o
conflito não o afetava, preferiu manter a perigosa retórica isolacionista e pacifista
(também repetida na Segunda Guerra Mundial, conferir Figura 3) no jogo público
e não se envolver numa disputa que parecia exclusivamente europeia.
A consolidação dos EUA enquanto potência global interessa para a pesquisa que
aqui se estabelece porque toda grande potência imperialista da História do
mundo deseja atingir um nível pleno ou praticamente pleno de dominação (em
nível continental ou global) e essa será também a intenção de Joseph Stalin
quando chegar ao poder, portanto, o papel geopolítico da América ao longo do
século XX é um conhecimento essencial para a fundamentação da tese do xeque-
mate que Stalin pretendia dar nas potências ocidentais na Segunda Guerra
Mundial.
II
Quanto aos pontos a e b, faz-se necessário notar que muitos países foram
afetados pelo quadro final da Primeira Guerra e nem por isso deram azo a um
totalitarismo sanguinário de tipo nazista, ademais, o sentimento antissemita, por
exemplo, já existia muito antes da guerra e dos detalhes do Tratado de Versalhes,
de forma que não se trata de negar a influência do ocorrido, mas apenas de
restringi-la a um escopo mais coerente, e portanto limitado. É evidente que as
punições propostas pela Entente ajudaram, e muito, a inflamar a retórica nazista,
mas afirmar que foram o fator determinante para a ascensão ao poder — no
contexto de um fenômeno tão específico como o nazismo — é equivocado.
Quanto a c, na esteira do que se disse anteriormente, são fatores demasiado
fracos e que afligiram outros países além da Alemanha para serem capazes de
explicar por si só o fenômeno nazista. A causa d normalmente é afirmada desde
um pano de fundo religioso, que deseja associar a queda nos índices de
religiosidade geral na Europa ao aumento de atitudes assassinas e imorais,
podendo ser desacreditada por não ter valor histórico, cabendo ainda afirmar
que, à época, a Alemanha era, especialmente na Prússia, um dos países mais
religiosos da Europa Ocidental, a República de Weimar pululava de cultos místicos
(sendo o nazismo apenas um deles) e o grupo religioso mais amplo e devoto foi
um dos primeiros a aderir firmemente a Hitler, os luteranos[5]. Em e vê-se
claramente a explicação padrão para qualquer problema oferecida pela narrativa
marxista de contar a História, se fosse esse o caso, por que o nazismo não
ascendeu na Holanda ou na Inglaterra, verdadeiros berços do capitalismo e onde
este sistema econômico estava em estágio muito mais avançado? Ademais, a
Alemanha pós-Bismarck era o país menos capitalista da Europa Ocidental, com
impostos altíssimos e crise econômica generalizada derivada em parte de sua
política econômica, em parte das suas dívidas internacionais do pós-guerra;
portanto a República de Weimar teve, desde o princípio, uma economia bastante
controlada, centralizada e profundamente caótica. Era um país com dificuldade
para se modernizar e uma sociedade cujas figuras políticas e elites financeiras
tinham dificuldade de separar os interesses públicos dos privados (STERN, 1987).
Os impostos altos e a falta de financiamento público de múltiplas áreas deu força
ao discurso radical nacional socialista, de modo que “nós não podemos ver o
desastre de Weimar simplesmente como um evento político de causas
econômicas” (MYERSON, 2004, p. 4).
Há ainda, aqueles que atribuem a chegada de Adolf Hitler ao poder graças à sua
genialidade inata, sua habilidade política singular e outras teses do gênero. Essa
hipótese, para explicar toda a ascensão do nazismo com ênfase única e exclusiva
na figura de Hitler, deveria ignorar onde ele surgiu, em qual momento cultural
apareceu, quais elementos de personalidade eram admirados pela população da
época, entre outros fatores. A explicação mais difundida para a ascensão de Hitler
ainda é a interpretação weberiana de liderança carismática, que busca na
sociedade, e não em um indivíduo isolado, a compreensão de tamanho sucesso
(KERSHAW, 1998). Assim, adota-se aqui uma explicação que também vai na
contramão desta hipótese generalizante. Um de seus maiores biógrafos, Kershaw
(2001), defende que a resposta deve ser encontrada na sociedade da época e em
suas motivações políticas e sociais. Na mesma linha do autor anterior, segue-se,
ipsis literis, a posição do filósofo germano-americano (que teve de fugir do regime
hitlerista e se abrigar em solo americano) Eric Voegelin:
O fenômeno de Hitler não se esgota em sua pessoa. Seu sucesso deve ser situado
no quadro geral de uma sociedade arruinada intelectual ou moralmente, no qual
figuras que em outros tempos seriam grotescas e marginais e podem ascender ao
poder público por representarem formidavelmente o povo que as admira. Essa
destruição interna de uma sociedade não terminou com a vitória dos aliados
sobre os exércitos alemães na Segunda Guerra Mundial, mas continua até hoje.
Devo dizer que a destruição da vida intelectual na Alemanha em geral e nas
universidades em particular é fruto da destruição que pôs Hitler no poder e da
destruição perpetrada sob seu regime. O processo ainda está em curso e não é
possível entrever seu fim, de sorte que consequências surpreendentes são
possíveis. O estudo desse período por Karl Kraus, e especialmente sua arguta
análise do detalhe sujo (aquilo que Hannah Arendt chamou de “banalidade do
mal”), tem grande importância para nós hoje, pois é possível encontrar
fenômenos correlatos na sociedade ocidental, embora não ainda, felizmente, com
os efeitos destrutivos que resultaram na catástrofe alemã (VOEGELIN, 2008, p.
41).
Ainda, sobre a suposta “aura” que Adolf Hitler seria dotado, encantadora das
massas, o mesmo filósofo afirma:
Quem reage apenas ao poder sucumbe à aura do poder e da existência que irradia
de Hitler. Quem, além disso, é uma personalidade de certo nível espiritual não
sucumbe. Essa é a diferença. Então, pessoas comuns e vários outros grupos sociais
sucumbem. Em todas as conferências e discursos de Hitler havia algumas
mulheres nas primeiras fileiras que eram fãs extáticas e estavam sempre por ali.
Eram chamadas pelos membros da SS — pessoas de uma disposição algo mais
tosca — a “brigada de veia varicosa”. Esses, então, eram os tipos de pessoas
fascinadas por Hitler e sucumbiam à aura dos olhos azuis. Quando se leem
discursos da líder da organização feminina nacional-socialista, onde ela elogia em
ternos êxtases sexuais o homem que Deus enviou a elas, vê-se que esses são os
tipos que sucumbem. Os outros, naturalmente, não (GORDON apud VOEGELIN,
2017, p. 33).
O deslumbramento com a figura de Hitler era muito mais fruto de uma adoração
cega das subclasses que o cercavam do que relativo a verdadeiros méritos
intrínsecos à personalidade[6] do ditador nazista. uma criação de sua época e um
símbolo de revolta dos frustrados, humilhados, desempregados e raivosos
(EKSTEINS, 1989, p. 324). Ele emerge em uma sociedade em contínua disputa
entre forças extremistas: “Nazismo e o Comunismo dominavam a paisagem
alemã. Ambos eram partidos da revolução” (EKSTEINS, 2012, p. 170), de forma
que, atribuir a chegada do nazismo ao poder — e, por consequência, as ações
alemãs na Segunda Guerra — à genialidade de Hitler é um patente equívoco
baseado em uma generalização unilateral.
Hitler não chegou ao poder por um golpe de estado (…) A constituição estava em
ruínas e o vácuo político existia (…) A conquista do poder nazista não foi uma
‘tomada de poder’; foi uma afirmação de desejos positivos, de princípios, de
‘verdade’ em um vácuo de valores, convicções e alternativas políticas (EKSTEINS,
1975, p. 310).
Ora, o fascismo nasce como uma reação do particular contra o universal; do povo
contra a classe; do nacional contra o internacional. Nas suas origens, ele é
inseparável do comunismo, cujos objetivos combate ao mesmo tempo que imita
os seus métodos (FURET, 1995, p. 35).
Mas a ideia nacional-socialista (ou fascista) não é uma ideia tão simplesmente
derivada. Na verdade, ela tira sua força da mesma fonte que o bolchevismo
vitorioso: a guerra. Como o bolchevismo, ela permite mobilizar as paixões
revolucionárias modernas, a fraternidade dos combatentes, o ódio à burguesia e
ao dinheiro, a igualdade dos homens, a aspiração a um mundo novo (ibidem, p.
204).
Vale ainda uma última refutação que paira em torno da suposta inimizade visceral
entre nazismo e comunismo enquanto ideologias opostas, de que enquanto a
Alemanha nazista perseguia e matava judeus, como é bem sabido, a União
Soviética seria uma espécie de paraíso e refúgio para judeus. Conforme
documenta o livro “Samizdát: a identidade judaica na União Soviética” (conferir
referência completa nas referências bibliográficas), a identidade judaica só era
possível de maneira marginal e não-oficial na União Soviética, a identificação
como judeu tinha de ser clara em passaporte e as publicações judaicas foram
absolutamente suprimidas e perpetuaram-se apenas na ilegalidade. Com isso, não
se pretende afirmar aqui que soviéticos eram tão antissemitas quanto nazistas ou
que tenham promovido matança sistemática e organizada do povo judeu, tal
como na Alemanha de Hitler. Contudo, a condição não era livre e positiva (talvez
muitos avaliem assim justamente em comparação com a Alemanha, mas tratando
a questão em si mesma, poucas vantagens ou benefícios se verificam), qualquer
imagem nesse sentido é oriunda de propaganda e não dos fatos. Conforme Furet:
Se, porém, existe de maneira tão forte no século, é por uma razão oculta no
tumulto dos insultos recíprocos; é porque Hitler é o irmão tardio de Lênin. Existe
um modo mais filosófico de exprimir esse parentesco 5ecreto, se extrairmos do
bolchevismo um conceito mais vasto que o regime russo, marcado pela
marginalidade geográfica e pelo atraso histórico. Pois se a essência do
bolchevismo não está nem no marxismo nem na herança russa ou russo-asiática,
e sim na prioridade absoluta conferida à ordem política e à modelagem da
sociedade, então o regime oriundo de Outubro de 1917 pode ser considerado a
primeira aparição do Partido-Estado, investido pela ideologia de uma missão
escatológica
Embora não seja o caso aqui de esgotar a vasta bibliografia que trata das diversas
semelhanças históricas, sociais, políticas, econômicas e metodológicas entre
nazismo e comunismo, justifica-se a menção a algumas: os já citados Voegelin
(2008; 2008) e Arendt (2012), além de Besançon (2000), Aron (2016), Kolakowski
(2008), Kuehnelt-Leddihn (1974) e outros.
Enquanto isso, a tônica na Alemanha era mais ou menos a mesma, apenas com a
retórica hitlerista inflamada pelo orgulho ferido alemão pela derrota na Grande
Guerra. Hitler afirmava que a expansão de espaço vital (isto é, não qualquer
território, mas território estratégico) era essencial para a Alemanha retomar sua
grandeza devida. Hitler havia se tornado chanceler da Alemanha em 30 de janeiro
de 1933. Em 1935 já reintroduzira o serviço militar obrigatório, estreitou sua
relação com fabricantes de armas e gasolina, dando início ao rearmamento da
Alemanha, até então impedida disso por cláusulas já aqui citadas do Tratado de
Versalhes (Cf. EVANS, 2013).
Após tanta invasões e atos belicosos, a gota d’água para as potências aliadas foi a
invasão alemã da Polônia, a quem ingleses e franceses também haviam prometido
proteção. Nesse mesmo momento é assinado o já citado pacto germano-soviético
ou Pacto Ribbentrop-Molotov, de não-agressão e divisão da Polônia entre nazistas
e soviéticos. Em 1º de setembro de 1939 a Polônia é invadida pelas forças nazistas
e então, em 3 de setembro, França e Inglaterra declaram guerra à Alemanha,
dando início à Segunda Guerra Mundial.
Até 1940 a Alemanha de Hitler havia dominado ostensivamente ou posto sob sua
influência virtualmente toda a Europa, com as exceções da Ilha (Grã-Bretanha),
parte da França e, num outro contexto, a União Soviética. Para se ter uma melhor
noção disso, verifique-se a Figura 4, a seguir:
Isso se deu, inclusive, após Winston Churchill alertar Stalin dos interesses nazistas
de invadir a URSS. Será que o próprio Stalin realmente não sabia disso? Ernst
Topitsch confirma que Stalin estava, de maneira antecipada, plenamente ciente
dos planos de Hitler, isto é, da Operação Barbarossa (Cf. TOPITSCH, 1987, p. 8–9)
Deslindaremos essa hipótese no capítulo 3.
A derrocada nazista teve início, justamente, quando Hitler tenta invadir a União
Soviética, a partir de 1941, com a Operação Barbarossa. Em 22 de junho de 1941,
os nazistas avançaram 750km território soviético adentro, o otimismo era tal que
o alto escalão nazista cria numa queda da União Soviética em duas semanas, o
que não se confirmou. Nazistas chegaram às beiras de Moscou, mas a tomada da
capital não se efetivou. No verão de 1942 se organizou a maior batalha da
Segunda Guerra, em Stalingrado, que veio a durar de novembro de 1942 a
fevereiro de 1943, é nesse contexto, com a chegada do inverno, que se constrói o
mito da ineficácia nazista no rigoroso frio de -40ºC russo. Alemães conheciam
muito bem o inverno russo e já haviam batalhado lá durante o inverno, a derrota
nazista se deveu muito mais a um pacote de erros estratégicos que ao frio. A
invasão se iniciou no verão de 41 e terminou no verão de 43, implicando
necessariamente no fato de que nazistas administraram território soviético
durante o inverno, como não poderiam saber das adversidades causadas pelo frio
extremo? A principal parte da batalha de Stalingrado, de fato, ocorreu no inverno,
mas a cronologia de todas as batalhas importantes entre os alemães e soviéticos
mostra uma distribuição homogênea, sem destaque algum para os invernos. Por
fim, soviéticos jamais poriam suas apostas num fator aleatório, incontrolável
(contudo, previsível) como o inverno. Fato é que a derrota em Stalingrado
demarcou a primeira grande derrota de Hitler e fortes baixas em seu poderoso
exército.
A coisa se acirrava na Europa, mas também nas demais partes do planeta, o que
determinaria a entrada dos EUA na guerra, mais uma vez tardiamente. Aumentava
a tensão entre EUA e Japão, o que conduziu as duas potências a conflitos de
interesses territoriais. Por dezembro de 1941, o Japão via a presença americana
no Pacífico como o maior empecilho para suas intenções expansionistas, quando
então opta por um ataque surpresa à base militar americana de Pearl Harbor, no
Havaí. No dia seguinte, os EUA declaram guerra ao Japão e após ter navios
afundados por alemães, declara guerra ao Eixo como um todo.
Em 1945, após findada a guerra, no que veio a ser conhecida como Conferência de
Yalta, onde reuniram-se Churchill, Stalin e Roosevelt, foi definido quais territórios
seguiriam sob alçada soviética, britânica e americana. A Polônia reviu alguns de
seus territórios, a Alemanha fora dividida em duas zonas, o Leste Europeu inteiro
ficou sob tutela da União Soviética. Ainda em 1945, na Conferência de Potsdam,
são estabelecidos os valores que a Alemanha deveria pagar aos aliados, o país
passa a ser dividido então em quatro zonas e ainda, como punição, o país deveria
reduzir sua produção de aço, sendo que boa parte de sua indústria siderúrgica foi
transferida para países aliados. Por fim, estabeleceu-se que o alto escalão nazista
sobrevivente seria julgado no que ficou conhecido como Tribunal de Nuremberg.
CAPÍTULO 3
A GUERRA DE STALIN?
Teria a Segunda Guerra Mundial sido uma estratégia stalinista para colocar a
Alemanha e as potências ocidentais em conflito, para que se enfraquecem umas
às outras e abrissem caminho livre e pavimentado para um imperialismo livre da
União Soviética comunista e bolchevique? Conforme fora defendido no capítulo
anterior, o comunismo é uma forma de totalitarismo tanto quanto o nazismo, o
que significa que por sua natureza mesma precisa abarcar cada vez mais território,
para poder exercer seu poder totalizante. Essa é a tese do professor austríaco de
Filosofia e História Ernst Topitsch em seu “Stalin’s war: a radical new theory of the
origins of the second world war” (A guerra de Stalin: uma nova e radical teoria
acerca das origens da Segunda Guerra Mundial), que se destrincha e é usado
como bibliografia primária no presente capítulo. Como bibliografia secundária é
útil a obra “O Grande Culpado”, do desertor da KGB Viktor Suvorov, partidário da
mesma hipótese.
Vale ressaltar aqui que o próprio professor Topitsch apresenta em seu livro, já de
início, que não oferece exatamente fatos novos para corroborar sua tese (até
mesmo porque a Segunda Guerra Mundial é um assunto exaustivamente
estudado, restando muito pouco ou efetivamente nada de não investigado ainda
sobre o assunto), mas que interpreta alguns fatos costumeiramente esquecidos,
além dos vastamente conhecidos, como justificativa para sua tese (Cf. TOPITSCH,
1987, p. 2). O mesmo é válido para Suvorov, que admite textualmente que sua
versão é uma interpretação distinta dos fatos já conhecidos (Cf. SUVOROV, 2008,
p. XIII).
Destaca-se, ainda, que fazia parte do repertório de crenças dos comunistas, não
apenas o determinismo histórico que rezava que a revolução comunista mais cedo
ou mais tarde insurgiria a partir do desenrolar histórico do capitalismo, mas a
guerra poderia ser uma forma de fomentar isso. A paz entre as potências
capitalistas, pelo contrário, poderia “sufocar a revolução”, nas palavras do próprio
Trotski (Cf. SUVOROV, 2008, p. 1–5).
***
Topitsch chama a atenção, no capítulo “imperialist expansion”, para o fato que faz
parte do imaginário russo a ideia de expansão territorial e domínio geral, tanto
por razões imperialistas como por razões até místicas, a ideia que é uma espécie
de destino da “Mãe Rússia” governar e salvar a Europa e o restante do mundo. É
evidente que o desejo de dominação geral de Stalin é oriundo do fato do
comunismo ser uma ideologia totalitária, isto é, no limite, qualquer governante
adepto do comunismo terá esse desejo, contudo, o fato merece destaque porque
isso certamente compôs o repertório de justificativas mesmo do georgiano (e não
russo) Stalin e em grande parte, provavelmente, do próprio povo, desejo mais ou
menos semelhante de todo antigo Czar de preservar e aumentar o poderio do
império russo (Cf. TOPITSCH, 1987, p. 10–21).
Nos capítulos seguintes, o professor traz algumas citações (Cf. TOPITSCH, 1987, p.
14 et seq.), ainda de Lenin, em que o predecessor de Stalin afirmava acreditar que
a Grande Guerra havia sido apenas um introito para mais guerras imperialistas,
outras viriam, acabariam por destruir ou enfraquecer as potências capitalistas
envolvidas e abrir caminho livre para a vitória do comunismo. Ou seja, já em Lênin
se via as guerras como possível instrumento em favor do bolchevismo, uma
espécie de meio que anteciparia a vitória final do comunismo. Lênin ainda vai
além, chegou a afirmar que Alemanha e Japão poderiam ser usados para provocar
uma outra guerra entre os “capitalistas” (idem, p. 42–43).
Também é fato trazido por Topitsch que Stalin sabia que Hitler provavelmente
investiria uma ação contra a União Soviética e que o próprio Stalin, por volta de
1941–1942, tinha a intenção de atacar o Ocidente. Sustenta essa tese também o
professor Brian Fugate em sua tese de doutoramento revista intitulada Operation
Barbarossa: Strategy e Tactics on the Western Front, 1941 (1984). É lícito
perguntar, portanto, o que “deu errado”? Algo certamente deu errado em algum
sentido e foi o número de vitórias nazista, não esperado da parte de Stalin. Isso
frustrou o ditador e impossibilitou a sua ofensiva contra o Ocidente naquele
intervalo de tempo, ademais, enquanto Stalin tinha de lidar com o exército
nazista, as forças ocidentais avançaram demais, o que impediria qualquer
penetração do Exército Vermelho naqueles campos. Embora esses eventos em
específico sejam verdadeiros, a estratégia pensada por Lenin e implementada por
Stalin não fora de todo frustrada caso se observe o quadro geral, o que, portanto,
não invalida a tese de Topitsch. Pelo contrário, a guerra de Hitler contra Stalin só
fez reforçar a agressão dos impérios capitalistas contra Hitler, dando azo à ideia
que Hitler estava disposto a invadir qualquer nação naquela altura da História. A
reticência de boa parte do estamento britânico e americano também reforça a
hipótese. Estes queriam a paz, mesmo com Hitler (vide política do apaziguamento
e a, ao que tudo indica, honesta tentativa de Neville Chamberlain de selar a paz
com Hitler), mas Stalin queria a guerra, e nada melhor que uma invasão nazista
para justificar isso. Nenhum deles queria uma “guerra preventiva”, apenas
agressões justificariam mais agressões (Cf. TOPITSCH, 1987, p. 30).
Vale ainda, aqui, um pequeno intercurso entre uma divergência entre Topitsch e
Suvorov, destacada pelo próprio professor Topitsch no final de seu livro. Trata-se
sobre quem realmente pretendia atacar quem primeiro em 1941, nazistas
pretendiam atacar soviéticos ou soviéticos pretendiam atacar nazistas? Para
Suvorov, Stalin não tinha intenção de se envolver diretamente com a guerra até
1942, ao passo que o professor Topitsch trabalha com a ideia de que Stalin já
tinha um plano de promover um ataque abrangente pela Europa para “libertá-la”
do nazismo. Para Topitsch, movimentações secretas do Exército Vermelho em
maio de 1941 indicam que nesse momento Stalin já tinha a intenção de agir no
coração da Europa. Em junho do mesmo ano as forças já estavam numa dada
posição estratégica e em número grande o suficiente que seria impossível reverter
a ação, o ataque soviético era necessário. Essa questão é particularmente
importante para Suvorov e, segundo ele, em suas pesquisas buscou com afinco
documentos que apresentassem a posição das forças soviéticas ao longo desse
território, tanto que destaca isso com bastante ênfase no início de seu O Grande
Culpado (SUVOROV, 2008, p. XV-XXIV e 1–5), publicado em data posterior à obra
de Topitsch.
Em tudo isso Stalin usou brilhantemente sua posição vantajosa. Chegara a hora de
encorajar Hitler em suas ilusões a intenções agressivas e, assim, dar início à guerra
exatamente de acordo com o cenário já delineado por Lenin. Tudo logo funcionou
como planejado. Com a União Soviética seguramente fora da equação, Hitler
sentiu que estava seguro em sua convicção de que se atacasse a Polônia, as
potências ocidentais ainda evitariam conflito, ou se limitariam a ações
diversionárias. Todos os avisos foram em vão: o jogador [Hitler] havia obtido tanto
sucesso que nada poderia abalar sua crença que venceria novamente (TOPITSCH,
1987, p. 38, tradução nossa).
Ou seja, daqui pode-se extrair dois pontos convenientes para a análise aqui
pretendida: Stalin tinha Hitler exatamente como gostaria que ele estivesse, Hitler
efetivamente era tomado por ímpetos de loucura que justificavam suas atitudes
agressivas, como que acreditando ser dotado de poderes especiais, o que viria a
frustrar parcialmente — mas não totalmente — os planos de Stalin com o ataque
alemão à URSS. Conforme revela o biógrafo de Stalin Simon Montefiore:
A Europa no começo de 1939 era, nas palavras do próprio Stalin, um ‘jogo de
poker’ com três jogadores no qual cada um esperava persuadir os outros dois a se
destruírem e deixar o terceiro sair vitorioso (MONTEFIORE, 2004, p. 308).
Após acordo com os soviéticos, Hitler acreditava ter “o mundo em seu bolso” (Cf.
TOPITSCH, 1987, p. 40), ou seja, mais uma vez o ditador alemão fora tomado pela
soberba, muito embora os termos do acordo nazi-soviético, como destaca o
professor Topitsch, demonstre uma “assustadora falta de inteligência política”,
visto que “os tratados se encaixavam perfeitamente com a estratégia soviética de
longo prazo de envolver a França e a Grã-Bretanha numa guerra” (idem, p. 41). O
pacto tornava a Alemanha uma ferramenta econômica, política e até militar dos
soviéticos. O acordo implicava na URSS oferecendo ajuda à Alemanha, colocando
parte de sua salvação em suas mãos, mas também se prevenindo para que
obtivesse vitória se e quando, apenas, Stalin quisesse. Enquanto isso, sob pretexto
de neutralidade, soviéticos se rearmavam. As relações comerciais estabelecidas
pelos tratados assinados entre os dois também era vastamente vantajosa para
soviéticos:
Nesse momento passava pela cabeça de Hitler que a União Soviética ficaria
satisfeita com esses vantajosos termos do acordo e que as potências ocidentais
novamente não ousariam retaliar após sua invasão da Polônia. Contudo, como é
sabido, as coisas não aconteceram exatamente assim. Quando França e Inglaterra
declaram guerra a Hitler, era Stalin que tinha Hitler no bolso, sendo ele próprio o
grande árbitro da Europa. Essa situação não passou despercebida ao próprio
Hitler, que entre setembro e outubro de 1939 tentou estabelecer acordos de paz
com o Ocidente, evidentemente frustrados (visto que isso poria abaixo o plano
cuidadosamente engenhado por Stalin).
O plano de Stalin só pode ser considerado exitoso, portanto, quando a Alemanha
invade a própria França, visto que agora alemães e demais potências ocidentais se
digladiariam entre si. Até então soviéticos eram aliados de alemães e entre
ocidentais pairava a suspeição também sobre eles. O que se mostrou um
problema foi a vitória relativamente fácil obtida por nazistas, já que o esperado
era um grau de autodestruição semelhante ao da Primeira Guerra Mundial. De
qualquer maneira, o conflito entre Alemanha nazista e Inglaterra e França estava
estabelecido, tal como previa o plano de Lenin e tal como desejava realizar Stalin;
estava a todo vapor a Segunda Guerra Mundial.
Era perfeitamente óbvio à época que o principal impulso da política soviética era
contra as potências Ocidentais: isso fora verdade antes, durante e depois da
Segunda Guerra Mundial. A coalizão anti-Hitler que veio depois não alterou esse
fato, para vantagem de Moscou, permaneceu velado aos olhos dos políticos
democratas e da opinião pública nos países ocidentais (TOPITSCH, 1987, p. 54,
tradução nossa)[10].
O colaboracionismo com nazistas e até a sabotagem das forças aliadas têm muita
relação com essa postura dos comunistas franceses. Claro que, pouco tempo
depois a chave teve de ser virada novamente e nazistas tornaram a ser inimigos.
Algo bastante normal dentro da dialética marxista[11], onde a verdade transita
por lados opostos conforme demandam as inteligências do Partido. O fato que
interessa aqui é que a oposição entre comunistas e nazistas, alardeada como
verdade histórica inquebrantável pela historiografia oficial está suscetível a, no
mínimo, algum grau de ceticismo ou relativização. Isso, bem como a visão de um
Stalin pacifista, humanitário e combatente do fascismo, criada quase que como
produto de um bom profissional de relações públicas[12].
***
Feitas todas as investidas Hitler contra as potências ocidentais, com suas vitórias,
a estratégia de Stalin foi exitosa, ao menos em algum sentido. Aliados moveram
esforços inomináveis no combate a Hitler, desgastando-se tanto física quanto
economicamente. Apesar do descontrole do ditador alemão ter impedido Stalin
de continuar sua dupla agência por tempo suficiente, foi o bastante para:
desgastar todos os inimigos da União Soviética (Stalin nunca deixou de saber que
Churchill, por exemplo, sempre considerou o bolchevismo tão ou mais nocivo que
o nazismo), deixar o conflito, apesar de tudo que fora apresentado até aqui, como
amigo dos Aliados e, até mesmo, como herói determinante da derrota do
nazismo, a despeito das essenciais presenças de Grã-Bretanha e Estados Unidos
da América, emergir como a potência dominante da Europa pós-guerra, ditando o
conflito ideológico da nova ordem mundial que daí emergiu, além de continuar
financiando os partidos comunistas de todo o planeta, política iniciada nos anos
1920 que visava o sonho final de uma revolução comunista mundial a qualquer
custo.
Todos esses fatores vingam a interpretação oferecida pelo prof. Topitsch e, à sua
maneira, realizam a profecia de Lenin de um uso pragmático da Alemanha e do
Japão como pontas de lança de uma guerra contra o imperialismo que
pavimentaria o caminho para a dominação global do comunismo, como deseja
qualquer forma de ideologia política totalitária.
Foram os atos nazistas em solo francês que mudaram um pouco o quadro: nesse
momento as forças ocidentais estavam neutralizadas, britânicos foram obrigados a
bater em retiradas desesperadamente de volta à Ilha[13]. Entre a Europa
Ocidental e o Exército Vermelho estavam “apenas” as forças nazistas. Se a
Alemanha fosse subjugada por Stalin, ele seria o governante do continente inteiro
e britânicos e americanos nada poderiam fazer sobre isso, era hora da peça da
engrenagem chamada Hitler sair de cena.
Eis que, então, a guerra é findada e Stalin fora capaz de impor derrotas
consideráveis às forças ocidentais, graças apenas a estratagemas puramente
políticos. O Exército Vermelho não precisou empunhar espadas contra americanos
e britânicos, pois alemães e japoneses fizeram isso. Sem contar que, Grã-Bretanha
e América ofereceram armas muito além do necessário para a URSS conter a
Alemanha (TOPITSCH, 1987, p. 136), nesse aspecto, a estratégia do georgiano em
estratégia política superou as inteligências políticas ocidentais, sem a necessidade
de conflito no campo militar.
***
2: Stálin, caso realmente quisesse, não tinha meios físicos para lutar contra Hitler
de modo que pudesse sair vencedor. A URSS só foi capaz de derrota-lo por causa
da ajuda inglesa e principalmente americana, conforme já mencionado. Além dos
250 bilhões de dólares (em cifras atualizadas) de Roosevelt, que possibilitou a
surpreendente produção em massa de tanques (principalmente t34’s) e armas,
além de fornecimento de caminhões e comidas enlatadas americanas, os Aliados
foram cruciais no auxílio técnico militar. Por exemplo, na Batalha de Kursk, os
ingleses interceptaram todos os planos da OKW e enviaram para os soviéticos.
Quando a batalha começou, eles já sabiam o que os alemães fariam e tinham se
preparado. Stálin não tinha como enfrentar o exército alemão sem ajuda
financeira de potencias estrangeiras. Ele perdeu até para o exército finlandês, que
tinha três vezes menos homens, meses antes da invasão alemã.
3: Acho que até mais importante que a impossibilidade da vitória militar de Stalin
sozinho contra Hitler seriam os efeitos políticos disso: Stálin não nutria de
popularidade suficiente para começar uma guerra longa e dura contra uma
potência estrangeira poderosa, vale lembrar a insatisfação do povo russo com a
participação do país na Primeira Guerra Mundial e seus gastos. Ele sabia muito
bem disso. Como Hitler era pior para os russos que Stálin, os russos, por mais que
desgostassem do georgiano, entenderam que nele havia a única esperança de
manter coesão interna e expulsar os nazistas. Mas se ele começasse uma guerra
gratuita contra os alemães, aumentando as privações dos russos, seria como
esticar uma linha muito frágil. A insatisfação popular, aliada ao revanchismo dos
humilhados por Stálin, tornariam um golpe de estado muito atraente para
generais e chefes do governo. Ainda: se a Alemanha fosse atacada pela União
Soviética antes de 1939 muito provavelmente os países ocidentais teriam apoiado
Hitler. Seria Stálin versus o mundo.
4. O que Stálin queria com Hitler, então? Uma coisa é certa: ele também temia
Hitler. Por isso que proibiu falarem sobre a iminência do ataque nazista, por isso
que rejeitou as movimentações da Wehrmacht na fronteira já três meses antes,
que crescia cada vez mais, por isso que mandou fuzilar desertores comunistas da
Wehrmacht que pularam a fronteira no dia anterior a invasão falando que o
ataque era iminente, por isso disse para nos primeiros três dias de invasão
ninguém atacar os alemães, pois seria um ‘’mal entendido’’… Entretanto, ele não
se iludia no tocante a hostilidade de Hitler. Ele sabia que a guerra viria cedo ou
tarde, mais queria postergá-la o máximo possível. Para ele a guerra significava o
fim. E não é difícil compreender a razão disso, porque bastava que os alemães
fizessem o básico, o extremamente básico, para que a URSS perdesse ainda em
1941, ou entrasse numa situação de colapso. E isto era, simplesmente, seguir reto
até Moscou, como os principais generais, principalmente Heinz Guderian,
clamavam para Hitler. Mas Hitler bateu o pé e disse que era melhor desviar para
Kiev para conquistar os recursos da Ucrânia, principalmente os grãos. Esse desvio
causou um atraso de 2 meses na ofensiva para Moscou. Quando Stálin ouviu que
os alemães desviaram para o sul ele desabou de alívio. Mesmo perdendo em Kiev,
os russos tiveram 2 meses para recrutar 16 milhões reservistas, para ter certeza
de que os japoneses não iriam atacar a Sibéria (por conta de espiões infiltrados
em Tóquio) e realocar, então, milhões de soldados que lá estavam, 400 mil que
foram para Moscou.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Além disso, especificamente no capítulo segundo, foi feito um vasto esforço para
rever as principais causas defendidas pela historiografia oficial, mostrando que as
causas da Segunda Guerra e da ascensão do nazismo ao poder podem não ser
apenas as injustas exigências do Tratado de Versalhes ou o desenrolar necessário
da economia capitalista, mas um quadro de deterioração cultural que existia na
Alemanha e permitiu a chegada de uma ideologia sanguinária e totalitária como
nazismo ao poder.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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2012.
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STERN, Fritz. Gold and Iron: Bismark, Bleichröder, and the building of the German
Empire. Londres: ed. Peregrine, 1987
TOPITSCH, Ernst. Stalin’s War: a radical new theory of the origins of the second
world war. New York: ed. St. Martin’s Press, 1987.
[3] Embora bata de frente diretamente com a visão histórica marxista, a nova
interpretação aqui levantada não necessariamente se opõe apenas a ela, mas
também segue caminho distinto daquelas propostas por historiadores
consagrados como Richard Evans (2016) e Ian Kershaw (2016).
[6] Além disso, há sólidas evidências que Hitler era intelectualmente limitado,
como atesta o biógrafo Timothy Ryback no livro “A Biblioteca Esquecida de Hitler”,
embora fosse um grande leitor (indício de intelectualidade apenas em sociedades
não-leitoras como a nossa), não atingiu nenhum grau de elevação intelectual.
Supostamente, seu filósofo favorito, ao contrário do que muitos pensam, não era
Friedrich Nietzsche, mas sim Arthur Schopenhauer. Contudo, em diversos bilhetes,
sequer soube grafar o nome do filósofo germânico corretamente, por vezes
escrevendo com dois “p” ou cometendo erro semelhante a escrever “presado Sr.”
(Cf. RYBACK, 2009, p. 79). À época da fundação do Partido Nacional Socialista dos
Trabalhadores era exatamente alguém assim que as lideranças buscavam: não um
intelectual, mas um homem tido como “prático”.
[8] É importante ressaltar que não se trata aqui de promover alguma espécie de
limpeza sobre os regimes fascistas ibéricos e italiano. É bastante provável que
Franco, Salazar e Mussolini teriam sido ditadores totalitários se dispusessem das
condições necessárias para isso, mas o fato é que não dispunham e que, portanto,
para que se seja histórica e conceitualmente preciso, estes precisam ser tratados
como autoritários em vez de totalitários.
[9] Quando Hitler chegou ao poder, Churchill já havia lido o Mein Kampf e sabia do
perigo real que o führer representava para a Europa e para o mundo, enquanto
muitos ainda o tratavam como um lunático cuja passagem pelo poder seria
evanescente (JOHNSON, 2012, p. 75–100).
[11] Evidente que o livre trânsito entre posições tão contraditórias nem sempre
convenceu todos os comunistas. A história de seis deles, entre tais o brilhante
Arthur Koestler, é contada no livro “O Deus que Falhou” (Cf. CROSSMAN, 1952).
Tema também trabalhado por Flavio Gordon (Cf. GORDON, 2017, p. 187–220).
[12] A despeito disso, não pode escapar aqui a menção ao livro “Arquipélago
Gulag” (2017), de Alexander Soljenítsin, provavelmente o mais famoso relato dos
campos de concentração soviéticos, famigerados gulags, sob a batuta de Stalin e o
estudo de Anne Applebaum, “Gulag: uma história dos campos de prisioneiros
soviéticos” (2009). Além, é claro, do definitivo “O livro negro do comunismo”
(2015).