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A guerra de Stalin?

Por uma nova interpretação da Segunda Guerra Mundial

NOTA INTRODUTÓRIA: texto acadêmico levemente adaptado para publicação


nesta rede social. As teses são suscetíveis de discussão, como virtualmente
qualquer outra.

“Eu só tenho um objetivo — a destruição de Hitler — e por isso minha missão é


bastante simplificada. Se Hitler invadisse o inferno eu, pelo menos, faria uma
referência favorável ao diabo na Câmara dos Comuns.

Após as longas agonias e lutas da Segunda Guerra Mundial, metade da Europa


parecia apenas ter trocado um déspota por outro [sobre Hitler e Stalin]”.

Winston Churchill

RESUMO: Stalin usou a Alemanha nazista como navio quebra-gelo para


desencadear uma guerra entre as principais nações capitalistas, de maneira que
pudesse arrasá-las o suficiente para impor o comunismo como organização social
predominante no continente europeu e no mundo, como prevê tanto alguns
aspectos teóricos do comunismo como algumas declarações de outro idealizador
da revolução russa Vladimir Lenin. Essa é a tese do professor Ernst Topitsch (1987)
e do ex-agente secreto da URSS Viktor Suvorov (2008), neste trabalho usa-se este
primeiro como referência primária e o segundo como referência secundária. Com
o propósito de analisar a plausibilidade da hipótese, faz-se uma análise da
Primeira e Segunda Guerra Mundial à luz da possibilidade aventada e também,
um procedimento analítico e crítico do livro do professor Topitsch “Stalin’s War: a
radical new theory of the origins of the Second World War”. Como resultado
chega-se à conclusão de que a hipótese, como nunca fora negado pelos autores, é
uma interpretação dos fatos já vastamente conhecidos, entretanto, esta
interpretação é muito bem sustentada, tornando-se uma possibilidade razoável,
plausível e verossímil, merecedora de atenção acadêmica.

Palavras-chave: Stalin; Hitler; Segunda Guerra Mundial; comunismo.

INTRODUÇÃO

O objetivo primordial deste texto é oferecer uma introdução e análise crítica de


parte da bibliografia existente partidária da tese de que a Segunda Guerra
Mundial fora um plano de Stalin para enfraquecer as potências ocidentais,
incluindo a própria Alemanha, de maneira que deixasse campo aberto para a
dominação imperialista da Europa por parte da União Soviética (TOPITSCH, 1987;
SUVOROV, 2008). Assim, o trabalho justifica-se pela carência de análise nas
academias de História desses autores e pelo puro interesse intelectual na
hipótese.

Para realizar tal feito, percorre-se não apenas a bibliografia supracitada, mas os
principais intérpretes das grandes guerras consagrados pela historiografia oficial
como os historiadores Richard Evans, Niall Ferguson, Ian Kershaw e outros. No
primeiro capítulo faz-se uma sucinta descrição dos principais eventos da Primeira
Guerra Mundial (bem como do importante pré-guerra), à luz da problemática aqui
levantada e tentando justificar a afirmação de Winston Churchill que, na verdade,
não foram duas guerras, mas um único grande conflito com um interstício
parcialmente pacífico e de atmosfera belicosa. No segundo capítulo empreende-
se a mesma tarefa, não sem antes tentar refutar as principais interpretações
correntes para a ocorrência da Segunda Guerra Mundial e para a ascensão do
nazismo. E, por fim, no terceiro capítulo debruça-se efetivamente sobre a
bibliografia crítica partidária da tese que aqui se observa e, de certa maneira,
divulga, analisando os fatos mencionados, a argumentação trazida e até onde a
hipótese se mostra realmente sólida e capaz de ser fundamentada pela ciência
histórica. Além disso, ao longo de todos os capítulos, busca-se sustentar as
afirmações também com a ajuda dos principais filósofos estudiosos do fenômeno
totalitário, a saber, Hannah Arendt e Eric Voegelin.

A metodologia adotada foi a leitura e análise de textos clássicos da História do


século XX, artigos e livros sobre a temática, conforme pode ser conferido em
detalhe nas referências bibliográficas.

OS PRECEDENTES DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

O ilustre primeiro ministro britânico Winston Churchill[1] costumava afirmar[2]


que, em verdade, não se trata de explanar sobre a ocorrência de duas guerras
mundiais, mas sim de uma só guerra, com um pequeno intervalo de paz (de 1918
a 1939, no caso), conferindo ainda mais sentido à expressão “Grande Guerra”,
usada por alguns para se referir apenas à Primeira Guerra Mundial, mas que serve
também para ilustrar essa noção que se tratou de um único conflito. Disso segue a
necessidade de tratar de alguns detalhes importantes desse primeiro momento
histórico ocorrido entre 1914 e 1918, pois são indispensáveis para a compreensão
mais ampla e completa do evento que aqui se pretende estabelecer e interpretar.

Vale notar aqui que este trabalho rema contra a narrativa — vastamente
predominante na academia — marxista de se contar a história[3]. Para o
marxismo clássico (em oposição ao que se pode chamar de “teoria crítica”, isto é,
a Escola de Frankfurt, por exemplo) o motor da História é o “conflito de classe”, ou
seja, os mais ricos e poderosos visando manter sua condição privilegiada em
detrimento dos mais fracos, pobres e oprimidos. Transferida essa chave de análise
para o contexto das guerras mundiais que aqui interessa (e que aparece na
maioria esmagadora dos livros didáticos), a principal explicação para a ocorrência
da Primeira Guerra Mundial (e, por corolário, da Segunda) é o crescimento
incontrolável dos interesses imperialistas das potências colonialistas europeias
(poderosos opressores) sobre as colônias alhures (pobres oprimidos). Enfatiza-se
que não se trata de negar a afirmativa marxista em absoluto, visto que se concebe
os interesses imperialistas das potências como um elemento explicativo para a
Guerra, mas não o único e, talvez, nem de longe o principal, como há muito
tempo faz-se crer (empreendimento este que pode ser feito tanto para a Primeira
como para a Segunda Guerra Mundial).

1.1 A Europa pré-1914

Embora houvesse acordos de paz e de proteção mútua entre algumas potências


europeias antes do início da Grande Guerra, o clima não era tão pacífico assim
(sendo tal fato provado pela própria necessidade de se estabelecer acordos de paz
e de proteção). Todas as potências (Inglaterra e França principalmente) viam com
desconfiança o crescente poderio (econômico e militar) do Império Alemão. O
clima pouco a pouco convertia-se em hostilidade em direção às monarquias
europeias, o que fazia crescer o sentimento de contrariedade aos Habsburgos do
Império Austro-húngaro[4] e só fazia aumentar as famigeradas tensões étnicas
que haviam no interior do Império. A belle époque não era só beleza. Desde o
início do século o descontentamento das pessoas com os Romanov na Rússia
também era crescente, o que, como se sabe, pavimentou o caminho para o
assassinato da família real russa pelos bolcheviques em 1917. Os Estados Unidos
da América do início do século XX sequer sonhavam com a possibilidade de se
envolver em quaisquer conflitos europeus (Cf. STEVENSON, 2016, p. 3–74;
TUCHMAN, 1969, p. XIX-XXII).

O contexto da Europa pré-guerra pode ser descrito a partir de uma série de


tensões políticas e sociais. A já citada oposição às monarquias (e no início do
século XX boa parte dos países eram monarquias, quadro que será alterado
justamente após o conflito), o anseio das pessoas por alguma ascensão na
qualidade de vida (destacar-se-á o caso russo mais à frente), sendo que esses dois
elementos levavam a uma profunda divisão dos países e impérios, mesmo
internamente. Grande parte dos países, particularmente do lado ocidental eram
democracias liberais, com uma já consolidada posição de poder da burguesia, ao
passo que do lado oriental ainda predominavam os impérios de tendência mais
autoritária (em xeque desde as revoluções inglesas do lado ocidental), como os já
referidos Austro-húngaro, Russo e o Império Otomano.

A Inglaterra, berço da Revolução Industrial, tinha o desenvolvimento econômico


mais pujante, o que também a tornava um alvo do império alemão. A competição
entre França e Inglaterra versus Império Alemão se dava principalmente na busca
por matérias-primas e, por consequência, as desejadas colônias nos continentes
africano e asiático.

Mesmo no período pré-conflito, a bem conhecida e estratégica região da Alsácia-


Lorena já era alvo de controvérsia. Ocupada pelos alemães desde a Guerra Franco-
Prussiana, tinha sua devolução exigida pela França, problema que se estendeu até
a Segunda Guerra.

A Polônia, também uma figura central para a Segunda Guerra, encontrava-se


dividida entre a Rússia, a Áustria e a Alemanha, mas, evidentemente, desejava
tornar-se novamente um Estado autônomo. Os Balcãs, barril de pólvora da época,
estava fragmentado entre diversas identidades étnicas que haviam se libertado do
jugo turco com ajuda russa.

Esse quadro de conflitos étnicos, territoriais e por independência não poderia


deixar de pavimentar o caminho para a chegada de sentimentos nacionalistas
extremados, que grassaram livres pela Europa e que encontraram seu elemento
mais sintomático e simbólico na figura da Alemanha nazista liderada por Adolf
Hitler. Vale destacar aqui que esse fato dá sustentação para a afirmação posta no
início desse capítulo que a uma guerra está tão intimamente ligada à outra que é
possível falar de uma continuidade unívoca de um único conflito. Aquilo que
encontrou sua representação máxima na segunda metade dos anos 30 na
Alemanha fora gestado aproximadamente duas décadas antes ao longo do
continente.

Tão logo esses sentimentos se fortalecem, escolas, imprensa e outras


manifestações públicas organizadas passaram a se concentrar na exaltação da
identidade, valores e virtudes nacionais. Tudo isso embebido, evidentemente,
com mostras de rixas, revanchismo ou até ódio pelas potências rivais, de forma
que, com o tempo, as populações estivessem mais predispostas ao conflito
armado em nome da defesa dos valores nacionais.

Os fatos aqui mencionados encontram sua sustentação ao longo de praticamente


todos os capítulos do volume 1 da obra A História da Primeira Guerra Mundial: a
Deflagração, do historiador inglês David Stevenson, de O Horror da Guerra, do
brilhante e também britânico Niall Ferguson e, particularmente, da obra The
Proud Tower: a Portrait of the World Before the War 1890–1914 da historiadora
americana Barbara Tuchman.

1.2 O Império Russo e a Primeira Guerra Mundial

Embora a Primeira Guerra Mundial tenha trazido mudanças drásticas ou até o


próprio fim de muitos impérios europeus, o caso russo certamente é peculiar. A
Rússia pré-guerra era um país industrialmente atrasado e cuja população vivia em
situação precária, particularmente se a comparação fosse feita com outros países
da Europa. Isso foi um componente importante de revolta para a população russa,
que se via em estado de fome, cujos homens estavam a servir numa guerra de
proporções nunca antes vistas e com taxa de mortalidade elevadíssima, vendo a
Coroa gastar com beligerância o dinheiro que faltava para alimentar o povo russo
e, inclusive, seus próprios soldados, que tinham de racionar munição e alimento,
além de ter de lidar com a própria inferioridade geral se comparados a outros
exércitos europeus.

Por si só esse quadro seria mais que suficiente para causar a revolta geral,
contudo, os fatos foram, ainda, aproveitados pela malta e pelos líderes
bolcheviques para instalar sentimentos de ódio para com o família imperial e
angariar adeptos para a causa comunista, tanto que uma das promessas de
Vladimir Lenin (1870–924) caso obtivesse apoio (que jamais veio nas proporções
esperadas, ficando restrito aos centros e ao pequeno grupo “proletário” que havia
na Rússia na época) era a retirada do país do conflito. No final das contas, a
participação russa na guerra acabou servindo de peça de propaganda
antimonárquica por parte dos comunistas

Até que, em 17 de julho de 1918, todos os Romanov (o Czar Nicolau II, a Czarina
Alexandra, seus cinco filhos e outros que decidiram acompanha-los) são
assassinados por uma trupe comunista liderada por Yakov Yurovsky. Embora
especule-se se a ordem do assassinato tenha partido do próprio Lenin, não há
documentos oficiais que atestem a especulação.

O envolvimento russo com a guerra teve início devido aos já mencionados acordos
de proteção pré-existentes. A Rússia tinha um comprometimento com a Sérvia,
país que sediou o estopim da guerra, a saber, o assassinato do arquiduque do
Império Austro-húngaro Francisco Ferdinando. Com o assassinato, o Império
Austro-húngaro declara guerra à Sérvia, por sua vez, a Rússia se vê comprometida
a declarar guerra ao Império Austro-húngaro.

Após longo desgaste, a Revolução Bolchevique ganha cada vez mais força. Em
março de 1917 estabelece-se um governo moderado, porém, com o Czar já
excluído do poder. Em outubro do mesmo ano, os bolcheviques, desejosos de
chegar ao poder a qualquer custo, mesmo que por meios violentos, derrubam o
governo provisório, de natureza mais liberal, e tomam o poder para deixá-lo
apenas em 1991. Nesse mesmo outubro de 1917 é cumprida a “promessa de
campanha” de deixar a guerra e a Rússia abandona o conflito ainda não
encerrado.

Com isso, uma das figuras centrais desse estudo ainda não está no poder —
Joseph Stalin (1878–1953), mas é já durante o exercício de poder de Vladimir
Lenin que o novo desenho geopolítico para a Rússia, então União Soviética, na
Europa começar a ganhar contornos, o que terá consequências para quando então
Lenin deixar o poder após sua morte, Stalin assuma a governança soviética com
suas já conhecidas mãos de ferro e ponha em prática suas intenções imperialistas
de exercer domínio sobre todo o continente europeu.

1.3 Os meandros do conflito

Até 1914 a Europa experimentou a chamada “paz armada”, fundamentada pela


desenfreada corrida armamentista das principais potências do continente. Essa
necessidade de armamento atesta a tese de que o clima belicoso já imperava a
todo vapor no pré-1914. A imagem, muito comum, de um barril de pólvora a
espera de uma fagulha para explodir nunca fez tanto sentido, fagulha esta que foi,
conforme citado, o assassinato do sucessor ao trono austro-húngaro, Francisco
Ferdinando.

Resumidamente, o conflito, em sua frente ocidental (alemães enfrentando belgas,


franceses e ingleses), pode ser descrita da seguinte maneira: A) a assim chamada
“guerra de movimento”, de agosto a novembro de 1914, caracterizou-se pelo
movimento intenso de tropas. O plano alemão era invadir a França desde um
flanco de 600km, a estratégia recebeu o nome de “Plano Schlieffen”, contudo, o
estratagema falhara graças à resistência dos belgas e à ajuda inglesa dada aos
franceses na Batalha do Marne em setembro de 1914. A falha no plano fez a
guerra estacionar, além de findar a propagandística ideia pré-guerra de um
conflito curto, o fato conduziu à etapa seguinte, onde a batalha seria travada em
trincheiras. B) a “guerra de trincheiras”, uma inovação da Grande Guerra, onde
agora os mosquetes e cavalos eram coisas do passado e os exercidos francês e
inglês, lado a lado, enfrentaram o exército alemão a partir de 640km de solo
cavado e protegido por cercas de arame farpado e terra (Cf. Figura 1), desde o
Norte até a fronteira com a Suíça. Metralhadoras e granadas eram as principais
forças contra os adversários. Apesar de inovadora, as trincheiras também eram
grandes valas humanas, em 1915, franceses haviam avançado apenas 15km e à
custa de um milhão de vidas.

Figura 1, exemplo de trincheira

As condições físicas nas trincheiras eram precárias: faltava alimento e higiene, o


que atraía ratos e mosquitos e, por consequências doenças. O horror da guerra
não se limitava a tiros ou granadas. Fonte:
<http://teste.planetaeducacao.com.br/historia/vida_trincheiras.asp>.

Nesse mesmo tempo, na chamada frente oriental (conflito entre alemães e


russos), alemães nadavam de braçada contra o mal equipado exército russo.
Alemães eram bons estrategistas, tinham tropas bem treinadas e, principalmente,
um serviço de escuta telefônica capaz de interceptar mensagens russas
extremamente eficiente. A despeito disso, na Ásia e na África, o império alemão
perdia suas colônias para, respectivamente, japoneses e ingleses. A situação do
teoricamente mais forte exército do Velho Continente já na primeira metade do
conflito não era exatamente vantajosa.

Ainda nesse meio tempo e retornando ao bloco ocidental, Itália, Romênia e Grécia
adentram a guerra, do lado da Entente (eixo formado por Império Austro-húngaro
e Império Alemão, futuro “eixo do mal” na Segunda Guerra), ao passo que
Bulgária e Império Otomano aliam-se às potências centrais. O desenrolar da
primeira metade da guerra pode ser descrito assim.

Por fim, em meio ao conflito ocorre a Revolução Bolchevique em 1917, conforme


já mencionado e em abril de 1917 os EUA entram na guerra, pois os alemães se
tornaram um empecilho para os interesses comerciais americanos além-mar e,
ademais, o Império alemão foi responsável pelo torpedeamento do navio
americano “Lusitânia” e ofereceu ajuda ao México em eventual conflito com os
EUA. Isso tudo, por fim, levou à fase aqui chamada de C, última da guerra, uma
espécie de “nova guerra de movimento”. Com a saída da Rússia, o Império Alemão
pode concentrar suas forças na frente ocidental, isso também serviu para a
Entente unir forças e avançar contra alemães e numa espécie de segunda Batalha
do Marne, alemães são vencidos pelas forças das potências centrais.

Já profundamente desgastado, o Império Alemão entra em crise e isso ressoa no


solo alemão, fazendo estourar uma revolta popular que leva o kaiser Guilherme II
a renunciar e lá proclamar a República. Dois dias depois, em 11 de novembro de
1918, o novo governo, agora republicano, assina o Armistício de Compiègne,
pondo fim à guerra e, evidentemente, selando a derrota alemã.

1.4 Desfecho e consequências da Primeira Guerra Mundial

Em 11 de novembro de 1918, portanto, encerrava-se o conflito mais sangrento


visto até então pela humanidade. As novidades foram diversas: o quase abandono
dos cavalos e mosquetes, a ascensão das metralhadoras e o primórdio do tanque
de guerra, o uso para fins bélicos do avião, as armas químicas, as trincheiras e um
tanto de algumas outras coisas. As monarquias entraram em descrédito não
apenas por razões políticas, mas até por razões psicológicas: diante da crueza da
guerra, qual o sentido de sustentar toda a pompa atrelada às famílias reais? O
mapa da Europa, definitivamente, fora alterado (conferir Figura 2), mas talvez o
espírito europeu tenha sido alterado ainda mais, o horror das aproximadamente 9
milhões de mortes (além de cerca de 30 milhões de feridos, entre civis e militares)
da guerra certamente criou marcas indeléveis nos povos da Europa.

Figura 2 — Mapa político da Europa antes e depois da Primeira Guerra Mundial

É visível na comparação entre os dois mapas a dissolução dos antigos grandes


impérios. Fonte: <http://f.i.uol.com.br/folha/mundo/images/08315304.gif>.

A Alemanha saiu da guerra derrotada, humilhada e condenada a severos acordos


de paz (regidos pelo Tratado de Versalhes), que muitos consideram como fator
determinante para a ascensão de Hitler ao poder, que teria usado a crise
econômica causada pelas reparações e a humilhação da obrigatoriedade do
exército alemão de ser limitado como fatores para, futuramente, mexer com o
brio dos alemães e conquistá-los com retórica nacionalista. Vejamos as principais
exigências do Tratado de Versalhes, assinado em 28 de junho de 1919, feitas pelos
vencedores França e Inglaterra: a devolução da região da Alsácia-Lorena à França,
ceder aos vencedores todos os direitos sobre as colônias ultramarinas, entregar à
França o controle total das minas de carvão na bacia do rio Sarre, numa perda
total de um sétimo de seu território, proibição de possuir aviação militar, canhões
e submarinos, entregar aos vencedores seus navios mercantes, além de pagar aos
seus adversários diversas indenizações, que totalizavam cerca de trinta e três
bilhões de dólares.

O Império Austro-húngaro também compõe o bloco de derrotados e acaba


dissolvido; o Império Otomano vira Turquia e tem suas fronteiras diminuídas
(reconhece a independência da Armênia e a administração da Síria, Iraque e
Líbano recai sobre Inglaterra e França), a Polônia revê sua condição de Estado
independente e, evidentemente, a Rússia agora é União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas. Em resumo, surgem as nações: Polônia, Checoslováquia, Iugoslávia,
Áustria, Hungria, Estônia, Lituânia e Letônia. Quem regeu essas mudanças
relativas ao Império Austro-húngaro foi o Tratado de Saint-Germain (1919). Por
fim, as mudanças no Império Otomano foram regidas pelo Tratado de Sèvres
(1920), este perdeu boa parte de seus territórios para a Grécia e a Armênia foi
declarada independente. É também criada a Liga das Nações, visando a
manutenção da paz.

A Grande Guerra não foi apenas uma tragédia humanitária, mas também
econômica. A maioria dos países estava com suas economias seriamente
comprometidas devido aos gastos com armamento, além do rescaldo de
destruição deixado para trás em muitas cidades (muitas pontes, estradas e
prédios a serem reconstruídos), que precisariam ser refeitas, a manutenção dos
hospitais que cuidavam dos feridos e o pagamento de pensões às viúvas ou
aposentadoria aos militares mutilados ou com problemas mentais (que eram em
grande número).

Tido como um dos melhores livros já escritos por diversos intelectuais, vale a
menção à obra “A Sagração da Primavera”, de Modris Eksteins, focado justamente
em como a Primeira Guerra Mundial moldou o destino do mundo no século XX.

1.4.1 Os Estados Unidos da América

Os EUA só se envolvem no conflito ao final dele, para virar a mesa e sair ao lado
dos vitoriosos (cena que se repetirá na Segunda Guerra Mundial). Enquanto o
conflito não o afetava, preferiu manter a perigosa retórica isolacionista e pacifista
(também repetida na Segunda Guerra Mundial, conferir Figura 3) no jogo público
e não se envolver numa disputa que parecia exclusivamente europeia.

Figura 3 — Manifestação pacifista em território americano durante a Segunda


Guerra Mundial

Manifestantes pacifistas perguntam “por que atacar Hitler?”. Olhando em


perspectiva histórica nota-se o absurdo da indagação. Fonte:
<http://www.andreassibarreto.org/2016/01/o-perigo-das-retoricas-pacifista-
ou.html>.

Mesmo antes do envolvimento direto, a América já comercializava material bélico


com os Aliados (França e Grã-Bretanha especialmente). Ou seja, tinha algum
envolvimento, mas exclusivamente lucrativo, ganhava dinheiro sem seu material
humano ou território ocupar a linha de frente e, portanto, sofrer tantos danos
quanto as demais potências. Além disso, se tornaram credores de muitos países
europeus e não tiveram sua indústria afetada pela materialidade do conflito, ou
seja, suas perdas foram praticamente nulas se comparadas às dos europeus. Tudo
isso só fez consolidar sua condição de potência global dominante.

A consolidação dos EUA enquanto potência global interessa para a pesquisa que
aqui se estabelece porque toda grande potência imperialista da História do
mundo deseja atingir um nível pleno ou praticamente pleno de dominação (em
nível continental ou global) e essa será também a intenção de Joseph Stalin
quando chegar ao poder, portanto, o papel geopolítico da América ao longo do
século XX é um conhecimento essencial para a fundamentação da tese do xeque-
mate que Stalin pretendia dar nas potências ocidentais na Segunda Guerra
Mundial.

II

A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Se o primeiro conflito que recebeu a alcunha de “mundial” fora sanguinolento e


catastrófico em proporções nunca vistas, poucos imaginavam que sua
“continuidade” pudesse ser ainda mais trágica e violenta. A atmosfera da Primeira
Guerra nunca se dissipou, o mundo experimentou a crise de 1929 e a Europa viu a
ascensão do fascismo e dos totalitarismos. O século XX ficaria, então, marcado
como a “era do totalitarismo”, fazendo paráfrase do termo consagrado pelo
historiador Eric Hobsbawn (1917–2012) e usando o conceito tão bem exposto e
estudado pela filósofa Hannah Arendt (1906–1975, a quem ainda será referida
novamente, Cf. ARENDT, 2012). Se algum período da História humana de fato
merece o epíteto de “idade das trevas”, certamente deveria ser o século XX — ao
menos no que concerne à matança generalizada perpetrada no período. Nem o
mais cruel rei medieval, em seus mais elevados sonhos, considerou a hipótese de
matar tanta gente em tão larga escala e nem o mais autoritário dos monarcas
imaginou controlar as palavras e os pensamentos das pessoas, como pretenderam
(e, em certa medida, conseguiram) os líderes totalitários do século passado. Se a
Segunda Guerra Mundial foi, em alguma medida, um plano belicoso de Stalin para
executar seu próprio plano imperialista e expansionista, faz-se mister conhecer
alguns aspectos, na sequência apresentados, do conflito.

2.1 As causas da Segunda Guerra Mundial

Entramos aqui, agora, no terreno propriamente dito desta pesquisa, em seu


aspecto central. Visto que queremos, em certa medida, contestar uma
interpretação considerada como “oficial” das causas da Segunda Guerra, vale a
pena seguir o mesmo método do capítulo anterior e percorrer essa interpretação
oficial, ainda que de maneira breve. As causas da Segunda Guerra Mundial — e
particularmente para a ascensão do nazismo –, tal como relata a historiografia
predominante foi sumarizada pelo filósofo e historiador das ideias americano
Leonard Peikoff da seguinte maneira: a) a derrota alemã na Primeira Guerra
Mundial e as sanções impostas pelo Tratado de Versalhes (conforme descrito em
capítulo anterior), b) a Grande Depressão fez o fascismo ascender na Europa e,
particularmente, o nazismo na Alemanha, c) a ascensão do nazismo se deve à
fraqueza dos partidos não-totalitários na República de Weimar, a pressão de
alguns grupos sobre a guerra e a paralisia governamental que se seguiu desse
quadro, d) outros atribuíram o nazismo à crescente secularização e ao espírito
científico e materialista do mundo moderno e alemão, e) o nazismo como
resultado inevitável do capitalismo, f) a causa do nazismo foi a “depravação inata
dos alemães” e, por fim, g) há ainda os que tentam explicar o nazismo à luz de
Freud, se referindo ao Complexo de Édipo ou pulsão de morte do povo alemão (Cf.
PEIKOFF, 1983, p. 20 e 21). Antes de comentar as possíveis refutações a cada
ponto, frisamos aqui que, por “causa do nazismo”, entende-se, por tabela, causa
da Segunda Guerra, visto que teria sido o espírito belicoso e expansionista de
Adolf Hitler que teria levado as potências ocidentais às reações subsequentes.

Quanto aos pontos a e b, faz-se necessário notar que muitos países foram
afetados pelo quadro final da Primeira Guerra e nem por isso deram azo a um
totalitarismo sanguinário de tipo nazista, ademais, o sentimento antissemita, por
exemplo, já existia muito antes da guerra e dos detalhes do Tratado de Versalhes,
de forma que não se trata de negar a influência do ocorrido, mas apenas de
restringi-la a um escopo mais coerente, e portanto limitado. É evidente que as
punições propostas pela Entente ajudaram, e muito, a inflamar a retórica nazista,
mas afirmar que foram o fator determinante para a ascensão ao poder — no
contexto de um fenômeno tão específico como o nazismo — é equivocado.
Quanto a c, na esteira do que se disse anteriormente, são fatores demasiado
fracos e que afligiram outros países além da Alemanha para serem capazes de
explicar por si só o fenômeno nazista. A causa d normalmente é afirmada desde
um pano de fundo religioso, que deseja associar a queda nos índices de
religiosidade geral na Europa ao aumento de atitudes assassinas e imorais,
podendo ser desacreditada por não ter valor histórico, cabendo ainda afirmar
que, à época, a Alemanha era, especialmente na Prússia, um dos países mais
religiosos da Europa Ocidental, a República de Weimar pululava de cultos místicos
(sendo o nazismo apenas um deles) e o grupo religioso mais amplo e devoto foi
um dos primeiros a aderir firmemente a Hitler, os luteranos[5]. Em e vê-se
claramente a explicação padrão para qualquer problema oferecida pela narrativa
marxista de contar a História, se fosse esse o caso, por que o nazismo não
ascendeu na Holanda ou na Inglaterra, verdadeiros berços do capitalismo e onde
este sistema econômico estava em estágio muito mais avançado? Ademais, a
Alemanha pós-Bismarck era o país menos capitalista da Europa Ocidental, com
impostos altíssimos e crise econômica generalizada derivada em parte de sua
política econômica, em parte das suas dívidas internacionais do pós-guerra;
portanto a República de Weimar teve, desde o princípio, uma economia bastante
controlada, centralizada e profundamente caótica. Era um país com dificuldade
para se modernizar e uma sociedade cujas figuras políticas e elites financeiras
tinham dificuldade de separar os interesses públicos dos privados (STERN, 1987).
Os impostos altos e a falta de financiamento público de múltiplas áreas deu força
ao discurso radical nacional socialista, de modo que “nós não podemos ver o
desastre de Weimar simplesmente como um evento político de causas
econômicas” (MYERSON, 2004, p. 4).

À guisa de conclusão, em f, depravação é um conceito moral e conceitos morais só


fazem sentido à luz do livre-arbítrio, se a depravação dos alemães fosse inata, eles
não poderiam ser culpados pelo que fizeram. Ademais, regimes totalitários e
sanguinários como o de Hitler, diferindo apenas em grau, surgiram por todo o
globo em diversas épocas. Por fim, g, podemos descartar essa possibilidade
porque o Complexo de Édipo é um recurso freudiano que se propõe a explicar
tudo e qualquer coisa e, por consequência lógica, nada explica. Para maior
detalhamento, conferir BARRETO, 2013.

Há ainda, aqueles que atribuem a chegada de Adolf Hitler ao poder graças à sua
genialidade inata, sua habilidade política singular e outras teses do gênero. Essa
hipótese, para explicar toda a ascensão do nazismo com ênfase única e exclusiva
na figura de Hitler, deveria ignorar onde ele surgiu, em qual momento cultural
apareceu, quais elementos de personalidade eram admirados pela população da
época, entre outros fatores. A explicação mais difundida para a ascensão de Hitler
ainda é a interpretação weberiana de liderança carismática, que busca na
sociedade, e não em um indivíduo isolado, a compreensão de tamanho sucesso
(KERSHAW, 1998). Assim, adota-se aqui uma explicação que também vai na
contramão desta hipótese generalizante. Um de seus maiores biógrafos, Kershaw
(2001), defende que a resposta deve ser encontrada na sociedade da época e em
suas motivações políticas e sociais. Na mesma linha do autor anterior, segue-se,
ipsis literis, a posição do filósofo germano-americano (que teve de fugir do regime
hitlerista e se abrigar em solo americano) Eric Voegelin:

O fenômeno de Hitler não se esgota em sua pessoa. Seu sucesso deve ser situado
no quadro geral de uma sociedade arruinada intelectual ou moralmente, no qual
figuras que em outros tempos seriam grotescas e marginais e podem ascender ao
poder público por representarem formidavelmente o povo que as admira. Essa
destruição interna de uma sociedade não terminou com a vitória dos aliados
sobre os exércitos alemães na Segunda Guerra Mundial, mas continua até hoje.
Devo dizer que a destruição da vida intelectual na Alemanha em geral e nas
universidades em particular é fruto da destruição que pôs Hitler no poder e da
destruição perpetrada sob seu regime. O processo ainda está em curso e não é
possível entrever seu fim, de sorte que consequências surpreendentes são
possíveis. O estudo desse período por Karl Kraus, e especialmente sua arguta
análise do detalhe sujo (aquilo que Hannah Arendt chamou de “banalidade do
mal”), tem grande importância para nós hoje, pois é possível encontrar
fenômenos correlatos na sociedade ocidental, embora não ainda, felizmente, com
os efeitos destrutivos que resultaram na catástrofe alemã (VOEGELIN, 2008, p.
41).

Ainda, sobre a suposta “aura” que Adolf Hitler seria dotado, encantadora das
massas, o mesmo filósofo afirma:

Então, a aura não é um poder objetivo, mas funciona seletivamente. Certas


pessoas sucumbem a essa aura, outras, não. E a seletividade da aura de novo está
em correspondência com a problemática que tratei da última vez, a fonte da
autoridade: poder, razão e revelação.

Quem reage apenas ao poder sucumbe à aura do poder e da existência que irradia
de Hitler. Quem, além disso, é uma personalidade de certo nível espiritual não
sucumbe. Essa é a diferença. Então, pessoas comuns e vários outros grupos sociais
sucumbem. Em todas as conferências e discursos de Hitler havia algumas
mulheres nas primeiras fileiras que eram fãs extáticas e estavam sempre por ali.
Eram chamadas pelos membros da SS — pessoas de uma disposição algo mais
tosca — a “brigada de veia varicosa”. Esses, então, eram os tipos de pessoas
fascinadas por Hitler e sucumbiam à aura dos olhos azuis. Quando se leem
discursos da líder da organização feminina nacional-socialista, onde ela elogia em
ternos êxtases sexuais o homem que Deus enviou a elas, vê-se que esses são os
tipos que sucumbem. Os outros, naturalmente, não (GORDON apud VOEGELIN,
2017, p. 33).

O deslumbramento com a figura de Hitler era muito mais fruto de uma adoração
cega das subclasses que o cercavam do que relativo a verdadeiros méritos
intrínsecos à personalidade[6] do ditador nazista. uma criação de sua época e um
símbolo de revolta dos frustrados, humilhados, desempregados e raivosos
(EKSTEINS, 1989, p. 324). Ele emerge em uma sociedade em contínua disputa
entre forças extremistas: “Nazismo e o Comunismo dominavam a paisagem
alemã. Ambos eram partidos da revolução” (EKSTEINS, 2012, p. 170), de forma
que, atribuir a chegada do nazismo ao poder — e, por consequência, as ações
alemãs na Segunda Guerra — à genialidade de Hitler é um patente equívoco
baseado em uma generalização unilateral.

Durante o verão, enquanto a Depressão continuava sua curva ascendente, o apelo


nazista aumentou. Por toda parte se via privação e dificuldade. Em 1932, na
eleição parlamentar nacional de julho, a representação do partido no Parlamento
saltou de 107 para 231. Se 89 dos comunistas eleitos fossem adicionados a este
bloco radical, do total de 320 assentos dos 608 no parlamento, isso significava que
agora dois partidos extremistas controlavam a atmosfera alemã. A Alemanha
estava em condição de pré guerra civil (EKSTEINS, 2002, p. 169–170).

Hitler não chegou ao poder por um golpe de estado (…) A constituição estava em
ruínas e o vácuo político existia (…) A conquista do poder nazista não foi uma
‘tomada de poder’; foi uma afirmação de desejos positivos, de princípios, de
‘verdade’ em um vácuo de valores, convicções e alternativas políticas (EKSTEINS,
1975, p. 310).

De forma que, atribuir a chegada do nazismo ao poder — e, por consequência, as


ações alemãs na Segunda Guerra — à sua genialidade é um patente equívoco.
Hitler pode ser tranquilamente descrito como um carniceiro que chegou ao poder
na hora certa para executar seu projeto totalitário de poder e de mundo.

2.2 Nacional-socialismo e comunismo, irmãos siameses expansionistas e


totalitários

Há muita discussão, até mesmo no nível do senso comum, sobre as naturezas


tanto do nazismo como do comunismo. Existem os partidários que defendem que
eles seriam absolutamente antagônicos, visto que um perseguiu e combateu o
outro por certos períodos, e também existem defensores da ideia de que eles
seriam ideologias bastante próximas entre si. Adotamos aqui a hipótese de que
ambos viveram fases de agressão entre si, como é de conhecimento geral, mas
que as estruturas de ação, de pensamento e o ideário dessas duas ideologias
totalitárias e sanguinárias são mais próximas do que a historiografia oficial está
disposta a admitir. Particularmente — no aspecto que norteia essa pesquisa —
como ideologias totalitárias, isto é, que almejam o poder literalmente total[7],
isso implica num expansionismo radical que almeja, em última instância, o
domínio global. Ambas se assemelham também neste aspecto, e justamente por
essa razão podem ser consideradas irmãs siamesas concorrentes, a despeito de
quaisquer interstícios de paz: só há espaço para uma dominação global absoluta.
Ou seja, a divergência é mais no campo da realidade prática que propriamente da
teoria. A explanação de François Furet ajuda a compreender a questão:

É, portanto, na Alemanha nazista que se vê o bolchevismo mais perfeito: o poder


político engloba ali, realmente, todas as esferas da existência, da economia à
religião, da técnica à alma. A ironia da História, ou sua tragédia, é que os dois
regimes totalitários, idênticos quanto às suas pretensões de poder absoluto sobre
seres desumanizados, se apresentam cada um como um recurso contra os perigos
que o outro apresenta. Tiram o que sua propaganda tem de mais forte da
hostilidade ao que os assemelha (FURET, 1995, p. 251).
Muito embora haja uma intransponível divergência em termos de métodos — isto
é, em como realizar as ambições políticas e sociais de cada ideologia -, isso não
impediu que, estrategicamente, União Soviética e Alemanha nazista assinassem
um tratado de não-agressão baseado, justamente, em expansão territorial. Pelos
idos de agosto de 1939, os dois países assinam o Pacto Ribbentrop-Molotov, que
versava sobre a divisão entre as duas potências da Polônia e acerca de uma
promessa de não-agressão entre os dois (acordo esse que seria quebrado por
Hitler com a Operação Barbarossa, de invasão da parte soviética da Polônia, a
partir de 22 de junho de 1941). A narrativa de que a União Soviétiva “combateu o
fascismo” pode ser predominante, mas o fato da aliança entre os dois
totalitarismos não pode passar despercebida e, mesmo à época, não foi ignorada
pelos partidos comunistas ao redor do mundo; como o próprio Ernst Topitsch
chama a atenção, comunistas franceses “viraram a chave” sem grande peso na
consciência, foram de combatentes do fascismo nazista a aliados sem maiores
delongas; já nos EUA, por exemplo, houve maior reticência de alguns comunistas
em baixar a cabeça para as ordens ideológicas vindas de Moscou (Cf. TOPITSCH,
1987, p. 40–51). Ainda:

Ora, o fascismo nasce como uma reação do particular contra o universal; do povo
contra a classe; do nacional contra o internacional. Nas suas origens, ele é
inseparável do comunismo, cujos objetivos combate ao mesmo tempo que imita
os seus métodos (FURET, 1995, p. 35).

Pois se o comunismo é indispensável à compreensão do fascismo (mas a recíproca


também é verdadeira}, é por razões mais amplas do que sugere a cronologia que
vai de Lênin a Mussolini, 1917–1922, ou de Lênin ao primeiro Hitler, 1917–1923,
segundo uma lógica de ação-reação. Bolchevismo e fascismo se seguem, se
geram, se imitam e se combatem, mas antes disso eles nascem do mesmo solo, a
guerra; são os filhos da mesma história (ibidem, p. 201).

Mas a ideia nacional-socialista (ou fascista) não é uma ideia tão simplesmente
derivada. Na verdade, ela tira sua força da mesma fonte que o bolchevismo
vitorioso: a guerra. Como o bolchevismo, ela permite mobilizar as paixões
revolucionárias modernas, a fraternidade dos combatentes, o ódio à burguesia e
ao dinheiro, a igualdade dos homens, a aspiração a um mundo novo (ibidem, p.
204).

Há ainda que se destacar a definição mesma de totalitarismo oferecida por


Hannah Arendt, tanto para asseverar a semelhança das duas ideologias quanto
para diferenciá-las do “fascismo em geral”, visto que usualmente usa-se o termo
“fascismo” para se referir também ao nazismo, o que parece ser um equívoco.
Para Hannah Arendt, nazismo e “bolchevismo” são irmãos, pois, o primeiro visa
estabelecer um totalitarismo calcado no conceito de raça e o segundo, no de
classe, servindo-se de métodos e estratégias semelhantes ou até idênticos. Ainda,
apenas nazismo e comunismo soviético foram totalitários caso se considere a
conceituação precisa, diferindo dos fenômenos efetivamente fascistas que
ocorreram em Espanha, Portugal e Itália — que podem ser considerados “semi-
totalitários”, autoritários ou simplesmente “fascistas”[8]. Conforme explica
Arendt:

Os movimentos totalitários objetivam e conseguem organizar as massas — e não


as classes, como o faziam os partidos de interesses dos Estados nacionais do
continente europeu, nem os cidadãos com suas opiniões peculiares quanto à
condução dos negócios públicos, como o fazem os partidos dos países anglo-
saxões. Todos os grupos políticos dependem da força numérica, mas não na escala
dos movimentos totalitários, que dependem da força bruta, a tal ponto que os
regimes totalitários parecem impossíveis em países de população relativamente
pequena, mesmo que outras condições lhes sejam favoráveis. Depois da Primeira
Guerra Mundial, uma onda antidemocrática e pró-ditatorial de movimentos
totalitários e semitotalitários varreu a Europa: da Itália disseminaram-se
movimentos fascistas para quase todos os países da Europa central e oriental (os
tchecos — mas não os eslovacos — foram uma das raras exceções); contudo, nem
mesmo Mussolini, embora useiro da expressão “Estado totalitário”, tentou
estabelecer um regime inteiramente totalitário, contentando-se com a ditadura
unipartidária. Ditaduras não totalitárias semelhantes surgiram, antes da Segunda
Guerra Mundial, na Romênia, Polônia, nos Estados bálticos (Lituânia e Letônia), na
Hungria, em Portugal e, mais tarde, na Espanha. Os nazistas, cujo instinto era
infalível para discernir essas diferenças, costumavam comentar com desprezo as
falhas de seus aliados fascistas, ao passo que a genuína admiração que nutriam
pelo regime bolchevista da Rússia (e pelo Partido Comunista da Alemanha) só era
igualada e refreada por seu desprezo em relação às raças da Europa oriental. O
único homem pelo qual Hitler sentia “respeito incondicional” era “Stálin, o gênio”,
e, embora no caso de Stálin e do regime soviético não possamos dispor (e
provavelmente nunca venhamos a ter) a riqueza de documentos que encontramos
na Alemanha nazista, sabemos, desde o discurso de Khrushchev perante o
Vigésimo Congresso do Partido Comunista, que também Stálin só confiava num
homem, e que esse homem era Hitler (ARENDT, 2012, p. 436 e 437).

A afirmação de Arendt certamente soa como um choque para aqueles


acostumados à versão e bibliografia oficiais, onde sub-repticiamente Stalin é
retratado como uma espécie de “herói” da derrota de Hitler. Contudo, conforme
ilustrou-se até aqui, ambos ditadores eram admiradores um do outro e Stalin se
volta contra Hitler apenas quando isso se tornou estrategicamente interessante,
após as potências ocidentais estarem já em longo desgaste no combate ao
nazismo, depois de Stalin ter sido abastecido por gordas quantias de dólares e
armamentos americanos e, ainda, frisa-se, após a Força Aérea Real britânica ter
dizimado a poderosa Luftwaffe, como não deixa esquecer o historiador britânico
Paul Johnson (Cf. JOHNSON, 2012, p. 126), o que permitiu a exitosa invasão
soviética por terra da Berlim nazista.

Vale ainda uma última refutação que paira em torno da suposta inimizade visceral
entre nazismo e comunismo enquanto ideologias opostas, de que enquanto a
Alemanha nazista perseguia e matava judeus, como é bem sabido, a União
Soviética seria uma espécie de paraíso e refúgio para judeus. Conforme
documenta o livro “Samizdát: a identidade judaica na União Soviética” (conferir
referência completa nas referências bibliográficas), a identidade judaica só era
possível de maneira marginal e não-oficial na União Soviética, a identificação
como judeu tinha de ser clara em passaporte e as publicações judaicas foram
absolutamente suprimidas e perpetuaram-se apenas na ilegalidade. Com isso, não
se pretende afirmar aqui que soviéticos eram tão antissemitas quanto nazistas ou
que tenham promovido matança sistemática e organizada do povo judeu, tal
como na Alemanha de Hitler. Contudo, a condição não era livre e positiva (talvez
muitos avaliem assim justamente em comparação com a Alemanha, mas tratando
a questão em si mesma, poucas vantagens ou benefícios se verificam), qualquer
imagem nesse sentido é oriunda de propaganda e não dos fatos. Conforme Furet:

Se, porém, existe de maneira tão forte no século, é por uma razão oculta no
tumulto dos insultos recíprocos; é porque Hitler é o irmão tardio de Lênin. Existe
um modo mais filosófico de exprimir esse parentesco 5ecreto, se extrairmos do
bolchevismo um conceito mais vasto que o regime russo, marcado pela
marginalidade geográfica e pelo atraso histórico. Pois se a essência do
bolchevismo não está nem no marxismo nem na herança russa ou russo-asiática,
e sim na prioridade absoluta conferida à ordem política e à modelagem da
sociedade, então o regime oriundo de Outubro de 1917 pode ser considerado a
primeira aparição do Partido-Estado, investido pela ideologia de uma missão
escatológica

O bolchevismo ‘vermelho’· é, assim, analisado como um fenômeno prenunciador


dos regimes totalitários do século, embora envolto em roupagens de uma outra
era. O que ele prefigura é realizado sob sua forma moderna por Hitler (FURET,
1995, p. 248, 250).

Embora não seja o caso aqui de esgotar a vasta bibliografia que trata das diversas
semelhanças históricas, sociais, políticas, econômicas e metodológicas entre
nazismo e comunismo, justifica-se a menção a algumas: os já citados Voegelin
(2008; 2008) e Arendt (2012), além de Besançon (2000), Aron (2016), Kolakowski
(2008), Kuehnelt-Leddihn (1974) e outros.

2.3 O conflito e suas bases

Em 1931 o imperialismo expansionista japonês, que estava a todo vapor, invade a


Manchúria, província chinesa de solos férteis e rica em minérios. Embora a Liga
das Nações tenha condenado o ato japonês, nada fez além de declaração verbal.
Em 1937 o Japão deixa a Liga e mantém a ocupação da China, ocupando-a quase
que totalmente. Na Itália, Benito Mussolini, um ex-socialista e então fascista,
ocupava o poder e tinha uma política externa expansionista. Em 1936 conquistou
a região que hoje se conhece como Etiópia. As forças de defesa etíope eram
simplórias e a invasão italiana foi relativamente fácil, uma das ideias de Mussolini
era sugerir que a partir do evento dessa invasão era o princípio do retorno do
poderio romano. Mais uma vez a Liga das Nações reage, condenando a ação, mas
sem maiores efeitos; EUA e Alemanha, que não eram membros do grupo,
continuaram a praticar comércio com a Itália, minando o embargo imposto pela
Liga ao país de Mussolini. A Liga das Nações, fundada ao final da Grande Guerra
para garantir a paz, em verdade, não conseguia atingir seu objetivo.

Torna-se evidente aqui que o ideário expansionista apresentado por qualquer


grande potência da História continuou sendo um elemento-chave para
compreender a Segunda Guerra Mundial ou, na verdade, reforçando a tese
apresentada no início do primeiro capítulo, foi apenas um novo pico do que já foi
a causa da Primeira, praticamente como que dando continuidade ao mesmo
conflito, apenas agora com novos atores.

2.3.1 A escalada nazista e o desenrolar da guerra

Enquanto isso, a tônica na Alemanha era mais ou menos a mesma, apenas com a
retórica hitlerista inflamada pelo orgulho ferido alemão pela derrota na Grande
Guerra. Hitler afirmava que a expansão de espaço vital (isto é, não qualquer
território, mas território estratégico) era essencial para a Alemanha retomar sua
grandeza devida. Hitler havia se tornado chanceler da Alemanha em 30 de janeiro
de 1933. Em 1935 já reintroduzira o serviço militar obrigatório, estreitou sua
relação com fabricantes de armas e gasolina, dando início ao rearmamento da
Alemanha, até então impedida disso por cláusulas já aqui citadas do Tratado de
Versalhes (Cf. EVANS, 2013).

Enquanto isso, conforme muito bem documentado, as potências França e


Inglaterra nada faziam. É bem verdade que muita gente, entre intelectuais e
políticos, tardou em demasia a enxergar o perigo nazista em sua verdadeira
natureza. Churchill foi um dos poucos a antever o fato[9], o que levou os
portadores da sanha pacifista, já criticada aqui, a acusá-lo de “belicoso”. Muitos só
foram se atentar para o perigo nazista quando a coisa já estava incontrolável a
ponto da ocorrência da Kristallnacht, a famosa “noite do cristal”, onde os
arruaceiros de Hitler (inicialmente chamados de “SA”), em 1933, saíram às ruas
para destruir estabelecimentos comerciais judaicos e prender judeus
aleatoriamente. Só então muitos jornais da Europa e além relataram o regime
nazista em toda sua brutalidade, antissemitismo e perigo. O episódio é bem
documentado pelo historiador Martin Gilbert em A Noite de Cristal (Cf. GILBERT,
2006).

Em 1936, Hitler e Mussolini se tornam aliados e colaboram com Francisco Franco


na guerra civil espanhola. O bom resultado no conflito deu luz ao que veio a se
tornar o eixo Roma-Berlim, posteriormente, com a aliança com o Japão, eixo
Roma-Berlim-Tóquio, formando os famigerados “países do Eixo”, que até hoje
rendem a já popularizada expressão “eixo do mal”.

Em 1938 a sanha expansionista de Hitler estava a todo vapor e ocorre o episódio


denominado Anschluss, que é a anexação da Áustria, pátria de Hitler, ao território
alemão. Evidentemente que ainda não contentes, nazistas desejavam a região dos
Sudetos, parte industrializada da então Tchecoslováquia e de maioria alemã.
Temerosa, a Tchecoslováquia espera ajuda da França, que não vem, pois, a França
prefere aderir à “política de apaziguamento”, encabeçada pelo primeiro-ministro
inglês Neville Chamberlain. França e Inglaterra ainda acreditavam na possibilidade
de paz com Hitler (mesmo quando Churchill chega ao poder, muita gente próxima
e poderosa em seu gabinete desejava a paz com Hitler), provavelmente insuflados
de retórica pacifista. Não se duvida (nem Churchill nunca duvidou) das boas
intenções do ministro Chamberlain, não era o caso que ele fosse simpático a Hitler
ou coisa do tipo, apenas era um homem cuja fibra moral o fazia ver o mesmo que
via em si nos outros, até num carniceiro como Hitler. A realidade é muito mais
complexa e desagradável e, conforme dizia o próprio Churchill, não se negocia a
paz com um crocodilo quando se está com a cabeça dentro da boca dele.

Após tanta invasões e atos belicosos, a gota d’água para as potências aliadas foi a
invasão alemã da Polônia, a quem ingleses e franceses também haviam prometido
proteção. Nesse mesmo momento é assinado o já citado pacto germano-soviético
ou Pacto Ribbentrop-Molotov, de não-agressão e divisão da Polônia entre nazistas
e soviéticos. Em 1º de setembro de 1939 a Polônia é invadida pelas forças nazistas
e então, em 3 de setembro, França e Inglaterra declaram guerra à Alemanha,
dando início à Segunda Guerra Mundial.

Até 1940 a Alemanha de Hitler havia dominado ostensivamente ou posto sob sua
influência virtualmente toda a Europa, com as exceções da Ilha (Grã-Bretanha),
parte da França e, num outro contexto, a União Soviética. Para se ter uma melhor
noção disso, verifique-se a Figura 4, a seguir:

Figura 4 — mapa da expansão do exército nazista pela Europa

A União Soviética já estava devidamente “afastada” do conflito por uma pré-


figurada Cortina de Ferro enquanto boa parte da Europa Central e ocidental era
nazista ou pró-nazista, resguardando-se o sul da França e as ilhas britânicas.
Fonte: <http://image.slidesharecdn.com/mapasegundaguerramundial-
090402103827-phpapp02/95/mapa-segunda-guerra-mundial-3-728.jpg?
cb=1238669002>.

Está desenhado o contexto de um conflito entre as potências centrais e a


Alemanha nazista, de radical expansionismo. E a União Soviética, até então, à
espreita e tratando a guerra como uma “guerra do capital” e encarando convites
para retaliar Hitler como interesses do capitalismo em envolver o comunismo
numa guerra que não era sua, numa espécie de “manobra capitalista” (Cf.
JOHNSON, 2012, p.124).

Isso se deu, inclusive, após Winston Churchill alertar Stalin dos interesses nazistas
de invadir a URSS. Será que o próprio Stalin realmente não sabia disso? Ernst
Topitsch confirma que Stalin estava, de maneira antecipada, plenamente ciente
dos planos de Hitler, isto é, da Operação Barbarossa (Cf. TOPITSCH, 1987, p. 8–9)
Deslindaremos essa hipótese no capítulo 3.

A derrocada nazista teve início, justamente, quando Hitler tenta invadir a União
Soviética, a partir de 1941, com a Operação Barbarossa. Em 22 de junho de 1941,
os nazistas avançaram 750km território soviético adentro, o otimismo era tal que
o alto escalão nazista cria numa queda da União Soviética em duas semanas, o
que não se confirmou. Nazistas chegaram às beiras de Moscou, mas a tomada da
capital não se efetivou. No verão de 1942 se organizou a maior batalha da
Segunda Guerra, em Stalingrado, que veio a durar de novembro de 1942 a
fevereiro de 1943, é nesse contexto, com a chegada do inverno, que se constrói o
mito da ineficácia nazista no rigoroso frio de -40ºC russo. Alemães conheciam
muito bem o inverno russo e já haviam batalhado lá durante o inverno, a derrota
nazista se deveu muito mais a um pacote de erros estratégicos que ao frio. A
invasão se iniciou no verão de 41 e terminou no verão de 43, implicando
necessariamente no fato de que nazistas administraram território soviético
durante o inverno, como não poderiam saber das adversidades causadas pelo frio
extremo? A principal parte da batalha de Stalingrado, de fato, ocorreu no inverno,
mas a cronologia de todas as batalhas importantes entre os alemães e soviéticos
mostra uma distribuição homogênea, sem destaque algum para os invernos. Por
fim, soviéticos jamais poriam suas apostas num fator aleatório, incontrolável
(contudo, previsível) como o inverno. Fato é que a derrota em Stalingrado
demarcou a primeira grande derrota de Hitler e fortes baixas em seu poderoso
exército.

A coisa se acirrava na Europa, mas também nas demais partes do planeta, o que
determinaria a entrada dos EUA na guerra, mais uma vez tardiamente. Aumentava
a tensão entre EUA e Japão, o que conduziu as duas potências a conflitos de
interesses territoriais. Por dezembro de 1941, o Japão via a presença americana
no Pacífico como o maior empecilho para suas intenções expansionistas, quando
então opta por um ataque surpresa à base militar americana de Pearl Harbor, no
Havaí. No dia seguinte, os EUA declaram guerra ao Japão e após ter navios
afundados por alemães, declara guerra ao Eixo como um todo.

Repetindo o quadro da Grande Guerra, agora o Eixo se vê compelido a atuar em


duas frentes, contra as potências ocidentais de um lado, abastecidas pelo poderio
americano e contra a União Soviética no flanco oriental. Abre-se então, entre
1942 e 1943, uma marcha ocidental a Berlim.

Forças anglo-americanas avançaram também pela Itália e, pouco a pouco,


conseguiram a queda de Mussolini. Em abril de 1945 o norte italiano é liberado do
jugo nazi-fascista, último bastião do Eixo, pois o Sul já havia sido liberado pelos
americanos. Em 1944 ocorrera um dos episódios mais marcantes da Segunda
Guerra, o famoso “dia D” ou desembarque na Normandia (noroeste da França).
Em 6 de junho de 1944 milhares de navios e aviões aliados, abastecidos de
soldados americanos, formam nova frente de batalha contra alemães.
Enfraquecidos pela luta em várias frentes e, a essa altura, conforme atestam suas
diversas biografias (algumas já citadas), com um Hitler absolutamente tomado por
delírios de vitória que ofuscaram sua visão, alemães foram sendo derrotados. Em
1944 Paris também é libertada e reforça a abertura de caminho aliada rumo a
Berlim. Na sequência, a capital alemã fora fortemente atacada por aliados e por
soviéticos e apesar do esforço fanático de Hitler para que mulheres e crianças
pegassem em armas para defender a Alemanha, as forças nazistas absolutamente
exauridas acabam derrotadas.

Em 8 de maio de 1945, após suicídio de Hitler e sua esposa, o exército alemão


assina sua rendição, quando uma semana antes soviéticos haviam fincado sua
bandeira no parlamento do país. Era o fim do III Reich e da Segunda Guerra
Mundial.

2.4 Números e consequências da Segunda Guerra Mundial

A estimativa mais conservadora para o número de mortos na Segunda Guerra


Mundial é de 40 milhões de pessoas, outras fontes falam em 60 milhões, além de
cerca de 30 milhões de feridos. Os gastos são estimados em 4 trilhões de dólares.
Nos campos de concentração nazistas estima-se que tenham perecido cerca de 6
milhões de judeus, o que justamente rende ao episódio o nome de “crime contra
a humanidade”.

Novamente os EUA saíram como credores dos países europeus, altamente


endividados pelos gastos com a guerra. Apesar do episódio das bombas atômicas
despejadas nas cidades de Hiroshima e Nagasaki, na ordem mundial subsequente
à guerra, o Japão se torna aliado da América; americanos investiram 2,5 bilhões
de dólares na reconstrução das cidades.

Em 1945, após findada a guerra, no que veio a ser conhecida como Conferência de
Yalta, onde reuniram-se Churchill, Stalin e Roosevelt, foi definido quais territórios
seguiriam sob alçada soviética, britânica e americana. A Polônia reviu alguns de
seus territórios, a Alemanha fora dividida em duas zonas, o Leste Europeu inteiro
ficou sob tutela da União Soviética. Ainda em 1945, na Conferência de Potsdam,
são estabelecidos os valores que a Alemanha deveria pagar aos aliados, o país
passa a ser dividido então em quatro zonas e ainda, como punição, o país deveria
reduzir sua produção de aço, sendo que boa parte de sua indústria siderúrgica foi
transferida para países aliados. Por fim, estabeleceu-se que o alto escalão nazista
sobrevivente seria julgado no que ficou conhecido como Tribunal de Nuremberg.

A despeito disso tudo, a principal consequência que interessa para a problemática


desse trabalho é a emergência da nova ordem mundial que ocorreu com o fim da
Segunda Guerra e que veio a ser denominada de “Guerra Fria”. Ao fim e ao cabo,
com o término do conflito, se a União Soviética não sai como rainha absoluta da
Europa, sai por cima — inclusive dos Aliados europeus — e, pelo menos, como
segunda potência global, além de administrar de maneira imperialista seus
satélites que formavam uma barreira de proteção em seu território. Teria sido a
guerra, portanto, à sua maneira, um bom negócio para os soviéticos?

CAPÍTULO 3

A GUERRA DE STALIN?

“Até a vitória final do socialismo no mundo todo, devemos explorar as


contradições e a oposição entre dois poderes imperialistas, entre dois grupos de
estados capitalistas e incitá-los a atacarem-se entre si. Caso se mostre impossível
derrotar os dois, então um deve saber como agrupar as forças do outro para que
os dois comecem a lutar um contra o outro, pois quando dois criminosos
tagarelam, o homem honesto ri por último. Contudo, assim que formos fortes o
bastante para derrubar o mundo capitalista inteiro, ele será subjugado de uma
vez” Lenin, em discurso no Action Meeting do Moscow Organisation of the KPR,
em 6 de dezembro de 1920.

Teria a Segunda Guerra Mundial sido uma estratégia stalinista para colocar a
Alemanha e as potências ocidentais em conflito, para que se enfraquecem umas
às outras e abrissem caminho livre e pavimentado para um imperialismo livre da
União Soviética comunista e bolchevique? Conforme fora defendido no capítulo
anterior, o comunismo é uma forma de totalitarismo tanto quanto o nazismo, o
que significa que por sua natureza mesma precisa abarcar cada vez mais território,
para poder exercer seu poder totalizante. Essa é a tese do professor austríaco de
Filosofia e História Ernst Topitsch em seu “Stalin’s war: a radical new theory of the
origins of the second world war” (A guerra de Stalin: uma nova e radical teoria
acerca das origens da Segunda Guerra Mundial), que se destrincha e é usado
como bibliografia primária no presente capítulo. Como bibliografia secundária é
útil a obra “O Grande Culpado”, do desertor da KGB Viktor Suvorov, partidário da
mesma hipótese.

Vale ressaltar aqui que o próprio professor Topitsch apresenta em seu livro, já de
início, que não oferece exatamente fatos novos para corroborar sua tese (até
mesmo porque a Segunda Guerra Mundial é um assunto exaustivamente
estudado, restando muito pouco ou efetivamente nada de não investigado ainda
sobre o assunto), mas que interpreta alguns fatos costumeiramente esquecidos,
além dos vastamente conhecidos, como justificativa para sua tese (Cf. TOPITSCH,
1987, p. 2). O mesmo é válido para Suvorov, que admite textualmente que sua
versão é uma interpretação distinta dos fatos já conhecidos (Cf. SUVOROV, 2008,
p. XIII).

Destaca-se, ainda, que fazia parte do repertório de crenças dos comunistas, não
apenas o determinismo histórico que rezava que a revolução comunista mais cedo
ou mais tarde insurgiria a partir do desenrolar histórico do capitalismo, mas a
guerra poderia ser uma forma de fomentar isso. A paz entre as potências
capitalistas, pelo contrário, poderia “sufocar a revolução”, nas palavras do próprio
Trotski (Cf. SUVOROV, 2008, p. 1–5).

Figura 5 — Brasão das Forças Armadas soviéticas

Observe-se que a foice e o martelo, representação tradicional do comunismo, no


brasão das Forças Armadas Soviéticas aparece não apenas sobre o território
soviético, mas sobre o globo todo, simbolizando os desejos de dominação global
do comunismo soviético.
Fonte:<http://4.bp.blogspot.com/_XwqOwNc1UNM/Rxui4RoJCTI/AAAAAAAAAE0/
5S5ZEGQSayY/s320/390px-Coat_of_arms_of_the_Soviet_Union_LINDO.png>.

***

Topitsch chama a atenção, no capítulo “imperialist expansion”, para o fato que faz
parte do imaginário russo a ideia de expansão territorial e domínio geral, tanto
por razões imperialistas como por razões até místicas, a ideia que é uma espécie
de destino da “Mãe Rússia” governar e salvar a Europa e o restante do mundo. É
evidente que o desejo de dominação geral de Stalin é oriundo do fato do
comunismo ser uma ideologia totalitária, isto é, no limite, qualquer governante
adepto do comunismo terá esse desejo, contudo, o fato merece destaque porque
isso certamente compôs o repertório de justificativas mesmo do georgiano (e não
russo) Stalin e em grande parte, provavelmente, do próprio povo, desejo mais ou
menos semelhante de todo antigo Czar de preservar e aumentar o poderio do
império russo (Cf. TOPITSCH, 1987, p. 10–21).

Nos capítulos seguintes, o professor traz algumas citações (Cf. TOPITSCH, 1987, p.
14 et seq.), ainda de Lenin, em que o predecessor de Stalin afirmava acreditar que
a Grande Guerra havia sido apenas um introito para mais guerras imperialistas,
outras viriam, acabariam por destruir ou enfraquecer as potências capitalistas
envolvidas e abrir caminho livre para a vitória do comunismo. Ou seja, já em Lênin
se via as guerras como possível instrumento em favor do bolchevismo, uma
espécie de meio que anteciparia a vitória final do comunismo. Lênin ainda vai
além, chegou a afirmar que Alemanha e Japão poderiam ser usados para provocar
uma outra guerra entre os “capitalistas” (idem, p. 42–43).

A ideia de fomentar a hostilidade da Alemanha para com países ocidentais por


parte russa já vinha desde antes do nacional-socialismo, apenas evoluindo muito
com Hitler, valendo aqui citar as palavras diretas do professor Topitsch:

Permaneceu como princípio básico da política externa soviética trabalhar


diretamente contra quaisquer tentativas de aproximação feitas pela Alemanha
com as democracias ocidentais. Por esta razão o Kremlin era hostil com relação à
República de Weimar e os moderados Sociais Democratas Alemães foram alvo de
ataques virulentos. É irônico que estes ataques tenham ajudado a causa nacional-
socialista, pelo menos indiretamente. É possível que Moscou nutrisse a
expectativa que o fascismo, a forma mais extremada de capitalismo, levaria, por
dialética reversa, ao comunismo; mas também é possível que tenham encorajado
a disrupção da Alemanha como prelúdio para que eles próprios tomassem o
poder ali. Ademais, a República de Weimar, amante da paz, era considerada um
instrumento completamente inútil para deflagrar a ‘Segunda Guerra Imperialista’.
Nesse sentido, Hitler era uma promessa muito mais prospectiva (TOPITSCH, 1987,
p. 27, tradução nossa).

O já citado no capítulo anterior pacto entre Alemanha nazista e União Soviética


também analisado na mesma chave: foi uma forma de Stalin compelir Hitler a
agredir as potências ocidentais e poder assistir a agressão nazista passivamente
como observador externo. O ataque nazista à França encantou Stalin, isso
significava nazistas e aliados se digladiando, exatamente como ele poderia desejar.
A destruição e exaustão mútua dos dois lados seria o ensejo para uma situação
revolucionária (Cf. TOPITSCH, 1987, p. 27–30), isso, muito embora, a rápida e
efetiva invasão alemã dos Países Baixos e da própria França tenha também
assustado um pouco o politburo, mas a situação estava mais ou menos dentro do
previsto, se a resposta aliada viesse com a força necessária para derrotar o
exército alemão, a única força primordial que emergiria na Europa seria União
Soviética, abrindo caminho para uma dominação totalitária do continente.

Também é fato trazido por Topitsch que Stalin sabia que Hitler provavelmente
investiria uma ação contra a União Soviética e que o próprio Stalin, por volta de
1941–1942, tinha a intenção de atacar o Ocidente. Sustenta essa tese também o
professor Brian Fugate em sua tese de doutoramento revista intitulada Operation
Barbarossa: Strategy e Tactics on the Western Front, 1941 (1984). É lícito
perguntar, portanto, o que “deu errado”? Algo certamente deu errado em algum
sentido e foi o número de vitórias nazista, não esperado da parte de Stalin. Isso
frustrou o ditador e impossibilitou a sua ofensiva contra o Ocidente naquele
intervalo de tempo, ademais, enquanto Stalin tinha de lidar com o exército
nazista, as forças ocidentais avançaram demais, o que impediria qualquer
penetração do Exército Vermelho naqueles campos. Embora esses eventos em
específico sejam verdadeiros, a estratégia pensada por Lenin e implementada por
Stalin não fora de todo frustrada caso se observe o quadro geral, o que, portanto,
não invalida a tese de Topitsch. Pelo contrário, a guerra de Hitler contra Stalin só
fez reforçar a agressão dos impérios capitalistas contra Hitler, dando azo à ideia
que Hitler estava disposto a invadir qualquer nação naquela altura da História. A
reticência de boa parte do estamento britânico e americano também reforça a
hipótese. Estes queriam a paz, mesmo com Hitler (vide política do apaziguamento
e a, ao que tudo indica, honesta tentativa de Neville Chamberlain de selar a paz
com Hitler), mas Stalin queria a guerra, e nada melhor que uma invasão nazista
para justificar isso. Nenhum deles queria uma “guerra preventiva”, apenas
agressões justificariam mais agressões (Cf. TOPITSCH, 1987, p. 30).

Vale ainda, aqui, um pequeno intercurso entre uma divergência entre Topitsch e
Suvorov, destacada pelo próprio professor Topitsch no final de seu livro. Trata-se
sobre quem realmente pretendia atacar quem primeiro em 1941, nazistas
pretendiam atacar soviéticos ou soviéticos pretendiam atacar nazistas? Para
Suvorov, Stalin não tinha intenção de se envolver diretamente com a guerra até
1942, ao passo que o professor Topitsch trabalha com a ideia de que Stalin já
tinha um plano de promover um ataque abrangente pela Europa para “libertá-la”
do nazismo. Para Topitsch, movimentações secretas do Exército Vermelho em
maio de 1941 indicam que nesse momento Stalin já tinha a intenção de agir no
coração da Europa. Em junho do mesmo ano as forças já estavam numa dada
posição estratégica e em número grande o suficiente que seria impossível reverter
a ação, o ataque soviético era necessário. Essa questão é particularmente
importante para Suvorov e, segundo ele, em suas pesquisas buscou com afinco
documentos que apresentassem a posição das forças soviéticas ao longo desse
território, tanto que destaca isso com bastante ênfase no início de seu O Grande
Culpado (SUVOROV, 2008, p. XV-XXIV e 1–5), publicado em data posterior à obra
de Topitsch.

Para Suvorov, essa movimentação de fato ocorreu, mas as motivações eram de


outra natureza (TOPITSCH apud SUVOROV, 1987, p. 140–141), e ainda:
Suvorov deu contribuições valorosas para a clarificação posterior das preparações
militares da União Soviética, porém, efetivamente, parece questionável se os
esforços de 1941 e sua clara aceleração de maio do mesmo ano tem relação com
as razões oferecidas por Suvorov. É mais provável o pressuposto que se tratava de
uma reação soviética a planos alemães reais ou pretendidos de ataque que,
naquele momento, vieram a seu conhecimento (TOPITSCH, 1987, p. 141, tradução
nossa).

Contudo, conforme o próprio Topitsch destaca, independente de quem tenha


razão nesta questão específica, as duas alternativas parecem reforçar a sugestão
de que o que estava em vista era a estratégia soviética de longo prazo de subjugar
todo o mundo não-soviético, sendo, portanto, praticamente indiferente à
problemática deste trabalho, ainda que digno de menção a título de
esclarecimento. No capítulo “prelude to catastrophe” Topitsch trata de todo esse
clima pré-guerra e pré-agressão nazista à URSS e de como os fatos se arranjam
para colocar as potências “imperialistas” contra a Alemanha nazista e dar
continuidade à estratégia estalinista:

Em tudo isso Stalin usou brilhantemente sua posição vantajosa. Chegara a hora de
encorajar Hitler em suas ilusões a intenções agressivas e, assim, dar início à guerra
exatamente de acordo com o cenário já delineado por Lenin. Tudo logo funcionou
como planejado. Com a União Soviética seguramente fora da equação, Hitler
sentiu que estava seguro em sua convicção de que se atacasse a Polônia, as
potências ocidentais ainda evitariam conflito, ou se limitariam a ações
diversionárias. Todos os avisos foram em vão: o jogador [Hitler] havia obtido tanto
sucesso que nada poderia abalar sua crença que venceria novamente (TOPITSCH,
1987, p. 38, tradução nossa).

Ou seja, daqui pode-se extrair dois pontos convenientes para a análise aqui
pretendida: Stalin tinha Hitler exatamente como gostaria que ele estivesse, Hitler
efetivamente era tomado por ímpetos de loucura que justificavam suas atitudes
agressivas, como que acreditando ser dotado de poderes especiais, o que viria a
frustrar parcialmente — mas não totalmente — os planos de Stalin com o ataque
alemão à URSS. Conforme revela o biógrafo de Stalin Simon Montefiore:
A Europa no começo de 1939 era, nas palavras do próprio Stalin, um ‘jogo de
poker’ com três jogadores no qual cada um esperava persuadir os outros dois a se
destruírem e deixar o terceiro sair vitorioso (MONTEFIORE, 2004, p. 308).

Após acordo com os soviéticos, Hitler acreditava ter “o mundo em seu bolso” (Cf.
TOPITSCH, 1987, p. 40), ou seja, mais uma vez o ditador alemão fora tomado pela
soberba, muito embora os termos do acordo nazi-soviético, como destaca o
professor Topitsch, demonstre uma “assustadora falta de inteligência política”,
visto que “os tratados se encaixavam perfeitamente com a estratégia soviética de
longo prazo de envolver a França e a Grã-Bretanha numa guerra” (idem, p. 41). O
pacto tornava a Alemanha uma ferramenta econômica, política e até militar dos
soviéticos. O acordo implicava na URSS oferecendo ajuda à Alemanha, colocando
parte de sua salvação em suas mãos, mas também se prevenindo para que
obtivesse vitória se e quando, apenas, Stalin quisesse. Enquanto isso, sob pretexto
de neutralidade, soviéticos se rearmavam. As relações comerciais estabelecidas
pelos tratados assinados entre os dois também era vastamente vantajosa para
soviéticos:

Outro aspecto das relações comerciais germano-soviéticas naquele momento é


digna de menção. Enquanto Moscou entregava a seu parceiro apenas matérias-
primas, os soviéticos exigiam — e em grande parte recebiam — armas e
equipamento industrial em troca. Isso permitiu aos especialistas soviéticos obter,
de maneira completamente legal, acesso às fábricas alemãs de armas e, assim,
estabelecer alguma ideia de sua capacidade (idem, p. 47).

Nesse momento passava pela cabeça de Hitler que a União Soviética ficaria
satisfeita com esses vantajosos termos do acordo e que as potências ocidentais
novamente não ousariam retaliar após sua invasão da Polônia. Contudo, como é
sabido, as coisas não aconteceram exatamente assim. Quando França e Inglaterra
declaram guerra a Hitler, era Stalin que tinha Hitler no bolso, sendo ele próprio o
grande árbitro da Europa. Essa situação não passou despercebida ao próprio
Hitler, que entre setembro e outubro de 1939 tentou estabelecer acordos de paz
com o Ocidente, evidentemente frustrados (visto que isso poria abaixo o plano
cuidadosamente engenhado por Stalin).
O plano de Stalin só pode ser considerado exitoso, portanto, quando a Alemanha
invade a própria França, visto que agora alemães e demais potências ocidentais se
digladiariam entre si. Até então soviéticos eram aliados de alemães e entre
ocidentais pairava a suspeição também sobre eles. O que se mostrou um
problema foi a vitória relativamente fácil obtida por nazistas, já que o esperado
era um grau de autodestruição semelhante ao da Primeira Guerra Mundial. De
qualquer maneira, o conflito entre Alemanha nazista e Inglaterra e França estava
estabelecido, tal como previa o plano de Lenin e tal como desejava realizar Stalin;
estava a todo vapor a Segunda Guerra Mundial.

Ao contrário do que pode indicar os fatos posteriores à guerra, entre comunistas


franceses tardou a emplacar a ideia de apoio à Inglaterra e de contrariedade à
Alemanha, afinal, um pacto de não-agressão há pouco havia sido acordado e a
chave de “combatentes do fascismo nazista” para “somos aliados pacíficos” havia
sido virada. Isto é, ideologicamente a coisa se moveu mais devagar que no campo
da artilharia pesada. Conforme chama a atenção o professor Topitsch:

Era perfeitamente óbvio à época que o principal impulso da política soviética era
contra as potências Ocidentais: isso fora verdade antes, durante e depois da
Segunda Guerra Mundial. A coalizão anti-Hitler que veio depois não alterou esse
fato, para vantagem de Moscou, permaneceu velado aos olhos dos políticos
democratas e da opinião pública nos países ocidentais (TOPITSCH, 1987, p. 54,
tradução nossa)[10].

O colaboracionismo com nazistas e até a sabotagem das forças aliadas têm muita
relação com essa postura dos comunistas franceses. Claro que, pouco tempo
depois a chave teve de ser virada novamente e nazistas tornaram a ser inimigos.
Algo bastante normal dentro da dialética marxista[11], onde a verdade transita
por lados opostos conforme demandam as inteligências do Partido. O fato que
interessa aqui é que a oposição entre comunistas e nazistas, alardeada como
verdade histórica inquebrantável pela historiografia oficial está suscetível a, no
mínimo, algum grau de ceticismo ou relativização. Isso, bem como a visão de um
Stalin pacifista, humanitário e combatente do fascismo, criada quase que como
produto de um bom profissional de relações públicas[12].
***

Feitas todas as investidas Hitler contra as potências ocidentais, com suas vitórias,
a estratégia de Stalin foi exitosa, ao menos em algum sentido. Aliados moveram
esforços inomináveis no combate a Hitler, desgastando-se tanto física quanto
economicamente. Apesar do descontrole do ditador alemão ter impedido Stalin
de continuar sua dupla agência por tempo suficiente, foi o bastante para:
desgastar todos os inimigos da União Soviética (Stalin nunca deixou de saber que
Churchill, por exemplo, sempre considerou o bolchevismo tão ou mais nocivo que
o nazismo), deixar o conflito, apesar de tudo que fora apresentado até aqui, como
amigo dos Aliados e, até mesmo, como herói determinante da derrota do
nazismo, a despeito das essenciais presenças de Grã-Bretanha e Estados Unidos
da América, emergir como a potência dominante da Europa pós-guerra, ditando o
conflito ideológico da nova ordem mundial que daí emergiu, além de continuar
financiando os partidos comunistas de todo o planeta, política iniciada nos anos
1920 que visava o sonho final de uma revolução comunista mundial a qualquer
custo.

Todos esses fatores vingam a interpretação oferecida pelo prof. Topitsch e, à sua
maneira, realizam a profecia de Lenin de um uso pragmático da Alemanha e do
Japão como pontas de lança de uma guerra contra o imperialismo que
pavimentaria o caminho para a dominação global do comunismo, como deseja
qualquer forma de ideologia política totalitária.

Os sonhos expansionistas russos remontam à época dos czares e esse espírito


também moveu os bolcheviques, após o declínio dos Habsburgos, o império
Alemão era visto como uma espécie de barreira para a dominação russa da
Europa e do mundo: quer seria fortalecido para impedir a expansão russa (e, por
conseguinte, soviética), quer seria enfraquecido para realizar o sonho último dos
czares do grande czar vermelho. Nada disso mudou com a chegada de Hitler ao
poder na Alemanha, pelo contrário.

Conforme se tornara evidente que Hitler compartilhava do mesmo desejo de


dominação continental e global era hora das mentes soviéticas colocarem-se em
ação. As intenções alemãs sobre a Polônia foram utilizadas para trazer a Segunda
Guerra Mundial à baila. A parceria entre soviéticos e alemães garantiu, mesmo
que momentaneamente, a liberalidade que Hitler precisava no flanco oriental e,
dessa maneira, como já muito antes outros haviam percebido (p. ex., Max Weber),
a Alemanha se torna dependente da Rússia (URSS) e, com isso, o destino da
Europa passara a repousar nas mãos da Mãe Rússia; assim, Stalin prevenia a
Alemanha de ser derrotada oferecendo-lhe a ajuda necessária, porém, também,
impedindo-a de vencer, para que Hitler e os Aliados se desgastassem a exaustão,
de maneira que o continente não pudesse se opor à revolução comunista e ao
Exército Vermelho.

De início, as coisas correram conforme os planos comunistas, o sangue polonês


lavava o chão do lado alemão da Polônia, enquanto a URSS se estabelecia
estrategicamente do outro lado, anexando os territórios de seu interesse e
ganhando uma posição interessante com relação aos estados bálticos. Na
Noruega, a ação alemã também favoreceu soviéticos, visto que seu
estabelecimento no território nórdico preveniu que franceses e britânicos
estabelecem-se na região. Até então o uso estratégico da Alemanha como uma
ferramenta de guerra estava de acordo com o planejado.

Foram os atos nazistas em solo francês que mudaram um pouco o quadro: nesse
momento as forças ocidentais estavam neutralizadas, britânicos foram obrigados a
bater em retiradas desesperadamente de volta à Ilha[13]. Entre a Europa
Ocidental e o Exército Vermelho estavam “apenas” as forças nazistas. Se a
Alemanha fosse subjugada por Stalin, ele seria o governante do continente inteiro
e britânicos e americanos nada poderiam fazer sobre isso, era hora da peça da
engrenagem chamada Hitler sair de cena.

Nesse momento do conflito a postura da União Soviética passa, então, a ser de


hostilidade militar contra a Alemanha e de hostilidade política contra britânicos e
americanos (Cf. TOPITSCH, 1987, p. 134). Uma investida contra a Alemanha
precisaria ser cuidadosamente orquestrada e Molotov só começa a cogitar a
possibilidade a partir de novembro de 1940, quando era certo que Alemanha e
Grã-Bretanha não fariam as pazes. Nesse momento duas opções estavam na mesa
de Hitler: dar as mãos aos soviéticos ou oferecer resistência. Na primeira opção,
Moscou obteria sua vitória de maneira retumbante, sem qualquer risco ou
esforço, no segundo caso, o Exército Vermelho poderia fazer uma investida maciça
contra nazistas, em seu próprio território. Caso a agressão viesse de alemães, isso
seria estrategicamente importante e reforçaria a peça propagandística que
colocava os comunistas como amantes da paz que apenas retaliaram a agressão
fascista. Isso daria a Stalin uma poderosa motivação para seu exército e povo se
lutarem contra os nazistas — além da influência que exerceria com britânicos e
americanos. A URSS seria a última vítima da sanguinolenta Alemanha, desejosa de
conquistas imperiais absolutas e assim ela poderia esconder suas verdadeiras
intenções, caso angariasse a simpatia mundial por derrotar Hitler, tornando-se
paladinos do antifascismo. De certa maneira, ou pelo menos em partes, Stalin e a
máquina de propaganda comunista conseguiram colher esses louros políticos para
a causa. O inesperado sucesso militar inicial da Alemanha, ao fim, só serviu para
alimentar essa mitologia. A mesma lógica se aplica ao caso japonês. O ataque à
base de Pearl Harbor obrigou americanos a se deslocarem para a Ásia e
depositarem parte de suas forças lá; o ataque apenas serviu para deflagrar a
guerra imperialista na Ásia distante e obrigar a América a depositar forças nessa
região do planeta, bem longe da Europa. Ao fim, a expectativa stalinista era de
que as duas potências também se destruíssem entre si, facilitando um predomínio
soviético na região. Japoneses estavam desgostosos com a América e com o
Império Britânico, o que recolocava Stalin confortavelmente nos trilhos do seu
plano de colocar as potências ocidentais em guerra, praticamente anulando os
efeitos da blitzkrieg alemã. Para esse fim, evidentemente, era essencial que os
planos de Stalin continuassem secretos e Grã-Bretanha e EUA continuassem a
enxergar Hitler como o único inimigo em solo continental.

Eis que, então, a guerra é findada e Stalin fora capaz de impor derrotas
consideráveis às forças ocidentais, graças apenas a estratagemas puramente
políticos. O Exército Vermelho não precisou empunhar espadas contra americanos
e britânicos, pois alemães e japoneses fizeram isso. Sem contar que, Grã-Bretanha
e América ofereceram armas muito além do necessário para a URSS conter a
Alemanha (TOPITSCH, 1987, p. 136), nesse aspecto, a estratégia do georgiano em
estratégia política superou as inteligências políticas ocidentais, sem a necessidade
de conflito no campo militar.

Dessa maneira, com o fim da guerra e declínio do poderio do império inglês, a


União Soviética pode dirigir suas atenções para a América, inimigo atravessado
pelo oceano, dando continuidade ao “conflito anti-imperialista”, agora dirigido a
colocar países de terceiro mundo na órbita da sovietização e do
antiamericanismo, mais uma vez realizando a profecia de Lenin e revelando o
desejo constitutivo do comunismo de estabelecer uma governança comunista
global (o internacional socialismo, afinal).

Mesmo Churchill, incrivelmente mais ciente dos perigos que o bolchevismo


representava que Roosevelt, por exemplo, acabou por ver a Segunda Guerra
Mundial como um duelo particular com Hitler. Ao final do conflito, o mesmo
Roosevelt estava saltitante e crente que um novo dia estava a surgir, isso tudo
apesar do que fora argumentado no capítulo anterior e do que é sabido acerca da
natureza brutal do regime bolchevique, semelhante ao nazista. E até hoje é
possível ver os resultados da guerra psicológica travada e também vencida por
Stalin: enquanto o nazismo é tratado com o devido desprezo e até criminalizado
em muitos países, o comunismo ainda encanta mentes, principalmente de
intelectuais[14] e é romanceado com floreios e platitudes como “justiça social” e
“igualdade”.

***

À guisa de conclusão, elenca-se aqui cinco pontos relevantes para a pesquisa: 1: É


evidente, considere-se o que se considerar, que Stálin pensava em guerrear com
Hitler, mas era mais um líder militar pensando nas estratégias prováveis para um
plano central. Por outro lado, Hitler sempre disse, como é possível observar no
Mein Kampf, que o mais importante para ele era colonizar territórios do Leste. Se
o Leste nessa época era a União Soviética, era só um detalhe, que incentivava
ainda mais o Hitler. O foco no leste europeu era uma ideia muito difundida entre
os meios nacionalistas alemães, não era nada exatamente novo (assim como o
antissemitismo, produto de longa data produzido pelo varejo de ideias europeu).

2: Stálin, caso realmente quisesse, não tinha meios físicos para lutar contra Hitler
de modo que pudesse sair vencedor. A URSS só foi capaz de derrota-lo por causa
da ajuda inglesa e principalmente americana, conforme já mencionado. Além dos
250 bilhões de dólares (em cifras atualizadas) de Roosevelt, que possibilitou a
surpreendente produção em massa de tanques (principalmente t34’s) e armas,
além de fornecimento de caminhões e comidas enlatadas americanas, os Aliados
foram cruciais no auxílio técnico militar. Por exemplo, na Batalha de Kursk, os
ingleses interceptaram todos os planos da OKW e enviaram para os soviéticos.
Quando a batalha começou, eles já sabiam o que os alemães fariam e tinham se
preparado. Stálin não tinha como enfrentar o exército alemão sem ajuda
financeira de potencias estrangeiras. Ele perdeu até para o exército finlandês, que
tinha três vezes menos homens, meses antes da invasão alemã.

3: Acho que até mais importante que a impossibilidade da vitória militar de Stalin
sozinho contra Hitler seriam os efeitos políticos disso: Stálin não nutria de
popularidade suficiente para começar uma guerra longa e dura contra uma
potência estrangeira poderosa, vale lembrar a insatisfação do povo russo com a
participação do país na Primeira Guerra Mundial e seus gastos. Ele sabia muito
bem disso. Como Hitler era pior para os russos que Stálin, os russos, por mais que
desgostassem do georgiano, entenderam que nele havia a única esperança de
manter coesão interna e expulsar os nazistas. Mas se ele começasse uma guerra
gratuita contra os alemães, aumentando as privações dos russos, seria como
esticar uma linha muito frágil. A insatisfação popular, aliada ao revanchismo dos
humilhados por Stálin, tornariam um golpe de estado muito atraente para
generais e chefes do governo. Ainda: se a Alemanha fosse atacada pela União
Soviética antes de 1939 muito provavelmente os países ocidentais teriam apoiado
Hitler. Seria Stálin versus o mundo.

4. O que Stálin queria com Hitler, então? Uma coisa é certa: ele também temia
Hitler. Por isso que proibiu falarem sobre a iminência do ataque nazista, por isso
que rejeitou as movimentações da Wehrmacht na fronteira já três meses antes,
que crescia cada vez mais, por isso que mandou fuzilar desertores comunistas da
Wehrmacht que pularam a fronteira no dia anterior a invasão falando que o
ataque era iminente, por isso disse para nos primeiros três dias de invasão
ninguém atacar os alemães, pois seria um ‘’mal entendido’’… Entretanto, ele não
se iludia no tocante a hostilidade de Hitler. Ele sabia que a guerra viria cedo ou
tarde, mais queria postergá-la o máximo possível. Para ele a guerra significava o
fim. E não é difícil compreender a razão disso, porque bastava que os alemães
fizessem o básico, o extremamente básico, para que a URSS perdesse ainda em
1941, ou entrasse numa situação de colapso. E isto era, simplesmente, seguir reto
até Moscou, como os principais generais, principalmente Heinz Guderian,
clamavam para Hitler. Mas Hitler bateu o pé e disse que era melhor desviar para
Kiev para conquistar os recursos da Ucrânia, principalmente os grãos. Esse desvio
causou um atraso de 2 meses na ofensiva para Moscou. Quando Stálin ouviu que
os alemães desviaram para o sul ele desabou de alívio. Mesmo perdendo em Kiev,
os russos tiveram 2 meses para recrutar 16 milhões reservistas, para ter certeza
de que os japoneses não iriam atacar a Sibéria (por conta de espiões infiltrados
em Tóquio) e realocar, então, milhões de soldados que lá estavam, 400 mil que
foram para Moscou.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tese aqui defendida pode ser sumarizada da seguinte maneira: é possível e


razoável interpretar os principais fatos da Segunda Guerra Mundial de maneira
que o conflito tenha sido resultado de ardis ocultos perpetrados por Joseph Stalin.
O ditador comunista teria usado a Alemanha nazista e Adolf Hitler como ponta de
lança para desencadear um conflito entre Aliados e alemães até que ambos os
lados se destruíssem e, então, Stalin pudesse triunfar livremente como único
ditador da Europa — seguindo a crença russa de dominação geral, que já existia
entre os czares, mas fortalecida pela natureza totalitária do comunismo, dando ao
quadro geopolítico mundial uma situação inédita. Para atestar essa interpretação
usou-se como bibliografia principal as obras de Topitsch (1987) e Suvorov (2008).

Argumentou-se também que, os principais fatos da Segunda Guerra Mundial só


podem ser devidamente interpretados à luz do pré-guerra (Primeira) e da própria
Primeira Guerra Mundial, aderindo-se à tese de Winston Churchill que, na prática,
houve apenas um único grande conflito e não exatamente dois, como consagrou a
historiografia posterior. Nos capítulos primeiro e segundo procurou-se analisar e
pinçar os fatos ocorridos entre 1890 e 1914 que levaram ao grande conflito e que
ajudam a corroborar a interpretação que aqui se apresentou e defendeu. Nesses
capítulos vasculhou-se a bibliografia consagrada do tema.

Além disso, especificamente no capítulo segundo, foi feito um vasto esforço para
rever as principais causas defendidas pela historiografia oficial, mostrando que as
causas da Segunda Guerra e da ascensão do nazismo ao poder podem não ser
apenas as injustas exigências do Tratado de Versalhes ou o desenrolar necessário
da economia capitalista, mas um quadro de deterioração cultural que existia na
Alemanha e permitiu a chegada de uma ideologia sanguinária e totalitária como
nazismo ao poder.

Por fim, no terceiro capítulo serviu-se de toda a revisada e vasta análise do


professor Topitsch para interpretar os principais ocorridos da Segunda Guerra
Mundial à luz da possibilidade de tudo ter sido um estratagema de Stalin,
realizando profecia de Lenin, de usar Alemanha e Japão para fomentar a “guerra
imperialista” entre países capitalistas, derrubar o muro que separava a Europa
Ocidental da Rússia (Alemanha) e então poder avançar o projeto de triunfo global
do comunismo. A ousadia da interpretação do professor Topitsch é compensada
pelas mais de 300 referências externas trazidas pelo autor. E no caso de Suvorov,
embora não seja um historiador profissional (e aqui não se entende isso como
demérito), trouxe elementos práticos da inteligência secreta soviética e nazista
para reforçar uma tese em geral fora do campo de visão e do interesse de um
historiador acadêmico.

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[1] Winston Leonard Spencer-Churchill (1874–1965) foi um político inglês, filiado


ao Partido Conservador (os Tories) e primeiro-ministro do país durante a Segunda
Guerra Mundial, sendo um dos grandes responsáveis pela derrota do regime
nazista.

[2] “Esta guerra, de fato, é uma continuação da anterior”, Winston Churchill em


discurso no Parlamento Inglês em 21 de agosto de 1941, após completado o
primeiro terço da “segunda” Grande Guerra.

[3] Embora bata de frente diretamente com a visão histórica marxista, a nova
interpretação aqui levantada não necessariamente se opõe apenas a ela, mas
também segue caminho distinto daquelas propostas por historiadores
consagrados como Richard Evans (2016) e Ian Kershaw (2016).

[4] Os povos eslavos que compunham o Império não se sentiam verdadeiramente


pertencentes a ele e desejavam a independência e a separação, muitas vezes
liderados por grupos nacionalistas de método terrorista, como era o caso do “Mão
Negra”, grupo cujo assassino do Arquiduque Francisco Ferdinando era membro.

[5] Lutero foi um notório antissemita: “Antissemitismo mancha imagem do


reformador Martinho Lutero”, disponível em:
<http://www.dw.com/pt-br/antissemitismo-mancha-imagem-do-reformador-
martinho-lutero/a-16840051>. Conferir também, de autoria de Lutero, “Sobre os
judeus e suas mentiras” de 1543.

[6] Além disso, há sólidas evidências que Hitler era intelectualmente limitado,
como atesta o biógrafo Timothy Ryback no livro “A Biblioteca Esquecida de Hitler”,
embora fosse um grande leitor (indício de intelectualidade apenas em sociedades
não-leitoras como a nossa), não atingiu nenhum grau de elevação intelectual.
Supostamente, seu filósofo favorito, ao contrário do que muitos pensam, não era
Friedrich Nietzsche, mas sim Arthur Schopenhauer. Contudo, em diversos bilhetes,
sequer soube grafar o nome do filósofo germânico corretamente, por vezes
escrevendo com dois “p” ou cometendo erro semelhante a escrever “presado Sr.”
(Cf. RYBACK, 2009, p. 79). À época da fundação do Partido Nacional Socialista dos
Trabalhadores era exatamente alguém assim que as lideranças buscavam: não um
intelectual, mas um homem tido como “prático”.

[7] Isso é particularmente importante para diferenciar o fenômeno totalitário de


todo o resto já observado pela humanidade. Nem o mais absolutista dos reis
medievais sonhou com tanto poder quanto os líderes totalitários do século XX
sonharam e obtiveram. Os monarcas, no máximo, diriam “o Estado sou eu”, como
famosamente disse Luís XIV, isto é, desejavam comandar com mão de ferro a
política, a economia e a lei, mas não imaginavam e, desconfia-se, nem desejavam,
controlar o pensamento e a linguagem de seus súditos. Útil para confirmar esse
fato acerca especificamente do comunismo soviético é útil a obra “Sussurros”
(2010) do historiador britânico Orlando Figes, onde o estado policialesco
estabelecido pelos bolcheviques é detalhadamente exposto em mais de 700
páginas. O termo totalitarismo também difere do autoritarismo; para maior
detalhe conferir Arendt (2012).

[8] É importante ressaltar que não se trata aqui de promover alguma espécie de
limpeza sobre os regimes fascistas ibéricos e italiano. É bastante provável que
Franco, Salazar e Mussolini teriam sido ditadores totalitários se dispusessem das
condições necessárias para isso, mas o fato é que não dispunham e que, portanto,
para que se seja histórica e conceitualmente preciso, estes precisam ser tratados
como autoritários em vez de totalitários.

[9] Quando Hitler chegou ao poder, Churchill já havia lido o Mein Kampf e sabia do
perigo real que o führer representava para a Europa e para o mundo, enquanto
muitos ainda o tratavam como um lunático cuja passagem pelo poder seria
evanescente (JOHNSON, 2012, p. 75–100).

[10] Os ataques de Molotov às potências Ocidentais em seus discursos reforçam o


fato (Cf. TOPITSCH, 1987, p. 54 et. seq.)

[11] Evidente que o livre trânsito entre posições tão contraditórias nem sempre
convenceu todos os comunistas. A história de seis deles, entre tais o brilhante
Arthur Koestler, é contada no livro “O Deus que Falhou” (Cf. CROSSMAN, 1952).
Tema também trabalhado por Flavio Gordon (Cf. GORDON, 2017, p. 187–220).

[12] A despeito disso, não pode escapar aqui a menção ao livro “Arquipélago
Gulag” (2017), de Alexander Soljenítsin, provavelmente o mais famoso relato dos
campos de concentração soviéticos, famigerados gulags, sob a batuta de Stalin e o
estudo de Anne Applebaum, “Gulag: uma história dos campos de prisioneiros
soviéticos” (2009). Além, é claro, do definitivo “O livro negro do comunismo”
(2015).

[13] O famoso episódio das praias de Dunquerque, onde, um exército britânico


acuado se vê à beira de ser dizimado pelas forças alemãs e o ministro Winston
Churchill se vê obrigado a clamar para que pescadores, com suas embarcações
modestas, deslocassem-se da Ilha até o Continente para resgatar seus soldados. A
expectativa era que se resgatassem 30.000 soldados, contudo, mais de 300.000
foram salvos. A essa altura, se o exército britânico tivesse sofrido uma baixa tão
representativa, é provável que o governo tivesse entrado em algum tipo de acordo
de paz com a Alemanha nazista, abrindo terreno para uma vitória ainda maior de
Hitler. A ocasião gerou provavelmente o discurso mais famoso da Segunda Guerra
Mundial, onde Churchill clamou a Grã-Bretanha a lutar nas praias se necessário
para defender a sua ilha.

[14] Sobre não apenas o encantamento de intelectuais com o comunismo, mas


sobre sua cumplicidade mesma, conferir JUDT, Tony (2008).

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