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A Batalha de Lepanto e o Santo Rosário

Saiba como a cristandade foi salva das mãos dos muçulmanos em Lepanto, a 7 de outubro de 1571,
graças à liderança espiritual do Papa São Pio V e à intervenção prodigiosa de Nossa Senhora das Vitórias.

Hojitas de Fe

Tradução: Equipe Christo Nihil Præponere

5.Out.2022

Tempo de leitura: 9 minutos

Eleito Papa em 1566, São Pio V teve o desejo de convocar a cristandade para um duplo combate: contra
o protestantismo e contra o islamismo. Contra este último convidou os príncipes católicos a fazer uma
aliança, mas todos eles, ocupados com seus problemas internos, não responderam à iniciativa. Em 1569,
os otomanos souberam que o arsenal veneziano havia sido destruído pelo fogo, e que além disso toda a
Península Itálica estava ameaçada pela fome devido a uma má colheita. Selim II aproveitou a ocasião
para romper a trégua com Veneza e enviou um ultimato: ou eles entregavam a preciosa posse de Chipre,
ou ele declararia guerra contra eles. Veneza pediu auxílio, mas não queria fazer aliança com a Espanha,
nem a Espanha com Veneza, pois esta havia feito aliança com os turcos várias vezes. São Pio V interveio
exortando a Espanha a enviar uma armada para proteger Malta, e para garantir a rota que levaria auxílio
até a ilha de Chipre.

Filipe II aceitou e enviou seus embaixadores, diante dos quais Sua Santidade nomeou Marco Antonio
Colonna, bem visto por Filipe II e por Veneza, como chefe da armada pontifícia [i]. Sob o comando e
mediação do Soberano Pontífice tiveram início as negociações entre Veneza e a Espanha, mas a
desconfiança mútua e os interesses de ambas as partes influenciaram na demora dos acordos. São Pio V
mediou as discussões com diplomacia e paciência heroica, e sugeriu Dom João da Áustria, irmão
bastardo de Filipe II, um jovem de 24 anos, como generalíssimo dos exércitos cristãos.
Retrato de São Pio V, por Bartolomeo Passarotti.

Durante as negociações, uma peste dizimou a esquadra veneziana, e os turcos conquistaram a ilha de
Chipre, após 48 dias de resistência heroica. A perda de Chipre desanimou toda a cristandade. São Pio V
culpou os príncipes católicos por aquela perda, declarando que deveriam mudar suas atitudes antes que
fosse tarde demais, e que só expiariam suas culpas se resolvessem se unir em defesa da cristandade.

Em março de 1571, chegaram a Roma as respostas afirmativas do rei da Espanha e do doge de Veneza
[ii]. Superadas as divergências, formou-se uma aliança entre ambas as potências, com caráter defensivo
e ofensivo, para agir contra o sultão e seus Estados tributários, Argel, Tunísia e Trípoli. A Liga Sancta
contaria com 200 galés, 1.000 transportes, 50 mil infantes espanhóis, italianos e alemães, 4.500 de
cavalaria ligeira e o número necessário de canhões.
Preparativos para a batalha. — Sua Santidade enviou à Liga um estandarte de damasco de seda azul com
a imagem do Crucificado, tendo a seus pés as armas do Papa, da Espanha, de Veneza e de Dom João da
Áustria. Este recebeu o estandarte das mãos do Cardeal Granvela, que lhe disse: “Toma, ditoso Príncipe,
a insígnia do Verbo humanado; tem o vívido sinal da santa fé, da qual és defensor nesta missão. Ele te
dará uma gloriosa vitória sobre o inimigo ímpio, e por tua mão será abatida a soberba [dele]”.

Preocupado com as notícias do avanço turco, São Pio V enviou uma carta a Dom João, exortando-o a
zarpar o mais depressa possível para Messina, prometendo-lhe pouco depois, através de seu núncio
Odescalchi, a vitória acima de todos os cálculos humanos. Encorajado por essas palavras, Dom João agiu
rapidamente. Para preservar o caráter sagrado da missão, proibiu as mulheres a bordo [iii], ditou a pena
de morte contra os blasfemos e impôs um jejum de três dias. Nenhum dos 81 mil marinheiros e soldados
ficou sem se confessar e receber a Comunhão, até mesmo os galeotes.

Em formação para a batalha. — Nos dias 16 e 17 de setembro, a frota cristã partiu do porto de Messina.
A frota turca estava localizada em Lepanto, um porto localizado ao sul do estreito que une o Golfo de
Patras com o Golfo de Corinto. Em 6 de outubro, o vento deteve os católicos e empurrou os otomanos
para fora do estreito de Lepanto, facilitando assim o combate. No domingo, 7 de outubro, antes do
amanhecer, os navios católicos levantaram âncoras e adentraram o Estreito de Lepanto. Um canhão
ordenou o início da batalha e o estandarte da Liga foi hasteado no principal mastro da nau capitânia.
Dom João da Áustria exclamou: “Aqui venceremos ou morremos”.
“Retrato do doge Sebastiano Veniero”, por Tintoretto.

Dom João comandou o centro, flanqueado por Colonna e Sebastiano Veniero; o catalão Luis de
Requesens vinha um pouco mais atrás. A esquadra espanhola de Andrea Doria, com 60 navios, formava a
ala direita em direção ao alto mar. Os 35 navios de Álvaro de Bazán, o marquês de Santa Cruz,
aguardavam ordens na retaguarda para sua eventual intervenção.

Ali Paxá, o almirante otomano, também dispôs sua frota para o combate. O generalíssimo turco parecia
querer atacar pelo centro e ao mesmo tempo envolver os cristãos, aproveitando-se de sua superioridade
numérica de 286 navios contra 208. O vento soprava do leste, favorável aos infiéis, enquanto os católicos
se aproximavam do inimigo pela força dos remos. Quando as esquadras estavam à vista, o vento
diminuiu.
Na esquadra católica, Andrea Doria propôs um conselho de guerra para discutir se convinha ou não
combater um inimigo numericamente superior; mas Dom João da Áustria contestou: “Não é hora de
falar, mas de lutar”. Andrea Doria aconselhou então a cortar os enormes esporões das galés católicas,
para ter uma linha de fogo mais poderosa.

O comandante supremo Dom João da Áustria passou em revista todas as naus, com crucifixo em mãos e
exortando com ardor para a luta iminente:

Este é o dia em que a cristandade deve mostrar seu poder, para aniquilar esta seita amaldiçoada e obter
uma vitória sem precedentes… Estais aqui por vontade de Deus, para castigar o furor e a maldade desses
cães bárbaros; depositai vossa esperança unicamente no Deus dos exércitos, que reina e governa o
universo… Recordai que combatereis pela fé; nenhum covarde ganhará o Céu.

Então ele se ajoelhou em La Real [sua embarcação] e rezou, fazendo o mesmo todos os seus homens. Em
meio a um imponente silêncio, os religiosos deram a última bênção e a absolvição geral àqueles que
estavam se expondo a morrer pela fé.

Enquanto isso, o inimigo cortava o silêncio com suas cornetas, blasfêmias, zombarias e imprecações, e
dizia: “Esses cristãos vieram como um rebanho de ovelhas para que nós os degolemos”. A ordem de Ali
Paxá era não fazer prisioneiros.
“Luis de Requesens y Zúñiga”, um dos vitoriosos de Lepanto, por Francisco Jover y Casanova.

A batalha. — Ali Paxá deu um tiro de canhão para chamar os cristãos à luta. Dom João aceitou o desafio,
respondendo com outro tiro de canhão. Naquele momento, o vento mudou inesperadamente em favor
dos cristãos.

Os turcos procuravam dar maior amplitude a seu movimento, para envolver um dos flancos do
adversário. Doria tentava impedir a manobra, mas afastou-se muito da área designada, abrindo uma
brecha perigosa entre a ala de seu comando e o centro da esquadra. O apóstata italiano Uluje Ali entrou
pelo espaço vazio deixado por Doria. Com seus melhores navios, lançou-se em combate para o centro
dos cristãos, e com algumas galés pesadas manteve Doria longe. Nessa manobra, as tropas de Doria
quase foram aniquiladas, e a reserva do marquês de Santa Cruz não pôde socorrê-lo, pois este estava
empenhado em ajudar os venezianos na ala esquerda ao longo da costa.

Ali Paxá, conhecendo pelos santos estandartes a galé de Dom João, investiu pela proa de La Real, e
lançou sobre ela uma horda de janízaros selecionados [iv]. Naquele momento, o conselho dado por
Doria provou sua eficácia: desembaraçado do peso representado pelo esporão, a artilharia do navio
católico dizimou a tripulação de La Sultana, o navio de Ali Paxá. Em socorro desta, chegaram 7 galés
turcas, que lançaram mais janízaros à luta sobre a ensanguentada ponte da nau capitã de Dom João.

Por duas vezes a horda turca penetrou no mastro principal de La Real, mas os bravos veteranos
espanhóis forçaram-nos a retroceder. Os galeotes, armados com espadas, abandonavam os remos
quando havia abordagens e lutavam bravamente contra os turcos. Mesmo assim, a situação estava se
tornando mais perigosa: Dom João contava apenas dois barcos de reserva, sua tropa tinha sofrido muitas
baixas e ele próprio estava ferido em um dos pés. Foi então que o marquês de Santa Cruz, depois de
libertar os venezianos, veio em socorro de Dom João, e este foi capaz de rechaçar os janízaros.

Quando o momento era mais crítico, Ali Paxá, defendendo La Sultana de outro ataque cristão, caiu morto
por um tiro de arcabuz espanhol. Eram 4 da tarde. O corpo do generalíssimo dos infiéis foi arrastado aos
pés de Dom João; um soldado espanhol cortou sua cabeça, que por ordem de Dom João foi enfiada na
ponta de uma lança para todos verem. Um clamor de alegria vitoriosa surgiu da nau capitã. Os turcos
estavam derrotados, e o pânico rapidamente se apoderou de suas hostes desde que o estandarte de
Cristo começou a flamejar na Sultana.
“A Batalha de Lepanto”, por Paolo Veronese.

As perdas dos infiéis foram enormes: 30 mil mortos, 10 mil prisioneiros, 120 galés capturadas e 50
afundadas ou incendiadas. Tomaram-se numerosas bandeiras e grande parte da artilharia. Doze mil
cristãos escravizados pelos mouros ganharam a liberdade. O resto da esquadra inimiga bateu em
retirada, enquanto as trombetas católicas proclamavam aos quatro ventos a vitória da Liga Sancta na
maior batalha naval registrada pela história. Soube-se mais tarde que, no calor da batalha, os soldados
de Maomé viram sobre os principais mastros da esquadra católica uma Senhora que os aterrorizava com
seu aspecto majestoso e ameaçador.
As notícias da vitória chegam a Roma. — Enquanto isso, em Roma, o Papa jejuava e redobrava suas
orações pela vitória, exortando cardeais, monges e fiéis a fazer o mesmo, confiando na eficácia do Santo
Rosário. No dia 7 de outubro, enquanto trabalhava com seu tesoureiro Donato Cesi, o Papa de repente
deixou seu interlocutor, abriu uma janela e entrou em êxtase; e, voltando-se para o seu tesoureiro, disse:
“Ide com Deus. Agora não é hora de negócios, mas de dar graças a Jesus Cristo, pois nossa esquadra
acaba de vencer”; e dirigiu-se para a sua capela.

Na noite de 21 a 22 de outubro, o Cardeal Rusticucci despertou o Papa para confirmar a visão que ele
tivera. Em um pranto varonil, São Pio V repetiu as palavras do velho Simeão: “Agora, Senhor, já podes
deixar o teu servo ir em paz” (Lc 2, 29). Na manhã seguinte, a feliz notícia foi proclamada na Basílica de
São Pedro, após uma procissão e um solene Te Deum.

Desde então, o dia 7 de outubro foi consagrado a Nossa Senhora das Vitórias, e mais tarde ao Santo
Rosário; e a invocação Auxilium Christianorum, “Auxílio dos Cristãos”, foi adicionada à Ladainha
Lauretana. O senado veneziano, agradecido, fez pintar um quadro retratando a batalha, com a inscrição:
“Nem as tropas, nem as armas, nem os comandantes, mas a Virgem Maria do Rosário foi quem nos deu
a vitória”. Gênova e outras cidades mandaram pintar a imagem da Virgem do Rosário em suas portas; e,
em toda parte, na Espanha e na Itália, foram erigidas capelas em homenagem a Nossa Senhora das
Vitórias.

Notas

Dez anos depois da Batalha de Lepanto, este mesmo Filipe II, rei da Espanha, tornou-se rei também de
Portugal (como Filipe I). Foi a época da União Ibérica, que durou até 1640 (N.T.).

Doge, do latim dux (“chefe”, “guia”, “condutor”), era o nome que se dava ao dirigente máximo da
República de Veneza. Da mesma palavra latina vem o nosso título de “duque” (N.T.).

Para que os soldados mantivessem a abstinência sexual (N.T.).

Janízaros eram soldados mercenários que constituíam a elite do exército otomano (N.T.).

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