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A cruzada espiritual
A tempestade se preparava lentamente no horizonte: os “monges brancos”
de Cister foram os primeiros instrumentos de que Inocêncio III se serviu. A
própria escolha equivalia a uma ameaça: os cistercienses eram conhecidos como
pregadores de cruzada. A missão não teve resultado algum. No ano de 1203, o
Papa enviou dois legados, Pierre de Castelnau e Raoul, cistercienses também,
munidos de poderes extraordinários e dispostos a agir com todo vigor, mas os
perfeitos dedicaram-se a pregar de noite, em vez de fazê-lo em pleno dia.
Arnaud Amaury, abade de Cister, foi logo em auxílio de seus filhos Pierre
e Raoul; era ele um desses açoites de Deus que a Providência envia nos dias de
cólera. Aquele homem possuía, sob o hábito do monge, o gênio destruidor de um
Átila ou de um Genserico, mas não pôde utilizar imediatamente o gládio
exterminador que estava impaciente por empunhar.
Oito anos tinham transcorrido desde o envio dos primeiros missionários, e
a obra não avançava. Entrementes, dois clérigos castelhanos, Diego de Osma e
Domingos de Gusmão, passaram pela região e encontraram-se com Arnaud
Amaury, Pierre e Raoul, que já pensavam em renunciar à sua missão. Os dois
espanhóis reacenderam o fervor dos desanimados legados, e uniram-se a eles na
pregação e nos debates. Mas aproximava-se o momento em que iriam ser
empregadas outras armas além da palavra.
A exasperação crescia em ambos os lados. Diego de Osma faleceu,
implorando ao Senhor que descarregasse Seu braço sobre os inimigos da Fé; São
Domingos tinha sido vinte vezes coberto de escarros e de lama. Um dominicano
do tempo de São Luis, Etienne de Salagnac, narra que o fundador de sua ordem
disse um dia à multidão reunida em Prouille: - “Durante muitos anos tenho vos
feito ouvir palavras de paz. Preguei, supliquei e chorei, mas, como se diz na
Espanha: ‘Onde a bênção não produziu efeito, o pau produzirá’. A força
prevalecerá, onde a bênção fracassou”.
Pierre de Castelnau, “cujos lábios não deixavam de proferir a palavra de
Deus, para exercer a vingança sobre as nações e derramar o castigo sobre os
povos”, exclamava com freqüência: - “A obra de Jesus Cristo não triunfará
jamais neste país, se um de nós não morrer em defesa da Fé. Queira Deus que eu
seja a primeira vítima!” Estavam eles igualmente prontos a derramar seu próprio
sangue e o sangue de seus adversários.
Pierre de Castelnau foi atendido. Um dia, intimou ele o conde Raymond a
unir-se aos outros nobres para exterminar os hereges. Raymond recusou-se e
Pierre o excomungou; Inocêncio III ratificou a sentença por meio de uma carta na
qual tratava o conde de “pérfido, insensato e pestilencial”.
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IHS Cavalaria Simon de Montfort, gládio da Igreja - Página 4 de 6
A cruzada relâmpago
O exército reuniu-se em Lyon. À testa marchavam os grandes senhores
eclesiásticos e leigos, rodeados de seus vassalos. Também compareceu uma
multidão de cavaleiros da França, da Alemanha, da Lorena, da Borgonha, da
Lombardia e da Aquitânia. Os cruzados penetraram nas terras de Raymond Roger
Trencavel, visconde de Béziers e de Carcassone, e no dia 22 de Julho, festa de
Santa Maria Madalena, chegaram diante de Béziers.
O Bispo da cidade fez uma derradeira tentativa para convencer seu
rebanho e apresentou-lhe o ultimatum dos cruzados. Dirigindo-se aos católicos,
“se é que os havia”, intimou-os a render a cidade e entregar todos os hereges, que
ele, Bispo, bem conhecia e dos quais tinha a lista. Se não pudessem, que saíssem
da cidade abandonando os hereges, a fim de não perecer com eles. Eles
responderam que “preferiam comer suas próprias crianças antes que fazer tal
coisa”.
Ao ouvir esta resposta, o legado jurou que não deixaria em Béziers pedra
sobre pedra, e que levaria tudo a sangue e fogo. A cidade foi tomada de assalto e
inundada de inimigos. Foi o maior massacre que jamais se fez no mundo, pois
nada foi poupado. Os cruzados tinham perguntado ao abade de Cister como
distinguiriam os hereges dos fiéis: - “Matai-os todos! - respondeu Arnaud
Amaury - Deus reconhecerá os seus!”
Tudo foi passado a fio de espada, e ninguém se salvou. A cidade foi
incendiada e tudo ficou devastado, tal como se vê hoje, de sorte que não restou
um ser vivo. Tal foi a primeira ação dos campeões da Fé. Os cruzados deixaram
um monte de ruínas e de cadáveres onde tinha estado Béziers. Um silêncio de
morte reinava à sua passagem: as guarnições dos castelos tinham fugido para
Carcassonne.
Aos olhos dos cruzados, esta cidade era tão diabólica quanto Béziers.
Nela, os judeus eram muitos e poderosos, e os hereges eram donos incontestados.
O Bispo tinha sido expulso da cidade, e seu sucessor, Bertrand Raymond de
Roquefort, era de uma família abertamente cátara.
No dia 3 de Agosto, enquanto os clérigos entoavam o Veni Sancte
Spíritus, deu-se o assalto. As primeiras defesas são rapidamente desbaratadas, e
nas ruas a luta se torna feroz. Raymond Roger Trencavel defende-se casa por
casa, mas após duas horas de combate encarniçado, vendo-se ameaçado por um
movimento envolvente dos cruzados, ele é obrigado a retirar-se às torres da
cidade.
No dia seguinte, 4 de Agosto, os cruzados tentam o assalto, mas uma
chuva de pedras e flechas obriga-os a recuar. Esta chuva é tão violenta que
ninguém se atreve a socorrer um cavaleiro que jaz no fosso com uma perna
quebrada. E é neste instante que vemos aparecer pela primeira vez um barão
francês que deverá assinalar-se por sua bravura e que será conhecido ao longo
das gerações como o terror do Languedoc.
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