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ESCOLA NAVAL

SUPERINTENDÊNCIA DE ENSINO
COORDENADORIA DA DISCIPLINA DE HISTÓRIA NAVAL - HNV
DISCIPLINA DE HISTÓRIA NAVAL - HNV

AVALIAÇÃO AV1 – HNV


RESENHA SOBRE O ARTIGO:
“A Europa da expansão medieval (Séc. XIII a XV)” – Jean-Frédéric Schaub

GRUPO 5:
IM-405 ASSIS;
IM-411 LUCAS MIRANDA;
IM-417 HOTTZ;
IM-423 SOARES COSTA;e
IM-429 MACIEL.

RIO DE JANEIRO,
2021
SCHAUB, Jean-Frédéric1. A Europa da Expansão medieval (Séc. XIII a XV). In:
FRAGOSO, João Luís. GOUVÊA, Maria de Fátima. O Brasil Colonial. Vol. 1. 1 ed.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017, p. 84-95.

No livro, um capítulo é dedicado à Europa dos séculos XIII a XV e outro a Portugal do


final do século XV, recusando o modelo clássico da história colonial que se desdobra no
contexto entre metrópole e colônia e esquece os contextos regionais que tanto a metrópole
quanto a colônia estão inseridas. O texto inicia criticando o etnocentrismo representado pelo
eurocentrismo, divididos em dois níveis, o primeiro é a tentação de observar o contexto da
colônia a partir do velho continente, o outro é a dominação européia sobre os outros povos,
nativos ou deportados da África, com uma narrativa pautada pelos valores europeus. O autor
critica que as fontes sobre a história do Brasil estão impregnadas com a visão do colonizador,
cheia de preconceitos e esquecendo-se que os povos nativos e africanos não são meramente
agentes passivos na história, mas apresentam suas particularidades e, ao longo do processo de
colonização, atuam contra as ações da metrópole ou se integram ao contexto apresentados. A
conquista do território americano não aconteceu de forma pacifica. Como é transmitida no
modelo clássico, o domínio europeu é legitimado por uma crença divina ou secular. A crítica
a visão etnocentrista européia não se trata de substituir, um vínculo abusivo com a Europa por
um vínculo com a África, até então ausente. O objetivo do autor é ser abrangente, analisar as
transformações do mundo sobre os dois aspectos, que não se confrontam, mas se unem para
revelar uma nova visão sobre a história. O motivo de abrir um volume sobre história do Brasil
e encontrar alguns aspectos sobre Europa medieval entre século XIII e XV é o fato de que um
novo capítulo se iniciou na Europa após os Grandes Descobrimentos. A partir do final do
século XV, a América produziu uma Europa nova. O autor quebra a ideia de que o continente
“dominado” é um agente passivo. Pelo contrário, ele pode também agir e modificar a Europa.

Quando o autor faz referência à expressão de Le Goff, ele traz uma análise complexa
ao seu texto, pois com o período de descobrimento os Europeus deixam de ser medievais. As
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Jean-Frédéric Schaub nasceu em Paris em 1963. É Doutor em História da École des Hautes Études de Paris e é
Professor Titular nessa Universidade em Ciências Sociais. Eleito professor da EHESS em 1996, integrou o grupo
de investigação hispânica liderado por Bernard Vincent no Centro de Investigação Histórica, assumindo a
gestão do Centro de Estudos Portugueses. Em 2004, foi eleito diretor de estudos que chamou de "A Instituição
das Autoridades. Histórias comparativas ”. Ingressou no American Worlds Laboratory e no Center for Research
on Colonial and Contemporary Brazil em 2011 e atua no conselho do laboratório desde 2012. A partir de
janeiro de 2014, é co-responsável com Aliocha Maldavsky (ESNA-Paris Ouest) do eixo 4 do laboratório
"Abordagens sociopolíticas ao fato colonial e imperial: instituições, processos, transformações". A sua
investigação centra-se nos processos de mudança ocorridos nas estruturas políticas da Europa Ocidental nos
tempos modernos, a partir dos casos dos países ibéricos. O ponto de partida de toda a sua obra foi a crítica da
historiografia política, da qual foi pioneira António Manuel Hespanha.
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crenças de que a linha do horizonte era um abismo, o mar era repleto de criaturas místicas
começam a mudar. Eles conseguiram desbravar esse medo e chegar ao outro continente.
Entram em contato com outros povos e outras regiões até então desconhecidos. Entretanto, ao
mesmo tempo que em 1500 está muito próximo da queda de Constantinopla, não pode ainda
ser dito que o povo Europeu deixou por completo suas características medievais. Portanto, os
europeus estão em um processo de transição entre ser e deixar de ser medieval. Para provar
isso o autor faz contrapontos de fatos históricos que no imaginário popular é puramente
medieval com outro fato que é mais avançado, do período moderno, pós Idade Média.
Ninguém associa as navegações ao período medieval, porém quando o autor mostra que o
contato dos marinheiros genoveses e portugueses com o arquipélago das Canárias aconteceu
dezesseis anos antes do início da guerra dos cem anos, que é um fato histórico puramente
medieval ou quando ele cita que a Navegação Oceânica do Atlântico Norte conduziu os
portugueses a ilha da madeira, aconteceu treze anos antes da execução de Joana d’Arc que foi
um período puramente medieval. O autor constrói o pensamento que não houve uma ruptura
abrupta entre a Idade Média e a Idade Moderna. O processo foi gradual e, nesse momento,
tinha-se características do período medieval e do período moderno ocorrendo
concomitantemente. Assim, de um lado está a tomada da Ilha da Madeira e do outro – treze
anos depois – a execução de Joana D’Arc. Desenhando, portanto, a grande pergunta: o
pensamento medieval influenciou o processo de colonização Europeu? E de que maneira?

Com o intuito de corroborar o seu pensamento o autor apresenta alguns argumentos


para basear a tese de que isolar Portugal de seu contexto regional, com quem se relaciona e
comercia, por exemplo, é tão prejudicial para uma análise histórica quanto excluí-lo de seu
relacionamento com o que virá a ser o Brasil. O autor continua seu texto justificando o motivo
da escolha do século XIII. Segundo o autor, alguns fenômenos contribuíram de maneira útil
para o esclarecimento do impulso colonizador. Dessa forma, ele cita a expulsão dos judeus na
Inglaterra e França. Esses acontecimentos são, segundo o historiador Jerome Baschet, o início
de uma sociedade persecutória – ou seja - uma sociedade que persegue aqueles que ela
considera seus inimigos. O termo foi utilizado no livro: A civilização feudal do ano mil a
colonização da América. São componentes indispensáveis para entender a experiência
colonial da África, da Ásia e, afinal, da América. Em torno desses dois conceitos de expansão
e perseguição é que o autor apresenta a tese de contribuição dos processos em andamento na
Europa dos três últimos séculos da Idade Média para a reflexão sobre a formação da América
portuguesa. Questionamentos no sentido de: como essa sociedade colaborou no imaginário
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para a colonização? O que eles produziram de tecnologia que auxiliou a expansão? Como a
sacralização do clero auxiliou? E a concentração do poder nas mãos do rei? E o surgimento da
burguesia? Irão balizar a análise histórica da relação do comportamento medieval europeu e o
processo colonizador.

No Ocidente Medieval, pode-se notar uma característica marcante: a Igreja como


Pedra Angular da construção da sociedade nesse período. A comunhão cristã se dá como o
único ponto de convergência entre os ciclos sociais e institucionais, representando na paróquia
a base que delimita a conduta das pessoas, tanto no espaço rural quanto no urbano. Pode-se
dizer que o indivíduo está sujeito a inúmeras regras da Igreja desde o momento que nasce até
o momento de sua morte, de forma que seguir esse estilo de vida atribuísse sentido ao viver.
Nesse momento é inseparável da autoridade política suprema, representados imperadores
bizantinos e, mais ao fim da Idade Média, pelos senhores da Rússia Kieviana.

A Igreja passa então a tolerar comunidades não cristãs, como é o caso dos
mulçumanos após a conquista dos territórios na Sicília. Os fiéis da Lei Mosaica, lei
proveniente de Moisés, dissertam sobre a reconciliação com Deus através de Cristo, porém
essa vida religiosa se dá através de um monitoramento constante da Igreja Romana, que deixa
explícito o que é permitido e o que não é permitido. Nessa perspectiva pode-se notar que há
uma concorrência pelo comando da sociedade, principalmente entre o Papado e os Monarcas,
disputando pela maior influência no controle da sociedade.

Apesar dessa extrema expansão social e territorial da Igreja, os últimos três séculos da
Idade Média podem ser considerados como um período de retração territorial da fé cristã
devido a inúmeras invasões territoriais por povos adjacentes. O que acaba gerando uma perda
substancial do controle absoluto da Igreja sobre o modo de vida dos indivíduos.

Em seu período final, houveram muitos conflitos culturais na Idade Média,


destacando-se dentre todas a disputa religiosa e ideológica entre o islã e o cristianismo. Nesse
período ambas se expandiram dentro do território europeu, mostrando que a disputa territorial
estava viva e cada vez ambas as religiões se mostravam dispostas a assumir o controle de
influência. Na região da Península Ibérica, Sicília e parte do Mediterrâneo a influência
muçulmana foi se desvaindo e o cristianismo começou a predominar, ao passo que, a região
da Armênia, dominada principalmente por mongóis e mamelucos, faz com que o reino da
Armênia se dissolva causando um novo abalo para a cristandade

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Os séculos XII e XIV foram intensos ao apresentar-se de um modo tão incisivo na
jornada política e religiosa, marcado, principalmente, pelo avanço mongol na Ásia Central
que ameaçou a hegemonia islâmica. A Igreja tentou até mesmo uma aliança com os mongóis,
porém essa aliança não se estabeleceu e. posteriormente, o islamismo prevaleceu nessas
terras. A necessidade da sobreposição ao mundo islâmico por parte da Igreja se dá na
manutenção do controle das rotas ocidentais exploradas pelo navegador Cristóvão Colombo.

Quando ocorre a queda do Império Bizantino, há uma fragmentação do cristianismo,


se dividindo nas cristandades grega e romana. Embora sua base fosse a mesma, ambas
sofreram modificações com o passar do tempo e chegaram até mesmo a disputar zonas de
influência a partir do período das grandes navegações já que as duas desejavam expandir-se,
fazendo com que mais batalhas e disputas fossem travadas a fim de confirmarem seu poder.
Isso pode ser visto até mesmo nas colônias que conseguiram conquistar, fazendo com que
nativos daquelas terras lutassem a seu favor contra outros europeus a fim de manter sua
soberania política e religiosa intacta.

Ao escrever a parte três do texto, o autor busca explicitar a condição de peregrinação


na Idade Média, atribuindo o sentimento de conquista de mundos desconhecidos à literatura
épica e romântica da época (a qual incitava o espírito cavaleiresco) que fundamentou os
valores guerreiros da aristocracia europeia. Porém, ao sair do âmbito fantasioso, ele se depara
com duas motivações que impulsionavam os homens da Idade Média.

O autor também busca explicar esse fenômeno pelo âmbito religioso e político. Para
justificar o primeiro, diz que o apetite de deslocamento corresponde a dados culturais e
espirituais, mostrando que de um lado a viagem empreendida pelo fiel é uma reiteração da
concepção da vida terrestre, como caminho que conduz a outra vida, e do outro, revelando
uma característica única da experiência europeia cristã, que além de ser privada de uma língua
sacra, também não tem um lugar santo como Jerusalém, com exceção dos dois séculos os
quais a igreja manteve sobre seu controle esta cidade por meio das cruzadas. Porém, o autor
faz uma comparação ao islã, que exerce domínio sobre seus lugares santos e mesmo assim
busca expandir seu território, com isso, ele mostra que os motivos da expansão vão além dos
religiosos.

Atitudes que podem ser consideradas como uma forma de acordo político para ampliar
a influência de famílias da alta aristocracia são mencionadas pelo autor. Ele usa como
exemplo o sistema de alianças matrimoniais. Esse sistema tinha, além de tudo, o objetivo de
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ampliar a distância que uma família poderia exercer sua influência pois, apesar de as cortes
reais serem itinerantes, seu deslocamento tinha um raio limitado. O autor também dá exemplo
das ordens militares que ficaram como herdeiras das cruzadas do século XII, as quais
tornavam seguras a prática de peregrinação e, “coincidentemente”, as rotas comercias da
altura das altas planícies de Castela até a ilha de Chipre.

Apesar de todo o esforço dos poderosos de expandir seu território e suas áreas de
influência, tanto a peregrinação quanto as cruzadas dão exemplos que a circulação para
lugares distantes não foi privilégio dos mais poderosos. Houve, por exemplo, políticas
voluntárias de povoamento para os territórios os quais determinadas nações se expandiram, e
nesses movimentos os camponeses e lavradores eram os voluntariados. Com isso, o autor
busca mostrar que a movimentação das populações não envolveu apenas alguns
representantes das classes mais altas da sociedade, mas também pessoas comuns que compõe
as classes mais baixas da mesma.

Na parte quatro do respectivo texto, o autor busca mostrar o agravamento dos


dispositivos de perseguição como instrumento central da “instituição política da sociedade”.
Nesse sentido, é possível notar como o procedimento da Inquisição foi fundamental para
desenvolver as monarquias ibéricas da modernidade. Diferentemente da ideia que trata a
origem do Estado moderno como o estabelecimento de um novo paradigma evolutivo da
organização das sociedades humanas, as afirmações de poder e autoridade não surgem através
de instituições de “natureza diferente no seio da sociedade”. Esses instrumentos de poder
nascem do interior da própria sociedade medieval e de suas relações, influenciando o
surgimento de uma modernidade como prolongamento das consequências históricas das
relações medievais. Por isso, se afastando de uma metodologia marxista de se narrar a
história, o texto insere a principal ideia de que houve uma difusão geral das ideologias que
exigiam serem aderidas, como o “gosto da ordem ou a divindade da pessoa real”. Segundo
Robert I. Moore:

“Naturalmente, não é por acaso que os reis e papas citados com mais frequência (a propósito
da perseguição) são os que mais firmemente se identificaram com uma inovação vigorosa e
imaginosa nas artes de governo” (SCHAUB apud MOORE, p. 92, 2014)
Esse cenário foi àquele responsável pelo contexto do desenvolvimento das Grandes
Navegações e a dinâmica social do ambiente colonial do Novo Mundo. As relações medievais
cruzam o estereótipo de uma ausência de diálogos entre o que é moderno e o que é dito como
“Idade das Trevas”, inserindo-se na formação das sociedades crioulas e mestiças não mais
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num contexto de imobilidade e segregação de classes. A redescoberta dos tempos medievos
mostram que essas sociedades apresentavam contextos dicotômicos socioculturais que
imperavam ao mesmo tempo, sendo traduzidos pela intolerância crescente entre diferentes
povos e também por relações extraconjugais e comerciais entre os mesmos.

Outro aspecto que merece ser mencionado é o movimento de “guetização” que se


impôs no fim da Idade Média. A perseguição dos reis espanhóis aos mudéjares, seus súditos
muçulmanos que permaneceram na península ibérica mesmo após a expulsão dos mouros nos
séculos anteriores é um exemplo da intensificação desses movimentos. Além disso, as
corporações de ofício foram responsáveis por excluir pessoas que não eram de origem alemã
nas cidades das regiões eslavas e magiares. Como o autor esboça, diversos pesquisadores
discutem se tais movimentos estariam na raiz do surgimento do racismo político radical do
século XX. Segundo Robert Bartlet, essa “fragmentação comunitária”, do século XI ao século
XV, caracterizou-se pela expansão da cristandade no combate ao islamismo no sul da Europa
e ao paganismo no norte e nordeste. A conquista dos francos-latinos e normandos dos
territórios britânicos e das sociedades eslavas também é outro exemplo marcante de uma
colonização “sociopolítica da fronteira”, substituindo a nobreza local nas funções e cargos e
extinguido suas famílias.

Merece destaque, ainda, o papel das ordens de cavalaria que formavam a elite militar
dos reinos europeus na organização e cristianização da vida social nos territórios europeus. A
atuação da ordem teutônica foi importante nesse sentido, garantindo ao rei da Hungria à
Transilvânia durante algum tempo, bem como a conquista da Prússia pagã a pedido do Duque
polonês Conrado de Mazóvia. Entretanto, o movimento de expansão dos ducados, condados e
reinados modifica todo o panorama das heranças políticas dos reinados europeus. Com isso,
das quinze monarquias reais, cinco são da casa de Capeto e sete descendem diretamente do
reinado francês ou da Lotaríngia e Borgonha. Isso mostra uma concentração de coroas nas
principais “casas” das nobrezas europeias até que a dominação Habsburga herde, por Carlos
V, grande parte do continente, formando o Sacro Império Romano Germânico. Corroborando
essa ideia, Schaub aponta que:

“Nas diferentes regiões onde se dá a implantação de novos senhores, os vínculos com as


pátrias de origem persistem por várias gerações (...) Ao mesmo tempo, a multiplicação dos
intercasamentos com filhas de famílias locais produz efeitos de apropriação das sociedades
conquistadas” (SCHAUB, p.94, 2014)

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Desse modo, o surgimento das famílias de senhores anglo-normandos com mulheres
irlandesas formando uma população chamada “Old English” é espelhado pelo fenômeno da
América ibérica conhecido como crioulização e hibridização. Com o tempo, a vinculação ao
país de origem vai sendo cortado, gerando uma nova aristocracia que não se identifica com
sua descendência. Parafraseando o autor, é inevitável a mestiçagem. Processos como a
evolução das línguas e a formação de categorias raciais mostram também essa constatação,
sendo observado nas zonas colonizadas um plurilinguismo peculiar explicitado, por exemplo,
na produção literária.

A diferenciação dos povos europeus e suas proximidades inter-relacionais se tornam


traços que prefiguram a modernidade das expansões dos reinos ultramarinos ibéricos. Esses
territórios colonizados nada mais refletem em sua dinâmica colonial as relações mestiças de
uma Europa profundamente complexa em seu âmbito religioso, social e comercial. Para além
das meras oposições históricas dos períodos medieval e moderno, pode-se perceber que há
muito mais fatores que apontam para uma continuidade histórica entre eles do que uma
segregação histórica que gere obstáculos no diálogo e compreensão de seus acontecimentos.
Assim, o ponto fulcral não está tão somente nos aspectos étnicos e culturais que demarcam
cada sociedade em seu devido período, mas principalmente na “nomeação das pessoas” que
sugerem elos e proximidades culturais com complexidade a qual ultrapassa os limites da linha
do tempo.

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