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O italiano Botero, em uma das páginas mais significativas das Relazioni Universali
(publicada em 1596), define a civilização humana como dependente de consciência religiosa
cristã, mas também do desenvolvimento do pastoreio e da agricultura, do comércio, de
governos estáveis, da promulgação de leis e do estabelecimento de normas morais. Até a
chegada dos europeus no Novo Mundo, surge entre os escritores do século XVI, a
constatação de que seus habitantes não cumpriam nenhum desses critérios - não conheciam as
escrituras, nem pesos, nem medidas, nem comércio, nem agricultura e nem leis. As
discussões acerca da legitimidade do domínio e da condução à noção modernizadora e
civilizada permeou por muitos séculos seguintes.
Este ensaio tem como objetivo construir, de forma sintética, o papel das ideias
modernizadoras na justificativa e formação do sistema-mundo moderno e na dominação da
periferia mundial. Para isso, com base nas principais colocações teóricas de Fernand Braudel,
Immanuel Wallerstein, Vitorino Magalhães Godinho e Frédéric Chabod é realizada uma
compreensão do europeu e sua assimilação dentro da dinâmica global do sistema-mundo,
com divisão hierárquica entre o novo centro-periferia que acaba de se formar.
Dentro das análises da Época Moderna, da contribuição da expansão ultramarina e das
experiências por ela propiciadas no desenvolvimento do conhecimento, são desenvolvidas as
discussões dentro do que se passou a compreender por sistema-mundo. Para entender esse
conceito e sua dinâmica, não basta compreender somente as formas de comércio do período,
mas também a formação do modo de produção e a importância da sociabilidade mercantil em
escala global1.
O conceito de sistema-mundo - formulado por Wallerstein e baseado no conceito de
economia-mundo de Fernand Braudel - aparece como um reenquadramento do marxismo e
como um contraponto crítico à teoria do funcionalismo estrutural. O funcionalismo descreve
a modernização como um processo de divisão das atividades-chave, assim, nas sociedades
tradicionais as atividades fundamentais estariam concentradas em um número pequeno de
1 BRAUDEL:1998 (p.11-58)
instituições (família, parentesco), enquanto a modernização constituiria o aumento dessas
instituições. Dessa forma, bastaria para as sociedades tradicionais espelharem-se nas
modernas e modernizarem de forma igual, sendo guiados por elas. Isto é, ignora
completamente muitos anos de contato cultural, comércio e intervenções políticas feitas pela
Europa em prol de sua própria modernização dentro de uma hierarquia entre centro-periferia.
Fernand Braudel, ao trabalhar as questões do tempo longo (estrutura), do tempo
médio (conjuntura) e tempo curto (evento), é o primeiro a usar a ideia de economia-mundo
para se referir ao mediterrêneo. O autor desenvolve, no volume 3 de “civilização material,
economia e capitalismo” sua noção, inspirada nos historiadores alemães, desenvolvendo seu
próprio conceito, ao debater com Wallerstein. Primeiramente, é feita a distinção entre
economia mundial e economia-mundo, na qual a última se trata de “Espaços dentro do
planeta autônomos e capazes de bastarem a si próprios, não precisando necessariamente
estarem ocupando todo o globo”2. Assim, a economia mundial é aquela que se estende à terra
inteira, é o mercado mundial; enquanto as economias-mundo envolvem espaços do planeta
economicamente autônomos, nos quais suas ligações e trocas internas conferem certa unidade
orgânica.
Mas quando surgem as economias-mundo? Para Braudel, elas desde sempre
existiram. Gunder Frank e Barry K. Gills defendem a tese de que têm uma história de pelo
menos 5000 anos. Para Wallerstein, haviam dois tipos de sistemas sociais: mini sistemas e
sistemas-mundo. O segundo seria dividido entre impérios-mundo e economias-mundo.
Portanto, no período anterior a 8000 a.C, o território mundial era provavelmente composto
por um grande número de mini sistemas espalhados3. É possível ainda, recuar mais na
periodização: estudiosos da big history indicam a formação de uma “economia-mundo”
primária, ocorrida com a Revolução agrícola do período neolítico (10000 a.C) e, ao longo do
tempo, se tornando cada vez mais estável e coesa até atingir uma escala global - a partir das
navegações ultramarinas do século XVI.
No início do século, a economia-mundo europeia era representada basicamente pelo
mediterrêneo, com escala restrita. Apenas nos séculos seguintes, com os tentáculos do tráfico,
é que se estenderá ao mundo inteiro, tornando-se uma economia-mundo ao mesmo tempo
mundial. A expansão marítima nos séculos XV e XVI, segundo Godinho, aparece como
resultante e alavanca na passagem da sociedade senhorial e urbana da Idade Média para a
economia nacional de tendência capitalista. Esse impulso que provém da nova classe e das
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHABOD, Federico. Historia de la idea de Europa. Madrid: Editorial Norte y Sul, 1967 (1ª ed.
italiana, 1962).
VITORIA, Francisco de. Relectio de indis: Corpus Hispanorum de Pace. Madrid: Consejo
superior de Investigaciones Científicas, 1989.