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geralmente creditado com a invenção ou influência sobre uma série de fatores associados
Para compreender o seu caráter inovador é fundamental entender como ele se entrelaça
com a crise do sistema medieval que avança pela Europa a partir do Século XIV e com
período histórico que essa palavra acabou simbolizando, temos que nos ater a algumas
fundamental para o seu desenrolar. A chamada “Idade Média” é marcada pelo colapso do
Império Romano na sua parte ocidental, pelas chamadas “invasões bárbaras” e pelo tipo
assombro para estruturas arquitetônicas romanas que eles próprios não eram capazes de
acumulado durante a antiguidade se perdeu na sua maior parte, seja como efeito dos
conflitos armados e do caos social, seja do controle do pensamento exercido pela maior
fragmentado.
Enquanto a maior parte da Europa se direcionava ao modelo feudal que ainda teria
ao auge do período imperial, não foi tão severa quanto no resto do antigo império
ocidental. Uma série de cidades sobreviveram e foram prosperando ao longo dos séculos
medievais, numa relação umbilical com o mundo feudal, maciçamente rural, ao seu redor.
consolidação e expansão do sistema feudal. Por volta do ano 1000 esse sistema feudal
consolidado adquire um novo dinamismo e conhece uma longa fase de expansão, em meio
(como em Flandres e na Liga Hanseática), tudo isso no contexto mais geral de uma
semimorta nos séculos anteriores, também vive um ressurgimento a partir do Século XI,
feudal em expansão o papel e poder das cidades italianas se expandiu, alcançando a sua
alcance por meio do controle das rotas marítimas mediterrânicas. Além de seu predomínio
sistema medieval europeu, e foi simbolizado também por importantes marcos no campo
cultural, como a obra dos poetas e pensadores florentinos Dante Alighieri e Francesco
Petrarca. Abalados junto com o resto da Europa pela terrível crise desencadeada pela
Peste Negra, as cidades italianas reagiram à decadência feudal com uma renovada
primeiro lugar, no caso da vida cultural das cidades italianas a sequência histórica não
corresponde a uma passagem simples da era medieval para uma era moderna. De certa
“medieval”. Seus fundadores e inspiradores como Dante e Petrarca são figuras históricas
firmemente enraizadas no contexto medieval no qual viveram. O mesmo pode ser dito de
florescimento cultural e filosófico não pode ser medida por uma ideia abstrata de
modernidade, mas sim por uma comparação com as ideias dominantes no período
é uma vasta e complexa tarefa para a qual inúmeros especialistas se voltam. Mas algumas
(miseria hominis), uma concepção antropológica que entende o ser humano a partir dos
Agostinho, entende o ser humano e a natureza humana da forma mais negativa. A miséria
do homem na terra seria compensada, evidentemente, pelo Reino dos Céus que garantiria
a salvação eterna. Mas a existência concreta e real do ser humano seria um “vale de
lágrimas” contra o qual pouco se poderia. Tal visão se revelava ao mesmo tempo
feudal. As artes, as ciências, o corpo, tudo isso era menosprezado em vista da irrelevância
sofreriam críticas dentro do próprio contexto da época, principalmente na sua fase mais
tendência seria radicalizada no Século XV, seja na obra de pensadores como Nicolau de
Cusa que defendiam a Dignitas Hominis contra a Miseria Hominis, seja na prática e na
filosófica, que tinha nas cidades italianas o seu grande centro, acabava das mais variadas
formas por promover um novo tipo de antropocentrismo contra o teocentrismo por tantos
perdidas, como a construção do domo na Catedral de Santa Maria del Fiore em Florença
perdidas, permitindo uma reprodução pictórica da realidade muito mais realista do que
gênios como Donatello e Michelangelo, cujos respectivos “David” estão entre as maiores
comum é que, seja na arquitetura, seja na arte, seja no campo da reflexão, esse espírito de
época, todo ele coberto de nostalgia por um passado distante greco-romano recentemente
nítido com o senso comum prevalecente por longos séculos na Europa. Deve-se notar
também que tal renascimento se dá não apenas por tendências internas, mas também pela
a Itália), traduções das obras dos filósofos e cientistas árabes e islâmicos, com suas
notáveis contribuições nos mais variados campos do conhecimento. Seja como for, o
realizações.
sugerir que as cidades italianas passavam por um momento de grande poder, estabilidade
e riqueza. Embora sem dúvida muita riqueza tenha sido gerada, ajudando na construção
dos marcantes monumentos desse período, não se pode dizer que o período considerado
político das cidades italianas, e muito menos de estabilidade. Pelo contrário, olhando
Otomano implicou na perda de controle das rotas navais mediterrânicas, ao mesmo tempo
comércio da Ásia. No campo político a crise do sistema feudal acabou produzindo novos
tipos de atores políticos, o Estado Absolutista em ascensão em lugares como Castela (logo
depois Espanha) e França, com grandes repercussões para a vida política na Itália.
1469, em Florença, filho de pais da baixa nobreza. Maquiavel teve acesso a uma excelente
educação e seguiu para o serviço público quando uma revolta republicana se vê vitoriosa
controlava Florença como uma realeza de facto havia várias décadas. Maquiavel foi um
importante servidor público da República florentina por quase vinte anos, servindo como
civil, ideia concebida e organizada por ele próprio. Em 1513 a sua sorte política muda
quando um golpe derruba a República e reestabelece o controle dos Médici sobre a cidade.
Banido do serviço público, Maquiavel sofre um exílio interno, indo morar na propriedade
familiar localizada na área rural de Florença (o Condato). Foi nesse contexto de desgraça
pessoal e política que Maquiavel redigiu originalmente a sua mais famosa obra, O
Príncipe. Maquiavel comunicou a produção da obra numa famosa carta para seu amigo
Vettori, mas ela só seria publicada após a sua morte, em 1532. Em poucos anos entraria
para o índice proibido da Santa Inquisição. Maquiavel produziu uma série de outras obras
História de Florença, uma série de outros escritos políticos, inúmeros poemas e peças de
também, inclusive no Príncipe, uma preferência por governos republicanos de base ampla
e popular. Nos trabalhos e poemas políticos escritos durante o seu período ativo no serviço
público Maquiavel demonstrou um contínuo desprezo por ambições políticas vãs e uma
constante preocupação com o papel político da nobreza. Isso tudo se faz importante para
pensamento do florentino.
Um dos aspectos mais desconcertantes do Príncipe é a sua dedicatória inicial,
pela queda política e pessoal de Maquiavel. Oportunismo? Essa hipótese parece pouco
próprio Maquiavel estava sem dúvida plenamente disposto. A obra dedicada, note-se, não
apesar de todas as aparências nas quais parece legitimar as formas mais imorais e
contexto no qual a moral era definida pela noção do príncipe cristão/santo. De fato, o
ponto de partida de Maquiavel estabelece um princípio geral de realismo: ele não está
interessado nas coisas como eles devem ser, mas sim na verdade efetiva das coisas. Ele
não está interessado em imaginar repúblicas ideais (uma clara referência negativa à
Platão) mas sim no mundo como ele é. Independentemente do juízo que se faça a respeito
E talvez, ao mesmo tempo, uma pista para o leitor: fique atento aos juízos e análises do
próprio autor. Não se deve esquecer do lado artístico de Maquiavel. Parece muito
provável que o histórico escrito O Príncipe não deve ser lido de maneira estritamente
literal; que o seu autor pretendia algo mais do que a confecção de um manual de perfídias
políticas. Uma leitura mais atenta, aliás com longa linhagem histórica, vai identificar no
Príncipe uma visão mais crítica, e também moral, do mundo da política que ela descreve
com maestria.
Maquiavel parte de uma tipologia geral da política. Ela transforma a tradicional
suas vertentes “degeneradas” (tirania, oligarquia e demagogia) numa divisão binária entre
essa não era a preocupação de Maquiavel no Príncipe. A sua atenção se volta para os
principados. Quanto a esses, também deve-se notar que Maquiavel não supõe que eles
manter o poder num principado. É nesse contexto que se apresenta o lado “amoral” da
sua teoria: Maquiavel apresenta uma série escandalosa de conselhos e análises para o
verdade, essa tradição remonta aos primeiros historiadores como Heródoto e Tucídides,
sempre empenhados no pronunciamento de juízos políticos acerca dos objetos das suas
histórias, uma tradição seguida pelos historiados romanos como Tito Lívio e Tácito que
Maquiavel apresenta seus argumentos e “conselhos” é único: ele chama atenção para o
poder. Ele conclama seus prospectivos príncipes a mentir, a matar, a gerar o medo. Quão
literal seria essa escandalosa receita política? O fato é que para leitores literais da sua
obra, a partir de seu lançamento em 1532, ela foi vista com horror e repulsa. Maquiavel
“os fins justificam os meios”. Mas que fins? Que meios? Não seria Maquiavel esperto o
suficiente para perceber o caráter escandaloso das suas próprias palavras? Bem, podemos
esse um fim geral, contudo, um bem público? Qual o objetivo do poder político e da
definições que apresentam de modo bem mais claro e geral as finalidades da política como
única forma de se garantir uma ordem interna estável e bem governada, que é a condição
da vida digna, é a preparação para a guerra. Essa deve ser a principal preocupação de um
príncipe. Mas não se para por aí. Um exército popular, ou milícia, é a principal garantia
Maquiavel com a cidade-estado é clara. Ele não está preocupado com os grandes reinados
territoriais da Europa ou com impérios, mas sim com a cidade-estado, sua forma natal e
procedimentos dos governantes oligárquicos das cidades italianas. Maquiavel expõe uma
preferência explícita pelo homem comum, e uma suspeita e desgosto correspondente pela
nobreza. Ele inverte o juízo de valor aristocrático dominante de que “quem constrói seu
poder sobre o povo, constrói sobre lama”. Para Maquiavel, antes o contrário. Sob essa
luz, seus conselhos escandalosos e suas narrativas laudatórias acerca de figuras históricas
nebuloso conceito de virtú (virtude, virilidade?) e sua relação com a fortuna, ou destino.
Em termos mais gerais, pode-se dizer que a virtú se relaciona com a capacidade do
com essas circunstâncias, ou seja, agindo de forma estratégica. Deve-se notar que essas
guerra. Mas esse não parece ser o ponto de Maquiavel. Maquiavel está descrevendo a
público apresentada por Maquiavel, pode-se argumentar que Maquiavel levanta a questão
da fortuna não como um meio para avaliar a esperteza estratégica de príncipes do passado
e do futuro, mas sim para estabelecer a necessidade permanente de meios que previnam
prevenir que o Estado caia como um castelo de cartas. E como Maquiavel descreve no
Príncipe, inúmeras foram as vezes que maus príncipes viram seu poder se esvair perante
para a avaliação de um bom governo e uma defesa da arte da estratégia para a manutenção
de um Estado capaz de proporcionar a vida digna. Parece que autores como Espinoza e
sua principal obra, embasada como parece estar numa concepção positiva do Estado e da
coletiva da república. Por isso que podemos voltar a nossa afirmação original de que