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compreensão da obra dos dois grandes pensadores políticos canônicos produzidos pela
turbulenta história inglesa do Século XVII, Thomas Hobbes (1588-1679) e John Locke
peculiares e profundamente influentes caminhos que seriam trilhados por essa nação na
história da era moderna e contemporânea. Pode-se dizer que o peso alcançado por essas
do Estado e das classes dominantes ingleses que teriam papel central no período histórico
que se seguiu ao tempo de vida de Hobbes e Locke. Seja como for, o fato é que elas estão
algumas características gerais da sociedade europeia que se formou a partir dos sucessivos
tudo, temos que notar que estamos falando de uma sociedade predominantemente
europeia nesse período, com variações regionais, e essa predominância se combinava com
a existência de cidades que gravitavam em torno desse oceano rural. A principal exceção
a esse padrão, as cidades italianas cuja vida política estava centralizada na urbe, exerciam
Reproduziam numa escala mais ampla o domínio senhorial sobre a população camponesa
ou classe dos senhores feudais, que constituía a relação social central do sistema feudal.
profunda fragmentação política apresentada por esse sistema. O poder estava disperso
numa numerosa aristocracia senhorial, cada qual com seu poder jurisdicional próprio e
cidades livres em conflito potencial e simbiose com os demais. A relação feudal básica
residentes em seu território, reconhecido por meio das teias flutuantes de alianças e
hierarquias políticas do poder feudal. No interior do seu domínio o senhor tinha um direito
de jurisdição e aplicação da lei, direito esse que variava e flutuava em razão da dinâmica
de conflitos gerado contra ele pelas próprias comunidades camponesas. Mas acima de
tributação de todo o produto camponês, o trabalho compulsório nas terras do senhor, além
economia monetária e a expansão mais centralizada de uns poucos dos muitos reinos
feudais, entre eles notavelmente os reinos da França, Inglaterra, Portugal, Castela e depois
Espanha. Também cresceram as cidades e o comércio, ainda dominado nessa fase pelas
da sua grande crise e a lenta transição para outros modelos sociais, políticos e
Século XX. Mas cabe observar aqui as características e eventos básicos do momento
divisão das propriedades rurais, a Europa medieval era sacudida por contradições e por
conflitos cada vez mais abertos, embora deva-se notar que o conflito político e a guerra
conflitos duradouros como a “Guerra dos Cem Anos” travada entre os Reinos da França
conhecida como a Peste Negra. Em poucos anos a peste destruiu grande parte da
medieval inglesa se deu no ano de 1066 com a conquista normanda liderada por William,
o Conquistador, em meio a uma disputa pelo controle do Reino da Inglaterra. O rei anglo-
saxão havia repelido uma invasão liderada pelo rei da Noruega. Aproveitando o momento
político. Com a invasão William restabeleceu pelo alto a distribuição de terras e domínios
e a estrutura política do reino inglês, criando uma relação muito mais centralizada entre
o reino e o baronato feudal, mas uma relação que acabaria se transformando numa
duradoura parceria política, uma divisão do poder do Estado entre o Rei a Aristocracia,
que acabaria estabelecendo ainda no Século XII o parlamento que dura até os dias de hoje.
O maior sinal de que esse modelo mais centralizado de poder estatal não implicava numa
supremacia da coroa sobre à nobreza foi dado pela Magna Carta de 1215, documento que
representa uma petição dos nobres contra poderes arbitrários da coroa, como a declaração
imaginário político inglês nos séculos posteriores, sendo invocado durante todas as crises
Inglaterra, quando confrontado com o terrível peso da Peste Negra e da crise que a
sucedeu, era caracterizado por uma parceria entre Coroa e Nobreza que era incomum no
resto do mundo feudal, uma parceria que conferia ao Estado e às classes dominantes
inglesas uma unidade pouco encontrada alhures, condição essa que moldou as trajetórias
do capitalismo. A França era muito mais central para o sistema político feudal do que a
período, com uma população alcançando 20 milhões de habitantes no seu auge medieval,
contra um teto máximo de apenas 3 milhões para a Inglaterra (só por comparação, as
Inglaterra, claro, faz parte do Reino Unido, desde sempre absolutamente hegemonizado
por ela). Nenhum outro lugar forneceu exemplo mais puro do modelo de fragmentação
feudal, com uma ferrenha competição no interior da classe senhorial, e uma tênue posição
da coroa francesa situada em Paris, a partir da sua base na região da Ilê de France. A Crise
da Peste Negra e a Guerra dos Cem Anos travada contra as pretensões do rei da Inglaterra
grande crise feudal tanto na Inglaterra quanto na França, assim como em outras regiões
formação de uma imensa classe de pequenos proprietários rurais livres, agora explorados
não mais pelo domínio senhorial feudal e sim pela estrutura tributária e fiscal do enorme
sistema feudal. A coroa se colocou numa luta ferrenha contra os poderes regionais e locais
estabelecidas do poder político. Essa luta conheceu uma fase crítica durante as Guerras
Religiosas da segunda metade do Século XVI, que colocaram o rei católico contra
geraram uma tradição de pensamento político huguenote (nome dado aos protestantes
portadores de poder político, que tinham direito de se opor ao rei em nome de poderes
políticos há muito estabelecidos. Nesse mesmo período Jean Bodin, um dos pensadores
defender a pretensão de poder exclusivo do rei católico da França. Ele argumentou que
harmonia os demais poderes, e que esses derivavam a sua própria posição da soberania
central que se fazia assim primordial. O debate político francês no contexto da expansão
absolutista era então um debate sobre os respectivos alcances da jurisdição política,
classe de camponeses marcada pela pequena propriedade rural, estrutura essa que
descrevemos na França. Ao invés de resultar numa luta entre poder central e poderes
regionais pelo tributo de uma classe camponesa com propriedade própria, a classe
condicionados por uma série de restrições, numa nova forma de propriedade privada
os camponeses tinham um direito absoluto a sua propriedade comum, não podendo ser
expulsos. Pelo contrário, o problema era a sua mobilidade, sujeita à jurisdição do senhor.
A propriedade do senhor sobre os seus domínios era então em grande parte “formal” e
impostos à comunidades camponesas fixas na terra. A terra não podia ser vendida, os
camponeses não podiam ser expulsos. Trata-se de uma concepção de propriedade, que
podemos chamar de propriedade política, bastante distinta daquela que impera no atual
senhorial lutou justamente para estabelecer uma tal concepção de propriedade, na qual a
vontade do seu proprietário, de usar e até de abusar da sua propriedade, como colocaria
usos econômicos e lucrativos para as suas terras. Na mesma medida a classe camponesa
uso sobre a terra. Já no início do Século XVI surgia uma ampla classe de trabalhadores
antigos senhores feudais, alugavam suas propriedades para fazendeiros arrendatários, que
por sua vez recontratavam trabalhadores rurais desapossados, num contexto de produção
Inglaterra.
Essa situação gerou um amplo comentário social na Inglaterra da época, que inclui
o famoso trabalho “A Utopia” do filósofo e político Thomas More, onde ele escreveu
uma famosa passagem descrevendo o processo pelo qual “carneiros devoram homens”,
a Inglaterra do Século XVI despontava. O novo tipo de pobreza gerado por esse processo
unidade da classe dominante inglesa prosseguiu nesse período, que incluiu o famoso
também a semente de conflitos que perdurariam na Inglaterra pelo próximo século e meio.
O seu sucessor, o jovem e breve Eduardo IV, concedeu à Igreja reformada um caráter
revertidas por sua irmã e sucessora, Maria I, que, católica, procurou reverter a reforma do
seu pai, gerando enormes tensões e uma brutal repressão. Somente sua morte e sucessão
por outra filha de Henrique, Elizabete I, que retornou o caráter protestante da nova Igreja
meio ao qual a Inglaterra se tornou uma potência marítima e lançou seus primeiros passos
Inglaterra. Essa concepção era fruto de uma nova ordem pós-feudal única, marcada pela
marcada cada vez mais pela lógica “pragmática” do mercado, num contexto de cidadãos
“livres”, ainda que sem direitos políticos positivos. Essa nova realidade resultou numa
Elizabete na França, descreveu, num tratado sobre a política inglesa chamado “De
ou ação comum de uma multidão de homens livres reunidos e unidos por acordos comuns
e regras entre si, para a sua preservação na paz assim como na guerra”. Era um tipo de
definição bastante singular no contexto da história da teoria política, com a sua ênfase no
indivíduo como o produtor, por assim dizer, da sociedade. Desde Aristóteles era
simplesmente suposto por todos, e com boas razões, que o ser humano era na sua essência
um animal político. Ainda que a formulação precoce de Smith não implicasse num ataque
sociedade que ela implica apontava para uma nova direção. No mesmo período outro
teórico político, o bispo John Ponet, elaborou uma teoria do direito individual de
resistência frente a um governo injusto ou ineficaz. Ponet argumentava que o Estado era
uma associação de homens livres, e que possuía uma série de finalidades claras de
justificava a resistência política por parte de homens livres. Essa concepção radical de
Estado e cidadão, concebido como um indivíduo e não, como na França, como uma série
lógica da sucessão dinástica, seu primo distante, Jaime IV, Rei da Escócia, assumiu o
trono, tornando-se o rei Jaime I da Inglaterra. A Inglaterra assistiu assim a troca de casa
real, da linhagem Tudor para a nova linhagem Stuart. Destoando da cultura política
entre Coroa e Parlamento, o novo rei tinha simpatias absolutistas. Ele havia até mesmo
escrito um tratado político no qual defendeu a teoria do direito divino dos reis, uma teoria
Contudo, o experiente rei da Escócia, agora plenamente centrado na sua nova posição na
mais poderosa e rica Inglaterra, contornou possíveis problemas e governou com eficácia
até o fim da sua vida, em 1625. Durante seu reino uma série de conflitos potenciais, que
repressão aos católicos que se seguiu à rebelião no início do seu reinado, Jaime contornou
as profundas contradições que haviam surgido no interior do campo protestante,
escocesa.
filho, Carlos I, ao trono da Inglaterra. Carlos não apenas tinha simpatias absolutistas como
também gerava polêmica por sua esposa católica e presumida simpatia pelo então
protestante (ele era oficialmente anglicano como o pai Jaime). A partir de 1629 Carlos
iniciou uma longa sequência de anos sem a convocação do Parlamento, quebrando com
uma secular tradição e gerando um clima de rebelião aberta no interior das classes
proprietárias inglesas. Com a estrutura sócio-econômica única da Inglaterra cada vez mais
interesse vital de uma classe cada vez mais orientada por imperativos de produtividade e
até que em 1640 ele não segurou a pressão e convocou novamente o Parlamento. Os
limitações da sua posição. O Rei dispensou furiosamente as críticas, reunindo forças para
reuniu em 1642, agora com uma disposição ainda mais militante, organizando a
resistência armada contra as forças reais. Nesse meio tempo as forças parlamentares
tomaram uma direção que teria importantes consequências do ponto vista político e
população comum na luta armada contra o rei. Esse apelo “populista” das forças
escritores que passaram a elaborar uma inovadora teoria crítica da política a partir da
base popular, o New Model Army, o novo exército modelo. Esse exército definiu a vitória
todos os homens livres (aliás, homens ingleses livres, free englishmen, como falavam).
ser estendido a todos os homens (a questão das mulheres estava além da imaginação
inglesa desse período até no campo simbólico das aspirações). E não só isso, mas esse
representativa foi um duro choque para as elites inglesas da época, incluindo as elites
dos direitos políticos, como inerentes a todos os ingleses (essa discussão se travava no
campo mais restrito da noção do direito dos englishmen, que remetia de maneira
O nível de agitação que tomara o Novo Exército Modelo após a prisão do Rei
debate os líderes niveladores fizeram uma jogada de tirar o fôlego, propondo as bases de
uma futura constituição com o lançamento do seu Acordo Para o Povo, prevendo um
sufrágio masculino universal. Para a sorte da posteridade, uma transcrição foi feita desses
impressionantes debates. Com o próprio Cromwell mediando o debate, os representantes
principais líderes parlamentaristas, Henry Ireton. Após dias de debate, Rainborough fez
homem mais pobre na Inglaterra tem uma vida a viver, assim como o maior; e então
verdadeiramente, senhor, eu penso que é claro, que todo homem que deva viver sob um
governo deva antes pelo seu próprio consentimento se colocar sob esse governo; e eu
realmente penso que o mais pobre homem na Inglaterra não está de forma alguma preso
num sentido estrito para aquele governo que ele não tenha tido a voz para colocar a si
mesmo sob”. Eram palavras fortes. Colocava-se em questão todas as formas oligárquicas
direito. Henry Ireton ficou desconcertado. Argumentou que tal concepção implicava num
direito “pelo mero ato de respirar”. O que era de fato a implicação. Além de contra-
para aqueles “que um dia estavam aqui, outro ali” significava ir contra toda a tradição
estabelecida por séculos de costume. Ireton preferiu uma defesa da desigualdade social
com base nas convenções e no precedente histórico do que encarar o argumento dos
niveladores no campo do direito natural com o qual estes haviam defendido o princípio
democrático.
Desenvolvimentos posteriores enfraqueceram o momentum nivelador. A fuga do
executivo de modo centralizado. Foi nesse contexto que Thomas Hobbes (1588-1679)
publicou a sua maior obra, O Leviatã (1651). Hobbes, um dos mais celebrados pensadores
do período na atualidade, nem tanto pela substância dos seus argumentos quanto pela
engenhosidade do seu raciocínio, era uma figura complexa e destacada. Nascido na baixa
elite, passou a sua vida em serviço aos reis Stuart. Mas, além de tutor e servidor público,
Hobbes era uma poderosa mente filosófica, uma figura que conheceu pessoalmente
Galileu Galilei, foi secretário do célebre filósofo inglês Francis Bacon na juventude, e
nascente. Hobbes foi um dos primeiros autores a usar o termo ciência na sua acepção
atual, diferentemente até do posterior físico Isaac Newton, que ainda falava de “filosofia
natural”. No campo político, Hobbes sempre foi um adepto dos reis Stuart e das suas
ideia de uma soberania absoluta, embora de uma forma que foi mudando e se
Carlos que detonou a luta armada entre o campo realista e o campo parlamentarista.
apresentados no Leviatã, embora nesse momento a sua preocupação política ainda estava
mais voltada para a negação das pretensões do Parlamento do que a negação mais
generalizada das pretensões políticas surgidas em meio à Guerra Civil, que ele empreende
política que vinha sendo gestada desde o Século XVI, particularmente a centralidade do
combinada com a adoção de premissas radicais que vinham sendo elaboradas pelas forças
populares e que haviam ganhado grande força durante a guerra civil, como comentamos
acima. Deve-se notar que enquanto o teórico do Século XVI Thomas Smith havia
apresentado uma visão inovadora da sociedade a partir dos indivíduos e suas associações
e contratos mútuos, esse autor e seus contemporâneos não conceberam a sua visão como
uma forma muito mais explícita e militante: tratava-se de uma superação da equivocada
visão de mundo legada por Aristóteles e reproduzida por milênios, a ideia do homem
como animal político e social. Ao invés de um organismo social que estabelecera desde
sempre a base para a vida política, Hobbes afirma que o homem é na sua essência mais
básica um ser egoísta e individualista. Na sua natureza mais básica o homem é um ser
anti-social. A reunião dos homens em sociedade é um processo secundário e frágil,
estado, os homens são livres e iguais, além de racionais. Hobbes partia de premissas que
eram escandalosas para os conservadores do seu tempo, e ele conseguiu a façanha de ser
detestado por aliados e inimigos. Mas a sua formulação tinha uma série de objetivos
bastante claros. Vejamos. A igualdade dos homens significa que, no estado de natureza,
ninguém é superior ao ponto de se impor sobre os demais. Os homens são movidos pelos
seus interesses e pelo seu orgulho. A liberdade do estado de natureza significa a ausência
de leis e obstáculos capazes de frear os homens na busca dos seus interesses. Na ausência
de um poder soberano, os homens livres e iguais, cada qual buscando seus próprios
interesses e glória, acabam-se tornando inimigos. Ninguém está seguro. Resulta dessa
intolerável. Se pelo direito natural todos se lançam à guerra, a lei natural, derivada da
razão, afirma que todos devem se mobilizar pela busca da paz e pela superação da
condição precária do estado de natureza, onde a vida era “solitária, pobre, sórdida, brutal
direitos, o direito à vida. Partindo dessa percepção que, enquanto natural, é comum a
preservar a vida.
todos os indivíduos por meio de um pacto, ou contrato, social. É esse movimento na teoria
Contudo, o "contrato" no caso de Hobbes tem uma função muito peculiar comparada às
contrato na construção da vida social. Para Hobbes esse pacto consiste no abandono ou
abdicação dos direitos naturais, com exceção feita ao direito à vida, em nome da
obediência à lei. Nessa concepção contratualista, direito e lei são contrapostos de forma
radical. Por meio do pacto que estabelece o poder soberano, os indivíduos contratantes
depositam a sua soberania na figura maior do soberano. O soberano, por sua vez, não é
considerado um participante do pacto, mas sim é visto como pairando acima dele. Não
existindo previamente ao contrato, mas sim sendo o produto dele, não pode ser
indevidamente cobrado por ele. Para Hobbes, o sucesso do poder soberano é dependente
de uma ampla liberdade e discricionariedade no seu uso: somente usando o seu poder
soberano de modo absoluto poderá ser ele bem-sucedido na tarefa de garantir a paz e
preservar as vidas. Desse modo, os súditos não podem reivindicar qualquer tipo de direito
de resistência, com uma ampla exceção que discutiremos em seguida. No contexto da sua
teoria do pacto social, Hobbes acrescenta um outro elemento que fortalece ainda mais a
sua defesa do poder absoluto: ele argumenta que, como o poder soberano foi estabelecido
pelo livre consentimento dos indivíduos, esses mesmos indivíduos, agora súditos do
poder soberano, são co-autores de qualquer ação tomada pelo soberano, tendo em vista
que ele age em nome do seu bem e é o seu procurador. Acusar o soberano de injustiça é
acusar a si mesmo de injustiça, o que para Hobbes era absurdo e logicamente falho.
Partindo da ampla discussão sobre o conceito de poder por meio do consentimento, que
chegávamos com Hobbes numa concepção na qual o poder soberano seria incapaz de
Embora Hobbes tivesse sido desde sempre um partidário fiel do rei e tenha sido
um dos primeiros exilados realistas na França, fugindo da Inglaterra em 1640 logo após
Hobbes sempre ressalta que o soberano pode ser composto por um único indivíduo ou
por uma assembleia de homens. Desse modo ele procurava também fazer as pazes
políticas com o governo inglês liderado por Oliver Cromwell, que em 1652 assumia o
poder pessoal com o título de “Lorde Protetor”, e que ele exerceria até sua morte em 1660.
De fato, Hobbes voltaria de seu exílio em 1652, sem sofrer qualquer tipo de perseguição.
Também é fundamental notar que a teoria da origem do poder soberano em Hobbes não
contém qualquer elemento teológico, se apresentando como teoria “científica” que partia
para olhar para a própria consciência como meio de confirmação da sua lógica. Era uma
também manifestado pelo mentor do jovem Hobbes, Francis Bacon. A defesa mais
tradicional do poder real ainda se manifestava na forma da doutrina dos direito divino dos
reis, uma doutrina elaborada pelo próprio rei Jaime I e pelo contemporâneo de Hobbes,
Robert Filmer. A defesa do poder absoluto por Hobbes, embora certamente “extrema”,
era também feita a partir de princípios exclusivamente secularistas. Boa parte do Leviatã
é dedicado a uma discussão teológica que acaba por afirmar a primazia absoluta do poder
à ideia de Hobbes de que não havia direito de defesa legítimo frente ao soberano. Como
vida, a ameaça da vida do súdito por parte do soberano resultava na dissolução do pacto
e na legitimidade da reação por parte do súdito. Ninguém era obrigado a abrir mão da
própria vida. Esse direito era estritamente individual e particular, mas um conjunto de
a liberdade de lutar por suas vidas. O mesmo poderia se dar frente ao alistamento militar,
uma defesa estritamente fechada, “matemática”, do poder absoluto acabava criando uma
enorme contradição. O liberal Locke, na sua defesa do Estado de Direito, negaria esse
mesmo tipo de brecha, considerando que o indivíduo que se volta contra a lei se
transforma numa “fera selvagem”, devendo ser abatida por todos os cidadãos.
A classe dominante inglesa era fundamentalmente uma classe de proprietários, cada vez
era justamente a maior motivação das elites parlamentaristas na sua luta contra as
da existência prévia do poder soberano, que a distribuiu e pode redistribuir de acordo com
a necessidade de garantir a paz e preservar as vidas. Com essa teoria Hobbes negava os
político inútil para a sua própria sociedade, garantiu a caracterização de Hobbes como um
“pensador maldito”, como havia sido seu antecessor florentino Maquiavel, apesar das
enormes diferenças do arcabouço teórico e das simpatias políticas desses dois clássicos
canônico produzido pela Inglaterra do Século XVII. Assim como Hobbes, Locke foi um
pensador com uma vasta gama de interesses e objetos de reflexão. Nascido de uma família
da baixa aristocracia com interesses comerciais, Locke teve a melhor educação existente
na sua época, ingressando na Universidade de Oxford, onde se dedicou a uma ampla gama
Formou amizade com importantes figuras do pensamento inglês da época, como Robert
medicina empírica baseada no estudo aprofundado da anatomia humana. Mais tarde Isaac
Newton, o revolucionário físico, se tornaria seu amigo. Foi enquanto médico que se
tornou amigo e parceiro de Anthony Ashley Cooper, o Conde de Shaftesbury, uma das
traumatizada pelo impacto das forças populares desencadeadas pela guerra entre rei e
rei Carlos I, Carlos II, que reinaria até 1685. As forças parlamentaristas inglesas,
incluindo seus elementos mais radicais como os Levellers, nunca foram decididamente
“republicanas”. A existência da monarquia não era vista como um mal em si, mas sim a
república de facto sob o governo do “Lorde Protetor” Cromwell não foi acompanhada por
uma formalização constitucional e nem por novas teorias republicanas. Essa tradição
também favoreceu a restauração da monarquia como um ato quase inercial, apesar dos
enormes conflitos das décadas anteriores. Seja como for, a restauração da dinastia Stuart
acabou reacendendo os mesmos conflitos que haviam levado à guerra civil. Forças
opositoras se articularam novamente no Parlamento, levando a uma divisão entre uma ala
liberal (os “whigs”) e outra conservadora (os “tories”) que perduraria por longo tempo
despontou como um dos principais líderes do campo dos whigs. O conflito com o rei se
gerada pelas polêmicas acerca da sucessão real. Durante essa crise Shaftesbury foi preso
morreria no exílio em 1683. Foi durante esse período de crise que Locke escreveu a sua
principal obra política, Os Dois Tratados Sobre o Governo Civil, assim como outros
real dos Stuart e a substitui pela casa Orange, na figura do Rei William de Orange,
importada da Holanda. Ao invés de uma prolongada luta entre rei e parlamento, dessa vez
o conflito foi resolvido por uma troca de reis. Essa substituição foi o início de uma longa
fórmula política inglesa, com a hegemonia tendendo agora cada vez mais para o próprio
As teorias políticas de Locke podem ser entendidas como uma grande defesa desse
modelo político anti-absolutista que acabou prevalecendo na Inglaterra, assim como uma
inovadora defesa do novo tipo de sociedade que estava se erguendo na Inglaterra e que
Industrial e com a ascensão imperial e colonial da Inglaterra. Além dos Dois Tratados que
como a sua eloquente defesa da liberdade religiosa e da separação entre Estado e Igreja
na sua Carta Sobre a Tolerância, e o seu mais famoso trabalho filosófico, Ensaio Acerca
Descartes (tais ideias remontam ao idealismo de Platão). Nesse denso e influente estudo,
Locke fez a famosa afirmação de que o ser humano nasce como tabula rasa, ou página
formação humana, como também negava diferenças inatas, acabando por revelar
consequências igualitárias. Esse trabalho teria grande influência no Iluminismo que
Voltemos agora para os Dois Tratados Sobre o Governo Civil. Escritos entre
1679-81 mas publicados em 1690, esse trabalho era inovador o suficiente para fazer
Locke negar a sua autoria até a sua morte (a autoria foi confirmada por testamento). Locke
governo, e talvez isso explique sua relutância em assumir a teoria da obra, que era um
ataque frontal às pretensões reais. No primeiro dos dois tratados Locke elabora uma
o poder absoluto dos reis com uma variação da doutrina do direito divino, estabelecendo
uma linhagem que ligava os reis atuais até Adão. Locke derrubou as pretensões dessa
peculiar teoria. É no segundo tratado que ele expõe as bases da sua própria concepção de
política. Locke adotou, sem fazer referência clara, o modelo de Hobbes que começava
com indivíduos livres no Estado de Natureza. Mas a apresentação e o uso que Locke fará
natureza absolutamente pavoroso como condição para legitimar a sua defesa do poder
por menos tensão do que o de Hobbes: homens livres, iguais e racionais compartilham a
como gostaria que agissem com você”. Esse é um estado de relativa harmonia, onde os
Contudo, acontece que o estado de natureza, afinal, não é tão idílico quanto
a lei natural. No estado de natureza todo homem é seu próprio juiz, sendo forçado a aplicar
a lei natural com as próprias mãos. Essa situação acaba por ser tornar, se não catastrófica
como em Hobbes, certamente também intolerável. Por meio do pacto social os indivíduos
aplicar as leis naturais e garantir os direitos naturais. Nesse pacto os indivíduos não abrem
mão de qualquer direito, a não ser o da aplicação pessoal da lei natural. Em radical
contraste com Hobbes o Estado Civil não significa a perda mas sim a garantia de direitos.
natural, e não radicalmente contraposta a ele como em Hobbes. Uma vez estabelecido o
Estado Civil os cidadãos podem decidir sobre a forma de governo. Locke não tem muito
a falar a esse respeito, mas é bastante explícito quanto à primazia do poder legislativo no
Estado Civil, apontando para a posição dominante do Parlamento. Locke também não
problematiza a questão do sufrágio. Ao que tudo indica, ele estava satisfeito com o
modelo censitário então prevalecente, que ganhava um reforço adicional com a teoria de
O Estado de Direito estabelece então uma série de limites para qualquer governo.
também apresenta outras inovações dignas de nota. Ele chamava atenção para a
mas sim um uso que visasse uma utilização cada vez melhor e mais produtivas das
condições de produção. Locke usa esse argumento como justificativa para a colonização
nativas poderiam ter a posse da terra, mas não eram capazes de dar a ela um uso produtivo
servia como justificativa para a expulsão das populações nativas e para a consequente
político e econômico até os dias atuais, apesar da grande contestação que essa ideologia