Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
que havia herdado e feito notáveis e históricos avanços na direção da formação de uma
Absolutista também seguiu a sua marcha, num período marcado por crises e guerras no
como surgiu na Inglaterra teorias e conceitos políticos que marcavam uma ruptura não
apenas em relação à lógica de seu tempo mas mesmo no contexto mais amplo da história
defesa da democracia que surgiram em meio à Guerra Civil Inglesa. Conforme discutimos
do que como o pioneiro da teoria política liberal que ele foi nos Dois Tratados Sobre o
1
Governo Civil. Nesse trabalho Locke se filia diretamente ao desenvolvimento científico
que lhe era contemporâneo, crucialmente a nova Física de Isaac Newton, concebendo o
seu papel como filósofo como o de um ajudante nessa monumental empreitada. Suas
originalmente defendida pelo filósofo inglês e mestre do jovem Hobbes Francis Bacon
homem como tabula rasa foi um fundamental ponto de partida para concepções
propícia com a histórica queimada do monge e filósofo Giordano Bruno em 1600. Bruno
viveu uma vida de peregrinações e perseguições enquanto escrevia seus trabalhos que,
sem início ou final. Tal concepção, desenvolvida de modo puramente filosófico e literário,
era muito mais radical do que a concepção do próprio Copérnico, a qual já havia
Inquisição. Não à toa o católico Copérnico publicaria as suas teses apenas no seu leito de
particularmente severa, reservada para casos raros. Galileu Galilei (1564-1642) foi
2
novas concepções do universo e da natureza que haviam começado a se insinuar ao longo
religiosas, que nessa época, e particularmente nas suas regiões católicas majoritárias,
papel de “polícia do pensamento” havia sido exercido pela Igreja Católica por longos
pensamento europeu desde o fim do Império Romano. Nenhum “ateu” deu as suas caras
durante esse longo período, a não ser nos relatos dos inquisidores cristãos e nas suas
fantasias literárias.
em termos gerais, numa escala histórica realmente impressionante. Galileu não fugiu a
essa regra, como não haviam Copérnico ou o monge Bruno. Contudo, os impressionantes
telescópio, conseguiu enxergar os céus de uma maneira que nenhum homem jamais havia
(ele também realizaria outras notáveis realizações científicas, como a lei da queda dos
corpos, que abriu caminho para a teoria da gravidade). Com uma ampliação de 30x a
visão comum, Galileu viu e desenhou crateras na Lua, observou satélites de Júpiter e
matemático Ptolomeu no Século II, que postulava a terra como um centro imóvel no
3
copernicano. Denunciado pelas autoridades e pela Igreja, Galileu radicalizou a sua
espiritual da Bíblia. Numa afirmação que marcou a história, Galileu disse que “a Biblía
nos ensina como ir para o Céu, não como o Céu está”. Ele estava propondo uma radical
declaração de independência da ciência natural não foi bem recebida pelas autoridades
religiosas. Galileu foi colocado em prisão domiciliar e foi julgado pela Santa Inquisição,
sendo forçado a renegar as suas teorias e a viver sob prisão domiciliar perpétua.
pretendia terminar os seus dias na fogueira ou na prisão, mas foi bastante hábil em
apresentar o seu radicalismo teórico numa roupagem que se mostrou digerível para a
época. A premissa original de seu célebre Discurso do Método envolve uma negação de
todo conhecimento estabelecido, do qual se deve partir do zero por meio de um raciocínio
última para um mundo racional suavizou a mente dos inquisidores. Descartes acabou por
irredutível dualidade entre corpo e mente, Descartes relegou toda matéria inconsciente
analítico ou científico. Descartes, sem cair na fogueira ou na prisão e vivendo uma bela
4
vida nos salões das cortes e nobrezas da época, acabava por reafirmar a separação entre
republicana havia se tornado nessa época um paradeiro mais seguro no contexto das ainda
ardentes lutas e perseguições religiosas e políticas. Mais tarde nesse mesmo século Locke
Holanda, e seria o então rei da Casa de Orange que seria o protagonista da Revolução
Gloriosa de 1689. Espinoza, contudo, levaria ao extremo a frágil tolerância reinante nas
excomungado ainda adolescente por sua visão crítica. No seu mais famoso trabalho, o
cartesiana entre mente e corpo. Para ele não havia coerência lógica na hipótese de tal
separação: a mente humana, como todas as demais entidades da natureza, está submetida
às mesmas regras. Ele afirma um monismo contra a hipótese dualista, afirmando que toda
a realidade natural é marcada por leis universais de funcionamento. Deus nada mais é do
que uma palavra para descrever essa lógica da natureza. Deus e natureza são sinônimos,
não havendo consistência a ideia de um Deus pessoal e caprichoso, que imporia a sua
vontade arbitrária. Uma tal concepção, que compreende Deus como sinônimo da lógica
não são muito diferentes. Enquanto Galileu procurou preservar a Bíblia como fundamento
para a salvação, e Descartes apontou Deus como a garantia última da racionalidade (além
5
de fornecer uma nova versão do chamado argumento ontológico para a existência de
Deus), a tese de Espinoza não fornecia nenhum conforto, e no seu lugar promovia uma
doutrina ética plenamente racionalista, associada a uma teoria política republicana, que
apresentava ainda a irreverente tese de que a democracia seria a forma mais natural de
governo humano (apesar de sua compatibilidade prática com as formas oligárquicas mais
típicas da sua Holanda natal). Pode-se dizer que a ousadia e coragem intelectuais de
Espinoza, realizando a mais profunda crítica que a teologia cristã havia recebido em toda
a sua existência como visão de mundo dominante, abriu o caminho para os passos que
nascentes, o golpe desferido por Espinoza abriu as porteiras para esforços ainda mais
europeu, assim como o seu gigante populacional, posição ocupada havia vários séculos.
O Rei Luís XIV continuava o seu longo reinado que perduraria até a sua morte em 1715.
O seu firme governo havia consolidado a níveis nunca vistos a estabilidade da coroa
França na geopolítica do continente, além de seu império colonial. O “Rei Sol”, num
famoso chiste, afirmara que “O Estado Sou Eu”, ressaltando a solidez da sua posição no
escalas mais vastas e complexas de organização, sem perder de vista a sua essência como
ou seja, sujeitas à compra e venda, as formas mais altas de riqueza estavam ligadas ao
6
pertencimento à corte e às funções estatais, que representavam fontes de renda
apresentava como mais uma fonte de renda para o estado e a nobreza estatal que
longo do tempo, convivia com as velhas contradições herdadas da história francesa, com
Esse conflito havia definido desde o Século XVI as bases da luta política na França,
colocando de uma lado os defensores da tese real, a partir do trabalho pioneiro de Jean
Bodin no fim desse século, contra os defensores da tese nobiliárquica, que havia incluído
real ao longo desse período foi a não-convocação dos Estados Gerais durante um longo
período que se iniciou em 1614 e terminou em 1788, com a convocação que precipitou
os eventos da Revolução Francesa. A Assembleia dos Estados Gerais, com uma história
que remontava ao período feudal mais remoto, e marcada por uma distribuição de
representantes por meio dos Parlamentos regionais e outras jurisdições políticas, era a
declínio das forças que buscavam uma afirmação da soberania local contra o poder
central. Tal luta era, desde sempre, também uma luta pelo direito de exploração das
relativa paz interna, entendendo por “paz”, claro, a estabilidade de um sistema sócio-
Esse sistema político convivia em simbiose com o poder de uma Igreja Católica
em grande medida “nacionalizada” e mobilizada pelo poder do rei e do Estado que ele
7
comandava. Cardeais e bispos foram importantes estadistas da França absolutista,
nenhum mais do que o lendário Cardeal de Richelieu, principal conselheiro de Luís XIII,
pai do futuro Rei Sol. O Reino da França havia há muito assumido uma posição de
destaque no contexto do mundo católico, e desde suas lutas pela Contra-Reforma havia
rei subordinava a Igreja a suas prioridades, o que se dava contudo num contexto marcado
pela aliança entre Coroa e Igreja como parceiras na gestão de um sistema por eles
ciência, passando pela separação entre ciência e religião, culminando com a minimização
filosófica da teologia tradicional realizada por Espinoza. Esse espírito de época também
encontrava solo fértil na França, com o avanço da concepção cartesiana e a sua defesa da
espelhos para uma reflexão crítica sobre o sistema absolutista francês, com a sua
sofisticado sob o regime absolutista. As cidades haviam crescido, como também haviam
os grupos sociais “médios” urbanos que não pertenciam à nobreza. A competição com a
Inglaterra, empenhada numa política de incentivo da ciência natural, que passou pela
existência, em 1660, impedia uma repressão descontrolada das novas formas de saber. O
8
a expansão e radicalização da nova concepção de mundo que vinha se desenvolvendo a
Tomado em sua dimensão mais ampla, pode-se dizer que o Iluminismo francês
posição crítica em relação à realidade política dominante se tornou a norma e o bom senso
sua lógica semi-feudal, e a Igreja Católica, se tornaram os principais alvos da crítica desse
novo modelo de pensador crítico que foi historicamente criado pelas condições que
particularmente com o projeto da Enciclopédia liderado por Denis Diderot, seu principal
editor e redator, que envolveu dezenas dos maiores pensadores franceses da época e que
“progresso”, uma nova concepção que acabaria por ganhar contornos epocais. Mas o
entre dois visitantes persas na França do rei Luís XIV, com a sua ácida sátira dos costumes
primeiro passo na formação do espírito crítico que marcaria o movimento iluminista. Esse
espírito crítico foi num primeiro momento particularmente associada à figura do icônico
país e o que Voltaire identificava como a tolerância do sistema social e político inglês.
9
Voltaire seguiria pelo resto da vida um admirador do modelo de Monarquia
francês. Nas suas Cartas Voltaire elaborou uma crítica ainda mais ácida do absolutismo
aberto sentido pelo pensador na Inglaterra. Como que confirmando as suas análises, as
repressão política seria uma constante para boa parte dos pensadores iluministas, e
particularmente para as suas obras, o que não impediria a sua crescente difusão e impacto
com o decorrer do século. Em toda a sua obra Voltaire seguiria na defesa dos ideais
Voltaire acaba se destacando como um representante da sua ala mais moderada. A sua
visão política era guiada pela sua anglofilia que se traduzia numa eloquaz defesa do
ciência. O mesmo pode-se dizer de Montesquieu. Enquanto Voltaire era acima de tudo
política a surgirem durante o Século XVIII. A sua obra-prima, Do Espírito das Leis,
publicada em 1748, era um esforço muito ambicioso de estabelecimento das bases para
uma nova ciência da sociedade e da política. Vimos como, um século antes, Hobbes
desenvolveu a sua teoria com a intenção de criar uma nova ciência política. O mesmo
objetivo permeia o tratado de Montesquieu. Mas enquanto Hobbes concebia essa ciência
10
da política a partir de um modelo que partia de uma concepção do indivíduo e da sua
argumentou que a política não pode ser entendida a partir de uma lógica singular e
autônoma, mas apenas a partir das condições que permitem o seu estabelecimento, as suas
moralidade e virtude associado com cada tipo de Estado e sociedade. Muitos identificam,
com boas razões, o trabalho de Montesquieu como um pioneiro direto da Sociologia que
governo. Os tipos de Estado são mais o resultado do que a causa da operação de diferentes
fatores sociais. Tais fatores seriam o “espírito das leis”. A ciência da política não pode se
limitar a uma análise formal das instituições e muito menos de uma concepção genérica
da natureza humana, aqui compreendida como algo diverso e construído, e não como um
ciência natural. A inovação fundamental dessa perspectiva não pode ser exagerada, e ela
modernas.
objetivo elaborar a maior síntese teórica no campo social e político jamais realizada. Tal
11
objetivo era uma pedida alta. Apesar disso, ele estabeleceu teorias e conceitos que seriam
uma nova tipologia política, capaz de superar os antigos modelos gregos, fundamentada
numa explicação das características causais das diferentes formas. Ele propõe uma
Essa tipologia era claramente inspirada em Maquiavel, que substituiu a divisão grega
entre democracia, aristocracia e monarquia (e suas formas degeneradas) por uma divisão
uma moralidade política baseada na virtude e no bem público. Tal descrição pode parecer
o seu contexto contemporâneo. O tipo de virtude política que teria caracterizado a Atenas
democrática ou a Roma republicana não eram mais possíveis no contexto atual. Esse tipo
muito específicas. O tipo de Estado que caracterizava a Europa da sua época não
Nesse sentido, uma obra que se pretendia como um tratado definitivo das questões sociais
12
e políticas acabou se tornando um divisor de águas no campo da teoria político, mas como
como uma questão política central. Pode-se dizer dessa obra inovadora que, por toda a
qualquer distinção do tipo. O republicano Maquiavel fez questão de expor no seu Príncipe
o melhor que um príncipe pode fazer nesse sentido é reconhecer os limites do seu poder
e governar junto com o corpo cívico em nome do bem comum, com efeito eliminando o
recusa a distinção antiga entre monarquia e tirania. É justamente uma tal distinção que
Montesquieu, que não era um republicano, pretendia retomar. De acordo com os antigos,
particularmente Aristóteles, uma distinção poderia ser feita entre uma monarquia
legítima, que governava de acordo com a lei e com o bem público, e o poder ilegítimo do
tirano, que governa de acordo com os seus caprichos, a sua vontade arbitrária. É esse tipo
de distinção que Montesquieu tem em mente. A sua teoria mais ampla já parte, como
vimos, da anulação da república como forma possível de governo para a sua época e
sociedade. A moralidade dominante na sua época, marcada pelo interesse pessoal e pelo
desfrute dos bens materiais fornecidos pelo comércio, agora internacional, eram de todo
incompatíveis com a forma republicana, como era também a vasta extensão territorial e
populacional dos reinos modernos. A monarquia era uma forma de governo que se
13
diferença de tal sistema para o governo despótico teorizado por Montesquieu? Bem, em
primeiro lugar, o despotismo seria caracterizado pelo sentimento do medo. Todos seriam
iguais na sua submissão perante o déspota, todos igualmente súditos frente ao Sultão.
Parece que o realmente caracteriza a monarquia nessa concepção não é o poder do rei
propriamente dito, mas sim a existência de extratos intermediários, formados por uma
nobreza (baseada na honra, nos títulos), que se situa entre o rei e os súditos propriamente
ditos. Essa estrutura social impedia o poder arbitrário e despótico do rei. É nesse contexto
que Montesquieu desenvolveu a sua famosa teoria da separação dos poderes. Embora a
sua inspiração principal fosse a Inglaterra, ele aplicou essa teoria ao contexto bastante
tese real, imaginando uma reforma institucional que delegasse os poderes para as
instâncias intermediárias das regiões e dos seus parlamentos, fornecendo as bases para
instituição da realeza era fundamental para dar unicidade aos vastos estados territoriais
modernos, mas que tal poder, a fim de ser considerado legítimo, deveria ser dividido entre
a realeza e os estratos intermediários. A sua teoria do despotismo não era apenas uma
categoria analítica mas também um juízo político: o poder absoluto e exclusivo do rei era
ilegítimo e levava ao governo do medo, devendo ser temperado por leis e pela nobreza.
anacrônica no seu básico, apesar da longa carreira que reinterpretações da sua ideia de
divisão dos poderes teria ao longo de todo o período moderno, se fixando na premissa da
EUA de 1788.
curioso episódio que marcaria a história posterior do iluminismo em algumas das suas
14
manifestações mais contundentes. No ano de 1729, um desconhecido padre do interior da
França, chamado Jean Meslier, deixa uma série de manuscritos no seu leito de morte.
Nesses manuscritos o padre desenvolve uma furiosa crítica da religião a qual havia
servido durante toda a sua vida adulta. Entre os que tiveram acesso aos manuscritos
originais estava um advogado que leva uma cópia para Paris, onde rapidamente lança a
do padre que havia denunciado a religião, e as edições secretas do livro viraram sucessos
editoriais. Mais tarde Voltaire lança a sua própria versão da obra de Meslier, escrevendo
obra, dedicada aos seus párocos, Meslier descreve o seu desgosto com a sua atividade de
padre e, acima de tudo, o medo de perseguição que o levou a sua vida literária paralela.
descrição da religião e da crença em Deus ou nos deuses como mitos, mas também
nobreza. Uma das maiores bombas literárias jamais detonadas, a obra de Meslier
15
marcada pela defesa explicita do materialismo e do ateísmo. Meslier foi, efetivamente, o
primeiro autor moderno a se proclamar ateu, ainda que o tenha feito em seu leito de morte
formulação ainda mais contundente. Uma dos fontes de conflito entre os iluministas,
aliás, sempre foi o que colocou deístas frente a ateus. Deístas como Voltaire e Rousseau
D’Holbach (1723-1789). Mas seriam esses últimos que confeririam ao iluminismo pós-
1750 o seu caráter radical e que marcaria profundamente toda a cultura intelectual da
ideias radicais, após publicar uma série de obras provocadoras. O caso torna seu nome
conhecido e ele vira uma celebridade nos salões intelectuais típicos da Paris do período,
entre os quais sempre se destacou o salão daquele que se tornaria o melhor amigo e
parceiro intelectual de Diderot, o Barão D’Holbach. Pode-se dizer que os dois formaram
comparando com a formada por Karl Marx e Friedrich Engels no Século XIX. A filosofia
de Diderot, formada em meio a uma impressionante erudição que seria o grande motor
por trás das sucessivas edições da Enciclopédia, consistia numa defesa do novo
materialismo e uma discussão dos seus desdobramentos éticos e políticos, por meio de
16
ensaios filosóficos, diálogos e romances. O scholar erudito do qual Diderot era o maior
exemplo era ao mesmo tempo um talentoso artista, o mesmo valendo para seu futuro rival
e desafeto Rousseau, escritor de romances e óperas. Após ser solto de seu confinamento
e com seus novos contatos Diderot procura realizar uma grande ambição: A edição da
Enciclopédia, uma obra que buscaria as maiores mentes da França nos mais diversos
histórica compilação, que enfrentou ao longo dos seus mais de vinte anos de edição a
recurso e uma arma para a nova visão de mundo promovida pelos iluministas. Na
concepção de Diderot isso envolvia uma crítica impiedosa das instituições existentes, da
direitos universais derivados da razão e da busca pela justiça. Embora o grau de abstração
no qual seus princípios políticos eram apresentados fosse alto, carecendo de uma
discussão mais clássica nos termos da teoria política, como as feitas por Montesquieu e
17
alterou as regras do jogo intelectual, e jogou os defensores do ancién régime numa crise
em torno de Holbach e Diderot, que incluiu outros grandes nomes do iluminismo como
Thomas Naige, Claude Helvetius e Guillaume Raynal. As obras dos autores desse círculo
religião e da política num apelo dramático pela razão e pela liberdade. Uma outra obra
coletiva da Cotérie do Barão D’Holbach, a História das Duas Índias, publicada com o
central de Diderot, levou a teoria crítica desses iconoclastas para o campo da história
da expansão europeia a surgir desde a obra de Las Casas no Século XVIII, e colocando
essa crítica no contexto mais geral de um apelo pela libertação e realização do potencial
condenadas sem apelação, em meio ao clamor por uma distante mas irreversível
na atualidade, essa obra foi o ponto culminante da vertente mais radical do iluminismo
francês clássico e a sua obra mais influente no período, com uma enorme difusão que
18
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) ocupa uma posição bastante peculiar nesse
primeiras edições da Enciclopédia com verbetes sobre música e economia política, ele
Rousseau sempre foi de alguma maneira um estrangeiro na França que acabara por adotar.
Esse estranhamento não era apenas de origem, mas sim uma disposição teórica e
intelectual muito particular que levou Rousseau a um caminho bastante próprio e singular,
Dijon, que perguntava sobre a contribuição das ciências e das artes para o progresso.
Rousseau negou que havia ocorrido tal progresso, e afirmou que, na medida em que
injustiça, tal ciência e artes haviam antes contribuído para a miséria humana. Dada a atual
de amenizar o mal. Tal tomada de posição era um ponto fora da curva num contexto mais
19
geral de defesa enfática da razão e da ciência e de crítica aberta à religião. Contudo, os
alvos mais tradicionais da razão crítica dos philosophes não eram os mesmos de
Rousseau. Este autor trilhou seu próprio e único caminho, desenvolvendo concepções que
Contrato Social. O menos conhecido desses textos, o Discurso Sobre a Economia Política,
que serviu de base para o seu verbete sobre o tema publicado na Enciclopédia, lançou as
bases da sua visão. Nesse texto Rousseau articula pela primeira vez a sua visão crítica da
propriedade privada como base para os males da sociedade, tanto os males materiais
uma visão do Estado absolutista como uma forma de propriedade privada, orientada pelo
enriquecimento por meio do aperto fiscal em cima da grande maioria de camponeses. Tais
aprofundar a antropologia dedutiva e especulativa sobre tal condição. Ele imaginou o ser
humano a partir de seu estado mais primitivo, sem ferramentas e técnicas. Tal como nos
20
membros do sexo oposto. Sem estabelecer vínculos duradouros num primeiro momento,
permitir uma especialização. Todos os homens podem produzir tudo de que necessitam,
e tal condição havia permitido, raciocina Rousseau, uma duradoura fase de relativa paz e
argumento. Essa concepção positiva das sociedades “primitivas”, incomum na sua época
(Diderot, feroz crítico do colonialismo e do racismo, polemizou contra essa ela), seria
“descobrimentos”, tal contraponto não seria um problema. Seja como for, para Rousseau
tal situação refletia um frágil equilíbrio que se perdeu com o desenvolvimento posterior
dão num contexto do “estado de natureza”, ampliado aqui para embarcar um conjunto de
ideia do pacto social, o apresentando como uma farsa promovida pelos ricos e
21
proprietários contra os pobres e não-proprietários. Tal farsa persistiria até o presente,
a propriedade privada era uma grande inovação no contexto da teoria política da época,
não tendo praticamente paralelo entre seus contemporâneos, com os únicos parentes
“A propriedade é roubo”.
verdadeiramente legítimo e justo, um Estado em que não seja uma injustiça ou uma
para a obediência legítima. A única base para tal legitimidade, Rousseau irá concluir, é
Nenhuma forma de poder arbitrário é legítimo. Ele nunca passa de um suposto direito do
mais forte, que nunca é um direito, é sempre arbítrio, privilégio e violência. Nessa mesma
particulares, voltados contra o bem comum, nunca realmente legítimas. A única fonte
legítima de poder são os próprios indivíduos reunidos, o povo. Somente o povo pode se
22
todos a todos, a obediência pode ser considerada legítima. A única forma legítima de
democracia como forma única de governo legítimo, uma democracia entendida de forma
bem mais enfática do que aquela de extração liberal que ficaria consagrada na era
moderna. Todo poder é uma forma de delegação: os ocupantes dos postos de governo não
passam de servidores da soberania popular. A soberania popular deve ser exercida por
meio da “vontade geral”: a vontade geral, que não se confunde com a vontade particular
ou o interesse geral, procura articular aquilo que os indivíduos têm em comum. Assim
povo, reconhecendo sempre os limites das leis e da justiça. Embora não tenha procurado
articular de forma mais concreta a sua concepção de Estado Popular baseado na soberania
permanecem abertas nos dias atuais, e que continua colocando pontos de interrogação
23