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Unidade II
5 A FILOSOFIA MODERNA
O Renascimento, ocorrido nos séculos XIV e XV, é nitidamente demarcado pela redescoberta da arte e da
literatura grega, abrangendo o humanismo, com ênfase na colocação do homem no centro da realidade, o
repensar da política, o estilo de governo influenciado pelas obras de Maquiavel, o estudo científico e a filosofia
moderna, com destaque para o poder racional do homem, sinalizando um retorno às raízes do pensamento
racional e à renúncia do controle do conhecimento pelo misticismo e pela Igreja Católica.
Nesse contexto, a sabedoria não é mais vista como algo sagrado e místico, uma vez que, por meio do pensamento
e do raciocínio, o homem tem poder para traçar seu próprio destino e caminhar rumo ao conhecimento.
Para começar, é importante lembrar que a filosofia da Idade Moderna nasceu por causa dos trabalhos
dos grandes mestres do renascimento cultural e científico dos séculos XIV e XV, entre eles Nicolau Copérnico
e Leonardo da Vinci, e dos esforços de cientistas e pensadores como Galileu Galilei, Francis Bacon, René
Descartes e Emanuel Kant nos séculos seguintes. A filosofia moderna teve início, de fato, com a Teoria do
Conhecimento de René Descartes.
Na Idade Média, tanto na sociedade quanto na política, a palavra de Deus era considerada como
fonte única do conhecimento absoluto, sendo interpretada pela Igreja, que dominava todos os aspectos
da vida humana. Por isso, o Renascimento trouxe uma renovação da ciência e a necessidade de uma
nova definição do ser humano e seu lugar no mundo. A chamada Idade da Razão surgiu para redefinir
os padrões científicos e filosóficos já existentes. Descartes, na declaração “penso, logo existo”, descobre o
homem como um ser racional por natureza, com a capacidade de alcançar o conhecimento e, mais que do
isso, sua existência é definida pelo ato de pensar. As obras de Descartes formaram a base sobre a qual os
racionalistas desenvolveram seus trabalhos e formularam suas hipóteses.
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O Iluminismo influenciou os responsáveis pelos movimentos de libertação no século XVIII, e seu efeito
foi sentido de forma muito especial na França, sendo um dos fatores que levaram à Revolução Francesa.
A burguesia, geradora de riqueza, estava presa sobre o jugo da aristocracia, da monarquia absolutista e
da Igreja, dominantes desde a Idade Média, sendo obrigada a pagar impostos para sustentar o luxo de
poucos, e ansiosa por uma sociedade livre.
Ao encontrar aliados prontos para lutar entre as massas de miseráveis parisienses, revoltou-se contra a
opressão pelo direito de ter liberdade de escolha sobre o curso da própria vida e contra uma voz no governo
do país que ajudou a enriquecer. De acordo com Danilo Marcondes, uma das características fundamentais da
filosofia do Iluminismo em relação ao homem é “o individualismo que se baseia na existência do indivíduo
livre e autônomo, consistente e capaz de se autodeterminar” (2007, p. 208). O homem que, de acordo com
Rousseau, nasce bom, passa a ser visto como livre, autônomo e senhor do seu próprio destino.
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HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO
René Descartes nasceu em 1596 em La Haye, rebatizada com o nome de Descartes em sua homenagem,
no sul de Tours, na França. Integrou o exército do príncipe Maurício de Orange e, em 1619, durante uma
viagem pela Europa, decidiu aplicar os métodos da matemática à metafísica e à ciência. Para isso, foi
morar nos Países Baixos em 1628, onde tinha mais possibilidades de se libertar das influências e das
perseguições da Igreja Católica. Em 1649, visitou a corte da rainha Cristina, na Suécia. O trabalho de
maior destaque de Descartes no campo da matemática foi La Géométrie (A Geometria), publicado em
1637. Mesmo sem ter sido o primeiro a usar a álgebra na geometria, foi o primeiro a usar a geometria
na álgebra. Ele foi também pioneiro na classificação das curvas sistematicamente, separando as curvas
geométricas, que podem ser expressas com exatidão por meio de uma equação, das curvas mecânicas,
que não admitem esse enquadramento. Entre seus trabalhos mais conhecidos, estão O discurso do
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Unidade II
método (1637), Meditações sobre a primeira filosofia (1641) e Princípios da filosofia (1644), além de
várias publicações sobre fisiologia, ótica e geometria.
Também conhecido como Renatus Cartesius (forma latinizada), Descartes ganhou fama por seu
trabalho revolucionário na filosofia e na ciência; mas também obteve reconhecimento matemático
por sugerir a fusão da álgebra com a geometria, o que deu origem à geometria analítica e ao sistema
de coordenadas cartesianas. Além disso, foi um dos pensadores mais importantes na Revolução
Científica. Muitas vezes chamado de “fundador da filosofia moderna” e “pai da matemática moderna”,
ele passou para a história como um dos pensadores mais influentes do pensamento ocidental, que
serviu de modelo e inspiração para várias gerações de filósofos que viriam depois. Boa parte da filosofia
escrita a partir da época em que viveu foi uma reação às suas obras ou a autores supostamente
influenciados por ele.
Muitos especialistas afirmam que Descartes inaugurou o racionalismo da Idade Moderna, enquanto
décadas mais tarde, na Grã-Bretanha, John Locke e David Hume deram início a um movimento filósofico
que pode ser considerado oposto ao seu pensamento, que se convencionou chamar de empirismo. No
Discurso do método, Descartes declarou sua decepção não com o ensino da escola em si, mas com a
forma de pensamento baseada na cultura e na tradição que era fundamentalmente escolástica, cujo
conhecimento científico achava-se confuso, obscuro e nem um pouco prático. Ele criticou ainda as
escolas da Companhia de Jesus, fazendo com que os mestres jesuítas o considerassem um filósofo
deficiente. Nessa mesma época, escreveu também Larvatus prodeo (Eu caminho mascarado).
No ano de 1637, ficou mais conhecido com a publicação de três pequenos tratados científicos:
A Dióptrica, Os Meteoros e A Geometria. No entanto, foi o prefácio dessas obras que o tornaram um
pensador célebre, levando-o ao reconhecimento posterior, intitulado Discurso sobre o método. Em
1641, lançou sua obra filosófica e metafísica mais importante: Meditações sobre a filosofia primeira,
juntamente com os primeiros seis conjuntos de Objeções e Respostas. Em 1643, o cartesianismo foi
condenado pela Universidade de Utrecht, enquanto Descartes publicava Os princípios da filosofia, obra
que faz uma síntese dos seus princípios filosóficos para a formação da ciência.
Em 1649, a convite da Rainha Cristina da Suécia, escreveu e publicou o Tratado das paixões, dedicado
à princesa Elizabete da Boêmia, com quem mantinha uma amizade afetuosa. Morreu de pneumonia em
1650 em Estocolmo, onde estava trabalhando como professor. Por ser católico em um país protestante, foi
enterrado em um cemitério de crianças não batizadas, em Adolf Fredrikskyrkan. Durante a Revolução Francesa,
seus restos foram desenterrados para serem deslocados para o Panthéon, ao lado de outras grandes figuras
ilustres da França. Em 1667, a Igreja Católica Romana colocou suas obras no Índice dos Livros Proibidos.
O pensamento de Descartes pode ser considerado revolucionário para uma sociedade feudalista,
na qual a influência da Igreja ainda era muito forte e quando ainda não existia uma tradição da
produção de conhecimento científico. Ele viajou muito e viu que sociedades diferentes possuíam
crenças diferentes e até mesmo contraditórias. Aquilo que numa região era tido como verdadeiro,
era considerado ridículo e desprovido de bom senso em outros lugares. Descartes constatou que os
costumes, a história de um povo, bem como sua tradição cultural, determinavam a forma como as
pessoas pensam naquilo em que acreditam, o que o levou a entender a cultura como inimiga da razão.
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HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO
Por isso, o método cartesiano consiste basicamente no ceticismo metodológico, que duvida de tudo
que pode ser duvidado. Esse pensamento vai de encontro ao dos gregos antigos e dos escolásticos,
que acreditavam que as coisas existem simplesmente porque precisam existir, ou porque assim deve
ser.
Ainda nesse contexto, ele também concebeu o método na realização de quatro tarefas básicas:
verificar se existem evidências reais e indubitáveis acerca do fenômeno ou da coisa estudada; analisar,
ou seja, dividir ao máximo as coisas em suas unidades de composição, fundamentais, e estudar essas
coisas mais simples que aparecem; sintetizar, agrupar novamente as unidades estudadas em um
todo verdadeiro; e enumerar todas as conclusões e princípios utilizados para manter a ordem do
pensamento.
Quanto à ciência, desenvolveu uma filosofia que influenciou muitos cientistas até ser passada
pela metodologia de Isaac Newton. Ele acreditava que a matéria não possuía qualidades inerentes,
sendo apenas o material bruto que ocupava o espaço, dividindo a realidade em res cogitans
(consciência, mente) e res extensa (matéria). Para Descartes, Deus criou o universo como um
perfeito mecanismo de moção vertical, que funcionava de forma determinista e sem a intervenção
divina. Ele instituiu a dúvida, alegando que seria possível dizer que existe apenas aquilo que pode
ser provado.
Não temerei dizer que penso ter tido muita felicidade de me haver
encontrado, desde a juventude, em certos caminhos, que me conduziram a
considerações e máximas, de que formei um método, pelo qual me parece
que eu tenha meio de aumentar gradualmente meu conhecimento, e de
alçá-lo, pouco a pouco, ao mais alto ponto, a que a mediocridade de meu
espírito e a curta duração de minha vida lhe permitam atingir (DESCARTES,
1973 p. 42).
A curiosidade de Descartes pela Matemática começou logo cedo, no College de La Flèche, escola
dirigida pelo clero, por um motivo que já deixava entrever sua visão filosófica, ou seja, a garantia
que as demonstrações ou as justificativas matemáticas proporcionam às descobertas humanas. Os
matemáticos reconhecem a importância de Descartes pelo seu estudo pioneiro sobre a geometria
analítica. Antes dele, a geometria e a álgebra apareciam ainda como segmentos distintos da Matemática
e foi o filósofo quem mostrou uma forma de traduzir problemas de geometria para o campo da
álgebra, abordando-os por meio da criação de um sistema de coordenadas. Essa teoria serviu de
suporte para o cálculo de Newton e de Leibniz, colaborando em grande escala para a concepção da
matemática estudada atualmente.
Lembrete
Considerado um dos mais importantes filósofos da Grã-Bretanha do século XVIII, David Hume
nasceu em Edimburgo, na Escócia, em maio de 1711. Voltou para a propriedade rural de sua
família em 1737, depois de estudar na França, e lá permaneceu até a morte, em 1776. Assim
que regressou, providenciou a publicação de sua obra mais famosa, o Tratado, composta por três
livros, publicados no anonimato em duas etapas, antes de completar 30 anos.
O Livro I tem como objetivo fornecer uma explicação do processo de aquisição de conhecimento
pelo ser humano, desde o surgimento das ideias, passando pelas noções espaciais e temporais, até a
causalidade e o ceticismo atribuído aos sentidos. Já o Livro II, sobre as “paixões” do homem, apresenta
um elaborado mecanismo para explicar a ordem afetiva ou emocional no homem, e reserva um papel
subordinado para a razão. Essas duas partes foram publicadas em 1739, anonimamente. O Livro III
descreve o bem moral em termos de “sentimentos” de aprovação ou desaprovação que o homem
sente quando considera o comportamento humano sob a luz do que é de consequência agradável ou
desagradável para ele ou para os outros. Essa terceira parte foi publicada em 1740.
Ele frequentou a universidade local. Inicialmente, pensou em seguir a carreira jurídica; mas, em suas
palavras, chegou a uma “aversão intransponível a tudo, exceto ao caminho da filosofia e à aprendizagem
em geral”. Apesar de muitos acadêmicos considerarem hoje o Tratado sua maior obra e um dos livros
mais importantes da história da filosofia, o público inglês não se entusiasmou imediatamente. Em 1744,
foram recusadas a Hume as cadeiras nas Universidades de Edimburgo e Glasgow, provavelmente devido a
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acusações de ateísmo e à oposição de um dos seus principais críticos, Thomas Reid. Após esses insucessos,
trabalhou como curador de um doente psiquiátrico e posteriormente como secretário de um general.
No entanto, para além dos seus trabalhos no âmbito da filosofia, Hume ascendeu à fama literária como
ensaísta e historiador com seu célebre História da Inglaterra. Viveu a última década da vida em Edimburgo,
no novo aldeamento de New Town. O pensamento de Hume possui grande influência na filosofia atual.
Para ele, percepção em estado puro dá origem às impressões que, posteriormente, conferem ao sujeito
a possibilidade de compor a ideia como uma cópia deturpada da percepção bruta. Essa teoria de Hume
ficou conhecida como empirismo psicológico, que deu origem ao empirismo lógico. De acordo com essa
concepção, as palavras só encontram significação se possuírem um ser ou um objeto correspondente no
mundo, ou seja, uma base empírica.
Nesse sentido, Hume foi de encontro aos postulados filosóficos complexos e de conclusões metafísicas que
não têm como fundamento a base no real, pois, para ele, a abstração não existe. Nesse caso, toda forma de
conhecimento estaria associada às impressões e às relações entre as ideias inatas e originais, como as verdades
dos princípios matemáticos, que são irrefutáveis, uma vez que as deduções lógicas podem ser demonstradas.
Dessa forma, os objetos da razão podem ser divididos em relações de ideias e questões de fatos. Fazem
parte do primeiro grupo as verdades matemáticas, quer dizer, a relação de ideias remonta à razão humana,
que estabelece as relações entre elas. Essas assertivas possuem validade universal, uma vez que comparam
ideias que não são efetivas, pois somente os objetos pensados admitem efetividade. Hume também critica
o conceito de substâcia, seja ela de ordem material, seja de natureza espiritual, descartando o conceito de
alma concebido por Descartes. Para ele, o ser humano consiste em um feixe de sensações da consciência que
permanecem em um fluxo constante, sucedendo-se. Portanto, a consciência opera com essa somatória de
momentos, e o eu passa a existir quando ocorre uma ação de presença; quando se morre, o eu se anula.
Com o objetivo de garantir sua sobrevivência, o homem buscou colocar ordem à sua volta, dando
prioridade àquilo que é útil. Como o fundamento das ciências naturais para Hume não é racional, a
natureza sobrepõe-se à razão. Nesse sentido, filosofar seria uma forma de refutar o racionalismo.
Como o princípio causal tem origem na experiência, nossa mente é formatada pelo costume e pela
experiência. Aceitamos algo como natural; mas, se fosse de outra maneira, aceitaríamos da mesma forma.
Hume admite a existência objetiva dos efeitos da natureza, uma vez que até mesmo um cético tem de
aceitar a existência de um objeto concreto. No entanto, as leis da natureza são apenas as mais prováveis
de acontecer e, como a causalidade não é objetiva, uma vez verificadas que nem sempre as mesmas
causas surtem os mesmos efeitos, a certeza precisa ser trocada pela probabilidade dos acontecimentos,
incluindo a expectativa que um evento ocorra, por ser inerente apenas ao homem.
Na visão de Hume, a origem da religião encontra-se no sentimento, assim como a origem da moral.
O filósofo ainda aborda a questão do que é o bem para o homem em sua teoria moral, que tem um
tom altruísta que afirma a existência de um Ser supremo e senhor da natureza. Na sua obra Ensaios
morais, políticos e literários, Hume explica que o ser humano busca a perfeição da natureza por meio da
inspiração artística, criticando a felicidade artificial, em contraposição aos sentidos. Ele também refuta
os sábios, pois acredita que o caminho deve vir de dentro e não de teorias, e é nessa caminhada que
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atingimos o prazer e a virtude. Portanto, sua linguagem é jovial, enaltecendo sempre o arrebatamento
epicurista pelas paixões como se fosse a doutrina de prazer.
Já no ensaio O cético, Hume observa que não é possível recorrer às teorias filosóficas tendo em vista
o prazer, pois é infinita a gama de variações das possibilidades humanas. Para ele, o único princípio
filosófico verdadeiro é que as coisas em si não possuem as qualidades que o homem lhe atribui. Hume
insiste em afirmar que é a paixão a responsável pela proposição dos valores de tudo o que existe. Ao
vivenciar uma sensação de prazer, quando observa os objetos que trazem um sentimento, o ser humano
tende a classificá-los pela beleza, seja ela desejável ou abominável. Ao igualar os homens, presume
que aquilo que os diferencia está na paixão ou na fruição. Ele critica a aspereza de espírito de muitos e
acredita que a filosofia pode corrigir esse defeito, ainda que seja para poucos, pois ela induz ao prazer.
Como todos os males vêm do universo que os engloba, para escapar deles e dos seus infortúnios, é
preciso prevenir-se e conhecê-los.
No ensaio Da origem do governo, Hume afirma que, na sociedade tradicional, uma pessoa
nascida em família precisa conservar esse laço social, tendo em vista o cumprimento da justiça
como o principal motivo da existência do poder governamental. Como a natureza humana possui
sua face maligna, tornam-se necessárias a paz e a ordem para conservar a organização social.
Por esse motivo, é preciso criar mecanismos para assegurar a obediência por meio dos hábitos,
para que os homens aprendam a aceitar as regras sem questioná-las. A origem divina do governo
como vontade de Deus é defendida por Hume no ensaio Do contrato original, justificando ser isso
necessário para a humanidade como um todo. O filósofo também alega que o vigor dos membros e
a coragem constituem a força natural de um homem e, depois de consolidada, a obediência passa
por várias gerações até ser reconhecida como natural. Ele ainda afirma que foi em Atenas que
ocorreu a maior prática da democracia, apesar de o voto ser limitado aos cidadãos de posse, o que
o leva a pensar que o governo não surge a partir do consenso popular, pois esse consenso surge da
força. Da mesma forma, a utopia da justiça é impossível pela natureza humana, já que o fluxo da
vida implica uma transmissão de valores hereditários.
Para Hume, existem duas espécies de deveres morais, sendo do primeiro grupo aqueles relacionados
ao instinto natural. Já a segunda espécie decorre da obrigação, uma vez que se tornam necessárias
leis para viver em sociedade, fazendo surgir o sentido da justiça e a lealdade. Após negar as origens
filosóficas e religiosas do governo como consenso popular, parte para buscar o motivo da submissão
no ensaio Da obediência passiva. Para ele, a justiça precisa ter utilidade pública, enquanto a lei deve
garantir a segurança da coletividade. Mesmo considerando a monarquia arrogante, o filósofo também
defende o direito de resistência à tirania.
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HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO
Com o ensaio Dos primeiros princípios do governo, Hume demonstra sua admiração pelo fato de muitos
renunciarem aos seus sentimentos em benefício de uma minoria. A opinião pode ser de interesse ou de
direito; a primeira origina-se do benefício do governo, enquanto o direito está relacionado ao poder, que
predomina, e à propriedade. Essas opiniões são fundamentais para o governo, mas os interesses pessoais
e as características inerentes ao ser humano podem restringi-las. No ensaio Da sucessão protestante,
o filósofo elabora um estudo da sucessão hereditária, utilizando políticos ingleses da sua época como
exemplos. Em ensaios anteriores, sua opinião sobre a monarquia não era tão benevolente.
Para Hume, o governo hereditário dos príncipes, uma nobreza sem vassalos e um povo escolhendo
seus próprios representantes, pode ser considerado o que existe de melhor na monarquia, na aristocracia
e na democracia, respectivamente. No entanto, ele coloca em dúvida se as formulações gerais da política
devem ser efetivas. No ensaio Que a política pode ser transformada em ciência, critica o pensamento de
Maquiavel, alegando que parte de sua teoria baseia-se em falsos princípios. Uma constituição pode ser
boa se consegue combater a má administração. Já no ensaio Da liberdade civil, ele elogia as pessoas livres
de preconceitos, que se dedicam a causas partidárias e políticas, contribuindo assim para a sociedade.
Mas, como todos são ainda muito jovens, não existe uma fórmula aceitável.
Hume também verifica a mudança que se dá no Estado em razão do poder da instituição, ou seja,
quando se passa de um governo de homens para um governo de leis. Ele apreciava o filósofo pré-
socrático Xenofonte, e nele buscou várias informações históricas. No ensaio Ideia de uma república
perfeita, expõe o quanto é difícil modificar uma forma de governo, mesmo que seja para melhor. Ao
abordar os teóricos que traçaram planos imaginários de governo, como Thomas More e Platão, estrutura
um sistema governamental que inclui o senado, o condado e representantes, ressaltando os poderes
executivo e legislativo como necessários para o alcance do equilíbrio social.
No ensaio Da origem e progresso das artes e ciências, alerta para a distinção entre o que é do acaso
e aquilo que provém da causa. O que depende de poucos vem do acaso e, o oposto, vem das causas.
Na história da arte e da ciência, deve-se tomar cuidado para não confundir as causas ou achar causas
inexistentes. Hume ainda acredita que o homem é superior à mulher, embora a natureza tenha se
encarregado de prover todas as espécies de amor entre os sexos, mesmo que seja por tempo limitado. No
ensaio Da eloquência, destaca que sentimentos nascidos da vaidade dão origem às disputas. Em todos
os seus ensaios, Hume defende que a natureza humana possui um lado maligno e que o preconceito
acaba com a capacidade de raciocinar, fazendo da arrogância um defeito comum entre os homens.
Como Deus é o ser supremo, deseja o bem, que deve ser experimentado por meio das sensações puras,
que se encontram pervertidas no processo civilizatório pelos defeitos comuns que afastam de Deus,
muito embora haja homens com gosto superior.
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De forma resumida, o ceticismo de Hume está na negação não da crença, mas da evidência. É
a conclusão filosófica de que o homem é mais uma criatura de percepção sensível e prática que
de razão. O que ele diz é que somente existe nossa experiência de que uma coisa se segue à outra,
que os padrões de uma experiência passada se repetem e passam a ilusão de causa e efeito. Ele não
observa nenhuma relação causal entre os dados dos sentidos “externos” porque, quando o homem
considera quaisquer eventos como causalmente relacionados, tudo que faz e pode observar é que
eles frequentemente caminham juntos. Nesse tipo de associação, é um fato que a impressão ou
ideia de um evento traz com ele a ideia do outro. O trabalho da associação do hábito fixa-se na
mente e passa a ser sentido como compulsão. Com esse sentimento, Hume conclui ser a única
fonte da ideia de causalidade.
Em 1740, Kant tinha 16 anos e Frederico II tornou-se o rei da Prússia, trazendo sinais de
tolerância para uma nação célebre pela disciplina militar. Trouxe também iluministas para sua corte
e continuou a política de encorajamento à imigração que o pai tinha seguido. Com o falecimento
do pai em 1746, foi obrigado a trabalhar como professor particular. Ao se tornar professor de
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HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO
lógica e metafísica na universidade, após quatorze anos como docente, entrou em contato com a
obra de David Hume, que o despertou do seu sono dogmático, uma vez que se perguntou como
são possíveis juízos sintéticos a priori; para responder a essa pergunta, escreveu um livro com mais
de 800 páginas. Em 1773, Frederico II, um protestante, concedeu refúgio à Ordem dos Jesuítas,
banidos pelo Papa, enquanto Kant, aos 50 anos, vivia o auge do movimento romântico, chamado
Sturm und Drang.
Sete anos mais tarde, publicou a Crítica da razão pura. A reação aos seus escritos foi pouco
encorajadora, pois Moses Mendelssohn e Johann Georg Hamann pronunciaram-se de forma
reticente, o que levou Kant a escrever um artigo intitulado O que é o Iluminismo? Aos 71 anos,
publicou o tratado Para a paz eterna, no qual surgia a perspectiva de um cidadão do mundo
esclarecido. Morreu com 80 anos, após uma prolongada doença que apresentava sintomas
semelhantes à doença de Alzheimer, uma vez que já não reconhecia sequer seus amigos mais
íntimos. Foi considerado como o último grande filósofo da era moderna, e também um de seus
pensadores mais marcantes. Há estudiosos que avaliam sua concepção filosófica de mundo como
uma espécie de síntese entre o racionalismo de René Descartes e Gottfried Leibniz, no qual
predomina o raciocínio dedutivo, e a tradição empírica inglesa, de David Hume e John Locke, que
prioriza o raciocínio indutivo.
Kant ainda recebeu reconhecimento pela sua teoria conhecida como Transcendentalismo, segundo
a qual todos trazem conceitos a priori, ou seja, aqueles que não vêm da experiência para a vivência
concreta do mundo. Seguindo essa linha de pensamento, a filosofia da natureza e da natureza humana
concebida por Kant é, do ponto de vista histórico, uma das mais influentes do relativismo conceptual
que tomou conta da postura intelectual do século XX. Porém, é possível que o próprio filósofo refutasse
o relativismo nas suas formas atuais, como o pós-modernismo. Ele também ficou conhecido pela sua
filosofia sobre a moral e pela proposta moderna de uma teoria a respeito da formação do sistema solar,
denominada de hipótese Kant-Laplace.
Aos 46 anos, entrou em contato com a obra de David Hume, considerado um empirista ou um
cético que, para uns, desprezava qualquer tipo de explicação metafísica, para outros era tido como um
naturalista. Em seu trabalho mais conhecido, alega que nada na experiência humana pode justificar a
existência de poderes causais inerentes às coisas, o que deixou Kant bastante perturbado, por achar o
argumento de Hume irrefutável, apesar de as conclusões serem inaceitáveis. Depois de dez anos, em
1781, publicou o célebre Crítica da razão pura, uma das obras mais significativas da filosofia moderna.
Nesse livro, ele elabora sua ideia de uma teoria transcendental para demonstrar que, mesmo sem saber
as verdades acerca do universo, somos obrigados a refletir sobre ele, já que podemos ter a certeza de
um grande número de coisas sobre o mundo enquanto sua aparência, regido por leis da física e da
matemática, por exemplo.
Nos vinte anos que se seguiram, Kant produziu de forma incessante, completando sua contribuição
à filosofia moderna com a Crítica da razão prática, que tratava da moralidade de maneira semelhante ao
modo como a crítica inicial abordava o conhecimento. Em Crítica do julgamento, ele destaca os diversos
usos dos poderes mentais, que não requerem conhecimento factual nem nos fazem, necessariamente,
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partir para a ação. Da maneira como Kant os concebeu, os juízos de valor relacionados à estética e à
teleologia estabelecem uma conexão entre os nossos julgamentos morais e empíricos, unindo todo o
sistema.
A fundamentação da metafísica dos costumes é considerada por muitos filósofos a mais importante
obra já escrita sobre a moral. Nela, Kant definiu as funções da ação fundamentada pela moral, introduzindo
conceitos como o “imperativo categórico” e a “boa vontade”. Ele ainda produziu ensaios mais populares
sobre história, política e aplicação da filosofia à vida. Quando veio a falecer, estava escrevendo a Quarta
crítica, por ter concluído que seu pensamento estava incompleto. Esse manuscrito foi publicado como
obra póstuma.
De acordo com Kant, para fazer uma crítica sobre aquilo que é belo, precisamos nos orientar pelo
poder do julgamento, e a indagação fundamental que move essa investigação crítica consiste em saber
se existe um valor universal capaz de conceituar o belo e reivindicar que outros indivíduos, a partir da
apreciação de uma forma bela da natureza ou da arte, confirmem esse juízo. Se não for dessa forma,
temos que aceitar o fato de que todo objeto que julgamos ser belo seria, portanto, um valor subjetivo.
Logo, a capacidade de julgar, que pertence a todos, é universal, entrelaçando o julgamento estético e
prático. Assim, a investigação crítica que Kant propõe refere-se ao universo especulativo das faculdades
subjetivas do homem que atuam conforme princípios que fazem farte da essência do pensamento
humano.
Segundo estudiosos da obra filosófica de Kant, ele reconhece três faculdades do ânimo: a de conhecer,
a de apetição e o sentimento de prazer e desprazer.
Na Crítica da razão prática, o filósofo discorre sobre o respeito, considerando-o diferente dos demais
sentimentos por pertencer à razão pura e, por isso, não poder ser atribuído nem ao gozo nem ao
sofrimento. Para ele, o respeito encontra-se vinculado à representação da lei moral em todo ser racional,
sem que haja o condicionamento ao prazer ou ao desprazer. Dessa forma, a razão sugere um sentimento
de satisfação no que diz respeito ao dever cumprido. Essa conclusão vai originar a crítica do gosto, uma
vez que associa o ânimo com o sentimento moral. O juízo de gosto, então, seria a faculdade de julgar,
que produz satisfação e descontentamento. Nas palavras do próprio Kant (1987), “gosto é a faculdade de
julgar um objeto ou uma representação mediante uma satisfação ou descontentamento, sem interesse
algum. O objeto de semelhante satisfação chama-se belo”. Portanto, é possível compreender o juízo
de gosto como o “interesse desinteressado”, que vem da contemplação da beleza. Por isso, todo juízo
referente às artes faz parte da satisfação estética, que é desprovida de interesse e encontra-se no prazer
diante da contemplação do objeto.
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HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO
Mesmo tendo adaptado a ideia de uma filosofia crítica, cujo objetivo inicial era revelar os limites
das capacidades intelectuais humanas, ele foi um dos grandes edificadores de sistemas, criticando a
metafísica, a ética e a estética. Sua famosa citação – “o céu estrelado por sobre mim e a lei moral dentro
de mim” – consiste em uma síntese dos seus estudos. Com isso, o filósofo busca explicar, por intermédio
de uma teoria sistemática, que tempo e espaço são formas elementais de a mente humana perceber
o mundo; mas só podem ser empregadas na prática, uma vez que a mente não pode produzir essa
ideia. Além disso, nada pode ser percebido, exceto por meio dessas formas, sendo os limites da física as
fronteitas finais da estrutura mental.
Em 1784, no ensaio Uma resposta à questão: o que é o Iluminismo?, Kant buscava atingir os grupos que
tinham levado o racionalismo além dos limites, incluindo os metafísicos, que pretendiam compreender
tudo sobre Deus e a imortalidade, os cientistas, que presumiam por meio de seus experimentos a descrição
mais exata da natureza, e também os céticos, que alegavam que a crença em Deus, na liberdade e
na imortalidade não tinha fundamentos racionais. Apesar de tantas divergências, Kant mantinha-se
otimista por atribuir à Revolução Francesa uma forma de instaurar o domínio simultâneo da razão e da
liberdade.
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George Wilhelm Friedrich Hegel, filósofo nascido em 1770, é considerado o expoente máximo do
idealismo alemão do século XIX, que acabou provocando um impacto profundo no materialismo histórico
de Karl Marx. Aos 18 anos, ingressou no seminário protestante de Tubingen, para estudar teologia, onde
conheceu Schelling e Holderlin. O pietismo, uma das correntes gnósticas do protestantismo, influenciou
profundamente seu pensamento. Hegel foi um ilustre professor universitário de filosofia que iniciou
suas atividades em Berna, na Suíça, entre 1793 e 1796; depois lecionou em Frankfurt, de 1797 a 1800.
Foi também mestre de conferências na Universidade de Iena, professor e reitor em um colégio de
Nuremberg, professor em Heidelberg e, finalmente, em Berlim, onde permaneceu até a morte.
Hegel formulou o modelo analítico da realidade que maior influência teve ao longo dos séculos XIX
e XX, para pensadores como Schopenhauer, Nietzsche, Marx, Kierkegaard e Jean-Paul Sartre, em razão
de uma proposta que recusa a concepção filosófica de Kant. Buscou se defrontar com temas diversos,
como a lógica, o direito, a religião, a arte, a moral, a ciência e a história da filosofia. Em todos esses
domínios, ele viu a manifestação do espírito absoluto, que se materializa e revela por intermédio da
história da humanidade. A filosofia hegeliana parte do princípio de que a negatividade é inerente ao real
e que o positivo realiza apenas por meio do negativo. A dialética, portanto, seria o método que permite
compreender e esclarecer a racionalidade do real.
A obra inicial e a mais significativa dos estudos de Hegel foi a Fenomenologia do espírito ou
Fenomenologia da mente. Ele também publicou a Enciclopédia das ciências filosóficas, a Ciência da
lógica e a Filosofia do Direito. Várias outras obras sobre filosofia, religião e história da filosofia foram
concebidas com base nas anotações dos seus estudantes, tendo sido publicadas somente após sua
morte. No entanto, as obras de Hegel ganharam fama de serem de difícil compreensão, tendo em vista
os temas que pretendem abranger. Ele ainda critica a concepção do conceito como representação no
sentido de preencher uma ausência. Ele introduziu também um sistema para compreender a história
64
HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO
da filosofia e do mundo da dialética, que pode ser explicado como uma espécie de progressão na qual
cada sucessão de movimento surge como solução para contradições inerentes do movimento anterior.
De maneira geral, a dialética pode ser considerada como uma das diversas partes do sistema hegeliano,
que nunca foi bem compreendido de fato. Um dos possíveis motivos para isso se deve ao abandono, por
parte dele, da ideia de que a contradição gera um objeto desprovido de conteúdo.
Hegel confere dignidade à contradição, bem como ao negativo; mas, por outro lado, ele não queria
dizer que absurdos fossem possíveis. No estudo atual do hegelianismo para estudantes de nível superior,
a dialética costuma ser explicada em três momentos distintos: tese, antítese e síntese. No entanto,
Hegel não empregou pessoalmente essa classificação. Ele usou esse sistema para explicar a história
da filosofia, da ciência, da arte, da política e da religião, mas muitos críticos modernos alegam que
ele tende a analisar as realidades da história de forma superficial para poder enquadrá-las em seu
paradigma dialético.
Em suas lições sobre a história da filosofia, Hegel assinala que essa noção envolvia uma contradição
interna. De fato, a filosofia quer conhecer o imperecível, o eterno, sendo seu fim a verdade. No entanto,
a história conta o que foi numa época e que desapareceu em outra, substituído por outra coisa. Se a
verdade é eterna, “ela não penetra na esfera do que passa e não tem história”. Entretanto, a filosofia
encontra-se toda nos sistemas dos filósofos. A ideia geral de filosofia permanece abstrata se não se
confunde com os diversos sistemas dos filósofos no decurso da história, assim como a noção geral de
fruto. Na realidade, Hegel defendia que cada filosofia correspondia a um momento da história e a uma
etapa na evolução do espírito absoluto. Portanto, cada filosofia é “o espírito da época existente como
espírito que se pensa”. Ela surge “no devido momento, nenhuma ultrapassou seu tempo”. Por isso, as
filosofias sucessivas não se anulam, mas as novas filosofias mostram as anteriores como verdades parciais
e passíveis de serem integradas numa síntese mais ampla que se elabora com o tempo. Dessa forma, a
história da filosofia oferece momentos privilegiados ou, como diz Hegel, vem reconciliar dialeticamente
os contraditórios.
Nesse sentido, a razão passa a ser única como a racionalidade, formando um sistema. Por essa razão,
a evolução das determinações do pensamento é igualmente racional e os princípios gerais surgem
segundo a necessidade da noção fundamental. Portanto, o princípio de uma filosofia passa, na seguinte,
65
Unidade II
para a categoria de um momento. Não se refuta uma filosofia, apenas sua posição, pois as filosofias
são as formas do Uno. Um estudo mais avançado nesse campo pode mostrar como progridem seus
princípios, de maneira que o seguinte é uma nova determinação do precedente.
Assim, a unidade consiste no fundamento de tudo. Aquilo que se desenvolve na razão progride na
unidade dessa razão e conhecer verdadeiramente um sistema significa tê-lo justificado em si. Limitar-se
apenas a refutar uma filosofia é não compreendê-la, sendo necessário ver a verdade que ela contém.
Não existe nada mais fácil do que criticar do ponto de vista negativo. No entanto, quem só vê a negação
ignora o conteúdo, ele sim afirmativo, e o supera sem se encontrar no interior dele. A dificuldade então
consiste em ver o que os sistemas filosóficos contêm de verdadeiro. Somente quando são justificados
em si próprios é possível falar das suas limitações e de suas deficiências. O radicalismo dessas oposições
levou ao individualismo egoísta de Stirner e à versão marxista do comunismo, da mesma forma que os
teóricos pragmatistas se apropriaram dos aspectos comunitaristas da filosofia hegeliana.
A filosofia de Hegel foi redescoberta no século XX, graças à volta da perspectiva histórica que ele
projetou em tudo, e também ao reconhecimento cada vez maior do valor da sua metodologia dialética.
Nesse sentido, o renascimento de Hegel também colocou em evidência a importância fundamental
das suas obras iniciais, publicadas antes da Fenomenologia do espírito. Porém, não foram apenas os
teóricos da escola de Frankfurt que viram reviver o vigor e a profundidade da filosofia hegeliana na
contemporaneidade.
66
HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO
Karl Heinrich Marx nasceu no seio de uma família judia de classe média em Tréveris, na Alemanha.
Era filho de mãe judia holandesa e de um pai advogado que teve de se converter ao cristianismo,
quando Marx tinha 6 anos de idade, em virtude das restrições impostas à presença de membros judeus
nas atividades públicas. Aos 17 anos, ingressou na Universidade de Bonn para estudar Direito; mas,
logo depois, transferiu-se para a Universidade de Berlim, onde a influência de Hegel ainda era bastante
sentida no início da sua obra. Com os interesses voltados para a filosofia, ele participou ativamente do
movimento dos jovens hegelianos. Doutorou-se em Jena, em 1841, com a tese sobre as Diferenças da
filosofia da natureza em Demócrito e Epicuro. Nesse mesmo ano, concebeu a ideia de um sistema que
combinasse o materialismo de Ludwig Feuerbach com a dialética idealista de Hegel.
Impedido de seguir uma carreira acadêmica, tornou-se, em 1842, redator-chefe da Gazeta Renana,
mas por causa do fechamento do jornal pelos censores do governo prussiano, em 1843, Marx foi
para a França. Com a Revolução de 1848 e o exílio que se seguiu a ela, foi obrigado a abandonar
o jornalismo na Alemanha e tentar ganhar a vida na Inglaterra. Durante a maior parte da vida,
conseguiu seu sustento escrevendo artigos, que publicava de forma esporádica em jornais alemães
e norte-americanos, além do auxílio financeiro que recebia do amigo e principal colaborador de seu
pensamento, Friedrich Engels, economista alemão. Juntos, eles sintetizaram a experiência de muitos
séculos de lutas de classes oprimidas contra seus opressores, criando a doutrina do socialismo científico
como uma transformação revolucionária que inaugurou uma nova época no desenvolvimento do
pensamento social.
Por essa razão, analisar a trajetória da sociedade humana sem se referir a Marx é uma tarefa
praticamente impossível, dada sua importância à constituição histórica do século XX, que se deve,
em maior ou menor escala, às influências da sua produção intelectual, apesar da grande polêmica
gerada até hoje pelos seus pressupostos teóricos. Foi diretamente influenciado por Ludwig Feuerbach,
que antevia uma visão invertida do materialismo de Hegel. Marx evoluiu dessa ramificação, que já
superava o idealismo revolucionário dos jovens hegelianos de cujo movimento ele mesmo fez parte.
Seu pensamento, nitidamente engajado com as lutas proletárias, teve como base uma síntese de três
correntes distintas: a economia política inglesa, o socialismo francês e a filosofia alemã. Da união
dessas ideias, ele construiu um raciocínio inédito que ficou conhecido como “materialismo dialético
histórico”.
Essa teoria consiste no desenvolvimento mais elevado sobre a interpretação materialista e dialética
da evolução histórica do homem. Para Marx, a realidade material será sempre a grande responsável por
todas as condições de vida capazes de expor ao ser humano sua condição existencial, sendo que dela
devem partir todas suas formas de ideologia, ou seja, as visões de mundo.
Diante dessa formulação, pode-se deduzir que não é a ideia que produz a realidade, mas sim a
realidade que produz as ideias, que acabam se correlacionando de forma dialética para modelar as
constituições sociais. Inserido no contexto do pensamento alemão que deu origem ao racionalismo
(idealismo lógico) e ao romantismo (idealismo sensível), resultando no “materialismo contemplativo”,
Marx defendia a prática de um materialismo ativo.
67
Unidade II
No entanto, seu materialismo não pode ser encarado de forma empírica, porque Marx acreditava
que o racionalismo era ainda muito abstrato quando comparado ao materialismo dialético, uma vez que
matéria e ideia são categorias opostas que se interrelacionam, mantendo uma espécie de unidade.
Seu pensamento político criticou todas as correntes socialistas por não ter um caráter decididamente
transformador, somente reformador. Ainda que para Marx a evolução e a revolução são dialéticas e
cada partido operário, ao realizar suas metas curtas, se torna inútil. Enquanto posição, ele defendia o
socialismo científico em oposição a um socialismo romântico, ou o comunismo (revolucionário, para
se opor ao mero reformismo). Ele defendia também não apenas a melhoria das condições de vida do
proletariado, mas, acima de tudo, a própria emancipação deste, com o fim da condição proletária.
Não se tratava de amenizar a exploração, mas sim de exterminá-la. No entanto, as condições dessa
emancipação, que só a prática poderia realizar, estava nas condições reais em que estava inserida. Por
isso, em Marx, é o desenvolvimento do capitalismo que criou a proletarização, é o exército que vai
destronar a burguesia, pois a própria hostilidade que o capitalismo produz sobre a condição proletária
gera as condições subjetivas para a explosão revolucionária.
Na lógica do materialismo dialético histórico, trata-se sempre de um “drama histórico”, termo que
Marx utiliza em O 18 Brumário de Luís Bonaparte, e não de um “determinismo histórico”, que resultaria
em um materialismo mecânico e positivista, oposto ao materialismo dialético. Dessa maneira, Marx
finalizou as teses de Feuerbach. Não se trata de interpretar o mundo de forma diferente, mas sim de
transformá-lo, pois somente a ação revolucionária produz a transcendência da ordem em vigor.
Na obra Ideologia alemã, Marx introduz os pressupostos de seu novo pensamento, enquanto no
Manifesto comunista elabora sua tese política mais importante. Na Questão judaica, ele critica a
religiosidade, alegando que não se pode tratar dos questionamentos humanos do ponto de vista teológico,
mas sim considerar a teologia como uma questão humana. Para ele, o foco deve estar em encarar as
religiões como projeções fantasiosas do homem, embora reproduzam a condição humana real a que
estamos presos. Na Crítica do Programa de Gotha, Marx produz o mais longo e esquematizado esboço
daquilo que seria uma sociedade socialista, apesar tentar evitar qualquer esforço de “futurologia”, para
permanecer restrito ao campo da ciência. Já em Guerra civil na França, ele assume de forma definitiva
que, apenas com a extinção do Estado, o proletariado pode oferecer a si mesmo as condições necessárias
para manter o poder recém-conquistado, defendendo que o fim do Estado significa o fim do monopólio
da violência que o Estado representa.
A colaboração de Engels em todos os textos de Marx foi de suma importância, ainda que este sempre
frisasse a superioridade de Marx. Uma das obras mais importantes de Engels para o comunismo é Do
socialismo utópico ao socialismo científico, na qual apresenta de forma mais clara as diferenciações do
socialismo de Estado com as do socialismo científico, e o Estado como sendo um “capitalista coletivo”.
Marx considerava a sociedade extremamente capitalista e acreditava que o capitalismo traria divisões
sociais.
O conceito de mais-valia foi empregado por Marx para explicar a obtenção de lucros contínuos a
partir da exploração da mão de obra. Os donos dos meios de produção obtêm parte de seus lucros pela
exploração do trabalhador.
68
HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO
Em 1864, Marx foi um dos fundadores da Associação Internacional dos Operários, depois chamada
I Internacional, na qual encontrou a oposição dos anarquistas, liderados por Bakunin. Em 1872, no
Congresso de Haia, a associação foi praticamente dissolvida. No entanto, Marx foi responsável pela
fundação do Partido Social-Democrático alemão em 1875, que foi proibido pouco tempo depois. Entre
seus trabalhos iniciais, o mais importante foi o artigo Sobre a crítica da filosofia do direito de Hegel, de
1844, primeira tentativa de interpretação materialista da dialética de Hegel.
Foi em 1867 que Marx iniciou a publicação de O Capital, sua obra mais importante e direcionada
especialmente para o estudo da economia, como resultado das pesquisas no British Museum, que abordam
a teoria do valor, da mais-valia, além da acumulação do capital. Nele, Marx reuniu uma documentação
imensa para dar continuidade a essa obra. Os volumes II e III de O Capital foram editados por Engels
em 1885 e 1894. Outros textos foram publicados por Karl Kautsky, como o volume IV (1904-10). Em O
Capital, Marx elabora uma análise das leis econômicas que regem a sociedade capitalista, estudando
essa sociedade na sua origem, no seu desenvolvimento e na sua decadência.
Essa coletânea também inclui duas obras destinadas por Marx às grandes massas operárias, Trabalho
assalariado e Capital, e serviram de base para as conferências pronunciadas por ele em 1847, na
Associação Operária Alemã de Bruxelas. Salário, preço e lucro foi a conferência realizada em 1865, em
duas sessões do Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores. Nesses trabalhos, Marx
forneceu uma análise teórica profunda, exposta de forma popular, sobre as relações econômicas em
que está baseada a dominação de classe da burguesia, explicando a origem e a essência da mais-valia
e levando o leitor à conclusão revolucionária da necessidade de o operariado lutar pela supressão total
da escravidão assalariada.
Marx acusou Feuerbach, afirmando que seu humanismo e sua dialética eram estáticos, já que
o homem não possui dimensões fora da sociedade e da história, sendo pura abstração. Para Marx,
é fundamental compreender a realidade histórica em suas contradições na tentativa de superá-
las. Os princípios da sua dialética podem ser resumidos em tudo aquilo que se relaciona e se
transforma, incluindo as mudanças qualitativas como consequências de revoluções quantitativas.
Embora a contradição seja interna, os contrários passam a ser unidos em um momento seguinte.
Assim sendo, a luta dos opostos impulsiona o pensamento e a realidade. Na teoria marxista, o
materialismo histórico pretende explicar a história das sociedades humanas de todas as épocas por
meio dos fatos materiais essencialmente econômicos e técnicos. Nesse sentido, a sociedade pode
ser comparada a um edifício no qual as fundações, ou seja, a infraestrutura, seriam representadas
pelas forças econômicas, enquanto o edifício em si, a superestrutura, representaria as ideias, os
costumes e as instituições. A propósito, Marx, na obra A Miséria da filosofia (1847), atestou que as
relações sociais permanecem interligadas às forças produtivas. Ao produzir de maneira diferente,
os homens podem modificar o modo de produção, a maneira de sobreviver e, com isso, mudar as
relações sociais.
O aspecto central da crítica marxista está na questão de como compreender o que é o homem,
lembrando que ele defende que não se trata de ter consciência e, muito menos, de ser um animal
político que dá ao homem o sentido da sua existência, mas sim o fato de ele ser capaz de produzir suas
condições de existência, tanto do ponto de vista material quanto ideal, ou seja, aquilo que o diferencia.
Se o homem é historicamente determinado pelas suas condições, é responsável por todos seus atos.
Nesse caso, todas as teorias de Marx estão baseadas na existência humana. Com o objetivo de também
mostrar uma visão econômica da história, além de propor uma visão histórica da economia, a teoria
marxista busca explicar a evolução das relações econômicas nas sociedades humanas no decorrer do
processo histórico. De acordo com a concepção marxista, haveria uma dialética contínua das forças
entre fortes e fracos, repressores e oprimidos.
Nesse sentido, a história humana teria avançado por uma luta permanente de classes, como
enfatiza claramente o início do primeiro capítulo de O Manifesto comunista, de Marx e Engels:
“A história de toda sociedade passado é a história da luta de classes”. Classes essas que, para
Engels, são “os produtos das relações econômicas de sua época”. Mesmo com todas as diversidades
aparentes, a escravidão e o capitalismo seriam etapas sucessivas de um só processo. Com isso, a
base da sociedade estaria na produção econômica e sobre ela se ergue uma superestrutura, um
estado e as ideias de toda natureza. Marx almejava a inversão da pirâmide social, com o poder
sendo colocado a favor do proletariado, como a força capaz de deter o capitalismo e de construir
uma sociedade socialista.
Para Marx, a vitória do comunismo era inevitável. Ele afirmava que a história segue certas leis
imutáveis conforme avança de um estágio a outro. O comunismo, na visão dele, seria o último e mais
alto grau de desenvolvimento, e a grande solução para a compreensão dos estágios do desenvolvimento
estaria na relação entre as diferentes classes de indivíduos na atividade produtiva. Para o marxismo, a
luta de classes é o meio pelo qual a história humana avança historicamente. Por acreditar que a classe
dominante nunca deixaria o poder por livre e espontânea vontade, a luta e a violência eram necessárias
e inevitáveis.
70
HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO
O Manifesto comunista fez o homem caminhar, de fato, na busca da solução de problemas como a
pobreza e a exploração do trabalho. Por isso, trata-se de um documento histórico. A Liga dos Comunistas
pediu a Marx e a Engels a redação de um texto que tornasse precisos os objetivos dela e sua forma de ver
o mundo. Nesse sentido, o Manifesto comunista pode ser considerado como um conjunto de ideais em
que os revolucionários da época acreditavam, por conter os elementos necessários à compreensão das
transformações sociais do ponto de vista econômico. No que diz respeito à estrutura, traz uma pequena
introdução, três capítulos e uma conclusão sucinta. A introdução destaca a força do comunismo ao
expor o modo comunista de ver o mundo e também suas finalidades. A parte I, denominada Burgueses
e Proletários, resume a história da humanidade, quando duas classes sociais antagônicas dominam o
cenário. A maior contribuição desse capítulo está na descrição das grandes transformações que a burguesia
industrial provocava no mundo, representando um papel histórico essencialmente revolucionário. Marx e
Engels relatam o fenômeno da globalização que a burguesia implementava no comércio pela navegação
e pelos meios de comunicação da época. O Manifesto fala de ontem, mas ainda parece atual.
Na condição de um dos maiores pensadores de todos os tempos, possui uma produção teórica com
a extensão e a densidade de um pensador como Aristóteles, de quem era admirador.
de sua vida e até mesmo do conteúdo de suas obras. Com frequência, culpava os pais por sua situação
econômica instável. Tão complexos eram os laços familiares, rompidos por Comte, que lhe deixaram
marcas profundas.
Aos 16 anos, ingressou na Escola Politécnica de Paris, o que teria significativa influência na orientação
posterior do seu pensamento filosófico. Embora tenha permanecido apenas dois anos nessa escola,
Comte recebeu a influência do trabalho intelectual de cientistas como o físico Sadi Carnot, o matemático
Lagrange e o astrônomo Pierre Simon de Laplace. Na mecânica analítica de Lagrange, Comte teria
encontrado inspiração para abordar os princípios de cada ciência segundo uma perspectiva histórica.
Logo após o idealismo que predominou na primeira metade do século XIX, surge o positivismo,
que ocupa a segunda metade do mesmo século, espalhado em todo o mundo civilizado. Trata-se de
um pensamento que representa uma reação contrária ao apriorismo, ao formalismo, ao idealismo,
priorizando o estudo da experiência prática e dos dados positivos. Podemos considerar como a diferença
fundamental entre idealismo e positivismo o fato de que o primeiro procura uma interpretação, uma
unificação da experiência mediante a razão, enquanto o segundo, pelo contrário, quer limitar-se à
experiência imediata, pura, sensível, como já havia ocorrido com o empirismo. Vem desse aspecto sua
superficialidade filosófica, mas também seu valor como descrição e análise da experiência por meio da
história e da ciência, considerando o idealismo, que altera a experiência, a ciência e a história.
O positivismo também ganha impulso graças ao grande progresso das ciências naturais, em especial
das biológicas e fisiológicas do século XIX. Tenta-se aplicar os princípios e os métodos daquelas ciências
à filosofia, como forma de solucionar os problemas do mundo e da vida, com o intuito de conseguir bons
resultados. O positivismo ainda ganhou força devido ao desenvolvimento dos problemas econômico-
sociais que predominaram no século XIX. Por ser altamente valorizada a atividade econômica, que
produz bens materiais, é compreensível que se busque uma perspectiva filosófica positiva, naturalista e
materialista para as ideologias no campo das atividades econômico-sociais.
Grosso modo, o positivismo admite, como fonte única de conhecimento e de critério de verdade,
a experiência, os fatos positivos, além dos dados sensíveis. Nenhuma metafísica, portanto, como
interpretação, justificação transcendente ou imanente da experiência, possui espaço nesse campo de
reflexão. Nesse sentido, a filosofia é reduzida à metodologia e à sistematização das ciências, e a lei, única
e suprema, domina o mundo concebido positivisticamente, promovendo a evolução necessária à energia
72
HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO
naturalista. O nome de Auguste Comte está indissociavelmente ligado ao positivismo, corrente filosófica
fundada por ele com a intenção de reorganizar o conhecimento humano, que teve grande influência
no Brasil.
Figura 18
Comte também é considerado o grande sistematizador da sociologia. Vale destacar que ele viveu
em um período da história francesa em que se alternavam o despotismo e as revoluções, o que levou
a sociedade a uma turbulência e a um desencanto geral com a política e a uma crise dos valores
tradicionais.
Ele buscou dar uma resposta a esse estado de ânimo pela união de elementos da obra de pensadores
anteriores a ele e também de alguns contemporâneos, o que resultou em uma teoria denominada por
73
Unidade II
ele de positivismo. “Ele reviu as ciências para definir o que, nelas, decorria da realidade dos fatos e
permitia a formulação de leis naturais, que orientariam os homens a agir para modificar a natureza”, diz
Arthur Virmond de Lacerda, professor da Faculdade Internacional de Curitiba.
Um dos fundamentos do positivismo está na ideia de que tudo o que diz respeito ao homem pode
ser sistematizado de acordo com a adoção de princípios como o critério de verdade para as ciências
exatas e biológicas. Isso deveria ser aplicado também aos fenômenos sociais, que seriam reduzidos a leis
gerais como as da física ou da matemática.
Para Comte, a análise científica aplicada à organização social é o centro da questão sociológica, cujo
objetivo seria o planejamento da organização social e política. De acordo com os positivistas, só é possível
afirmar que uma teoria é correta se ela puder ser comprovada por intermédio de métodos científicos
válidos, em detrimento dos conhecimentos relacionados às crenças, à superstição ou a qualquer outro
que não reúna condições de ser comprovado cientificamente. Para eles, o progresso da humanidade
depende unicamente dos avanços da ciência.
Observação
Saiba mais
7 A FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA
Pode ser considerada como contemporânea a filosofia que compreende a segunda metade do século
XIX até o início do século XXI, e o positivismo permanece como presença constante na história do
pensamento dessa fase. Apesar das suas notáveis diferenças na maneira de lidar com os problemas, é
possível reconhecer essa conduta empirista do século XVIII no positivismo do século XIX e no positivismo
lógico ou empirismo lógico do século XX.
O empirismo lógico ou positivismo lógico do século XX consiste num dos movimentos integrantes
da corrente analítica dos nossos dias, cuja originalidade está em ter conseguido transformar o próprio
conceito de filosofia. Para a corrente analítica, a filosofia não tem por objeto a realidade, mas sim a
análise da linguagem que envolve a realidade, seja a linguagem ordinária, comum ou científica.
74
HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO
Podemos afirmar que a característica externa mais notável da filosofia contemporânea consiste na
diversidade dos enfoques, dos sistemas e das escolas frente ao desenvolvimento. Os responsáveis por
essa disseminação de opiniões e de escolas divergentes foram os fatores socioculturais, como a crise
dos sistemas políticos e o avanço das ciências naturais e lógico-formais, além do desenvolvimento
das ciências humanas. O mundo atual, rodeado pelas telecomunicações, dominado pela internet e
formulador dos programas espaciais, da física quântica e da medicina biomolecular, parece não ter mais
espaço para o pensamento filosófico. Qual seria então, hoje, a função da filosofia? O filósofo inglês
Bertrand Russel, em Os problemas da filosofia, refletiu sobre essa questão:
Com certeza, essa é uma das definições de filosofia. Trata-se de uma disciplina que estuda os
fundamentos das convicções humanas. Porém, enquanto as ciências estabelecem um corpo sólido de
conhecimentos e verdades a partir do qual passam a se desenvolver, a filosofia não alcança os mesmos
resultados, pois não dá respostas definitivas a nenhuma questão. O próprio Bertrand Russell, também
em Os problemas da filosofia, explicou por que ocorre esse descompasso:
75
Unidade II
Vivemos em um mundo que não para de introduzir novas questões no campo da filosofia e, por essa
razão, torna-se difícil reconhecer o que é a filosofia contemporânea. Certamente, é possível compreender
a filosofia da antiguidade de forma mais clara e coerente do que a filosofia contemporânea, que tem
como base uma série de pressupostos que foram elaborados no final do século XIX.
Um deles seria em relação à história, atribuído a Hegel, que se identifica com os ideais de totalidade
e de processo. Nesse sentido, passamos a compreender o homem como um ser histórico, semelhante à
sociedade da qual faz parte. Um dos conceitos mais conhecidos dessa maneira de conceber o mundo foi
a ideia de progresso, que teve no filósofo Auguste Comte seu grande teórico. Na visão dele, tanto a razão
quanto a ciência caminham sempre juntas rumo ao desenvolvimento do futuro do homem. Isso faz com
que as utopias do século XIX, como o anarquismo, o socialismo e o comunismo, também contenham essa
noção de progresso como prerrogativa básica na condução de uma sociedade justa e harmoniosa.
Apesar da repercussão desse conceito, a ideia de que a história fosse uma trajetória progressiva em
termos de avanço para a humanidade recebeu severas restrições no decorrer do século XX. Com isso,
surgiu a noção de que o progresso é algo descontínuo, ou seja, não se dá por meio de etapas que vão
se sucedendo. Assim, a história da humanidade não pode ser considerada como um conjunto de várias
civilizações em etapas diferentes de desenvolvimento, pois cada sociedade possui sua própria história,
sua cultura e valores próprios.
Foi essa visão de mundo que viabilizou o desenvolvimento de ciências como a etnologia, a antropologia
e as ciências sociais, uma vez que a confiança no saber científico foi uma das posturas filosóficas que
se desenvolveram no século XIX, acreditando ser possível que a natureza pudesse ser controlada pela
ciência e pela técnica. Além disso, com o desenvolvimento da ciência e da técnica, o progresso foi levado
a vários setores da vida humana.
Com o objetivo de estudar essa nova realidade, um grupo de intelectuais alemães elaborou a teoria
crítica, segundo a qual as transformações sociais, políticas e culturais poderiam acontecer apenas se
tivessem como finalidade maior a libertação total do homem em detrimento do tecnicismo e do domínio
da ciência sobre a vida humana.
Trata-se, portanto, de um pensamento que diferencia a razão instrumental da razão crítica, sendo
a razão instrumental aquela que transforma as ciências e as técnicas num meio de intimidação do
homem, e não de libertação, enquanto a razão crítica estuda as fronteiras e os riscos da aplicação da
razão instrumental. Jean-Paul Sartre também elaborou as questões humanas em relação à liberdade e ao
seu compromisso com a história. Associando as contribuições do marxismo e da psicanálise, ele criou um
pensamento sistemático que prioriza o conceito de existência no lugar da essência:
Nascido em uma época de paz na Alemanha de 1844, Friedrich Nietzsche profetizou as grandes
guerras que iriam acontecer no século XX, afirmando que chegaria o dia em que os homens lutariam
no confronto pelo poder. No entanto, ele conhecia os campos de batalha do espírito e, no fundo, queria
conhecer apenas esses. Porém, sua obra contém o caos, assim como o impulso que deveria desencadeá-
lo no decorrer da história da humanidade, podendo ser considerado como o primeiro precursor do
conceito de pós-modernidade amplamente utilizado hoje.
Na vanguarda da sociedade que preconizava, ele colocava o espírito de altivez, afirmando que a
consciência de si próprio precede qualquer criação. Por ser de família luterana, já tinha seu destino
traçado como pastor, assim como o pai e o avô. Nietzsche, que perdeu a fé durante a adolescência,
queria ser aquele que deveria superar seu tempo e, em razão da sua consciência, assumiu o papel de
“pensador entre os séculos”. Pode-se afirmar que teve a audácia que não se repete de rever tudo aquilo
que a cultura ocidental conservava moralmente e mantinha-se unido desde o desaparecimento do
mundo pagão.
Além da subversão, a que atribuía uma importância tão grande, sua maior contribuição filosófica
está no fundamento da ética que dominou. Ele sabia perfeitamente que não bastava quebrar as tábuas
da lei. Estas deveriam ser desmanteladas com frequência e durante muito tempo, até serem substituídas
por outras. Nietzsche tomou para si essa tarefa, sem indagar sobre essa necessidade. Para ele, não era
77
Unidade II
a necessidade dos homens que decidia, mas sim a ordem do legislador que deveria dominar. Como
consequência, o filósofo deveria considerar-se esse legislador. Em 1879, problemas de saúde o afastaram
da docência e dos alunos. Parte então para uma vida dedicada ao pensamento errante em locais de
clima mais ameno. Começou Assim falou Zaratustra quando estava em Nice, na França, e não parou
de produzir sua obra intelectual. Essa fase, porém, termina de forma abrupta em 3 de janeiro de 1889,
quando entra em estado de loucura, levando-o à morte.
Ao lado de Marx e de Freud, Nietzsche pode ser considerado um dos autores mais controversos
da história da filosofia moderna. Foi o único que exigiu uma imortalidade exclusivamente terrena. “O
pensador entre os séculos” tinha a convicção de não preparar uma época destinada a desaparecer, mas
sim de dispor de todo o futuro reservado ao planeta. Esse foi o motivo pelo qual se chama de “o último
homem”. No entanto, o “super-homem” que pregou só o frequentou sob o aspecto de sombra, por
carregar o peso do destino humano em sua essência filosófica. Nietzsche achou possível que um dia a
ciência reinasse no mundo, o que o coloca ao lado, na posição de herói, de Deus e distante dos homens.
Seria de fato divino fazer da ciência, concebida como objeto de paixão, a soberana do mundo. Porém, o
mundo nunca esteve tão afastado dessa soberania como hoje.
No que diz respeito à religião, Nietzsche concebia o cristianismo e o budismo da mesma forma,
como “as duas religiões da decadência”, apesar de enfatizar que havia uma grande diferença entre essas
duas crenças, pois, na visão dele, o budismo era mais realista. Por essa razão, dizia ser ateu por instinto.
A crítica de Nietzsche contra o idealismo metafísico focava-se nas categorias e nos valores morais que
o constituem, e sugeria outra abordagem, que seria a genealogia dos valores. Na verdade, ele sempre
quis ser o maior destruidor de toda forma de preconceito e ilusão da humanidade, ou seja, aquele que
se atreveu a olhar, sem temor, aquilo que está oculto nos valores aceitos por todos, incluindo todas as
verdades, assim como os ideais que fundamentaram a civilização e que direcionaram o rumo da história
do homem. Nesse sentido, ele acreditava que a moral tradicional, as religiões e os sistemas políticos
eram apenas disfarces de uma realidade mutante e cruel, cuja simples visão seria insuportável para
qualquer indivíduo.
Nietzsche questionou de maneira radical a moral que impede a revolta dos indivíduos
considerados inferiores e das classes subalternas contra a aristocracia. Ele considerava essa moral
como algo que limita à ilusão a realidade humana e ainda pretende impor uma racionalidade
pura que não passa de uma ficção. Nesse processo, Nietzsche buscou tirar todas as máscaras que
o fluir da própria existência humana se encarrega de colocar. Nesse sentido, ele concebia que a
vida poderia ser mantida apenas por meio de eternos embates entre os seres vivos, pela luta entre
vencidos que almejam ser vencedores e vencedores que podem, de um momento para o outro, ser
vencidos. Portanto, a vida humana para Nietzsche consiste na vontade de poder ou de domínio,
mas os disfarces possuem a capacidade de torná-la mais suportável, mesmo a deformando e
ameaçando-a de ser destruída.
Não existe nuance, segundo Nietzsche, entre a aceitação da vida e a sua renúncia. Para salvá-
la, torna-se necessário arrancar-lhe as máscaras e reconhecê-la tal como é, não para aceitá-la com
78
HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO
resignação, mas para restituir-lhe a exaltação e sua alegria. Por ser filho do “húmus”, o ser humano
possui a capacidade inerente de sobreviver e de vencer. Nietzsche mostrou-se contrário a qualquer tipo
de igualitarismo que atente o bom senso por meio de uma lei rígida e universal, ou seja, o imperativo
categórico. Para ele, o homem é uma individualidade irredutível, a qual os limites e as imposições de
uma razão que tolhem a vida permanecem alheios a ela, parecida com as máscaras das quais ele precisa
se libertar. Ao contrário de Kant, para o qual o mundo não é desordenado em termos de estrutura
e de inteligência. Nele, todas as coisas “dançam nos pés do acaso”, e apenas a arte tem o poder de
transformar esse caos em beleza e tornar suportável o que há de mais tenebroso na condição humana.
Apesar de todas as oposições, é preciso reconhecer que existe uma matriz comum e ativa entre Kant e
Nietzsche.
Essa matriz comum seria o espírito do romantismo do século XIX, com sua ansiedade de infinito
e com sua revolta contra os limites e os condicionamentos impostos pela sociedade. Da mesma
forma que Platão, Nietzsche defendia que a humanidade fosse governada por filósofos. Na obra
nietzscheana, a ideia de uma nova moral contrapõe-se de forma radical à utopia de uma nova
humanidade. Para Nietzsche, a liberdade reside na aceitação consciente de um destino que se faz
necessário, uma vez que o homem libertado e senhor de si mesmo será capaz de refutar qualquer
verdade estabelecida, estando preparado para expressar a vida em todas as suas ações. Este era
o cenário ideal vislumbrado por Nietzsche, como também a realidade que ele próprio buscava
personificar. É interessante perceber que, sem se dar conta, ele contrói seu próprio imperativo
categórico, fundamentado na liberdade total do ser humano e na ausência completa de leis, pois
se trata de uma libertação subjugada pela razão, que também impõe limitações à vida do homem
à sua maneira.
Além disso, Nietzsche também criticava a vida e a cultura moderna, assim como o neonacionalismo
alemão. Na visão dele, os ideais da modernidade não passavam de sintomas e exemplos da decadência
do homem. Sua figura foi promovida e valorizada pela Alemanha nazista, e sua irmã era simpatizante
do regime totalitário de Hitler, incrementado por essa associação. Em A minha luta, o líder nazista
descreve-se como a encarnação do super-homem. Segundo relato dos estudiosos, o livro Assim falou
Zaratustra era fornecido como leitura para os soldados no campo de batalha com o intuito de incentivar
o exército.
Apesar disso, Nietzsche era declaradamente contra o movimento antissemita promovido por Adolf
Hitler e seus partidários. Sua obra foi muito mais longe e sobreviveu além da apropriação feita pelo
regime nazista. Ainda hoje, ele é considerado um dos filósofos mais estudados da história. Muitas de suas
frases ganharam fama e repercutiram nos mais diversos campos de estudo, criando várias distorções em
termos de entendimento. Ele é considerado pelos seus seguidores um grande estilista da língua alemã,
e muitos aspectos relacionados a ela puderam ser compreendidos por meio da obra de Nietzsche como
forma de pesquisa filológica, uma vez que em seus textos existem associações de palavras que não
poderiam estar próximas por causa da sua essência contraditória.
Todo o legado da obra de Nietzsche foi e permanece, ainda hoje, de difícil e contraditória
compreensão. Existem aqueles que associam suas ideias ao niilismo, defendendo que, para ele, a
moral não tem importância e os valores morais não possuem qualquer validade, que Deus está morto
79
Unidade II
e que a história não é finalista, pois não há progresso nem objetivo. Outros, porém, não pensam
nele como o autor do niilismo; ao contrário, um crítico do niilismo, uma vez que o homem pode ser,
além de destruidor, um criador de valores a serem destruídos. Essa constatação baseia-se na obra
Assim falou Zaratustra, na qual ele destaca a necessidade da vinda do super-homem para ser e criar.
Em que pese todo tipo de dicotomia, pode-se dizer que Nietzsche buscou desvendar as formas de
renúncia da existência e da vontade. Nesse contexto, o próprio mito do eterno retorno representa o
trágico-dionisíaco dizendo sim à vida, no auge da sua plenitude, como uma afirmação incondicional
da existência humana.
Pode-se atribuir a falta de consenso na apreciação da obra de Nietzsche aos paradoxos contidos
na essência do seu próprio pensamento. Essa constatação está disponível em Fragmentos finais, obra
baseada na reestruturação desses manuscritos. O mais importante é que Nietzsche nem sempre tinha
o sentimento de ser o verdadeiro herói da eternidade, considerando-se, por vezes, apenas aquele que
representava a figura histórica do herói. Nesse sentido, acabou falando do “clown das eternidades”,
que visava ao Nietzsche trágico. Não estava louco ao confessar o papel que representava quando se
aproximou do fim e quando chegou o momento de arrancar os disfarces e voltar para dentro de si.
Isso não só nos impede de levantar suspeitas sobre ele, como demonstra a sua completa honestidade,
mais elevada e profunda do que qualquer verdade pensada com sua contradição em busca de um
destino.
Médico especializado em doenças mentais, Sigmund Freud desenvolveu a psicanálise, uma teoria
do funcionamento da mente humana e um método exploratório de sua estrutura, destinado a tratar os
comportamentos compulsivos e muitas doenças de natureza psicológica supostamente sem motivação
orgânica. Ele recolheu de várias fontes os elementos por meio dos quais compôs a sua teoria, a partir
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HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO
das descobertas do médico austríaco Josef Breuer, da doutrina platônica e do pensamento filosófico
de Schopenhauer, consolidando, pela longa prática clínica, os postulados da teoria que denominou
Psicanálise.
No começo dos anos 1890, ele passou a anotar seus próprios sonhos, convencido de que isso poderia
fornecer pistas para a atuação do inconsciente, uma ideia que já existia no romantismo da literatura
e em parte do conhecimento psicológico do século XIX, como no livro A filosofia do inconsciente, de
Karl von Hartmann, publicado em 1893. Sua intenção com a autoanálise era utilizar tanto o material
colhido em suas análises clínicas quanto o que obtinha por sua própria introspecção. Joseph Breuer
compartilhou com Freud seu método terapêutico, que designou catarsis. Consistia basicamente em
fazer o paciente recordar, pela hipnose ou por diálogo, o trauma psicológico sofrido, até provocar uma
descarga emocional que conduzia à cura.
Entre os anos de 1892 e 1895, desistiu aos poucos da hipnose, que acabou sendo substituída pelo
divã, para que o paciente, colocado numa posição confortável, fizesse esforço para lembrar os traumas
que originaram seus conflitos internos. Com esse relaxamento, Freud conduzia uma livre associação de
ideias, por meio da qual acabava encontrando lembranças “escondidas” pelo paciente e causadoras dos
distúrbios. Ele então formulou o princípio de que os sintomas histéricos possuem origem no fluxo dos
processos mentais, que, impedidos de chegar à consciência, são direcionados para o corpo e transformados
em sintomas. Em função da natureza das experiências traumáticas recordadas pelos pacientes, Freud
convenceu-se de que o sexo era parte essencial da origem das neuroses. Portanto, passou a considerar o
desejo sexual, direta ou indiretamente, como motivação única do comportamento humano.
Entre os anos de 1895 e 1899, Freud esteve envolvido na preparação do seu estudo Die Traumdeutung
(A interpretação dos sonhos), publicado em 1900 e considerado como sua obra principal, por causa
das análises dos sonhos, da autobiografia, da teoria da mente e de outras visões da vida vienense
contemporânea. Ele também descreve o processo de “condensação”, de “deslocamento” e de “elaboração
secundária”, debatendo ainda o conteúdo estrutural dos sonhos, além de explicar como estes representam
a concretização do imaginário dos desejos humanos. Ao explicar o Complexo de Édipo, Freud destacou a
importância da infância para o engajamento na vida adulta. O sétimo capítulo tem a exposição da teoria
da mente. O princípio ativo de seu modelo da mente é a “inércia neurônica” ou princípio de constância,
81
Unidade II
de acordo com o qual a mente trabalha no sentido da redução de qualquer tensão proveniente do
acúmulo de “energia”, que podia ser de natureza sexual ou psíquica.
Em 1902, Freud passou a se reunir em casa com médicos neurologistas e psiquiatras para discutir
e opinar a respeito da sua teoria psicanalítica. Entre eles, estavam Alfred Adler e Carl Gustav Jung.
O grupo evoluiu para a constituição, em 1908, da Sociedade Psicanalítica de Viena, que, em 1910,
se tornaria a Associação Internacional de Psicanálise. Em 1904, publicou Zur Psychopathologie des
Alltagslebens (Psicopatologia da vida cotidiana), em que demonstra evidências simples da atividade
do inconsciente e do subconsciente nas pessoas saudáveis. Seriam os chamados “atos sintomáticos”,
como, por exemplo, o inexplicável esquecimento súbito de um nome conhecido ou a troca
involuntária de palavras no meio de uma frase. Esses acontecimentos revelam a luta do consciente
com o subconsciente e com o inconsciente. Por meio deles, ele conseguiu a revelação da “repressão”
inconsciente pelo método da livre associação, inspirado nos atos falhados ou sintomáticos, bem como
a identificação de símbolos e a interpretação dos sonhos como forma de substituir as técnicas de
hipnotismo.
No ano de 1910, Freud publicou Über Psychoanalyse (Sobre a psicanálise). Porém, suas ideias
escandalizavam cada vez mais o meio médico vienense, fazendo com que vários de seus colegas se
retirassem da Associação Internacional de Psicanálise. A principal razão do escândalo estava na forma
como ele divulgava seu conhecimento, ainda em estágio de acabamento, sobre a questão sexual das
crianças, que ele afirmava estarem sujeitas ao desejo sexual e que o objeto desse desejo estava associado
aos próprios pais. Além do Complexo de Édipo, em que o filho deseja sexualmente a mãe, Freud admitia
também o Complexo de Eletra, como a inveja que a menina tem do pênis do menino, e chamou a
criança de um “perverso polimorfo”. Ele ainda classificou a sexualidade humana em três fases: oral, anal
e genital, que costumam se suceder nessa ordem, mas com casos de regressão e fixação.
No término da Primeira Guerra Mundial, em 1918, Freud perdeu todas suas economias, que havia
aplicado em bônus do governo austríaco. Retirando sua ênfase do instinto sexual como força propulsora
do comportamento, ele se dedicou à formulação do conceito de “Princípio do prazer e desprazer”,
estudando o equilíbrio entre o impulso pelo prazer e a dura realidade do mundo externo. Pouco depois,
elaborou outras ideias metafísicas que aparecem em Jenseits des Lustprinzips (Além do princípio do
prazer), de 1920.
Em 1922, trabalhou na redação de Uma neurose demoníaca do século XVIII e, em 1923, publicou Das Ich
and das Es (O Ego e o Id), no qual expõe sua teoria tripartite da mente, constituída por Id, Ego e Superego.
O conceito do Id, o reservatório dos impulsos instintivos, é uma cópia da parte da alma na doutrina de
Platão. Já o Ego trata da realidade do mundo exterior, enquanto o Superego funciona como o inibidor dos
instintos, sendo a parte sábia e a parte vigilante da alma da mesma doutrina platônica. Porém, como ateu
e materialista convicto, Freud acreditava que o homem era apenas um produto da evolução natural, sujeito
às leis da física e da química. Portanto, nada do que uma pessoa diz ou faz é casual ou acidental, pois o
homem não é livre nem racional, uma vez que obedece a causas do inconsciente.
Para ele, a força que orienta o comportamento inconsciente era o instinto sexual, que não se
apresentava de forma consciente por causa da “repressão” social tornada também inconsciente. Freud
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HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO
argumentou de maneira enfática que o comportamento humano é comandado pelo instinto sexual e
pelo instinto de sobrevivência e que os motivos sexuais, se não são evidenciados, estão sublimados em
um motivo aparente. Como criador da Psicanálise, por meio da qual é possível o estudo do consciente
e do inconsciente humano, Freud é considerado um dos pensadores mais revolucionários de sua época,
cujos reflexos repercutem até os dias atuais.
Sua visão de que repressões de ordem sexual estão na origem de todos os conflitos humanos foi
denominada de pansexismo, sendo a causa do rompimento com alguns de seus adeptos, entre eles
Carl Jung, que utilizou a ideia freudiana do inconsciente; mas lhe acrescentou a condição de “coletivo”
para explicar a origem dos distúrbios psíquicos. Jung substituiu o sexo como motor pelos arquétipos
universais, que são situações comuns a todos os homens, independente de suas etnias, geografias e
épocas. São mitos, lendas, tradições que compõem a estrutura mental básica de todos os indivíduos,
restando a cada qual o espaço onde acrescentam suas biografias pessoais, que, no final, são delimitadas
pelas grandes linhas do inconsciente coletivo.
Voltando a Freud e à sua principal teoria, observa-se o quanto seu pensamento provocou impacto
na filosofia vigente da época. Além da questão relacionada à moralidade, sua tese sobre a existência
do inconsciente como um “depósito” de desejos e recalques sexuais, bem como a origem dos sonhos
e a fonte do imaginário, causou um verdadeiro abalo nas convicções racionalistas que dominavam o
panorama filosófico. A certeza de que o homem se diferenciava dos demais animais pela capacidade
de raciocinar caiu por terra quando argumenta que o raciocínio não poderia ser considerado absoluto,
pois estava a serviço das intenções nascidas no inconsciente do sujeito. Freud desenvolveu estudo
detalhado sobre um aspecto da personalidade humana, que, de modo quase geral, não recebeu a devida
atenção por parte da filosofia. Graças a ele, o estudo do homem adquiriu complexidade, forçando uma
grande revisão nos conceitos filosóficos, tanto em termos da consciência, da vontade, quanto do próprio
pensamento humano.
Convém lembrar, no entanto, que nessa tese é possível encontrar semelhanças com outras escolas
filosóficas, como, por exemplo, o Determinismo. Nesse, o tirano inexorável é o destino, enquanto no
pensamento de Freud é o inconsciente. O freudomarxismo é a corrente filosófica que teve origem
na aproximação feita por alguns filósofos contemporâneos, como Herbert Marcuse e Wilhelm Reich,
entre as teses de Marx e Freud sobre cultura e civilização. Eles estudaram especialmente a análise
marxista da ideologia e usaram as teses de Freud para invalidar e desmistificar o pensamento
burguês.
No aspecto freudiano, o inconsciente consiste em uma das qualidades psíquicas que, juntamente
com o pré-consciente e o consciente, formam a configuração espacial do aparelho psíquico. Sendo
assim, a “região” do cérebro que armazena memórias, sentimentos, emoções e outros resquícios
intelectuais buscados para o emprego no cotidiano quando o indivíduo está em estado de alerta
ou acordado. Pode também se manifestar sem a permissão consciente e racional do indivíduo,
causando-lhe aborrecimentos e doenças mentais. Em geral, poderia ser comparado a uma espécie
de arquivo cujo acesso é limitado, servindo para preservar os elementos mais íntimos dos indivíduos,
em especial aqueles que lhe causariam maiores constrangimentos no meio social em que vivem.
Trata-se, portanto, da essência intelectual, emocional e espiritual do homem, que comanda, mesmo
83
Unidade II
que indiretamente, as ações exteriores praticadas pelos indivíduos, repassando “suas ordens” para
o consciente, que, por sua vez, desencadeia o processo fundamental para o cumprimento daquilo
que foi desencadeado.
O filósofo e escritor Jean-Paul Sartre nasceu em Paris, em 1905, dois anos antes do falecimento
do pai. Ao ficar viúva, a mãe, Anne-Marie Schweitzer, mudou-se para a casa de seus pais em Meudon,
nos arredores da capital francesa. Outro elemento marcante na formação intelectual de Sartre foi a
imaginação criativa, estimulada pela leitura precoce e intensiva de grandes obras literárias. Em 1924,
aos 19 anos, ele ingressou no curso de filosofia da Escola Normal Superior, onde se mostrou um aluno
muito interessado, principalmente pelas aulas de Alain (1868/1951), que dedicava atenção especial à
questão da liberdade. No ambiente acadêmico, Sartre conheceu Simone de Beauvoir (1908/1986), que
lhe disse: “A partir de agora, eu tomo conta de você”. Desde então, nunca mais se separaram.
Foi na Alemanha que Sartre começou a redigir Melancolia, romance que posteriormente foi concluído
e recebeu o título de A náusea. Ao voltar para a França, ele publicou, em 1936, A imaginação e A
transcendência do ego, trabalhos fortemente influenciados pela fenomenologia. Em 1938, foi editada A
náusea e, um ano depois, uma coletânea de contos, O Muro, e o ensaio Esboço de uma teoria das emoções;
em 1940, mais um ensaio, O imaginário, que, como o anterior, utilizava o método fenomenológico. Com
o advento da Segunda Guerra Mundial, Sartre foi chamado para servir como meteorologista em Lorena.
No entanto, em junho de 1940, foi preso no campo de concentração de Trier, na Alemanha. Um ano mais
tarde, conseguiu escapar do cativeiro e se encontrou em Paris com Simone de Beauvoir. Também na
capital francesa foi responsável pela fundação do grupo Socialismo e Liberdade, com o intuito de auxiliar
a Resistência, produzindo panfletos clandestinos contra a ocupação alemã e contra os colaboracionistas
franceses. Em março de 1943, encenou sua primeira peça teatral, As moscas, na qual todos os elementos
funcionavam de forma simbólica.
Um ano depois, como resposta às críticas à sua filosofia existencialista, expostas em O ser e o nada,
publicou O existencialismo é um humanismo, no qual procura explicar o significado do existencialismo do
ponto de vista ético. No mesmo ano, publicou duas peças, Mortos sem sepultura e A prostituta respeitosa,
além do ensaio Reflexões sobre a questão judaica, em que defende a tese de que a emancipação judaica
seria viável apenas em uma sociedade sem classes. Em 1948, encenou As mãos sujas e, três anos depois,
O Diabo e o bom Deus. No campo da política, essa fase também foi marcante pelo envolvimento de
Sartre com o Partido Comunista, ao qual se filiou em 1952.
Nos anos que se seguiram, continuou sendo, simultaneamente, um intelectual ativista. Em 1960,
publicou a Crítica da razão dialética, precedido pelo ensaio Questão de método. Ambas as obras trazem
reflexões no sentido de associar o existencialismo ao marxismo. A verve literária também não parou
e, no mesmo ano, estreiou a peça Sequestrados de Altona, cujo tema central consiste nos problemas
causados pelo colonialismo francês na Argélia, mesmo com a ação se passando na Alemanha de Hitler. Em
1964, surpreendeu as rodas de intelectuais com a publicação de As palavras, uma análise do significado
psicológico e existencial de sua própria infância. Nesse ano, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, mas
o recusou, pois aceitá-lo implicaria o reconhecimento da autoridade de um comitê julgador, o que
considerava inadmissível. No entanto, em 1971, lançou a primeira parte de um longo estudo sobre
Flaubert, intitulado L’Idiot de Famille. Em termos filosóficos, a trajetória do pensamento de Sartre teve
início com A transcendência do ego, A imaginação, Esboço de uma teoria das emoções e O Imaginário,
todos publicados entre 1936 e 1940.
De acordo com o pensamento de Sartre, o tempo pode ser considerado como a expressão da síntese
entre o em-si e o para-si e esta constitui a existência humana. A partir dessa perspectiva, o passado
deixa de existir, a não ser que esteja associado ao presente de alguma forma. Enquanto o homem tem
consciência de si mesmo, no presente, ele vive segundo o modo do para-si. No entanto, o seu passado
possui todas as peculiaridades do em-si. Nesse sentido, a existência humana é formada, principalmente,
pela espontaneidade da consciência, mas encontra atrás de si um ser que possui toda a característica de
fiação de qualquer outro elemento do mundo.
Ele ainda observou ser impossível ver na consciência algo distinto do corpo, uma vez que este não se
liga exteriormente a ela. Pelo contrário, faz parte inerente da constituição da própria consciência, que é
estruturada de maneira intencional; por isso, o corpo expressa a imersão no mundo como a característica
da existência do homem. O corpo seria, então, um centro em relação ao qual são organizadas todas as
coisas e, por isso, consiste em uma estrutura perene que viabiliza a consciência. Sartre estendeu sua
interpretação afirmando que o corpo é a própria condição da liberdade humana. Como não existe
liberdade sem escolha e o corpo é a necessidade de que ocorra a escolha de que o homem não seja a
total idade do ser no ato. Por consequência, temos a condição da consciência humana como consciência
do mundo e fundamento enquanto liberdade.
buscou inserir o existencialismo numa concepção mais abrangente de mundo. Essas transformações
derivaram, por um lado, do próprio existencialismo sartreano, que constitui uma filosofia “aberta”, e, por
outro, do engajamento social e político do filósofo. Do ponto de vista da fundamentação teórica, essa
nova concepção de Sartre encontra-se em Questão de método e em Crítica da razão dialética, ambas
publicadas em 1960.
Nessas obras, a questão crucial levantada pelo autor está em saber se é possível constituir
uma antropologia ao mesmo tempo estrutural e histórica. Ou seja, o objetivo visado por Sartre
é saber se há possibilidade de reencontrar uma compreensão unitária do homem para além das
várias teorias, das várias técnicas, das várias ciências que o investigam. Sartre, contudo, não
pretende inventar esse novo saber do homem. Não se trata de opor à tradição uma nova filosofia,
capaz de fornecer soluções para os problemas que as antigas doutrinas sobre o homem não
conseguiram resolver.
Esse novo saber já existe segundo Sartre e circula anonimamente entre os homens: o marxismo.
O marxismo, para ele, é a filosofia insuperável do século XX, “é o clima de nossas ideias, o meio
no qual estas se nutrem... a totalização do saber contemporâneo”, porque reflete a práxis que a
engendrou. Na mesma linha de ideias, Sartre afirma que, depois da morte do pensamento burguês,
o marxismo é, por si só, “a cultura, pois é o único que permite compreender as obras, os homens e
os acontecimentos”.
Sartre, porém, fez referência ao marxismo oficial, e nem sequer pretendia transcender a obra de
Marx, pois, para ele, o marxismo era capaz de superar a si mesmo, por ser uma filosofia que acaba se
adequando às transformações econômicas e sociais. Tomando como base a concepção sartreana de
que o marxismo consiste na “filosofia de nosso tempo”, é possível afirmar que o existencialismo foi
pensado como “um território encravado no próprio marxismo”, que, ao mesmo tempo, o abrange e o
exclui.
Outro aspecto da doutrina de Sartre está na maneira pela qual ele tentava solucionar a questão das
relações materiais de produção pelo projeto existencial. Ao afirmar que o marxismo era insuperável,
ele não quis dizer que se tratava de uma filosofia eterna, mas sim que deveria ser suplantada quando
houvesse para todos a garantia da liberdade e das condições de produção da vida.
Diante dessa perspectiva, pode-se imaginar um mundo de fartura guiado por uma corrente
filosófica que prioriza a liberdade. Infelizmente, a experiência atual não permite nem ao menos que
esse cenário seja idealizado.
Lembrete
86
HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO
Considerado como um dos filósofos e professores mais importantes da cátedra de História dos
sistemas de pensamento no Collège de France, de 1970 a 1984, Michel Foucault Poitiers nasceu em
15 de outubro de 1926 em Paris. Seu trabalho foi desenvolvido como uma espécie de arqueologia
do saber filosófico, partindo da experiência com a literatura e da análise do discurso com base nas
teorias da linguagem, focando-se na relação entre poder e governo, incluindo todas as formas de
subjetivação. Em 1954, ele publicou seu primeiro livro, Doença mental e personalidade. Em 1969,
lançou A arqueologia do saber, como uma resposta às críticas que recebera. Ficou bastante conhecido
pelas suas reflexões sobre as instituições sociais, especialmente no campo da psiquiatria, e também
por suas ideias a respeito da evolução da história da sexualidade, além das suas teorias gerais relativas
à energia e à complexa relação entre poder e conhecimento. Por isso, mais do que em análises da
“identidade”, definidas como estáticas e objetivadas, Foucault se preocupou em estudar a vida e os
variados processos de subjetivação.
Suas teorias sobre o saber, o poder e o sujeito abalaram profundamente o significado moderno
desses termos, razão pela qual é considerado um pós-moderno. Os primeiros trabalhos (História da
loucura, O nascimento da clínica, As palavras e as coisas e A arqueologia do saber) seguem uma linha
pós-estruturalista, mas não impedem que ele seja classificado como um estruturalista, em virtude de
obras posteriores, como Vigiar e punir e A história da sexualidade. Foucault ficou famoso também por
ressaltar a semelhança na maneira de tratar ou de cuidar dos grandes grupos de indivíduos que estão
situados nos limites do grupo social, como os loucos, os prisioneiros, certos grupos de estrangeiros,
soldados e crianças. Ele acreditava que esses agrupamentos específicos apresentavam em comum a
característica de serem excluídos pelo confinamento em instalações especializadas e organizadas em
modelos estruturados, como asilos, presídios, quartéis e escolas, todos inspirados no que ele denominou
de “instituição disciplinar”.
87
Unidade II
Ele procurou, ainda, refletir sobre problemas concretos como a insanidade em um contexto bastante
restrito do ponto de vista geográfico e histórico. No entanto, suas observações contribuíram para a
identificação dos conceitos superiores a esses limites temporais e espaciais, mantendo, dessa forma,
uma vasta abrangência em muitos campos do saber. No segundo semestre de 1970, ele demonstrou
interesse no que parecia uma nova forma de exercer o poder, denomidada de “biopoder”, mostrando
como a sexualidade afeta a saúde e o lazer como produtividade econômica, além dos mecanismos de
poder, transformando-se em uma questão crucial para a política.
Foucault pensou filosoficamente investigando a história, mas não escreveu uma “história da filosofia”.
Porém, não excluiu a abordagem dos filósofos, permeando os escritos sobre diferentes “objetos”,
inscrevendo-se, como que “em meio a eles”, a leitura das filosofias. Na verdade, aquilo que Foucault
problematiza nos seus escritos sobre biopolítico é justamente a funcionalização do desconhecido, que
torna própria a forma de ser do homem. Com essa funcionalização, o homem não está mais exposto ao
conhecimento de si, que permanece, ainda, inalcançável na sua completude, mas totalmente descrito
como dado estrutural de uma sociedade voltada para objetivos determinados. Mesmo que a vida humana
não seja integrada em técnicas que a dominem e a gerem, o biopoder surge como uma intervenção na
forma de viver dos sujeitos de direito. O biológico reflete-se diretamente no político, e o limiar de
modernidade biológica de uma sociedade surge no momento em que a própria espécie entra em jogo
nas estratégicas políticas.
Nesse aspecto, qualquer forma de política se torna uma luta pelo espaço que o sujeito tem no
controle da própria vida, ou seja, de um lado, o biopoder enquanto instância de controle do como viver
e da estrutura biológica do homem, e do outro, a exigência, por parte dos sujeitos, por um direito a
ter direito sobre o próprio corpo, e a forma de fruir deste; um direito de “encontrar o que se é e tudo
o que se pode ser”. Nesse sentido, o controle do sexo surge com uma função simbólica na formação
da identidade de uma população a partir do século XVIII, normativamente. Essa normalização do sexo,
como um controle de uma população, faz a sexualidade surgir como dispositivo do poder soberano.
O controle do sexo é, portanto, a forma mais eficaz de conter uma população, mantendo, com isso, o
caráter homogêneo de um país/nação.
população a partir da estrutura jurídica vai implicar diretamente nos saberes possíveis-
disponíveis para uma determinada população. Fica, portanto, claro como a relação poder-
saber está implicada em toda biopolítica – a partir da neutralização do saber científico,
quem tem o controle de um determinado saber científico pode legitimar seu uso a partir
da suposta “neutralidade” de sua prática (FOUCAULT apud KELLY, 1994, p. 44-45). A ideia
de dispositivo, portanto, está ligada a esta relação entre saber-poder, onde o dispositivo de
poder controla uma articulação entre um saber e sua aplicação – e, na biopolítica, a aplicação
de um determinado saber no próprio corpo de uma população, ou na determinação de uma
população homogênea (PONTIN, 2007, p. 62).
No atual estágio em que se encontram as relações humanas, mediadas ou não pelas tecnologias
da informação, é preciso contextualizá-las e compreendê-las a partir do cenário pós-moderno, que
configura um novo estado de ser e de estar no mundo. Hoje, com a inexistência de grandes projetos
para a humanidade e dos ideais positivistas que faziam crer na ciência como a grande trajetória a ser
percorrida para alcançar o progresso como a solução de todos os conflitos gerados pela tensão provocada
pelo homem na sua luta de engajamento político, econômico e social, torna-se necessário descobrir
caminhos inusitados de ação que tragam um sentido legítimo à essência do processo civilizatório na
construção original de outra ordem social.
Com a derrocada do socialismo, da Guerra Fria e o esfacelamento da polarização dos ideais político-
partidários, a abstração entre esquerda e direita fez com que os indivíduos realmente dispostos a
contribuir com ações conjuntas para as mudanças de ordem social e econômica repensassem sobre
novas formas de representatividade e de indagações capazes de garantir tanto a permanência quanto
a eficácia de atuações cívicas pertinentes às esferas do poder. Nessa conjuntura de fatores nunca antes
vivenciados na trajetória humana, a concepção de espaço público, de pertencimento a uma realidade ao
mesmo tempo globalizada pela economia e fragmentada pelo multiculturalismo, que prescinde do ideal
de um futuro comum a todos, é necessário avaliar de que maneira os indivíduos estão se organizando
tanto em nível local quanto em mundial para a troca de informações e de reflexões críticas, tendo em
vista a concepção de movimentos estratégicos para o fortalecimento dos elos sociais, imprescindíveis a
qualquer noção de mudança efetiva na esfera pública.
Antes de tecer os comentários iniciais sobre as articulações filosóficas permeadas pelas novas
tecnologias de comunicação, faz-se necessário lembrar que esses meios ratificam ainda mais as
desigualdades sociais, permitindo que apenas uma minoria da população do planeta possa usufruir desses
89
Unidade II
benefícios, em detrimento de uma maioria que se encontrará por tempo ainda indefinido totalmente
alijada dessa forma de poder. Embora a repercussão dos efeitos das interações proporcionadas pela rede
possa até mesmo vir a beneficiar esse número imenso de indivíduos de alguma forma, esse modelo
continua refletindo a realidade já estabelecida off-line, na qual uma minoria articulada às atividades
sociais determina as condições de vida de uma imensa maioria, carente de necessidades básicas, que se
encontra totalmente à margem das decisões relativas à esfera pública.
Certamente, a rede tem proporcionado grandes possibilidades para aqueles que antes se achavam
isolados em nível local ou regional, permitindo maior abrangência em termos de fonte de pesquisa e
de interatividade pessoal e coletiva. No entanto, a relação dessas ferramentas com a ascensão ou com
o declínio do capital social como instrumento de transformação deve ser analisada com cautela, uma
vez que a tendência ao individualismo e a falta de comprometimento e de interesse pelas decisões da
esfera pública evidenciam fortemente a constituição do sujeito em pleno século XXI. No cenário atual,
nem mesmo a total liberdade de acesso e de divulgação de informações e opiniões por meio da rede via
comunidades virtuais como Orkut e YouTube podem fazer com que esses espaços sejam considerados
um avanço em termos de contribuição para o engajamento às causas públicas.
Para efeito qualitativo, no que se refere ao conteúdo online, esses novos canais de comunicação ainda
permanecem sob o domínio da estrutura fora da rede e, como novidade que são, ainda se encontram
presos intrinsecamente à inevitável tentação da exposição de formas de expressão reprimidas que ganham
vazão, como uma criança solta em um gigantesco parque de diversões. Portanto, qualquer tentativa
de colocar parâmetros para medir ou avaliar a relação dos agentes dessas mensagens com a atual
capacidade de mobilização social deve levar em consideração todos esses elementos comprometedores
das informações veiculadas no mundo virtual.
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HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO
Nesse vasto cenário, onde tudo, em tese, parece estar ao alcance do homem, a relação entre novo
e antigo, entre homogêneo e heterogêneo, tornou-se um desafio talvez mais intrincado e complexo do
que povoar a Lua. O avanço desigual da tecnologia tem levado o ser humano a experimentar a estranha
e angustiante sensação de estar vivendo uma realidade virtual, constituída por visões fragmentadas da
sua própria condição. Tamanha é a ausência de referências simbólicas diante de tanta inovação que se
torna cada vez mais complicada a tarefa de elaborar previsões de qualquer espécie, seja a curto ou longo
prazo.
Como observa o estudioso da pós-modernidade Stuart Hall (1997, p. 68) citando Harvey (1989):
91
Unidade II
Também para mascarar a complexa realidade da situação dos “pobres do mundo”, a mídia utiliza-
se de contextos inter-relacionados, pautando e editando as notícias, de modo a reduzir o problema da
miséria e da privação apenas à questão da fome. Com isso, a verdadeira escala da pobreza (800 milhões
de pessoas são permanentemente subnutridas, mas cerca de 4 bilhões – dois terços da população
mundial – vivem na pobreza) é omitida, e a tarefa a ser enfrentada restringe-se somente à obtenção de
comida para os famintos, como destaca o filósofo alemão Zigmunt Bauman (1998 p. 82):
De certa forma, o mundo nunca esteve tão acessível ao homem, proporcionando-lhe a ilusão sobre-
humana de estar em vários lugares ao mesmo tempo. Em grandes cidades como Nova Iorque, Tóquio,
Londres, Paris e São Paulo, cadeias imensas de restaurantes fast-food, sempre moldados de forma
padronizada, exibem ininterruptamente telões onde se alternam imagens de desenhos animados novos
e antigas competições esportivas, videoclips e comerciais ao som de músicas estridentes do universo
pop. O que importa aqui não é o conteúdo da mensagem, mas sim proporcionar ao cliente a sensação
de estar conectado de alguma maneira à sociedade global.
Como verdadeiros artefatos decorativos, esses programas são veiculados com o objetivo de criar um
ambiente familiar de reconhecimento e identificação para o sujeito descentrado da era pós-industrial.
Ao mesmo tempo em que a tecnologia coloca o planeta ao alcance do apertar de teclas, produz
também a angústia dilacerante da overdose de informações, que reflete a falta de significado de uma
realidade virtual nem um pouco tangível. Essa situação chega a provocar um efeito quase paralisante da
capacidade crítica e reflexiva do indivíduo, para o qual a novidade, quando existe, permanece desprovida
de referenciais em um contexto fictício e artificioso.
Observação
Por outro lado, um reconfortante ideal de união e igualdade, sempre presente no imaginário da
coletividade humana como o mito da civilização perfeita, ressoa como uma cantiga de ninar, embotando
a sensibilidade para a percepção nada agradável da existência conflitante e paralela dos graves problemas
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HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO
sociais que assolam o mundo. Afinal, um cenário marcado pela miséria, pela fome, pela intolerância e
pela violência contrasta de maneira constrangedora com a sofisticada tecnologia das imagens plurais
responsáveis pela interconexão de todas as partes do globo terrestre. Para o homem, significa, em última
instância, a assinatura do atestado de fracasso e de incompetência em sua tentativa de melhorar o
mundo na entrada do terceiro milênio, época projetada ao logo de toda a história do pensamento
moderno como um tempo de realização pleno e satisfatório diante das adversidades naturais e daquelas
impostas por sistemas de governo inadequados ao bem-estar social supostamente atingível. Nesse jogo
sutil de identidades, não existem vítimas indefesas, e muito menos vilões maquiavélicos que programam
computadores para manter corações e mentes sob permanente controle. A ênfase na primazia do avanço
tecnológico da nossa era pode ser considerada mais como um instrumento de defesa individual contra o
sentimento de abandono e ausência de perspectivas favoráveis, despertado pela falência das ideologias
e pela ausência de grandes projetos para a humanidade.
Figura 23
Nesse acordo silencioso selado pelas estruturas de poder, torna-se necessário avaliar até que ponto a
mídia, enquanto forma e conteúdo, está comprometendo seu papel atuante na construção do intrincado
fenômeno da opinião pública, que se apresenta como coletivo, embora tenha como base a realidade
individual vivenciada em sociedade. Portanto, a complexidade reside no fato de o comportamento
dos indivíduos nos grupos ser diferente do seu comportamento pessoal e isolado, esclarecendo que a
opinião pública vem determinada por um mundo onde se multiplicam de forma incessante os agentes
determinantes da vida política, social e filosófica.
Não se pode negar que, seja nas sociedades centrais, seja nas periféricas, os descolamentos de
identificações estão provocando mudanças de costumes e de comportamentos. Entretanto, a contribuição
maior atualmente consiste em desvendar a origem dessas tendências, bem como das suas influências
de fato nas esferas sociais pertencentes aos mais diferentes níveis de evolução e de desenvolvimento
de uma nação.
O filósofo francês Pierre Bourdieu alerta para a existência de uma estrutura invisível que permeia
a interface entre a produção intelectual na área acadêmica, fornecendo outro recorte na esfera da
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Unidade II
comunicação, tendo em vista as pressões de mercado nas empresas que trabalham com a difusão de
informações, seja em nível informativo, interpretativo e, principalmente, de caráter opinativo. Para ele,
nem mesmo os próprios pensadores da atualidade, com raras exceções, percebem que estão sujeitos
de forma permanente à ilusão de que estão divulgando e legitimando o conhecimento da forma mais
adequada, selecionando as melhores fontes dos mais variados campos do saber para a exposição e para a
formação da “opinião pública”. Ainda na visão dele, os jornais impressos, que dominaram a era da imprensa
escrita com propostas sérias de provocar reflexões críticas na sociedade por meio de depoimentos de
fontes consagradas por seus pares, perderam seu poder e tiveram que se adaptar aos noticiários falados,
que mantêm o foco no fait-divers1, nos esportes e na agenda oficial dos representantes do poder público,
para atingir um número cada vez maior de indivíduos, aumentando com isso seu capital simbólico com
aquilo de Bourdieu chama de assuntos-ônibus, que não levantam problemas.
Essa forma de expressão midiática, apesar do extraordinário alcance proporcionado por ela, faz com
que a configuração dos temas hoje debatidos pela sociedade ceda à tendência de homogeneização da
informação e do pensamento filosófico e à desarticulação das possibilidades de engajamento no campo
político. No entanto, ele enfatiza também que essa opção pela banalização não foi algo planejado
por alguém ou por um grupo reacionário comprometido com alguma forma de poder específica. Vale
lembrar que essa fórmula fácil de falar em nome da moral burguesa e da lógica da concorrência convém
a todos os espectros sociais, confirmando realidades reconhecidas sem ter que recorrer às mudanças de
mentalidade que poderiam subverter a ordem já estabelecida.
Saiba mais
Resumo
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HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO
Porém, seu materialismo não pôde ser colocado em prática, porque ele
acreditava que o racionalismo era muito abstrato em comparação ao
materialismo dialético, já que matéria e ideia constituem categorias opostas
que se inter-relacionam, mantendo uma unidade.
Para Jean-Paul Sartre, a liberdade vem do nada, o que obriga o ser humano
a fazer-se em vez de apenas ser. De acordo com a doutrina de Sartre, o
homem é totalmente responsável por aquilo que é, uma vez que não é válido
para as pessoas atribuir seus erros a circunstâncias externas. Essa concepção
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Unidade II
Exercícios
Questão 1 (prova de Pedagogia, Enade, 2008) A racionalidade científica, forma dominante de pensar e de
agir na Modernidade, transformou o homem e sua ação em objetos de investigação. Passaram a ser tratados da
mesma forma que as “coisas” e os fenômenos da natureza, como “objetos” fixos, imutáveis. O historicismo veio a
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HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO
se opor a essa perspectiva positivista, chamando a atenção para a dimensão histórica da existência, do mundo e
da sociedade. As vertentes da pesquisa em educação que acompanharam essa discussão incorporaram ideias do
historicismo e trouxeram para a prática da investigação o pressuposto de que:
A) Alternativa incorreta.
Justificativa. A alternativa não é correta, pois a atual concepção de pesquisa educacional se pauta
numa pluralidade de métodos, numa postura aberta, consciente da riqueza e da complexidade do seu
campo de pesquisa numa busca da variedade e da articulação de instrumentos mais adequados ao
trabalho de desvendamento das práticas educacionais.
B) Alternativa incorreta.
Justificativa. A alternativa não é correta, pois a concepção historicista na qual se baseia a pesquisa
em educação na atualidade não mais vê (como na concepção cientificista-positivista) a compreensão
da realidade como algo estanque e linear que possa ser aprendido com objetividade e universalidade
absolutas.
C) Alternativa incorreta.
D) Alternativa incorreta.
Justificativa. A alternativa não é correta, pois a ideia de controle dos fenômenos faz parte do
universo do cientificismo, da razão cartesiana, que acreditava no poder da ciência de explicar para
prever e controlar. Mas a concepção historicista de pesquisa em educação dá conta de que o universo
das ações humanas é muito mais complexo e imponderável, pautado numa multideterminação de
fatores e agentes.
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Unidade II
E) Alternativa correta.
Nietzsche, filósofo alemão do século XIX, faz uma crítica irônica a uma concepção naturalizada e
abstrata da ciência e da verdade. Pensando na relação de um professor com o conhecimento, qual das
seguintes afirmações acerca da atuação do professor dá sentido à crítica do autor?
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HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO
FIGURAS E ILUSTRAÇÕES
Figura 1
Figura 2
MUSEI CAPITOLINI. Herm depicting “Pythagoras”. Multimedia: hall of the philosophers. 1 fotografia.
Disponível em: <http://tourvirtuale.museicapitolini.org/#en>. Acesso em: 5 set. 2011.
Figura 3
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Art, New York. Disponível em: <http://goo.gl/NNIvS>. Acesso em: 3 set. 2011.
Figura 4
Figura 5
Figura 6
KENNETH, C. The romantic rebellion. Nova Iorque: Harper, 1972, p. 52. Disponível em: <http://www.
mlahanas.de/Greeks/images/JesusGeometer.jpg>. Acesso em: 3 set. 2011.
Figura 7
Figura 8
Figura 9
BROOKLYN MUSEUM. San Thomas Aquino. Século XVIII. 1 original de arte, óleo sobre tela. Disponível em: <http://
cdn.brooklynmuseum.org/opencollection/images/objects/size3/41.1275.188.jpg>. Acesso em: 3 set. 2011.
101
Figura 10
MENZEL, A. Voltaire in the court of Frederick II of Prussia. 1750. 1 original de arte. Disponível em:
<http://static.newworldencyclopedia.org/e/e6/Adolph-von-Menzel-Tafelrunde.jpg>. Acesso em: 15 set.
2011.
Figura 11
EDELINCK, G. René Descartes chevalier seigneur du Perron. 1691. 1 gravura. Disponível em: <http://
www.britishmuseum.org/collectionimages/AN00496/AN00496978_001_l.jpg>. Acesso em: 28 ago.
2011.
Figura 12
CARROGIS, L. David Hume (1711 – 1776), historian and philosopher. 1 original de arte: lápis,
giz vermelho e aquarela sobre papel. Disponível em: <http://www.nationalgalleries.org/media_
collection/18/PG%202238.jpg>. Acesso em: 12 set. 2011.
Figura 13
Figura 14
Figura 15
Figura 16
Figura 17
Figura 19
Figura 20
Figura 21
Figura 22
Figura 23
CASAL JR, M. Tablets (computadores portáteis). 2011. 1 fotografia. Disponível em: p://agenciabrasil.
ebc.com.br/sites/_agenciabrasil/files/gallery_assist/26/gallery_assist678505/Agencia%20Brasil060911_
mca6376.jpg>. Acesso em: 5 set. 2011.
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HIRSCHBERGER, J. História da filosofia na Idade Média. Tradução de Alexandre Correia. São Paulo:
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PONTIN, F. Biopolítica, eugenia e ética: uma análise dos limites da intervenção genética em Jonas,
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Exercícios
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