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Iluminismo

por Alexsandro M. Medeiros


lattes.cnpq.br/6947356140810110
In: https://www.sabedoriapolitica.com.br/filosofia-politica/filosofia-
moderna/iluminismo/postado em 2014
atualizado em out. 2020

Na França, Les Lumières (As Luzes); na Alemanha,


Aufklärung (Esclarecimento); na Inglaterra Enlightenment (Iluminismo). Les
Lumières advém da expressão La Lumiére de la Raison (A Luz da Razão) e se
refere ao movimento cultural europeu do século XVIII com abrangência política,
filosófica, literária, científica.
Os termos ilustração, ilustrar e ilustrado estão associados às Lumières.
O termo Aufklärung é a versão germânica do iluminismo embora, Aufklärung,
não possa ser traduzida literalmente por Lumières, por isso utiliza-se o termo
Esclarecimento. “Aufklärung tem um sentido que não conseguiu encontrar no
vernáculo tradução fiel, engendrando divergências nos termos transcritos:
iluminismo, ilustração; aproximando-se dele traduções para: esclarecimento,
filosofia das luzes” (MÖLLER, 2014, p. 39). Há de comum, no entanto, que
tanto Lumières quanto Aufklärung marcam a presença de uma época: a época
da Razão. O Século XVIII tornou-se o apogeu da racionalidade e, por isso, se
pode dizer também que representa o século dos filósofos.
O Iluminismo é herdeiro, tanto da tradição de filósofos racionalistas,
como Descartes, Leibniz e Spinoza, como também de filósofos empiristas,
como Locke, Berkeley e Hume. Da tradição racionalista, o Iluminismo herdou o
método crítico para alcançar a luz e a clareza do conhecimento. Já o empirismo
proporcionou procedimentos para a observação e construção da realidade
baseada na experiência dos fatos.
O Iluminismo foi um movimento cultural e intelectual do século XVIII que
procurou mobilizar o poder da razão, a fim de reformar a sociedade e o
conhecimento herdado da tradição medieval: “seu programa é a difusão do uso
da razão para dirigir o progresso da vida em todos os aspectos” (BOBBIO;
MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 605). Essa revolução intelectual que se
efetivou na Europa, em países como a França, Alemanha, Inglaterra, também
ficou conhecida como Século das Luzes e como Ilustração. Contudo, é preciso
considerar, como o fazem Pazzinato e Senise que “o Iluminismo representou o
ápice das transformações culturais iniciadas no século XIV pelo movimento
renascentista” (1992, p. 98).
Além do movimento humanista do renascimento, que colocou o homem
no centro do universo, moldando uma nova concepção de homem, outros
movimentos contribuíram para o advento do Iluminismo como: a Reforma
Protestante que pretendeu libertar a consciência individual das instituições
religiosas da Igreja e a revolução científica que abriu o caminho para a
investigação dos mistérios da natureza.
O Iluminismo não foi um movimento homogêneo, quer dizer, não se
trata de um conjunto de ideias sistemáticas ou de uma escola. Trata-se de uma
postura e uma mentalidade em comum que envolve filósofos, matemáticos,
físicos, de intelectuais de uma determinada época que procuravam, acima de
tudo, se deixar guiar pelas “luzes da razão” para dar sua contribuição ao
progresso intelectual, social e moral.
“Este modo de pensar e de sentir é difundido, no século XVIII, em
muitos países da Europa. Suas primeiras manifestações se encontram na
Inglaterra e na Holanda” (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 606),
mas a França é considerada por muitos o país que liderou intelectualmente o
iluminismo europeu. “Existe porém, com diferenças por vezes importantes, um
Iluminismo alemão, italiano, espanhol, austríaco, e um Iluminismo dos países
da Europa oriental” (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 606).
Durante o século XVIII, os intelectuais franceses foram pioneiros em
promover os valores iluministas, conhecidos como Philosophes (filósofos) e
culminou com a publicação da grande Encyclopédie ou dictionnaire raisonné
des sciences, des arts et des métiers (1751-1772) editada por Denis Diderot e
Jean Le Rond d'Alembert e contou com a contribuição de mais de 130
pensadores tais como Voltaire, Montesquieu, Rousseau, Condillac. Entre os
textos escritos por seus colaboradores podemos destacar: Montesquieu e
Voltaire (literatura), Condillac e Condorcet (filosofia), Rousseau (música),
Buffon (ciências naturais), Quesnay e Turgot (economia), Holbach (química),
Diderot (história da filosofia), D’Alembert (matemática).
A Enciclopédia é de inspiração racionalista e materialista, propõe a
imediata separação da Igreja do Estado e combate as superstições e as
diversas manifestações do pensamento “mágico”, entre elas as instituições
religiosas. Por isso sua publicação sofreu violenta campanha contrária da Igreja
e de grupos políticos afinados com o clero. Sofreu intervenção da censura e
condenação papal, mas acabou por exercer grande influência no mundo
intelectual, inspirando os líderes da Revolução Francesa. Sobre
a Enciclopédia assim se expressa Salinas Fortes:
O que podemos dizer é que aí encontramos, sem dúvida, como
exposta em uma vitrina, as ideias principais da burguesia do
século XVIII. Se o catolicismo teve sua Suma Teológica com São
Tomás de Aquino, a burguesia também teve na Enciclopédia a
sua Suma Filosófica (1985, p. 50).

Pouco a pouco a Enciclopédia ajudou a difundir


nos salões parisienses os ideais iluministas e a razão humana passou então a
ser a luz (daí o nome do movimento) capaz de esclarecer qualquer fenômeno.
Ainda no contexto do iluminismo cabe ressaltar duas perguntas: a
primeira do filósofo alemão Immanuel Kant e a segunda de Salinas Fortes em
decorrência da primeira. Vamos começar pela segunda: “Se agora perguntam-
nos: ‘Vivemos atualmente em um século esclarecido’ (aufklarer)?, eis a
resposta: “Não, mas sim a um século em marcha para as Luzes.” (FORTES,
1985, p. 83). Eis a pergunta de Kant e o que ele escreveu à respeito: “O que é
o iluminismo?”
O iluminismo representa a saída dos seres humanos de uma
tutelagem que estes mesmos se impuseram a si. Tutelados são
aqueles que se encontram incapazes de fazer uso da própria
razão independentemente da direção de outrem. É-se culpado
da própria tutelagem quando esta resulta não de uma deficiência
do entendimento mas da falta de resolução e coragem para se
fazer uso do entendimento independentemente da direção de
outrem. Sapere aude! Tem coragem para fazer uso da tua
própria razão! - esse é o lema do iluminismo.

Partindo desta ideia, podemos pensar no iluminismo/esclarecimento


como forma de emancipação do ser humano, e como elemento para libertação
da condição de menoridade (através do uso em conjunto da razão e da
liberdade e desta como instrumento do homem para a busca do
esclarecimento).
A razão desempenha um papel importante, pois esta conduz ao
conhecimento, ao esclarecimento. E a liberdade também é importante, pois é
ela quem vai permitir que o cidadão consiga usufruir do uso público da razão,
sendo este o caminho para que o homem saia de sua menoridade. Vemos
assim o esclarecimento como um processo de racionalidade e uso pleno da
liberdade. O esclarecimento, como uma forma de sair da menoridade, é,
portanto, um processo de transformação do homem de sua menoridade em
homem esclarecido. Kant (1985) ainda assevera que o homem não pode
renunciar ao esclarecimento, pois é um direito sagrado da humanidade.

Características do Iluminismo
Apesar de haver divergência de pensamentos entre os diversos autores
iluministas, é possível anotar algumas tendências gerais comuns: “O que
caracteriza as luzes, além da valorização do homem [...] é uma profunda
crença na Razão humana e nos seus poderes” (FORTES, 1985, p. 9).
Observa-se também “a partir da ascensão do pensamento filosófico e científico,
em meados do século XVI, uma mudança acerca da funcionalidade da ciência
e do lugar do indivíduo no mundo” (MELLO; DONATO, 2011, p. 248). Vemos
assim o racionalismo como “propulsor do saber” e a defesa do conhecimento
científico e racional como meio para a superação de preconceitos e
ideologias tradicionais e busca do Esclarecimento. De modo geral, Giles (1987)
aponta que o Iluminismo fundamentou-se em três pilares: natureza,
razão e progresso. Natureza é entendida a partir da ideia de que o universo é
governado por leis universais como no caso das leis do movimento do sistema
newtoniano. A razão é o que possibilita não descobrir pela observação tais leis
desvelando todas as aparentes divergências e rejeitando tudo o que é baseado
apenas na autoridade. O progresso resume os ideais do Iluminismo: a partir da
compreensão das leis da natureza, a partir da razão, a humanidade poderia,
enfim, caminhar em direção ao progresso.
Além disso, os filósofos do iluminismo tinham um ideal de luta pela
liberdade, como dizia Diderot “o espírito do nosso século parece ser da
liberdade” (apud FORTES, 1985). Em que o homem não deveria se guiar pelos
pensamentos de outrem, mas pensar por si só, sendo dono do seu “próprio
nariz”, se tornando um homem racional, deixando de lado
as ideologias retrógadas que cerceiam a liberdade e se voltando para a razão.
Há, portanto, uma defesa intransigente da liberdade entre os pensadores
iluministas (liberdade política, religiosa, de expressão, de imprensa).
A liberdade individual se torna o centro da discussão sobre
política, à medida que a filosofia política iluminista promovia a
centralidade dos direitos individuais, diferenciando os
compromissos dos antigos e medievais da ordem e hierarquia.
Nesse sentido, podemos afirmar que o iluminismo teve sua
primeira expressão teórica, mais concentrada, em fins do século
XVII, com o inglês John Locke – considerado o pai do
liberalismo –, preocupado em “modificar” a concepção de súditos
da coroa britânica para cidadãos. Defenderia a liberdade e a
tolerância religiosa (MELLO; DONATO, 2011, p. 253).
Outra característica é a crítica aos valores da Igreja Católica e o anti-
clericalismo. Os filósofos combatiam com todas as forças a imposição da
verdade pela Igreja: “para ser efetivamente livre a Razão não pode se
submeter a nenhuma autoridade que a transcenda ou a nenhuma regra que lhe
seja extrínseca: ela é, para si mesma, sua própria regra” (FORTES, 1985,
p.18).
Há ainda uma confiança no desenvolvimento do “espírito científico”
(com ênfase na visão de mundo mecanicista e no naturalismo) e nas ideias de
progresso. A popularização do conhecimento científico deu uma certa
confiança ao “espírito das luzes” de que alcançaríamos um maior grau de
desenvolvimento. “É a ciência que dá ao século XVIII a segurança e a
confiança na razão. O sucesso das ciências experimentais alimentou a ideia de
que o mesmo método leva a um progresso concreto em todas as áreas da
cultura e da vida” (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 606).

As descobertas astrofísicas, desde Galileu Galilei, Johannes Kepler até


Isaac Newton contribuíram para essa confiança. A Terra não era mais o centro
do universo e o novo método empírico-matemático fundamentava essa
confiança no “espírito científico”.
O avanço da astronomia [e da física] – com a perda do privilégio
cósmico da Terra – e a necessidade de admitir que podemos
não estar sós no universo tiveram uma profunda influência no
pensamento humano. O destino universal do homem, defendido
pela Igreja, sofreu forte abalo (DUPAS, 2006, p. 40).
Noutros tempos, a teologia cristã determinava a verdade absoluta que
deveria fundamentar o conhecimento e a nossa visão de mundo e qualquer
pessoa que se afastasse da filosofia escolástica era acusado de heresia diante
do tribunal da Santa Inquisição, como aconteceu com Giordano Bruno e Galileu
Galilei, por contrariar as bases filosófico-teológicas da época. Com a revolução
científica e uma confiança sem limites no poder da razão o Iluminismo,
“procedendo com o método racional analítico próprio das ciências, [aspira] a
atingir verdades indiscutíveis ou, quando isto for impossível, generalizações
legítimas, que tenham uma fundada validade metodológica” (BOBBIO;
MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 606). Este “espírito das luzes”, quer
submeter todo o conhecimento aos princípios da razão, atingindo todos os
aspectos do saber humano ao contrário do “espírito das trevas” medieval, pois
como sabemos na Idade Média o poder hierárquico detinha-se exclusivamente
à igreja e a nobreza. A tradição religiosa era imposta a todos; o homem não
podia exercer livremente a sua razão. A razão era mera servidora da fé.

Lição de Anatomia do Professor Nicolaes Tulp (1632), do pintor holandês


Rembrandt. (In: FEITOSA, 2004, p. 99).
A tela captura o olhar científico sobre o corpo humano, reduzido a uma fonte de
informações anatômicas e fisiológicas, algo a ser investigado e examinado.

Os pensadores iluministas tinham como ideal a extensão dos princípios


do conhecimento crítico a todos os campos do mundo humano. Supunham
poder contribuir para o progresso da humanidade e para a superação dos
resíduos de tirania e superstição que creditavam ao legado da Idade Média. A
maior parte dos iluministas associava ainda o ideal de conhecimento crítico à
tarefa do melhoramento do Estado e da sociedade.
Com base nesta mesma confiança no poder da razão, fala-se ainda de
uma moral natural, uma religião natural e um direito natural.
o Iluminismo se prende à escola do direito natural e acredita
poder construir um corpo de normas jurídicas universais e
imutáveis [...] Para explicar os princípios do direito natural,
recorre-se, como no século XVII, à natureza humana em si, isto
é, abstraída das modificações resultantes da ação da civilização
sobre o homem, supondo, como hipótese, um status
naturae anterior à sociedade civil e definindo os direitos que o
homem já deve ter tido neste estado primitivo, isto é, os direitos
que pertencem à sua dignidade de homem pelo simples fato de
ser homem (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 607).
No que diz respeito à moral e à religião naturais elas são independentes
mas devem, ambas, ser consideradas em função do “homem mundano”: uma
antropologia iluminista baseada em princípios utilitaristas, sem rituais, cultos ou
dogmas.
A religião se torna um modo de sentir, um íntimo sentimento de
comunhão com Deus, que decorre da adesão sentimental à
harmonia da natureza. [...] especialmente os mais jovens
iluministas identificam, frequentemente, a natureza com Deus,
quando não proclamam um ateísmo materialista (BOBBIO;
MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 607).
A natureza humana é o fundamento da moral e da religião iluminista. E
a principal característica da natureza humana, em que todos os iluministas
concordam, é a sua racionalidade. Por meio da razão, e sempre dela, é
possível conhecer as leis da natureza. É a natureza que “fornece as leis da
lógica, como também da vida social, e unifica toda a ordem das relações e
finalidades humanas. É baseando-se na natureza que o homem dirige seus
interesses” (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 607).

Contexto Histórico e Influência Política


No contexto histórico da Europa Ocidental desde a Baixa Idade Média,
do século XI ao XV, predominou o absolutismo monárquico. Com a justificativa
de que o poder real era de origem divina, muitas arbitrariedades foram
cometidas. A nobreza e o clero sempre estiveram unidos na mesma simbiose
em todo o período medieval, senhores feudais e a igreja eram aliados em
interesses comuns de dominação, detendo o poder de persuasão sobre os
servos. Contudo com a queda do sistema feudal e a implantação
do capitalismo, o senhor dos feudos diminuía cada vez mais o seu poder,
sendo assim os servos passam a depender menos do senhor feudal e migram
para as cidades. “Na medida exata em que o senhor feudal vai sendo
suplantado, a Igreja vai perdendo o poder absoluto de que gozava sobre os
espíritos e passa por uma crise profunda” (FORTES, 1985, p.15).
Então a igreja que outrora dominava com mãos de ferro, implantando
seus dogmas, sendo um grande pilar de sustentação e preservação do
sistema, tendo como função a manutenção de ideologias sobre os servos,
agora se vê bombardeada por ideias filosóficas em defesa da liberdade onde o
homem deve agir livremente pela própria razão.
Com o declínio do regime feudal e o enfraquecimento dos regimes
absolutistas uma nova classe começa a surgir no cenário europeu: a burguesia.
O enfraquecimento de um repercute diretamente no outro, pois na monarquia
absolutista a velha nobreza feudal encontrava-se protegida por um Estado
forte, capaz de garantir suas terras e privilégios, seu poder político e a
contenção das revoltas camponesas. O século XVII e XVIII representa, na
Europa, uma contradição. Por um lado, monarquias poderosas, nas quais o
poder do rei confunde-se com o próprio Estado. De outro, uma burguesia rica,
ascendente, que não aceita mais o absolutismo e a intervenção do Estado na
economia, nem os privilégios cada vez mais onerosos da nobreza, pagos com
o dinheiro gerado pela ação econômica burguesa. A burguesia já não aceita
mais as características que marcam a vida europeia, às quais o próprio
Iluminismo deu o nome de Antigo Regime. A própria designação já é em si
pejorativa. A palavra “antigo” não tem aqui qualquer sentido cronológico. O
conceito refere-se a ultrapassado, superado, retrógrado, denotando toda a
extensão da crítica que essa nova visão de mundo significava.
O Iluminismo surge no período que marca o fim da transição entre
feudalismo e capitalismo, representando no campo social e político a ascensão
dos ideais da classe burguesa, exercendo vasta influência sobre a vida política
e intelectual da maior parte dos países ocidentais. No início do séc. XVIII, a
burguesia europeia já havia se transformado numa forte e rica classe social,
porém, ainda sem acesso ao poder político que continuava nas mãos dos reis.
As ideias iluministas surgiram neste contexto como resposta aos problemas
concretos enfrentados pela burguesia, tais como a intervenção do Estado na
economia e os limites de sua atuação política. A época do iluminismo foi
marcada por transformações políticas tais como a criação e consolidação de
estados-nação, a expansão de direitos civis e as revoluções burguesas. O ideal
revolucionário não é um ideal iluminista, mas não há dúvida de que as ideias
políticas do iluminismo influenciaram a elaboração da Declaração de
Independência dos Estados Unidos e a Declaração Francesa dos Direitos do
Homem e do Cidadão redigida pela Assembleia Constituinte em 1789 (e até
mesmo aqui no Brasil podemos dizer que os ideais iluministas cruzaram o
Oceano Atlântico influenciando a Inconfidência Mineira e a Revolução
Farroupilha).

Este documento [Declaração dos Direitos do Homem e do


Cidadão], de importância ímpar, trazia em seu escopo
significativos avanços sociais, garantia de direitos iguais aos
cidadãos e maior participação política para o povo. Além destes
avanços, ele teria grande repercussão pela sua intenção de se
tomar como um preceito universal (MELLO; DONATO, 2011, p.
259).

Foi com o borbulhar das ideias de liberdade, igualdade e fraternidade


que o iluminismo inflamou a sociedade para uma revolução: a Revolução
Francesa (que sepultou de maneira quase total o feudalismo e o absolutismo).
Onde o povo começou a questionar a hierarquia imposta, passando a enxergar
que a dominação sobre eles não era natural, alcançando o poder da razão para
seguir seus ideais. Nesse contexto podemos observar várias ideias iluministas
sendo defendidas no novo cenário político: as ideias de soberania popular, a
doutrina econômica tipicamente iluminista da fisiocracia[1], a separação dos
poderes, igualdade perante a lei entre outras: “a razão inspira projetos de
reformas sociais e econômicas, novas legislações e um sistema de educação
coletiva, pela qual se espera uma efetiva renovação da vida e um crescimento
geral de bem-estar” (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 608). Neste
aspecto é preciso considerar também a influência do racionalismo e a defesa
do poder da razão como guia para pensar uma melhor forma de organização
social. O Estado, que antes se aliara à Igreja, começa a buscar um novo
fundamento no racionalismo moderno, desprendendo-se da religião, do poder
da autoridade e do absolutismo teológico
Foi Montesquieu quem deu ênfase a teoria da separação dos poderes:
o Executivo, Legislativo e o Judiciário. E essa teoria tem como objetivo evitar
que o poder se concentre nas mãos de uma única pessoa, para que não haja
abuso, como ocorrido no Estado Absolutista, por exemplo, em que todo o poder
concentrava-se nas mãos do rei. A passagem do estado Absolutista para o
Estado liberal caracterizou-se justamente pela separação dos poderes. Esta
teoria de Montesquieu se transformou em um verdadeiro dogma pela
“Declaração dos Direitos do Homem” de 1789.
Já no campo da Democracia o iluminismo encontrou em Jean Jacques
Rousseau o grande porta voz da soberania popular. O que coloca Rousseau
em destaque entre os que inovaram no pensamento político é precisamente a
defesa da concepção do exercício da soberania pelo povo. Além disso
Rousseau também era um contratualista, quer dizer, procurava entender e
explicar a Sociedade Civil através de um contrato social que, para ser legítimo,
deve ser elaborado de acordo com a vontade geral soberana. “Como fazer para
eliminar os males da vida social e política dos homens dando-lhes uma nova
base? A resposta é: ‘contrato social’” (FORTES, 1985, p. 68).
Por fim é preciso considerar que vários foram os príncipes reinantes que muitas
vezes apoiaram e fomentaram figuras do iluminismo e até mesmo tentaram
aplicar as suas ideias ao governo.
Quanto à forma de Governo, o ideal predominante, aliás, é o do
despotismo iluminado, isto é, o do soberano filósofo, que seja
um philosophe autêntico e que, iluminado pela razão, por sua
vez potenciada pelos conhecimentos, promova reformas aptas a
instaurar o bem-estar e a felicidade dos súditos (BOBBIO;
MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 608).
As ideias racionalistas e iluministas influenciaram os governantes
absolutistas, que pretenderam governar segundo a razão e o interesse do
povo, sem abandonar, porém, o poder absoluto, ficando conhecidos
como déspotas esclarecidos. Os mais célebres são: Frederico II, da
Prússia (1740-1786) – permitiu a liberdade de culto e de expressão aos
prussianos e tornou obrigatório o ensino básico. Mas apesar dessas mudanças,
a Prússia manteve o regime feudal; Catarina II, da Rússia (1762-1796) –
manteve contato com muitos filósofos do Iluminismo mas mudou muito pouco a
estrutura social e econômica da Rússia; o marquês de Pombal, ministro
português (1750-1777) – expulsou os jesuítas de Portugal e das colônias por
se oporem às suas reformas educacionais, além de abrir Portugal para a
influência do Iluminismo, modernizando o ensino, bibliotecas e criando a
Imprensa Régia; e Carlos III, da Espanha. De modo geral, todos eles
realizaram reformas que ampliaram a educação, garantiram a liberdade de
culto, fortaleceram a igualdade civil, embora mantendo uma certa autocracia e
aguçando as contradições sociais e políticas.
'Despotismo' significa, em sentido específico, a forma de
Governo em que quem detém o poder mantém, em relação aos
seus súditos, o mesmo tipo de relação que o senhor (em grego
"despotes") tem para com os escravos que lhe pertencem [...]
[modernamente] Despotismo é polemicamente usado para
indicar qualquer forma de Governo absoluto, sendo muitas vezes
sinônimo de tirania, ditadura, autocracia, absolutismo e outras
formas semelhantes (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998,
p. 339).
A grande diferença entre tiranos e déspotas é que a tirania é uma forma
degenerada de governo, segundo a terminologia aristotélica e que perdura até
os tempos modernos, pois o tirano despreza as leis estabelecidas e governa
segundo seu próprio capricho, enquanto que o despotismo é considerado uma
forma legítima de governo, uma vez que se baseia no próprio consentimento de
um povo (que se submete voluntariamente a esse poder), ainda que o poder do
governante seja absoluto, muitas vezes arbitrário e dependente de sua própria
vontade. “A diferença verdadeiramente essencial está no fato de que a tirania
constitui uma forma ilegal ou ilegítima [...] ao passo que a monarquia despótica,
como monarquia, pertence às formas não deturpadas” (BOBBIO; MATTEUCCI;
PASQUINO, 1998, p. 340). Convém salientar que esta é a definição clássica,
aristotélica, do despotismo, que assumiu conotações diferentes ao longo dos
séculos. Uma variação deste entendimento surge, por exemplo, em
Montesquieu, que entende a monarquia como uma forma de governo diferente
do despotismo. Em sua obra O Espírito das Leis, o filósofo francês distingue
três formas de governo: monarquia, república e despotismo.
Segundo a natureza, o Governo despótico é o Governo em que
"um só, sem leis nem freios, arrasta tudo e todos atrás dos seus
desejos e caprichos" (Livro II, c. I). Segundo o princípio, o
Governo despótico se rege pelo medo, enquanto que o
monárquico se guia pela honra e o republicano pela virtude [...]
Montesquieu [porém] mantém inalterado o da relação servil entre
governantes e governados (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO,
1998, p. 343).
Os povos submetidos a um regime despótico se encontram em um
estado de servidão e escravidão política.
Em todas estas visões o despotismo é sempre visto como um modelo
de mau Governo. Como toda regra tem sua exceção, a ideia de despotismo é
um elemento importante da teoria e da ideologia política da fisiocracia
iluminista, ao defender a ideia de um soberano único, que fosse capaz de
reconhecer as leis naturais existentes, instruído por sábios conselheiros sobre
a existência de tais leis e usando seus poderes na aplicação das respectivas
leis. “Em sua obra L'ordre naturel et essentiel des sociétés politiques (1767), o
fisiocrata Le Mercier de la Rivière distingue duas formas de Despotismo, um
que ele chama ‘legal’ e o outro ‘arbitrário’” (BOBBIO; MATTEUCCI;
PASQUINO, 1998, p. 345), e apenas o primeiro pode ser guiado pela evidência
e pela luz natural da razão possibilitando a compreensão das leis naturais. A
necessidade de um governo despótico se deve ao fato de que tais leis não
podem senão ser impostas de forma impositiva e até mesmo coercitiva e,
naturalmente, é desta ideia que nasce o princípio de um “despotismo
esclarecido”.
Com efeito, uma vez averiguado que a ordem natural é evidente,
ou seja, que pode ser compreendida em sua totalidade pela
mente humana iluminada pela razão, ela torna-se pelo mesmo
fato coagente e, por conseguinte, não pode ser imposta senão
despoticamente. Existe porventura alguém que se lamente de
ser obrigado a aceitar sem discussão os teoremas da geometria
euclidiana? Euclides não é menos déspota que o monarca
iluminado que governa obedecendo à evidência das leis
naturais. Mas trata-se, sem dúvida, de um Despotismo natural e
necessário, conforme com a razão (BOBBIO; MATTEUCCI;
PASQUINO, 1998, p. 345).

Referências Bibliográficas
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário
de Política. 11. ed. Brasília: Editora UnB, 1998. Vol. I.
DUPAS, Gilberto. O mito do progresso. São Paulo: UNESP, 2006.
FEITOSA, Charles. Explicando a Filosofia com Arte. Rio de Janeiro: Ediouro,
2004.
FORTES, Luiz Roberto Salinas. O Iluminismo e os Reis Filósofos. 3. ed. São
Paulo: Brasiliense, 1985. (Coleção Tudo é História, 22).
GILES, Thomas Ransom. História da educação. São Paulo: EPU, 1987.
KANT, I. Textos Seletos. Trad. Floriano de Souza Fernandes. 2. ed.
Petrópolis: Vozes, 1985.
MELLO, Vico Denis S. de; DONATO, Manuella Riane A. O Pensamento
Iluminista e o Desencantamento do Mundo: modernidade e a Revolução
Francesa como marco paradigmático. Revista Crítica Histórica, Ano II, nº 4,
dezembro/2011.
MÖLLER, Mathias Alberto. Esclarecimento e emancipação nos textos políticos
de Kant. Filogenese, v. 7, n. 2, p. 27-45, 2014. Acesso em: 02 out. 2020.
PAZZINATO, A. L.; SENISE, M. H. V. História moderna e
contemporânea. São Paulo: Ática, 1992.

[1] Derivado do grego, physis (natureza) e kratos (poder, governo), a fisiocracia


corresponderia a uma teoria econômica do século XVIII, principalmente por
teóricos franceses dos quais François Quesnay seria um dos mais conhecidos,
“Que se fundamenta na ideia de uma ordem natural regida por leis eternas, às
quais é racional conformar-se, porque elas, se não obstadas, produzem a
máxima prosperidade e harmonia” (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998,
p. 610). Para os fisiocratas o trabalho oriundo da produção agrícola seria a
principal fonte de riqueza das nações (do valor, produtos e desenvolvimento
das terras agrícolas), o que é naturalmente compreensível, já que nessa época
a economia era praticamente totalmente agrária.

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