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DICIONÁRIO

DE
C ONCEITOS
HISTÓRICOS
ILUMINISMO
Iluminismo

O Iluminismo é um dos temas mais importantes na História das ideias,


influenciando toda a estrutura mental do Ocidente contemporâneo. Como conceito,
foi criado pelo filósofo alemão Imannuel Kant, em 1784, para definir a filosofia
dominante na Europa ocidental no século XVIII. A palavra Iluminismo vem de
Esclarecimento (Aufklärung no original alemão), usada para designar a condição
para que o homem, a humanidade, fosse autônomo. Isso só seria possível, afirmava
o Iluminismo, se cada indivíduo pensasse por si próprio, utilizando a razão.
O Iluminismo abarcou tanto a Filosofia quanto as ciências sociais e naturais, a
educação e a tecnologia, desde a França até a Itália, a Escócia e mesmo a Polônia e a
América do Norte. Os pensadores e escritores de diversas áreas que aderiram a esse
movimento de crítica às ideias estabelecidas pelo Antigo Regime eram chamados
comumente de philosophes, filósofos em francês, mas entre eles havia também
economistas, como Adam Smith, e historiadores, como Vico e Gibbons.
Esses filósofos do século XVIII, que chamados hoje de iluministas, definiam a
si mesmos como homens do “século das luzes”. Para eles o século XVIII foi o ápice
da maturidade intelectual e racional do homem. Mas tais filósofos não seguiam
uma única e coerente corrente de pensamento, pelo contrário, possuíam múltiplos
discursos, não tinham nenhum manifesto ou programa de ideias, e muitos,
inclusive, se contestavam mutuamente. Essas divergências dificultam a definição
do Iluminismo como um movimento, pois não havia coerência de pensamento.
Todavia, a maioria desses pensadores compartilhava algumas ideias em comum: a
defesa do pensamento racional, a crítica à autoridade religiosa e ao autoritarismo
de qualquer tipo e a oposição ao fanatismo. Influenciados pela revolução científica
do século XVII, principalmente pelo racionalismo e pelo cientificismo de Descartes, a
maioria dos iluministas pregava o papel crítico da razão, considerando essa a única
ferramenta capaz de esclarecer a humanidade. Em geral, combatiam a Igreja Católica
e sua enorme influência social e política na Europa do Antigo Regime.
Entre os principais filósofos do Iluminismo estão pensadores como
Diderot, Montesquieu, Voltaire e Rousseau. Cada um deles abordando a razão
de uma perspectiva particular. Diderot, por exemplo, foi um dos responsáveis
pela elaboração da Enciclopédia, primeira obra a reunir diversos ramos de
conhecimento científico para tentar explicar o mundo. Sua obra foi precursora das
atuais enciclopédias, que têm a mesma intenção, sem, no entanto, enveredarem
por discussões éticas e morais como as promovidas por Diderot. Rousseau, por
sua vez, discordou da maioria dos iluministas, pois era contrário ao progresso e
pregava a volta à liberdade primitiva, construindo, assim, o mito do “bom selvagem”.

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Defendia também que todo governo deveria emanar da soberania popular e ser

Iluminismo
constituído a partir de um pacto social entre povo e governantes. Rousseau foi um
pessimista, pois acreditava que o progresso não traria benefícios para todos assim
como que a civilização degradava o homem, mas sua filosofia política influenciou
sobremaneira a elite da América Hispânica no início do século XIX, dando o
direcionamento republicano das independências latino-americanas.
Já Voltaire, além de filósofo, foi um importante escritor. Satírico e moderado,
apesar de se opor ao Absolutismo, defendia uma monarquia “esclarecida”. Chegou
mesmo a inspirar os déspotas esclarecidos de seu tempo, como o rei Frederico II, da
Prússia, cuja corte integrou. A obra de Voltaire prima pela sátira à sociedade da época,
em que as crenças religiosas e o fanatismo tinham importante papel. Teve uma longa
carreira como escritor, dedicando seus trabalhos a “esclarecer” a humanidade, ou seja,
a combater o fanatismo e a ignorância. Voltaire foi um intelectualista que, ao contrário
de Rousseau, defendeu o progresso como impulsionador da civilização.
Em linhas gerais, o pensamento iluminista foi elitista e intensamente progressista.
No primeiro caso, voltados para um público instruído, os filósofos queriam educar os
“bons burgueses” e pouco tinham a dizer ao povo e aos trabalhadores. No segundo, a
maioria dos iluministas acreditava que a história em sua constante mudança estaria
sempre tendendo a mudar para melhor. Essa visão otimista da história foi mais bem
esboçada por Condorcet, um dos últimos iluministas. Para ele, o homem tinha uma
capacidade infinita de se aperfeiçoar, o que permitia às sociedades se tornarem cada
vez mais avançadas, sempre baseadas na razão.
A razão e o progresso, dessa forma, foram elementos básicos do pensamento
iluminista e influenciaram as transformações políticas e sociais entre o fim do século
XVIII e o início do século XIX. Tal pensamento, em sua crítica ao Absolutismo, à Igreja

Católica e à estrutura do Antigo Regime como um todo, encaixava-se nas aspirações


e desilusões da burguesia em ascensão na Europa do século XVIII. Essa classe social
se inspirou no iluminismo para construir a retórica e as bandeiras de suas revoltas
naquele momento. Foi o caso da independência dos Estados Unidos, planejada e
realizada por seguidores do Iluminismo, como Thomas Jefferson, assim como da
Revolução Francesa e da independência da América Latina. O resultado foi que, com
essas revoltas tornando-se vitoriosas, o Iluminismo se transformou na base dos novos
Estados e da mentalidade emergida desses movimentos.
A presença do pensamento iluminista nesses movimentos de definição do mundo
contemporâneo fundamentou as sociedades ocidentais nas aspirações e nos projetos
da burguesia, que tinham a razão e o progresso como pensamento básico. Para isso
contribuiu também a Revolução Industrial, que teve como lema o progresso. A junção
desses elementos impulsionou o crescimento do cientificismo e do desejo da ordem

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como aspiração fundamental para a civilização. As sociedades ocidentais dos séculos
Iluminismo

XIX e XX constituíram-se, dessa forma, sobre esse fundamento iluminista, defendendo

como naturais conceitos elaborados pelo Esclarecimento: a razão acima da fé, o


progresso, o governo representativo da vontade popular, as liberdades individuais,
o culto à ciência. Desse contexto, iluminista e industrial, nasceu o pensamento
moderno das sociedades contemporâneas.
O Iluminismo, dessa forma, é entendido como um momento fundador da
modernidade e do mundo contemporâneo, em que predominam os valores
burgueses. E como tal, passou, desde meados do século XX, a sofrer diversas críticas
dos opositores da modernidade e do imperialismo.
As primeiras críticas vieram da Escola de Frankfurt. O filósofo alemão Theodor
Adorno, com sua geração de exilados pela Segunda Guerra Mundial, começou a
indagar, em meados do século XX, sobre a validade do progresso e da técnica para
a história da humanidade. Ao lado de Horkheimer, Adorno afirmou o fracasso do
Iluminismo, pois, para os frankfurtianos, o Iluminismo não libertou o homem do
medo e do mito, nem o tornou autônomo, por meio do domínio da ciência e da
técnica. Em vez disso, uma vez derrotado o fanatismo religioso, o homem passou a
ser vítima de um novo fanatismo, criando outro dogma, o da ciência e da tecnologia,
para a sociedade contemporânea.
Nas últimas décadas do século XX surgiu outra corrente filosófica contrária ao
Iluminismo, a pós-modernidade. Criticando o predomínio das sociedades ocidentais
sobre o mundo e a imposição de seus valores a todas as culturas em contato com
os ocidentais, os pós-modernos passaram a criticar a supremacia do cientificismo
e do progresso. O culto ao progresso entrou em decadência nos meios intelectuais
e os limites entre razão, senso comum e religiosidade começaram a ser repensados.
Apesar disso, a estrutura de pensamento predominante no Ocidente continua a ser
a derivada do Iluminismo, e alguns autores atuais, inclusive, pregam a revalorização
dos princípios iluministas. Entre eles está o filósofo brasileiro Sergio Paulo Rouanet,
que critica o excessivo relativismo de algumas visões pós-modernas e defende a volta
da razão como parâmetro para o pensamento científico.
Para o professor e a professora de História, conhecer o sentido do Iluminismo é
um desafio atual. Uma proposta que pode dar bons frutos em sala de aula é começar
trabalhando com o Iluminismo a partir da atualidade, observando como algumas
variantes sobrevivem e ainda atuam na sociedade brasileira presente. Por exemplo,
refletindo sobre a extrema importância dada à ciência, sobre a crença de que o
pensamento científico é superior ao religiosos, sobre o pensamento progressista etc.
Contemporaneizar o tema, fazendo a ligação entre passado e presente torna mais
interessante buscar suas raízes históricas, retornando, assim, para o século XVIII.

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Devemos evitar abordar o Iluminismo tão somente como a filosofia de uma elite

Imaginário
intelectual morta há trezentos anos, pois ao fazermos isso perdemos o sentido de
por que realmente estamos estudando o tema, o sentido de sua grande influência
na formação das sociedades contemporâneas.

VER TAMBÉM
Absolutismo; Burguesia; Liberdade; Modernidade; Nação; Pós-modernidade;
Relativismo Cultural; Revolução Francesa; Revolução Industrial.

SUGESTÕES DE LEITURA
ADORNO, Theodor. Textos escolhidos. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção
Os Pensadores).
EDGAR, Andrew; SEDGWICK, Peter. Teoria cultural de A a Z: conceitos-chave para
entender o mundo contemporâneo. São Paulo: Contexto, 2003.
FORTES, L. R. Salinas. O Iluminismo e os reis filósofos. São Paulo: Brasiliense, 1981.
GRAY, John. Voltaire: Voltaire e o Iluminismo. São Paulo: Ed. Unesp, 1999.
GRESPAN, Jorge. Revolução Francesa e Iluminismo. São Paulo: Contexto, 2003.
HUGHES-WARRINGTON, Marnie. 50 grandes pensadores da História. São Paulo:
Contexto, 2002.
ROUANET, Sergio Paulo. As razões do Iluminismo. São Paulo: Companhia das
Letras, 1987.
STRATHERN, Paul. Rousseau em 90 minutos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
VENTURI, Franco. Utopia e Reforma no Iluminismo. Bauru: Edusc, 2003.
VOLTAIRE. Dicionário filosófico. São Paulo: Martin Claret, 2003.

IMAGINÁRIO
Imaginário é uma palavra que desde as últimas décadas do século XX invadiu
a produção da História no mundo ocidental. Intrinsecamente envolvido com a
chamada Nova História francesa e com a produção de uma História das Mentalidades,
seu estudo, no entanto, ultrapassa as fronteiras da História, atingindo a Antropologia
e a Filosofia. Imaginário significa o conjunto de imagens guardadas no inconsciente
coletivo de uma sociedade ou de um grupo social; é o depósito de imagens de
memória e imaginação. Ele abarca todas as representações de uma sociedade, toda a
experiência humana, coletiva ou individual: as ideias sobre a morte, sobre o futuro,

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