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Pedro H. C. de Medeiros
2
SUMÁRIO
UNIDADE I – INTRODUÇÃO
A imanência significa que Deus faz grande parte de sua obra por intermédio de meios
naturais. Ele não restringe sua atuação a milagres. Pessoas descrentes são usadas por Deus:
Ciro (Is 44.28; 45.1) ou Nabucodonosor (Jr 25.9). Deus não se limita a agir diretamente para
cumprir seus objetivos. Ele tanto cura pelo milagre, quanto usando as mãos do médico.
Devemos ter apreço por todas as coisas criadas por Deus. O mundo é de Deus, e Deus
está presente e ativo no mundo. Podemos obter algum conhecimento acerca de Deus por meio
de sua criação. Toda ela veio à existência por intermédio de Deus e, além disso, Deus nela
habita de modo ativo. A doutrina da imanência de Deus implica dizer que há pontos em que o
evangelho pode fazer contato com o descrente.
Existe algo mais elevado que os seres humanos, algo mais elevado confere valor à
humanidade. Deus nunca pode ser completamente determinado pelos conceitos humanos.
Nossa salvação não é conquista nossa.
Sempre haverá uma diferença entre Deus e os seres humanos. Mesmo depois de
redimidos e glorificados, ainda seremos criaturas humanas. Nunca nos tornaremos Deus.
Portanto, a reverência é adequada em nosso relacionamento com Deus. Buscaremos a obra
genuinamente transcendente de Deus. Nunca negligenciaremos a oração (I Ts 5.17), pedindo
sua orientação e intervenção especial (Sl 40.1).
Os seres humanos são finitos e Deus é infinito, não há como conhecer a Deus a menos
que ele se revele para nós. Os homens só podem conhecer a Deus se Ele se manifestar aos
homens. Somente a partir dessa manifestação os homens podem ter comunhão com Deus (Rm
11.34-36; Jo 1.9).
O meio iluminista para se obter o conhecimento era empregar a razão para sistematizar
o que era oferecido pela experiência e seguir a razão onde quer que ela conduzisse. Isso
contrariava o que ocorria antes, isto é, seguir cegamente as superstições proclamadas pelas
autoridades externas.
O iluminismo também enfatizou a moralidade humana ao invés dos dogmas, para eles
o raciocínio humano podia descobrir a lei moral natural escrita dentro de cada um e obedecê-
la. Os princípios do iluminismo eram a autonomia, a natureza, a harmonia e o progresso.
deísmo - uma alternativa teológica para a ortodoxia. Os teólogos do deísmo desejavam reduzir
a religião a seus elementos mais básicos, universais e, portanto, racionais.”
O deísmo entendia que a religião natural era racional, e por isso, todas as religiões
deveriam estar em conformidade com ela. Os deístas não entendiam a religião como um
sistema de crenças, mas sim como um sistema ético. O cristianismo nada mais era do que uma
manifestação religiosa dentre outras, participando de uma gradação até a religião perfeita e
universal.
Isso teve consequências sobre a religião natural, que estava submetida ao empirismo,
pois não era possível provar a existência de Deus a não ser por uma impressão interna. Kant
procurou responder a essas questões levantadas por David Hume.
Em Crítica da Razão Pura (1781), a metafísica foi colocada sobre bases sólidas. Para
Kant, “a mente tem um papel 'ativo' no processo de conhecimento”. Para Kant, o processo do
conhecimento não pode ser derivado apenas das experiências sensoriais.
1
HRYNIEWICZ, Severo. Para filosofar hoje: introdução e história da Filosofia. 4ª ed. Rio de Janeiro: Edição do
autor, 1999, p. 397.
2
GRENZ, Stanley J.; OLSON, Roger E. A Teologia do Século 20: Deus e o mundo numa era de transição.
Cambuci, SP: Editora Cultura Cristã, p. 27.
9
Para Kant,
qualquer realidade que está além do espaço e do tempo não pode ser
conhecida através do empreendimento científico, pois a ciência baseia-se nas
experiências sensoriais. A razão 'pura' ou especulativa (ciência) pode, no
máximo, indicar que esses conceitos metafísicos são plausíveis, no sentido
de que nada daquilo que conhecemos no mundo empírico os contradiz.5
Kant afirma que não é possível ter conhecimento onde não há intuição sensível,
portanto, não há conhecimento científico na dimensão do fenômeno. Questões metafísicas,
embora não pudessem ser conhecidas pela razão pura, poderiam ser conhecidas pela razão
prática, ou a moral. “O mundo é, na verdade, um palco no qual os seres humanos
desempenham seus papéis; é uma esfera de valor moral”.6
Kant pensava que o dever, a moral, seria recompensada em uma outra esfera. Na
esfera fenomenal, os homens são sujeitos às leis da natureza, portanto, não são livres. Na
esfera numenal, os homens são livres, pois a obrigação moral exige a liberdade. “Cada
indivíduo deve ser compreendido tanto moralmente (como sujeito com liberdade de ação)
como cientificamente (vivendo sob as leis da causação física)”.7
Em outras palavras, para Kant, a moral do dever era formal e categórica, isto é, o que
importava era a vontade (forma) de fazer o bem, e não efetivamente o que o homem faz
(matéria), e somente aquilo que o homem deseja fazer sem implicações externas (“não furte”
3
Idem, Ibidem, p. 28.
4
Idem, Ibidem, p. 29.
5
Idem, Ibidem.
6
Idem, Ibidem, p. 30.
7
Idem, Ibidem, p. 31.
10
ao invés de “se não quiseres ser preso, não furtes”), deveria ser considerada como moral. 8
Numa frase de Kant, “age de tal modo que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na
dos demais, sempre como fim, nunca simplesmente como meio”.9
No campo da religião, para Kant, o mal era uma presença universal dentro de cada
homem, isso foi um rompimento com a Idade da Razão. No entanto, para Kant, era possível
ao homem superar esse mal radical. E, para ele, Jesus era o ideal dessa superação. Sem se
desligar totalmente do Iluminismo, Kant diz que o cristianismo deveria se submeter à religião
universal da razão. “Para ele, o Cristianismo não passava de um meio para o estabelecimento
do bem comum ético, um estágio dentro da introdução gradual da 'fé religiosa pura'”.10
Para Kant, Deus era aquele que garantia a moral. Não podia haver conhecimento sobre
Deus para além da moral. “Ele não baseou a moralidade na teologia, como fazia o pensamento
cristão clássico, mas sim a teologia na moralidade”.12
Friedrich Hegel nasceu na Alemanha em 1770, seu pai era um livre pensador (que
defende a supremacia da razão e não aceita qualquer dogma religioso), que educou seu filho
sob os princípios do iluminismo.
8
HRYNIEWICZ, op. cit., p. 405.
9
Idem, Ibidem, p. 406.
10
GRENZ, op. cit., p. 32.
11
Idem, Ibidem.
12
Idem, Ibidem, p. 33.
13
HRYNIEWICZ, op. cit..
11
A filosofia para Hegel estava acima da ciência, pois ela não somente era meio de se
alcançar a verdade, mas também de concretizar a verdade absoluta.
1. O espírito:
14
Idem, Ibidem, p. 419.
15
GRENZ, op. cit., p. 36.
12
O Espírito era entendido como um sujeito ativo, um processo. Não pode ser
confundido como espírito humano, pois embora também esteja presente no homem, esse
espírito é o ser interior do mundo, o Absoluto, a única realidade. A história é a atividade do
Espírito, e por ela, ele toma forma objetiva e adquire consciência de si mesmo.
Hegel não entendia a verdade como sendo uma conclusão racional alcançada por um
raciocínio correto. A verdade era um processo, a verdade era dinâmica.
Para Hegel, nesse processo de raciocínio, o objeto de conhecimento não podia ser algo
externo em relação ao sujeito conhecedor. O objeto deveria ser interiorizado pelo sujeito, a
esse processo ele dava o nome de “concepção”. A concepção maior, isto é, a complexa
interligação de todas as concepções, era a “Ideia” ou concepção do Absoluto.
16
HRYNIEWICZ, op. cit., p. 425.
17
Idem, Ibidem, p. 426.
18
Idem, Ibidem, p. 425-426.
13
3. Dialética:
A dialética, em Hegel, não é uma ideia humana, mas sim a descrição da realidade, da
história do Espírito pelo pensamento humano.
A filosofia cria os vários estágios de sua própria história ao passar por eles e
essa atividade é a sua verdade. A cada estágio, o estágio anterior é usado
como fundação, mas também é, ao mesmo tempo, negado. Assim, o estágio
anterior é tanto preservado quanto suspenso.20
A dialética é entendida como uma equação de tese-antítese-síntese. Há uma tese que é
contradita por uma antítese e da equação surge uma síntese, que por sua vez, torna-se uma
nova tese. A síntese cancela os pressupostos da tese e da antítese, mas ainda as preserva. A
dialética tem relação com o próprio processo do Absoluto tomando consciência de si. No
absoluto, a dialética se manifesta como um movimento de ser indeterminado (Sein) passando
a não-ser (Nichts) e vindo a ser (Werden). Mas esse ser se apoia em algo que já existe
(Dasein).
Para Hegel, esses conceitos: espírito, verdade como um processo e dialética formam a
relação entre Filosofia, Teologia e História. Na religião, o Espírito Absoluto que se
desenvolve na História e adquire consciência de si mesmo na Filosofia é Deus. Deus se revela
na História. Assim, a filosofia se torna central para o conhecimento de Deus. “A religião
19
GRENZ, op. cit., p. 37.
20
Idem, Ibidem.
14
5. Cristianismo
A grande preocupação teológica para Hegel era compreender o vir a ser de Deus.
Como isso estava relacionado à história, esse vir a ser era a união entre Deus e a humanidade.
Estava posta a metáfora da Encarnação.
Para Hegel, o cristianismo era a síntese entre a religião natural, do antigo Oriente, e da
religião artística, da antiga Grécia. O Cristianismo apresentava a grande verdade filosófica da
Encarnação. Nela ocorria a concretização histórica da unidade entre o divino e o humano. No
Cristianismo, Deus adquiria “consciência de si mesmo através da atividade religiosa do
espírito humano”.22
Para Hegel, há três momentos do Espírito Absoluto: o Ser Essencial, o Ser Existente e
o Ser Consciente. O primeiro é abstrato. O segundo é a existência, quando Deus se move para
fora de si mesmo na criação do universo, se relacionando com algo além dele. O terceiro é o
Espírito tomando consciência de si mesmo na Encarnação. “Na humanidade, Deus volta a si
mesmo, pois na vida religiosa, através da qual a humanidade vem a conhecer Deus, Deus
conhece a si mesmo”.23
21
Idem, Ibidem, p. 39.
22
Idem, Ibidem, p. 40.
23
Idem, Ibidem.
24
Idem, Ibidem, p. 41.
15
6. A influência de Hegel
David Friedrich Strauss (1808-1874) entendeu que todo o Novo Testamento era um
mito evangélico, algo fora da realidade, mas que expressava verdades teológicas.
Karl Marx (1818-1883) entendeu que a História era uma totalidade autônoma, mas
rejeitou o espiritualismo de Hegel, entendendo que a alienação humana deveria ser entendida
em termos socio-políticos e econômicos.
Seus seguidores teólogos podem ser considerados panenteístas. “Sob esse rótulo,
encontra-se qualquer ponto de vista que representa Deus e o mundo como sendo realidades
inseparáveis, porém distintas”.28 Um meio termo entre o teísmo tradicional e o panteísmo.
25
Idem, Ibidem.
26
Idem, Ibidem, p. 42.
27
Idem, Ibidem.
28
Idem, Ibidem.
16
Introdução
Teólogos liberais foram e são aqueles que tentam reconstruir a fé cristã a luz do
contexto filosófico, sociológico e histórico atual. Para eles, os pressupostos do iluminismo
não deveriam ser ignorados, mas assimilados de forma positiva. A teologia cristã deveria se
adaptar sem se perder, mas o resultado desse movimento foi muito negativo para a fé cristã. 29
Outras fontes, para além da Bíblia, foram buscadas para dar autoridade ao
cristianismo. Não aceitavam mais o dogma da inspiração sobrenatural das Escrituras, por ter
sido enfraquecido pelas pesquisas histórico-críticas. Para os liberais, o estudante da Bíblia
deveria procurar dentro dela o “evangelho”, “o cerne e referencial eterno da verdade que não
podia ser corroído pelos ácidos do conhecimento científico e filosófico moderno”.30 Na
procura pela “essência do evangelho” na Bíblia, muitos relatos sobre milagres e questões
sobrenaturais como anjos, demônios e eventos apocalípticos foram simplesmente ignorados.
Enquanto Kant estabelecia a ética e a moral como fundamento central para a religião e
Hegel, o intelecto. Schleiermacher estabeleceu a intuição, isto é, o sentimento como
fundamento para a religião.
29
Idem, Ibidem, p. 58.
30
Idem, Ibidem, p. 59.
17
Em 1806, Schleiermacher deixa a Prússia, após ter sido invadida por Napoleão, e se
muda para Berlim, assumindo o pastorado da Igreja da Trindade. Nesse tempo, ele participa
da fundação da Universidade de Berlim e traduz muitas obras de Platão para o alemão. Dentre
essas obras produzidas em Berlim, podemos destacar a sua maior obra de Teologia
Sistemática, A Fé Cristã, lançada entre 1821 e 1822 e revisada em 1830. Essa obra foi
considerada pelos ortodoxos, como uma tentativa mal disfarçada de se falar da humanidade
31
Caracterizado pelas seguintes ideias: “a) exaltação da natureza e o consequente panteísmo; b) exaltação da
liberdade: ódio ao tirano, infração das convenções e das leis externas; c) apreço aos sentimentos fortes: paixões
colorosas e tempestuosas; d) abondono do conceito de razão do Iluminismo; e) superação dos limites da fé”.
HRYNIEWICZ, op. cit., p. 407.
32
GRENZ, op. cit., p. 46.
33
“Ser romântico significou viver uma condição de conflito interior permanente, na dilaceração do sentimento
que nunca se sente satisfeito, que se encontra em contraste com a realidade e aspira a algo mais; este algo mais,
no entanto, foge-lhe constantemente”. HRYNIEWICZ, op. cit., p. 409.
34
GRENZ, op. cit..
18
como se estivesse falando de Deus. Para os progressistas, essa obra conseguira ultrapassar os
dogmas autoritários em prol de uma fé que não entrava em conflito com a ciência.
No entanto, ele não acreditava numa religião genérica. Para ele, a devoção (forma)
sempre se expressa num modo concreto de vida religiosa (matéria).
1. Inovações doutrinárias
35
Idem, Ibidem, p. 49.
36
Idem, Ibidem, p. 50.
37
Idem, Ibidem, p. 51.
19
a) Bibliologia
Para Schleiermacher, a Bíblia é importante, mas não essencial. Ela é um registro das
experiências religiosas das comunidades cristãs primitivas, mas não é absoluta, é apenas um
modelo para interpretar novas experiências. Por isso, também, a Bíblia não pode ser
considerada infalível ou inerrante, e nem de inspiração sobrenatural. A inspiração do Espírito
Santo sobre os escritores da Bíblia era um tipo diferente apenas em grau da influência dele
sobre outros crentes.
b) Teontologia
Para Schleiermacher não era possível descrever Deus. As descrições dos atributos de
Deus eram apenas a maneira como o sentimento de dependência absoluta está relacionado a
Ele. Falar sobre Deus é falar da experiência humana com Deus. Para ele, “Deus é a realidade
que determina todo o resto, é a causa absoluta de tudo - tanto o que é bom quanto o que é
mau; é o que realiza as ações, mas não está sujeito a elas”. 38 Deus era a causa do mal e autor
do pecado, pois se os homens estivessem sujeitos a qualquer outro poder, isso diminuiria a
onipotência de Deus. Dessa forma, o pecado era necessário para que houvesse a redenção.
Schleiermacher também rejeitava a realidade dos milagres, pois isso seria negar que
tudo o que ocorre é ordenado e causado por Deus. Como tudo está no controle de Deus,
acreditar em milagres, como algo que anula a ordem natural das coisas, seria uma contradição.
Por isso, ele não acreditava em oração intercessora, pois isso tornaria Deus dependente da
pessoa que está orando. Toda a ideia de sobrenatural era vista por Schleiermacher como algo
perigoso. Contrastar com Mt 7.7-10; Lc 11.5-13; Tg 4.1-3; Rm 8.26; II Rs 19.1-34; Is 38.1-
22.
Ele também considerava a doutrina da trindade como algo inútil para a teologia cristã,
pois não dizia respeito à experiência religiosa.
38
Idem, Ibidem, p. 53.
20
Portanto, embora seu pensamento não seja panteísta, é panenteísta, ele não separava
Deus do mundo ou o mundo de Deus.
c) Cristologia
Jesus era igual ao resto da humanidade, a diferença era que desde o início ele tinha
plena consciência de Deus. Era uma forma elevada de humanidade.
Para Ritschl, o conflito entre ciência e teologia ocorria por não se saber distinguir o
que era científico do que era religioso. Para ele, “o conhecimento religioso está ligado ao
valor das coisas para atingir o bem maior do indivíduo”.41 A natureza de Deus só podia ser
conhecida quando se estabelecia qual era o seu valor para a nossa salvação.
39
Idem, Ibidem, p. 55.
40
Teólogo luterano, professor de línguas orientais e crítica bíblica nas Universidades de Altdorf (1788) e da
Universidade de Heidelberg (1805), Alemanha, ficou conhecido por aplicar o método histórico-crítico no estudo
bíblico do Antigo e Novo Testamentos, sem considerar qualquer dogma pré-existente e eliminando qualquer
referência sobrenatural ou lendária do texto bíblico.
41
Idem, Ibidem, p. 61.
42
Idem, Ibidem.
21
maior era o reino de Deus revelado em Jesus Cristo. Dessa forma, a função da teologia era a
“investigação da experiência coletiva moral e religiosa do reino de Deus na igreja”.43 A norma
da teologia para Ritschl não era a Bíblia, mas sim, um conjunto de ideias apostólicas que
deveria ser encontrado por uma séria pesquisa histórica. Para ele, ao contrário de Kant, Deus
podia sim ser conhecido de fato por seus feitos.
1. Inovações doutrinárias
Ritschl não tinha quase nada a falar sobre Deus em si. Para ele, a teologia cristã só
deveria dar atenção para o impacto que Deus exercia sobre as pessoas e no julgamento
apropriado desse impacto. O mesmo se pode dizer sobre a trindade, sobre a onipotência,
onisciência ou onipresença, questões do interior de Deus não sendo possível articular com o
julgamento de valores.
Para ele, a questão central era a afirmação cristã de que Deus é amor. “Ritschl estava
muito mais interessado no reino de Deus do que no próprio Deus. Jesus havia proclamado o
reino de Deus, que, de acordo com Ritschl, é a unidade dos seres humanos organizados de
acordo com o amor”. Para Ritschl, “a finalidade própria de Deus, sua razão de ser, por assim
dizer, é a mesma que a nossa – o reino de Deus”.44
b) Pecado e Salvação
Pecado era aquilo que se opunha ao reino de Deus, que era o bem maior da
humanidade. O pecado não é um ato intencionalmente errado ou uma disposição inerente para
o mal. Para Ritschl, o pecado era egoísmo, é o antagonismo do ideal do reino de Deus
centrado em torno do amor. Além disso, o pecado não era herdado, mas era universal no
sentido de que todos os homens pecam.
43
Idem, Ibidem, p. 62.
44
Idem, Ibidem, p. 63.
22
O reino de Deus era religioso e ético. A parte religiosa era a relacionada à justificação,
o momento em que Deus declarava o homem pecador perdoado. A parte ética era a chamada
para o ideal ético de amar o próximo. Salvação não tinha relação com o gozo da vida eterna,
do pós-vida, embora isso não fosse negado. Salvação era o participar desse reino de Deus na
terra.
c) Cristologia
45
Idem, Ibidem, p. 64.
23
Enquanto Harnack não aceitava vincular o ideal do Reino de Deus com questões
políticas, Rauschenbusch procurou fazer exatamente isso. Seu ministério pastoral ocorreu na
região conhecida como Hell's Kitchen em Nova York, numa Igreja Batista Alemã, entre 1886-
1897, uma região muito pobre da cidade. Lá, envolveu-se com movimentos socialistas e
chegou a fundar um jornal socialista religioso.
Seus escritos tratam das aplicações práticas dos objetivos éticos do reino de Deus para
a vida social concreta. Sua principal obra é Cristianismo e a Crise Social, publicado em 1907.
“Esse livro apresentava em linguagem severa o enorme abismo entre a riqueza e a pobreza na
América e afirmava que ser um cristão em meio a essa crise social significava trabalhar para a
salvação de estruturas econômicas que perpetuavam a pobreza”. Rauschenbusch liderou um
movimento na América, para que “não apenas almas individuais, mas entidades corporativas
inteiras e estruturas sociais [fossem] levadas ao arrependimento e a salvação”.47
Em 1912, ele publicou seu segundo maior livro A cristianização da ordem social.
Nessa obra, ele pedia à sociedade americana,
46
Idem, Ibidem, p. 69.
47
Idem, Ibidem, p. 70.
24
V. Alta Crítica
Outro grupo de operações é chamado de crítica interna das fontes. A primeira fase
dessa crítica interna é a hermenêutica, verifica-se a linguagem, as convenções culturais, note-
se que as formas de se expressar mudam com o tempo. A segunda fase é a crítica de
48
Idem, Ibidem.
25
sinceridade, para determinar até que ponto são críveis as informações contidas em
determinado documento, o princípio que rege essa fase é a desconfiança sistemática, deve-se
desconfiar enquanto não houver certeza dos motivos pelos quais determinado autor fez
determinado registro. Nessa fase o historiador também se preocupa em verificar se
determinado registro era voluntário (documentos oficiais que são feitos para ficarem na
história) ou involuntário (registros pessoais que autor não fez para ficar na história), esses
últimos são preferidos para crítica de sinceridade.49
Para Cairns, a parte mais deletéria da Alta Crítica é a tentativa de destruir a natureza
sobrenatural da Bíblia, transformando-a em apenas mais um documento humano, um relato
evolutivo da religião na consciência humana.
A Alta Crítica se popularizou com os estudos sobre o livro de Gênesis realizado pelo
médico francês Jean Astruc (1684-1766), que em 1753, dividiu o primeiro livro da Bíblia em
duas partes, propondo o uso de duas fontes distintas para formulação final do livro bíblico. A
primeira fonte seria caracterizada pelo uso do nome Elohim para Deus, a segunda, mais antiga
pelo nome Iavé, para Deus. A esses estudos, Johann Eichhorn (1752-1827), que também
considerava a Bíblia como apenas um livro humano, deu o nome de Alta Crítica.
Eichhorn prosseguiu nesses estudos e concluiu que não somente o Gênesis, mas todo o
Hexateuco, incluindo o livro de Josué, era formado por fontes múltiplas. Hermann Hupfeld
(1796-1866), em 1853, sugeriu que o Pentateuco era obra de vários autores. Julius
Wellhausen (1844-1918) e Karl Heinrich Graf (1815-1869) formularam a teoria que ficou
conhecida como hipótese documental, utilizada por todos os seguidores da Alta Crítica. As
fontes utilizadas para formar o Pentateuco teriam sido: a Javista (J), produzida em torno de
950 a.C., no reino do sul; a Eloísta (E), produzida em torno de 850 a.C., no reino do norte; a
Deuteronomista (D), produzida em torno de 600 a.C., em Jerusalém, durante o período da
49
FLAMARION, Ciro. Uma introdução à História. 6ª ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986, p. 45-53.
50
Teoria histórico-social, fundada por Auguste Comte (1798-1857), que entendia o desenvolvimento das
sociedades divididas em três fases consecutivas: mitológica, metafísica e positiva, sendo essa fase a mais
perfeita, onde tudo seria regido pelo conhecimento científico e o mundo seria governado pelos grandes homens e
pelos grandes pensadores.
51
CAIRNS, Earle E. O Cristianismo através dos séculos: uma história da Igreja Cristã. 2ª ed. São Paulo: Vida
Nova, 1995, p. 392.
26
reforma religiosa; e a fonte Sacerdotal (S), produzida por volta de 500 a.C., pelos Kohanim,
durante o exílio babilônico. Essa hipótese ficou conhecida pela sigla JEDP.
Posteriormente, o livro do profeta Isaías se tornou alvo da Alta Crítica, sendo dividido
em duas partes (1-39; 40-66), e depois em três (1-39; 40-55; 56-66), e há os que defendam
quatro fontes para Isaías. Depois Daniel foi o alvo, colocando sua produção durante a revolta
dos macabeus (168-165 a.C.), ao invés do século V a.C., durante o exílio.
Sobre o Novo Testamento, o primeiro estudo pela Alta Crítica foi feito por Hermann
Reimarus (1694-1768), em 1778, negou a possibilidade dos milagres e lançou a hipótese de
que as histórias de milagres neotestamentárias eram fraudes.
Ferdinand Baur (1792-1860), partindo da lógica hegeliana, fez uma distinção entre
aqueles que eram influenciados pela teologia petrina e os que eram influenciados pela teologia
paulina, uma distinção entre a Lei e o Messias, do lado petrino, e a Graça, do lado paulino.
Somente no século II é que a Igreja fez a síntese entre as duas teologias, essa síntese estaria
presente no Evangelho de Lucas e nas Cartas Pastorais. “Baur, então, colocou as datas dos
livros do Novo Testamento nesta estrutura hegeliana retrocendendo-as ou avançando-as, de
acordo com as tendências petrina, paulina ou sintetizadora que refletissem”. 53
Quem segue essas análises críticas, entende que a essência do Evangelho está nos
ensinos éticos de Jesus, que Paulo transformou em uma religião redentiva.
52
Idem, Ibidem.
53
Idem, Ibidem, p. 393.
54
Idem, Ibidem.
27
55
Idem, Ibidem.
28
Introdução
I. Conservadorismo protestante
56
Escolasticismo protestante foi um método de se estudar teologia, desenvolvido a partir do século XVII e
XVIII, em que se privilegiava a lógica, a retórica e a coerência para compreensão das principais confissões de fé
do protestantismo.
57
OLSON, Roger. História da Teologia Cristã: 2.000 anos de tradições e reformas. São Paulo: Editora Vida,
1999, p. 571-572.
29
Turretin defendia tão enfaticamente à inspiração verbal das Escrituras, que quase a
considerava como uma transcrição do Espírito Santo. A teologia sistemática de Turretin, para
quem se formava no seminário de Princeton, era única e exclusiva teologia verdadeira da
doutrina protestante.
A filosofia do senso comum de Thomas Reid aplicada à religião foi sistematizada por
John Witherspoon (1723-1794), sexto presidente do Colégio de New Jersey, futura
Universidade de Princeton, nos seguintes pontos: a universalidade da verdade, considerada a
mesma em todo o tempo e lugar, independente das circunstâncias; a capacidade da linguagem
de expressar o mundo real ou transmitir fielmente a realidade; a capacidade da memória em
conhecer objetivamente o passado, mantendo-se o registro dos fatos de forma inalterada.
Esses pressupostos aplicados à teologia podem ser enunciados como universalidade,
linguagem e memória; nada poderia comprometer a compreensão dos fatos. A verdade bíblica
era universal. A linguagem dos seus autores não pode ser reinterpretada para harmonizá-la
com um possível conflito com as ciências naturais. Para terem feito seus registros, os
58
Para Hume, não há ideias inatas nos homens, todas as ideias surgem de impressões, que são combinadas entre
si pela imaginação, assumindo as mais variadas fórmulas. Dessa forma, ele recusava qualquer ideia metafísica.
Para ele, não há valores éticos universais e também não há Deus, pois “a ideia de Deus nasce como expressão do
sentido de temor e de esperança, que toma conta do homem diante das forças da natureza e do mistério que o
circundam”. HRYNIEWICZ, op. cit., p. 389.
30
A contribuição de Ritschl ainda estava por vir, o combate de Hodge era principalmente
sobre Schleiermacher. Para Hodge, a teologia subjetiva de Schleiermacher “privava o
cristianismo de seu conteúdo doutrinário e o reduzia a uma intuição mística”. 62 Para ele, o
cristianismo não podia se separar do sistema de doutrinas. Esse sistema doutrinário verdadeiro
do cristianismo é a ortodoxia protestante clássica, qualquer discordância desse sistema deveria
ser considerada como heresia ou apostasia.
59
MENDONÇA, Antônio Gouvêa; VELASQUES FILHO, Prócoro. Introdução ao protestantismo no Brasil. 2ª
ed. São Paulo: Edições Loyola, 1990, p. 116-117.
60
OLSON, op. cit., p. 573.
61
Idem, Ibidem.
62
Idem, Ibidem, p. 574.
63
“O Supralapsarianismo sugere que o decreto de eleição de Deus logicamente precede Seu decreto de permitir
a queda de Adão — de forma que sua condenação é, antes de tudo, um ato de soberania divida, e somente
secundariamente um ato de justiça divina. (...) O Infralapsarianismo (também conhecido como “sub-
lapsarianismo”) sugere que o decreto de Deus permitir a queda precede logicamente Seu decreto de eleição.
Assim, quando Deus escolheu o eleito e ignorou o não-eleito, Ele estava contemplando todos eles como criaturas
31
Um dado curioso sobre esses conservadores, é que, no primeiro momento, nem Hodge
nem Warfield entenderam ser a teoria da evolução uma ameaça real à ortodoxia protestante.
Segundo Olson,
67
Idem, Ibidem, p. 570.
33
A partir de 1919, o fundamentalismo passa a ter uma tendência cada vez mais
sectarista e passa a aplicar testes para verificar se os cristãos permaneceriam seguros e puros
quanto à doutrina. O principal personagem do fundamentalismo, no período do ápice do
movimento, década de 1920, foi J. Gresham Machen (1881-1937), aluno de Warfield no
Seminário de Princeton, que por sua vez, foi professor de Princeton entre os anos de 1906 até
1929. Com a morte de Warfield em 1921, Machen torna-se diretor do seminário.
A principal obra de Machen foi Christianity and liberalism, publicada em 1923. Nessa
obra, Machen considerou o liberalismo teológico como uma religião diferente do cristianismo.
Em uma polêmica com o pastor batista liberal de Nova Iorque, Harry Emerson Fosdick (1878-
1969), Machen saiu vitorioso e os fundamentalistas o adotaram como seu porta-voz erudito,
embora Machen nunca tivesse aceitado ser chamado de fundamentalista. Ele não concordava
com as ideias pré-milenistas e antievolucionistas radicais. Era um amilenista professo. Em
1929 foi afastado da Igreja Presbiteriana acusado de insubordinação.70
68
Idem, Ibidem, p. 576.
69
Note que, pelo credo das Assembleias de Deus, nós professamos a doutrina pré-milenista como a que mais
condiz com os ensinamentos bíblicos sobre como se dará a segunda vinda de Jesus Cristo.
70
“Em um julgamento eclesiástico infame no qual nem sequer teve o direito de se defender”. OLSON, op. cit., p.
578.
34
A discordância entre os dois grupos dizia respeito às atitudes para com os cristãos não
conservadores, para com os católicos romanos e para com a cultura, a educação, a ciência e a
interpretação bíblica. As profissões de fé de uma e de outra revelam suas diferenças, os
fundamentalistas tem que pensar igual em tudo, da doutrina à política.
35
UNIDADE VI – NEO-ORTODOXIA
Introdução
Combatendo a religião natural, Kierkegaard disse que havia uma distinção entre o
cristianismo e a religião socrática. Na religião socrática, a verdade já estava dentro do
indivíduo e para que a verdade viesse à tona, era necessário um mestre para que o indivíduo
se apercebesse da verdade. Na religião de Jesus Cristo, o indivíduo não possui a verdade, pois
ele vive no engano, o mestre é necessário para levar a verdade ao indivíduo e dar as
possibilidades para que ele a receba, esse mestre é o redentor.
71
GRENZ, op. cit., p. 74.
72
Idem, Ibidem, p. 75.
36
O teólogo mais influente da neo-ortodoxia foi Karl Barth. Barth nasceu em 1886, na
Basileia, Suíça. Após ter estudado nas universidades de Berna, Berlim, Tübingen e Marburg,
finalmente decidiu seguir o pensamento ritschiliano. Ele recebeu a influência de Harnack, em
Berlim, e de Wilhelm Herrmann (1846-1922), em Marburg, dois ritschilianos.
Em 1908, ele foi ordenado ministro da Igreja Reformada Suíça e assumiu o cargo de
pastor assistente em Genebra. Naquele tempo, ele pregava no mesmo salão em que Calvino
havia pregado. Em 1911, ele assume uma pequena congregação em Safenwil.
Diante da posição tomada pelos seus mestres com relação à política de guerra do
imperador Wilhelm II somado ao fato de que a teologia liberal ritschiliana não o auxiliava na
tarefa de pregar o evangelho para o povo daquela congregação, fizeram com que Barth
tomasse a decisão de abandonar de vez a clássica teologia liberal.
A partir dessa decisão, ele começa um estudo profundo e sério das Escrituras, sua
principal intenção era exercer da melhor forma seu pastorado em Safenwil. Durante esse
período de estudo, ele afirma ter encontrando “O Estanho Mundo Novo Dentro da Bíblia”.73
Ele afirmou ter descoberto que a Bíblia não falava dos pensamentos humanos sobre Deus e
sim sobre os pensamentos de Deus para o homem.
Com o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, Barth passa a estudar a epístola
de Paulo aos Romanos, publicando a primeira versão de sua principal obra em 1919. Nesse
comentário, Barth afirma tanto a validade do método histórico-crítico para estudo das
Escrituras, quanto a doutrina da inspiração verbal, dando preferência para esta última. Era
uma revolução na teologia, não mais uma teologia vinda de baixo, mas sim do alto.
73
Idem, Ibidem, p. 77.
37
Para Barth, em Cristo, Deus revela a si mesmo e não somente algumas informações ou
um modo de vida. Deus só pode ser conhecido por Jesus Cristo e por mais nada. A fé em
Jesus Cristo é a própria autenticidade dessa verdade. Para Barth, a fonte da teologia só pode
vir da Palavra de Deus, mas essa Palavra consiste de três formas:
A primeira forma é Jesus Cristo e toda a história dos atos de Deus que
levaram até a vida de Jesus e estão relacionados a ela, bem como à sua morte
e ressurreição. Essa é a própria revelação, o evangelho em si. A segunda
74
“Segundo Anselmo, que propunha a tese da inteligência da fé (intellectus fidei), o mais elevado grau a que o
homem pode aspirar, antes da visão beatífica de Deus, é a compreensão, até onde for possível, dos conteúdos da
fé”. Para ele, “Deus é o ser em relação ao qual nada de maior pode ser pensado”. HRYNIEWICZ, op. cit., p.
344.
75
GRENZ, op. cit., p. 80.
38
Para Barth, Deus era aquele que ama em liberdade. Ao estudar os atributos de Deus,
ele os dividiu em duas categorias: as perfeições do amor divino e as perfeições da liberdade
divina. Substituindo a tradicional separação entre imanência e transcendência de Deus. Para
ele, a liberdade de Deus e o amor de Deus deveriam ser enfatizados e equilibrados. “O amor
de Deus é sua livre escolha de criar a comunhão entre os seres humanos e ele próprio através
de Jesus Cristo”.81 As perfeições desse grande amor são santidade, misericórdia, retidão,
paciência e sabedoria. No entanto, a liberdade de Deus demonstra que, embora o amor de
Deus fosse real e eterno, ele não era necessário. Deus continuaria sendo amor mesmo que ele
76
Idem, Ibidem, p. 82.
77
Idem, Ibidem.
78
Idem, Ibidem, p. 83.
79
Idem, Ibidem, p. 84.
80
Idem, Ibidem, p. 85.
81
Idem, Ibidem.
39
não optasse por amar o mundo. Deus não precisa do mundo para ser amor. Deus é absoluto
em relação ao mundo. As perfeições da liberdade de Deus são sua unidade, onipresença,
constância, onipotência, eternidade e glória. Mas Deus também não é prisioneiro de sua
liberdade, ele escolhe projetar-se livremente para fora de si mesmo e entrar em comunhão
com o mundo pela profunda unidade em Jesus Cristo.
Para Barth, a cruz de Jesus Cristo foi o acontecimento supremo da entrada de Deus na
história da humanidade, “o Filho de Deus vai para o 'país distante' para tomar sobre si a ira e a
rejeição divinas que a humanidade tanto merecia”. Isso significa que “Jesus Cristo é o homem
eleito e rejeitado (maldito), sendo que todos os seres humanos estão incluídos nele e são por
ele representados”.82 A doutrina da eleição de Barth é cristomonística, isto é,
82
Idem, Ibidem, p. 86.
83
Idem, Ibidem, p. 87
84
Idem, Ibidem, p. 91.
40
O seu foco era contra a teologia liberal clássica do século XIX e contra o pensamento
hegeliano na teologia. Seu combate era contra a ideia de que a razão humana pudesse captar o
ser de Deus. “Se Deus é aquilo... que o Teísmo afirma que Ele é, então Ele não é o Deus da
revelação bíblica, o Senhor soberano e Criador, Santo e Misericordioso. Mas, se Ele é o Deus
da revelação, então Ele não é o Deus do Teísmo filosófico”.85 Brunner também combatia a
teologia do conservadorismo protestante, por identificar as palavras das Escrituras com a
Palavra de Deus. Além disso, Brunner também discordava de Barth, que era seu vizinho
(morando a poucos quilômetros de sua casa). Sua discordância era principalmente com
relação à doutrina da eleição de Barth.
Para Brunner era necessário inicialmente fazer uma distinção entre a verdade e o
objeto e entre a verdade e o vós. Era necessário diferenciar o que era o mundo dos objetos e o
que era o mundo das coisas. O conhecimento de Deus não podia ser tratado como o
conhecimento de objetos. A essência do cristianismo está na ocorrência do encontro entre
Deus e a humanidade. O conhecimento sobre Deus é pessoal e transcende o dualismo sujeito-
objeto presente no conhecimento racional. A verdade cristã é gerada pela crise do encontro
entre Deus e a pessoa humana, Deus fala, a pessoa responde. “Essa verdade chega até o
homem sob a forma de uma convocação pessoal; ela não é fruto da reflexão; portanto, desde o
início, ela o torna diretamente responsável”. 86
85
Idem, Ibidem, p. 93.
86
Idem, Ibidem, p. 94.
87
Idem, Ibidem, p. 95.
41
Assim como Barth, Brunner entendia que a revelação não é Deus comunicando algo
sobre si, mas sim comunicando seu próprio ser. “A palavra falada é uma revelação indireta,
quando serve de testemunha para a verdadeira revelação: Jesus Cristo, a manifestação pessoal
de Deus Emanuel”.88
Brunner refutava a ideia de que pela revelação natural era possível provar a existência
de Deus. No entanto, ao contrário de Barth, ele dizia que a imagem de Deus ainda residia na
humanidade. Dessa forma, para ele, a capacidade do homem de receber e aceitar a Palavra de
Deus permaneceu mesmo após a queda. “Ele acreditava que o reconhecimento de tal
consciência mínima de Deus é indispensável para a missão da igreja e da teologia, pois é o
que as leva a uma articulação inteligível da fé”.91
Diante disso, Barth respondeu a Brunner com um contundente “Não!”. Barth acusou
Brunner de “negar implicitamente a salvação pela graça e somente através da fé e de estar
voltando à teologia católica ou (pior ainda!) à teologia neoprotestante (liberal) da salvação, ao
defender a cooperação entre a graça e o esforço humano”.92
88
Idem, Ibidem.
89
Idem, Ibidem, p. 96.
90
Idem, Ibidem, p. 98.
91
Idem, Ibidem, p. 99.
92
Idem, Ibidem.
42
Bultmann não era um teólogo sistemático, mas sim um exegeta do Novo Testamento.
Ele queria tornar a fé cristã e bíblica compreensível à mentalidade moderna. Para isso, buscou
empregar uma interpretação existencialista do Novo Testamento. Assim como Barth,
condenava o antropocentrismo da teologia liberal e considerava que o conhecimento sobre
Deus só poderia ser alcançado através da Palavra, numa resposta de fé do indivíduo.
Para Bultmann,
93
Idem, Ibidem, p. 103.
94
Idem, Ibidem, p. 104.
43
Para ele, não há base para a fé, nem nas boas obras, nem no conhecimento objetivo. A
fé não pode ser construída, ela é uma dádiva da graça de Deus, que chega a nós pelo kerygma.
O agir de Deus na história não pode ser conhecido pela história, mas somente pela fé. O Jesus
Histórico não é o centro da revelação de Deus.
95
Idem, Ibidem, p. 106.
96
Idem, Ibidem, p. 108.
44
Seu principal enfoque estava na doutrina ortodoxa da natureza do homem. Para ele, o
homem é uma existência criada e finita tanto no corpo quanto no espírito, por isso, rejeitava
as antropologias dualistas. Depois, os homens devem ser vistos como imagem de Deus e não
em termos de faculdades racionais. Por fim, os homens devem ser considerados pecadores,
alvos do amor, mas não dignos de confiança.
Para ele, o pecado era a principal doutrina que tinha que ser resgatada no mundo
moderno. O pecado estava enraizado no coração do ser humano. O pecado fora ocasionado
pelo mau uso da singularidade humana, o transcender-se a si mesmo, recusando-se a se
reconhecer como criatura. A questão central não era saber como seres finitos poderiam
conhecer a Deus, e sim como um povo pecador poderia ser reconciliado com Deus. O pecado
não era um desvio moral herdado, e sim ansiedade gerada pela finitude (sua contingência) do
homem e por sua liberdade (o se pôr para fora do mundo). A ansiedade faz com que o homem
transforme o caráter finito em eterno, a fraqueza em força, a dependência em independência,
ao invés de confiar na fonte suprema de segurança que é o amor de Deus.
45
Ele aceitava tanto a revelação geral quanto a privada ou especial. Ele concordava que
a revelação ia de encontro à razão, mas não negava ser possível o reconhecimento da verdade.
Niebuhr, contrariamente à Bultmann, procurava demonstrar como os mitos bíblicos ainda
falavam à situação moderna, essa também repleta de mitos, porém falsos.
Ele não aceitava ver a salvação em termos de conhecimento de Deus, para ele a
salvação era vida de fé em meio às contradições da existência no mundo. A fé não é provada,
é vivida. A fé é encarar as inseguranças da vida e reconhecer que elas só podem ser superadas
por Deus. Para ele, “o significado da cruz não é consequência lógica de fatos observáveis da
História, sendo visível apenas através dos olhos da fé”. A cruz revela a verdade profunda
sobre a humanidade e Deus, revela a condição humana e o pecado. “A cruz é a declaração do
julgamento divino sobre o pecado humano. Por outro lado, esse símbolo proclama o amor
divino e o perdão do pecado”.99
Para ele, os símbolos escatológicos também não devem ser considerados como literais.
97
Idem, Ibidem, p. 128.
98
Idem, Ibidem.
99
Idem, Ibidem, p. 129.
46
100
Idem, Ibidem, p. 131.
101
Idem, Ibidem, p. 132.
102
Idem, Ibidem.