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Resenha do livro de Carlos Ribeiro Caldas Filho


“ORLANDO COSTAS – sua contribuição na história
da teologia latino-americana”
.

por

Rafael Fcachenco Filho

Trabalho apresentado em cumprimento


parcial das exigências da disciplina
Teologias Contemporâneas de Missão,
ministrada pela Professor Carlos Ribeiro
Caldas Filho, do Programa de Mestrado em
Missiologia do Centro Evangélico de
Missões – CEM.

Agudos
Abril de 2010
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CALDAS FILHO, Carlos R., ORLANDO COSTAS – sua contribuição na história


da teologia latino-americana. São Paulo: Editora Vida, 2007, 262 p.

Carlos Ribeiro Caldas Filho é mestre em Missiologia e doutor em Ciências da


Religião pela Universidade Metodista de São Paulo. Cursou Teologia no Seminário
Presbiteriano do Sul, em Campinas (SP), e Letras na Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Caratinga (MG). É professor na Escola Superior de Teologia e no Programa de
Pós-Graduação em Ciências da Religião na Universidade Presbiteriana Mackenzie, e
membro da Fraternidade Teológica Latino-Americana.

1. Síntese de Conteúdo:
No primeiro capítulo, o autor, partindo do pressuposto de que elementos sociais,
econômicos, políticos, culturais, religiosos, familiares, sociológicos e psicológicos
constituem-se em padrões que moldam a trajetória de uma pessoa, esboça no primeiro
capítulo uma biografia de Orlando Costas, analisando primeiramente os contextos político,
socioeconômico e religioso em que ele viveu, e depois analisando mais propriamente a
vida que Orlando Costas viveu nesse contexto: sua infância, adolescência e juventude em
Porto Rico e nos Estados Unidos, com enfoque em sua formação cristã, na hostilidade e
preconceito que enfrentou após sua emigração para os Estados Unidos e em como ele
lidou com isso, até chegar a assumir um compromisso pessoal e conscientemente com a fé
cristã, em Julho de 1957, quando participou de uma cruzada de Billy Graham no Madison
Square Garden, em Nova York.
A partir de então, o enfoque do autor passa a ser em como Orlando Costas articula
sua fé, relacionando essa articulação com a experiência eclesiástica de Costas e a
formação que ele recebeu:
 Sua graduação no ensino médio na Bob Jones Academy, o principal reduto do
fundamentalismo teológico norte-americano no Sul dos Estados Unidos, onde
descobriu o imperativo da evangelização na missão cristã,
 Sua filiação à Igreja Congregacional de Black Rock, em Bridgeport,
 Sua primeira experiência como pastor da Igreja Discípulos de Cristo e sua
conscientização da necessidade de receber uma boa formação bíblica e
teológica,
 Sua graduação no Nyack Missionary College, em Nova York, onde
desenvolveu uma visão abrangente da obra missionária mundial, o gosto pela
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pregação expositiva, onde também pastoreou a Igreja Latina Livre do


Brooklyn, e onde conheceu a porto-riquenha Rose Feliciano, com quem se
casou.
 Sua viagem à terra natal e a redescoberta de sua identidade cultural porto-
riquenha e latino-americana (que ele chama de 2ª. “conversão”), seu ministério
na 1ª. Igreja Batista de Yauco, e sua graduação em História e Política Latino-
Americana,
 Seu retorno aos Estados Unidos para pós-graduação – dois mestrados:
 Um deles iniciado no Trinity Evangelical Divinity School, em
Deerfield, Illinois, e concluído no Garret Theological Seminary, em
Evanston, também Illinois, com ênfase em teologia sistemática,
 Outro na Winona Lake School of Theology, em Milwaukee, Wisconsin,
com ênfase em homilética, onde pastoreia a Igreja Evangélica Batista,
onde também se torna representante da comunidade hispânica no
condado e experimenta a sua 3ª. “conversão”, de caráter sócio político.
Depois que Costas conclui sua pós-graduação, ele vai com a família para a
Costa Rica, trabalhar com a Misión Latino-americana. O foco do autor se desloca então
para o desenvolvimento do pensamento teológico de Costas em sua trajetória como
docente, primeiramente no Sebila, onde assumiu as cadeiras de Missiologia e
Comunicação, em sua relação com a Fraternidade Teológica Latino-Americana, em sua
experiência como professor visitante no Gordon-Conwel Theological Seminary, seus
estudos doutorais na Holanda, em sua relação com o Celep (Centro Evangélico
Latinoamericano de Estudios Pastorales), e em seus últimos anos, destacando sua
produção literária como evidência desse desenvolvimento.

No segundo capítulo, o autor se dedica a identificar as influências que podem


ser observadas na teologia, na produção intelectual de Orlando Costas. A primeira delas é
a do fundamentalismo. Embora Costas rompa conscientemente com o modelo cultural
fundamentalista, rejeitando aspectos da cultura branca, anglo-saxônica e protestante norte-
americana, ele não rompe com os aspectos confessionais de afirmação e vivência da fé
cristã e suas implicações missiológicas.
A segunda influência é de cunho pietista. Encontram-se em alguns dos
elementos fundamentais do pensamento de Costas elementos que também são
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fundamentais na teologia pietista. O primeiro deles é a ênfase na conversão individual,


embora ele desenvolva uma compreensão de conversão mais ampla, mais abrangente, mais
dinâmica, e em diferentes níveis: a Cristo, à cultura, e ao mundo. Outra ênfase pietista
marcante em Costas é a evangelização. Há uma exuberância dessa ênfase em seus escritos,
e neles sua abordagem à missão era conversionista e evidentemente pietista.
A terceira influência a modelar sua teologia é o evangelicalismo radical. Essa
vertente, embora comungue com a tradição pietista da fé na necessidade de salvação
pessoal por meio da fé em Cristo, na necessidade de piedade pessoal, na necessidade da
evangelização, e na autoridade das Escrituras, compreende que assuntos de natureza
sociopolítica devem estar radicalmente integrados à missão da Igreja, enfatizando
particularmente a inculturação, a unidade, a responsabilidade social, a abertura às ciências
humanas, uma ética positiva, em vez de uma ética legalista ou moralista, e de uma postura
pró-intelectual, em vez de anti-intelectual. Costas se identifica e posteriormente confirma
sua identificação como evangelical radical. Tanto ele, como os seus companheiros de
militância na FTL (a instituição que se constituiu numa plataforma de diálogo e de
articulação de expressão dessa vertente), como Samuel Escobar, René Padilla e outros,
nela se inserem.
A quarta influência que o autor identifica no pensamento de Costas é a da
Teologia da Libertação. Costas interage com a Teologia da Libertação mais do que com
qualquer outra tradição teológica, embora não deixe em seu diálogo com essa teologia, de
tecer-lhe críticas: quanto ao seu ponto inicial, quanto à sua Cristologia sem o Espírito,
quanto ao seu antropocentrismo, e quanto ao seu entendimento da salvação. Mas
reconhece nela também aspectos positivos: sua originalidade (latinidade), sua postura
crítica e de ruptura em relação às teologias produzidas em contextos alheios ao contexto
latino-americano, e sua metodologia de incluir o contexto em sua elaboração teológica.
Muito da terminologia dessa teologia (“contexto”, “justiça”, “injustiça”, “opressão”,
“libertação”, “práxis”) é encontrada em seus escritos.
A quinta influência ainda identificada pelo autor no pensamento de Costas é a
da Teologia Ecumênica. Costas não somente construiu um diálogo acadêmico e fraterno
com teólogos ecumênicos latino-americanos, como também assumiu uma posição
ecumênica, sem nessa sua abertura, abrir mão de seus princípios evangelicais, e
demonstrando capacidade para reconhecer e incorporar em sua teologia de missão o que
há de melhor em outras escolas teológicas. Nesse diálogo, foi influenciado por teólogos
que produziram reflexão sobre teologia de missão, como Emílio Castro, Mortimer Arias, e
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José Miguez Bonino, sendo o primeiro o que maior influência exerceu sobre Costas. Essa
influência é visível através dos elementos basilares da teologia de Emílio Castro que são
igualmente importantes na reflexão missiológica e pastoral de Costas: a vida e ministério
de Cristo como modelo para a teologia pastoral, a imersão no contexto latino-americano, a
missão de Igreja entendida como serviço a Deus e ao mundo, o pobre como categoria
hermenêutica, o envolvimento de Deus nos eventos históricos para libertar o oprimido, o
culto como centro da vida da Igreja, a salvação como experiência pessoal, com
implicações sociais, e a rejeição da violência para alcançar a transformação social na
América Latina.

No terceiro capítulo, o autor analisa como Costas articulou sua missiologia,


ressaltando seus aspectos relevantes, de maneira a familiarizar o leitor com os aspectos
que proporcionarão um melhor entendimento da Teologia de Evangelização Contextual de
Costas que o autor vai expor no quarto capítulo. O primeiro deles é a abordagem
cristocêntrica da temática do Reino de Deus, com implicações missiológicas e pastorais. O
Reino já se faz presente, ainda que não em plenitude, apresenta exigências e demandas em
três níveis: individual, eclesial e geral, não se limita à comunidade da fé (embora esta deva
ser instrumento do Reino), e em sua consumação escatológica envolve a reconciliação de
todas as coisas, a superação de todos os antagonismos entre a humanidade e a natureza,
entre os povos e nações, entre homens e mulheres, entre gerações e raças, e a
transformação de toda a ordem criada: novos céus e nova terra.
O segundo aspecto é o conceito de missão de Costas, extraído do conteúdo da
tese de doutorado deste: missão como intrínseca à vida da Igreja (a Igreja é
ontologicamente missionária, e agente da missão), missão como obra de Deus (Missio
Dei, e baseada na missão do Deus Triúno), missão como antropocêntrica em seu objetivo
(dirigida ao homem), missão como contextual em sua atividade (ocorrendo no meio das
forças da História: ideologias, sistemas políticos e econômicos, movimentos sociais e
religiosos).
O terceiro aspecto é como Costas entende missiologia propriamente, vista por ele
como a reflexão teológica crítica sobre o encontro da fé cristã com elementos culturais,
ideológicos, religiosos, sociais, econômicos e políticos (teologia de encruzilhada).
O quarto aspecto diz respeito ao conceito de pastoral na teologia de Costas.
Inspirado no pensamento católico latino-americano, que entende pastoral como a ação
comunitária da Igreja no mundo, Costas propõe uma pastoral evangélica que seja fiel ao
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legado teológico reformado, e ao mesmo tempo, contextual, que tenha como objetivo
principal servir à Igreja em missão não visando o bem da Igreja, mas a transformação da
sociedade.
O quinto e último aspecto diz respeito ao conceito de Costas sobre o crescimento
de Igreja. Costas critica o Movimento de Crescimento de Igreja, que vê a evangelização
como única possibilidade de exercício missionário, e crescimento em termos numéricos, e
elabora uma teoria própria de crescimento de Igreja, que ele denominou “integral”. Para
que esse crescimento seja integral, ele precisa apresentar três qualidades: fidelidade
(coerência em sua ação com os propósitos de Deus para seu povo), espiritualidade (a
presença e operação dinâmica do Espírito Santo nesse crescimento) e encarnação
(processo onde Jesus Cristo é enraizado historicamente na dor e nas aflições do povo).
Precisa também ter quatro dimensões: numérica (precisa reproduzir-se e incorporar novos
membros), orgânica (precisa desenvolver-se também em sua estrutura e dinâmica interna),
conceitual (precisa pensar crítica e reverentemente sua fé, bem como avaliar honestamente
sua ação no contexto em que está inserida), e diaconal (precisa crescer na intensidade do
serviço que a Igreja ministra ao mundo como expressão concreta do amor redentor de
Deus).

No quarto capítulo o autor examina os aspectos bíblicos e teológicos dos conceitos


“evangelização” e “contexto”, tanto no sentido geral, como na Teologia de Evangelização
Contextual de Costas. Evangelizar, para Costas, é apresentar um anúncio jubiloso, no qual
podem ser destacados os seguintes aspectos: Cristo como o centro e conteúdo básico desse
anúncio, a chegada de uma nova era, caracterizada pelo reinado soberano de Deus em
Cristo, a Igreja como seu principal agente de proclamação, e o homem em sua realidade
histórica e concreta como alvo desse anúncio. Por contexto, ele entende todo o ambiente
histórico, social, político, econômico, existencial e religioso em que acontece a missão.
Sendo a evangelização um testemunho que ocorre num dado contexto histórico e social,
ela tem de ser contextual, e implica no testemunho da ação total do Deus Triúno, uma
comunidade divina que se faz conhecida na História como Pai, Filho e Espírito Santo,
testemunho esse levado a cabo por uma comunidade: uma expressão local da Igreja
inserida num dado contexto.
Na conclusão, o autor apresenta algumas considerações sobre a Teologia de
Evangelização Contextual de Costas, salientando aspectos que evidenciam a relevância da
missiologia de Costas para os nossos dias. Os aspectos salientados: a necessidade de a
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evangelização ser pensada teologicamente, a importância da utilização de um método


teológico conjuntivo, abrangente, holístico e integrador, não se restringindo a uma escola
teológica, o lugar da evangelização na missão, a importância do contexto para a
evangelização, e também sugere pistas para reflexões futuras baseadas na produção
missiológica de Costas.

2. Pontos sólidos
a) A perspectiva histórica proporcionada com a apresentação detalhada da
trajetória de Orlando Costas,
b) A demonstração de como a história e a formação está diretamente
relacionada com a identidade individual,
c) A identificação e exposição das correntes teológicas que influenciaram
o seu pensamento missiológico, contribuindo para sua reflexão e na
elaboração de sua teologia,
d) A exposição dos aspectos mais relevantes da sua missiologia,
proporcionando subsídios para um melhor entendimento da TEC,
e) A exposição da Teologia de Evangelização Contextual.

3. Pontos frágeis
Embora o que passo a expor provavelmente resulte de uma deficiência minha,
e demonstre que eu preciso ler mais sobre o pensamento missiológico de Costas e sobre a
missio Dei, para mim, um leitor que está tendo contato com o pensamento de Costas pela
primeira vez, através desse livro, a argumentação exposta das páginas 127 a 130, é
insuficiente para que eu concorde com a afirmação no primeiro parágrafo da página 131,
onde o autor diz que:
“Nesse sentido, é possível afirmar que Costas compreende missão em
termos de missio Dei et ecclesiae (missão de Deus e da Igreja):...”.
Também na penúltima sentença do último parágrafo da página 137, o autor
afirma que:
“O conceito de missio Dei, conquanto não tenha sido elaborado por
Costas, é assumido integralmente (grifo meu) em sua produção
missiológica, o que lhe confere peso teológico e relevância pastoral.”
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Eu fiquei com uma pergunta: se o conceito de missio Dei é assumido


integralmente por Costas, como pode ele compreender missão em termos de missio Dei et
ecclesiae (missão de Deus e da Igreja)?

4. Comentários Gerais
Eu realmente apreciei a edição desse livro. O trabalho da Editora foi bom, e
sem dúvida ele vale ser lido, pela riqueza, relevância e originalidade do seu conteúdo. Para
minha vida, foi particularmente relevante a demonstração de como a história e a formação
de uma pessoa está refletida em sua identidade. Eu pude de certo modo me identificar com
Costas, traçar um paralelo entre as experiências dele em sua trajetória e a minha
experiência e trajetória, e fui levado a refletir em como na minha própria história, minha
herança cultural, minha experiência eclesiástica e minha formação acadêmica estão
refletidas em minha identidade, anseios e convicções. Particularmente significativa para
mim foi a redescoberta de Costas de sua identidade porto-riquenha, e a afirmação de sua
herança cultural latino-america, que ele chama de sua conversão cultural. Embora eu seja
brasileiro, eu não posso negar a influência de valores culturais russos em minha
identidade, e partir da oportunidade que tive de visitar a Rússia, em Outubro de 2002, para
conhecer o trabalho missionário que a Jocum então realizava em Moscou, pude afirmar
também essa minha herança cultural mais conscientemente, bem como me identificar com
as necessidades específicas daquele campo de missão e me dispor a nele servir a esse povo
como missionário.
Também particularmente marcante para mim é a postura teológica de Costas.
Ele consegue expressar uma fé madura e refletida, que preserva o conteúdo legado pela fé
cristã histórica em conformidade com as Escrituras, demonstra profundidade em sua
reflexão teológica e fidelidade às Escrituras, e ao mesmo tempo consegue ser
profundamente contextual, abrangente e relevante, bem como demonstra abertura tanto
para dialogar com outras tradições teológicas, como para identificar, absorver e incorporar
em sua teologia o que as outras tradições teológicas têm de melhor.
Especificamente em relação à Teologia de Evangelização Contextual,
considero fundamentalmente relevante como ele estabelece a relação entre a teologia e a
evangelização, afirmando a teologia fundamentada na obra reveladora e redentora de Deus
como fundamento da evangelização, e a evangelização como o telos da teologia. Também
particularmente elucidativa é a sua conceituação mais elaborada de contexto na página
189, baseada na etimologia dessa palavra.
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Concluo assinalando também a relevância do entendimento de Costas de que o


crescimento da Igreja, antes de mais nada, precisa ser entendido bíblica e teologicamente,
pois caso contrário, não teremos um crescimento saudável, e sim uma monstruosidade
teológica. Quão pertinente para nós hoje é a sua teoria crescimento da Igreja, que ele
denominou de integral, com suas três qualidades, e quatro dimensões! Como precisamos
de reflexões teológicas desse nível, que sejam ao mesmo tempo profundas em seu
conteúdo teológico e em sua relevância e aplicabilidade prática.
A leitura desse livro despertou em mim o interesse de ler outras obras de
Costas.

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