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Todavia, não custa lembrar Leonardo Boff (2002), quando diz: “Na verdade, o
termo fundamentalismo tornou-se palavra de acusação. Fundamentalista é sempre o
outro”. (p.10) “Não poucas as vezes, estes termos pejorativos são usados
irresponsavelmente para rotular adversários políticos e eclesiásticos, e com
generalizações injustas”. (LOPES, 2002, p.5). Lembro-me recentemente das palavras
de um determinado palestrante, quando na introdução da sua fala, começou com a
seguinte indagação: “Até que ponto o discurso contra o fundamentalismo, não nos torna
também, um fundamentalista?”1
1
Para um maior aprofundamento nesse assunto, recomendamos as obras de ALVES (2005), GEERING (2009),
ARAÚJO (2010), GOUVÊA (2012) e SOUZA (2014).
2
PANASIEWICZ. Fundamentalismo Religioso: História e Presença no Cristianismo. Disponível In:
http://www.abhr.org.br/wp-content/uploads/2008/12/panasiewicz-roberlei.pdf Acesso em 17/02/2015.
3
Cf. a Obra Os Fundamentos, editada por TORREY R.A. (2005).
4
Para um maior aprofundamento do protestantismo norte-americano a partir do início do século XX, Cf. Armstrong
(2001) e Marsden (2006).
5
Esse seminário foi durante muito tempo o grande centro educacional teológico, na formação de inúmeros
pastores que se tornaram pioneiros do protestantismo em vários Países. A. G. Simonton, pioneiro do
presbiterianismo no Brasil, formou-se nesse seminário em meados do século XIX, e foi desafiado para a obra
missionária, após ouvir um sermão do seu professor de teologia, o Rev. Dr. Charles Hodge. A liderança desse
seminário era composta por teólogos renomados, entre esses, estavam Charles e Alexander Hodge (pai e filho), B.
B. Warfield, Archibald Alexander e outros. Alguns desses chegaram a escrever artigos para combater o liberalismo.
Warfield por exemplo, escreveu um artigo sobre a divindade de Cristo no compêndio The Fundamentals. Cf. a obra
de NOLL (2001). The Princeton Theology (1812-1921).
6
John Gresham Machen (1881-1937) é tido por alguns historiadores como um dos últimos grandes defensores da
teologia de Princeton. Cf. sua obra clássica em português, Cristianismo e Liberalismo publicada pelo Projeto Os
Puritanos (2001). Ver ainda uma homenagem feita por esse mesmo projeto, num exemplar de 2006.
A criação de um novo seminário não foi suficiente para cessar os embates entre
os fundamentalistas com os liberais. Santos (2004), lembra que:
Machen apelou à Assembléia Geral, onde seu recurso mais uma vez foi
indeferido. A única opção deixada a Machen e a outros 5.000
conservadores foi a formação de uma nova denominação em 1936, a
Igreja Presbiteriana da América, que mais tarde veio a chamar-se Igreja
Presbiteriana Ortodoxa – OPC. Machen foi eleito o seu primeiro
moderador. (SANTOS, 2004, p. 156).
O grupo que saiu com McIntire, além de fundar a The Bíble Presbyterian Church
(Igreja Presbiteriana da Bíblia), criou também, o Seminário Teológico da Fé (1938).
McIntire organizou também o Concílio Americano de Igrejas Cristãs (1941) 7, o qual
tinha a função de representar os fundamentalistas e a Associação Nacional de
Evangélicos (1942). Todas as denominações, igrejas e indivíduos que se identificavam
com a causa fundamentalista, esses, liderados por McIntire criaram em 1948, o Concílio
Internacional de Igrejas Cristãs (CIIC), o qual servia como oposição ao Concílio Mundial
de Igrejas (CMI), que era acusado de ser ecumênico e liberal. O CIIC, que foi fundado
pelo Dr. McIntire, “em Amsterdam, Holanda, filiando-se ao mesmo 111 denominações”.
(MACHADO, 1979, p. 5).
7
Este Concílio era formado por “17 grupos religiosos, dos quais somente a Igreja da Bíblia era declaradamente
presbiteriana. (MACHADO, 1979, p. 5).
Como prova de uma ratificação, a reação por parte dos líderes das igrejas
históricas, ainda no ano de 1951, mais precisamente no dia 13 de agosto, reuniu-se na
Igreja Presbiteriana da Boa Vista, no Recife, um auditório formado de presbiterianos,
congregacionais e batistas, com a presença do organizador do Concílio Internacional de
Igrejas Cristãs, o Rev. McIntire.
9
Em muitos casos, nesse contexto histórico, o termo Modernismo é sinônimo de Liberalismo, ou seja, usa-se
modernismo em vez de liberalismo.
10
A expressão, meio século, é a comparação feita aos seus 50 anos de ministério pastoral, ou seja, como ministro
presbiteriano.
11
Jornal pertencente a Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB).
Rev. Dr. MacIntire (sic): Sem pretender penetrar nos motivos íntimos
que vos levaram a ficar fora da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos
e lamentando as tristes circunstâncias que vos compeliram à fundação
da Igreja Presbiteriana da Bíblia12, conformo-me com o fato consumado
da separação, e considero vossa atual missão como um dique
providencial contraposto aos erros modernistas, à tendência apóstata do
presente e como um brado de alarma contra o atual pendor para união
do templo de Deus com os ídolos. É nessa atitude que vos estendo a
mão da fraternidade e vos digo, cheio de amor cristão e santo
entusiasmo. Sede benvindo, companheiro amigo, na missão que nos
irmana! Vosso povo é o meu povo! Vosso Deus é o meu Deus! Vossa
12
O Rev. Carl McIntire foi “pastor da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da América (Igreja do Norte),
pastoreando a Igreja de Collingswood, New Jersey. Tendo sido deposto do ministério da Igreja, McIntire organizou
com sete outros ministros, em 1938, a Igreja Presbiteriana da Bíblia, inaugurando em seguida, um movimento de
separação nas comunidades protestantes. [...] The Bíble Presbyterian Church começou com 8.000 membros mais
ou menos e sempre tiveram como líder o então ministro presbiteriano McIntire. Este continuou a pastorear em
Collingswood, mas agora a The Bíble Presbyterian Church Collingswood. Desde cedo as ideias do novo grupo
eclesiástico começaram a ser divulgadas em um jornal, que se torna muito importante e necessário na análise do
mesmo, o Christian Beacon”. (MACHADO, 1979, p. 5).
Nas suas últimas palavras, dirigidas ao Rev. McIntire, o Rev, Jerônimo Gueiros
fala da sua esperança e confiança na sua denominação (IPB) no combate ao
liberalismo teológico, bem como, a expectativa de uma igreja cada vez mais unida:
Estou nos meus últimos dias de vida, mas ainda com o mesmo
desassombro e prudência dos primeiros dias, como membro da Igreja
Presbiteriana do Brasil [...]. Tenho total confiança na fidelidade
doutrinária da Igreja Presbiteriana do Brasil, já provada, e na sinceridade
de seus grandes próceres e irredutíveis fundamentalistas, que julgo
dentro em breve, toda a Igreja, sem perigo de divisão, poderá dizer, pela
voz desses próceres, que não há lugar entre nós para os partidários da
indiferença dogmática ou da tolerância mal entendida para com os que
pleiteiam cooperação, solidariedade ou ligação formal com igrejas
idólatras ou apóstatas ou com seitas contrárias aos princípios
fundamentais do verdadeiro evangelho. (GUEIROS, 1951, p. 143-144).
Todavia, apesar dos elogios, convicção e otimismo por parte do Rev. Jerônimo
Gueiros, para com a sua denominação (IPB) e a confiança nos seus companheiros, não
tardou para que surgissem conflitos internos, resultando num novo cisma 13.
13
O primeiro cisma ocorreu em 1903, quando um grupo, aproximadamente de 1/3 de membros da IPB, liderado
pelo Rev. Eduardo Carlos Pereira, saiu e formou a Igreja Presbiteriana Independente (IPI). A IPI por sua vez,
também, sofreu uma divisão, nesse caso, por questões ligadas a posicionamentos liberais, saindo um grupo,
formando a Igreja Presbiteriana Conservadora (IPC). Para conhecer melhor a história do cisma da IPI, que deu
origem a IPC, Cf. Caderno de O Estandarte (2002).
14
O Rev. Jerônimo não concordava e nem apoiava as ideias do seu sobrinho Israel. Quando a IPFB foi fundada em
1956, o Rev. Jerônimo já tinha falecido. Cf. PIERSON (1974).
15
Cf. a dissertação de CAMPOS Jr. (2003).
16
Os contatos iniciais entre os Rev. Israel Gueiros com Carl McIntire se deram da seguinte forma: “chegou às suas
mãos um exemplar do Christian Beacon, editado por McIntire, o qual expressava num dos artigos seus
pensamentos, que vieram a chamar a atenção por identificarem com os seus. Foi aí então que começou o
relacionamento dos dois líderes. Dr. Israel teve seu segundo contacto com McIntire, lendo o livro deste, Twentith
Century Reformation. Logo entrou em contacto com o mesmo, convidando-o a falar no Recife, onde mais tarde, no
ano de 1949, deu-se o terceiro contacto, agora pessoal. Nasceu assim um estreitamento de laços de amizade e
idéias”. (Cf. MACHADO, 1979, p. 7). Duas obras de McIntire foram traduzidas para a língua portuguesa, pelo Rev.
Israel Gueiros. A moderna torre de Babel (1952) e A morte de uma Igreja (1968). Há um polêmico artigo sobre Carl
McIntire ter oferecido uma certa quantia para ter apoio ao movimento fundamentalista no Brasil. Cf. CUNHA
(2000).
17
A expressão Adúltera no texto original está entre aspas, porém, colocamos em itálico para destacar.
18
SC é a sigla para Supremo Concílio, a maior instância da Igreja Presbiteriana do Brasil.
Agora fora do SPN, o Rev. Israel Gueiros continuou a sua campanha em prol do
movimento e das ideias fundamentalistas, tornando-se cada vez mais simpatizante e
parceiro do Concílio Internacional de Igrejas Cristãs, liderado pelo Dr. Carl McIntire.
Ainda como ministro da IPB, resolveu no ano de 1956, fazer uma campanha nos
Estados Unidos, com a pretensão de arrecadar 25 mil dólares, com objetivo de abrir um
novo seminário na cidade do Recife. Justificava a sua ação, acusando a infiltração
modernista no SPN. Para isso, fez uso de discursos públicos, artigos de jornais, revistas
e cartas circulares.
E isso, não podia ser negado, pois havia provas concretas dessa ação. Na
realidade o Rev. Israel Gueiros tinha se preparado para esse momento. Com amizade e
contatos com o Rev. McIntere, o Rev. Israel passava-lhes informações sobre a situação
da educação teológica do SPN. Passou a ter o seu total apoio, e a seu favor foi
publicado um artigo no Christian Beacon, onde encontramos o seguinte conteúdo:
Isso, desencadeou num longo e penoso processo. Como a IPB é uma Igreja
conciliar, ou seja, que funciona através de Concílios19 (sempre do menor ao maior), o
Rev. Israel foi intimado para prestar esclarecimentos e, quando indagado sobre a
origem e intensão dos documentos que demonstravam interesse na abertura de um
novo seminário, ele prontamente, admitiu a sua veracidade. Pedindo-lhes que se
retratasse e que, abandonasse o seu intento, que era a abertura de um novo seminário,
ele em todos os casos, agiu negativamente. Com isso, “criou-se uma grande polêmica
em torno do assunto, havendo várias manifestações prós e contras e outros não
sabendo se definir”. (MACHADO, 1979, p. 14).
Durante esse período o Norte Evangélico publicou uma série de artigos sobre o
caso. Por exemplo, na edição de Maio de 1956, na primeira página (capa), trouxe a
seguinte manchete: “A Congregação do Seminário Refuta Injustas Acusações do Rev.
Israel Gueiros”. Informou ainda: “McIntire repudiado por suas próprias Igrejas!” E nessa
mesma página, semelhante a uma nota de rodapé, mas em negrito, para que ficasse
em destaque, podemos ler a seguinte informação:
19
Há na IPB quatro Concílios: o Conselho da Igreja local, o Presbitério, o Sínodo e o Supremo Concílio. Esses
Concílios funcionam de forma Republicana, onde se elege alguns (Presbíteros) para representar todos (membros).
Na IPB, há duas categorias de Presbíteros: Docente (Pastor) e os Regentes (Presbíteros). O primeiro é responsável
pelo ensino, pregação da Palavra e ministração dos Sacramentos (Ceia e Batismo). Enquanto, o segundo, pela
administração da Igreja local. Tanto um, como o outro, são eleitos pela comunidade local, ou seja, pelos membros
comungantes (que foram batizados e fizeram a sua pública profissão de fé).
Interessante destacar que, nessas duas edições citadas, das suas oito páginas,
aproximadamente 50%, foi sobre o caso do Rev. Israel Gueiros.
Mas, o certo é que, depois de haver inúmeras reuniões, chegando até mesmo
num processo de Tribunal Eclesiástico, para julgamento do caso, e não havendo acordo
de ambas as partes, o Tribunal do seu Presbitério resolveu aplicar, “a pena de
AFASTAMENTO POR TEMPO INDETERMINADO DOS SEUS CARGOS E OFICÍOS20,
até que desse provas do seu arrependimento. Sabendo disso, o Rev. Israel não aceitou
a disciplina, e tendo uma parte da Igreja Presbiteriana do Recife ao seu lado, da qual
era pastor, essa, solidária com ele, resolveu renunciar à jurisdição da IPB.
Considerações finais:
20
No Norte Evangélico de Agosto e de Setembro de 1956, as manchetes de capas, trouxeram as seguintes
informações: “Dr. Israel Gueiros sob disciplina.” (Agosto). “Não é mais ministro Evangélico o Dr. Israel F. Gueiros”.
(Setembro).
21
Cf. Norte Evangélico, Setembro de 1956, pg. 5. Nessa mesma matéria, encontramos: A Igreja Presbiteriana do
Recife, Salva pela graça de Deus, de uma inovação ruinosa importada de fora, com a finalidade de semear
discórdias e destruir a comunhão dos santos.
22
Inúmeras obras foram escritas por parte da família Gueiros, contando as suas histórias e versões. Cf. Perseguido,
mas não desamparado (1956); Rev. Israel Gueiros: 60º aniversário natalício e 36ª aniversário de ordenação (1967);
Este insigne varão de Deus (1977); Anais do centenário (1978); A luz do mundo (1980); Israel Gueiros: vida e obra
missionária (2007); ainda sobre os Gueiros de autoria de VIEIRA, David. Trajetória de uma família: A história da
família Gueiros (2008).
Referências Bibliográficas:
ARAÚJO, João Dias de. Inquisição sem fogueiras: história sombria da Igreja
Presbiteriana do Brasil. 3ª ed. São Paulo: Fonte Editorial, 2010.
GIRALDI, Luiz Antônio, História da Bíblia no Brasil, Rio de Janeiro: Sociedade Bíblica
do Brasil - SBB, 2008.
NOLL, Mark (Editor). Princeton Theology (1812-1921). Grand Rapids, Michigan: Baker
Academic, 2001.
ATAS E JORNAIS:
23
Essas atas geralmente encontram-se nos arquivos das próprias igrejas locais supracitadas.