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Brazilian Journal of Development 70305

ISSN: 2525-8761

Teologia prática e diversidade social: a prática religiosa para a vida em


comunidade

Practical theology and social diversity: religious practice for


community life

DOI:10.34117/bjdv8n10-353

Recebimento dos originais: 04/10/2022


Aceitação para publicação: 31/10/2022

Aurimar Silvestre Spalatti


Doutoranda em Teologia
Instituição: Faculdades EST
Endereço: Rua Amadeo Rossi, 475, Morro do Espelho, São Leopoldo - RS,
CEP: 93030-220
E-mail: aurimarspalatti@gmail.com

RESUMO
A diversidade é uma característica da sociedade. É motivo de conflitos que levam à
exclusão. A pergunta que se coloca é como a Igreja, em suas ações, pode contribuir para
a vida comunitária em meio à diversidade. Diante disso, o presente projeto para artigo
busca delinear aspectos da Teologia Prática para com a diversidade social. Enquanto área
voltada à práxis religiosa, a Teologia Prática contribui para reflexão e resolução de
questões sociais. A prática religiosa cristã, enquanto seguidora dos preceitos cristãos e,
por que não, enquanto discipulado de Jesus Cristo, assume o lugar das pessoas excluídas,
geralmente estigmatizadas nas suas diversidades. A Teologia é reflexão que leva ou move
à ação a partir da fé das pessoas.

Palavras-chave: teologia prática, diversidade, diálogo.

ABSTRACT
Diversity is a characteristic of society. It is a reason for conflicts that lead to exclusion.
The question that arises is how the Church, in its actions, can contribute to community
life in the midst of diversity. In view of this, the present project for an article seeks to
outline aspects of Practical Theology in relation to social diversity. As an area focused on
religious praxis, Practical Theology contributes to the reflection and resolution of social
issues. Christian religious practice, as a follower of Christian precepts and, why not, as a
disciple of Jesus Christ, takes the place of excluded people, usually stigmatized in their
diversity. Theology is reflection that leads or moves to action from people's faith.

Keywords: practical theology, diversity, dialogue.

1 INTRODUÇÃO
A diversidade social cada vez mais vem sendo motivo de conflitos que levam à
exclusão. A intolerância para com o próximo e a próxima, seja devido às questões de

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gênero, religiosas, étnicas, econômicas e sociais de forma geral é uma característica dos
tempos que se pode chamar de bipolar: a pessoa é a favor ou é contra determinada
ideologia política, ou está de acordo com as aparências conforme as tendências das redes
sociais ou é excluída, e assim por diante, não havendo diálogo entre os polos.
A pergunta que se coloca é como a Igreja, em suas ações, pode contribuir para a
vida comunitária em meio à diversidade? O presente artigo busca delinear aspectos da
Teologia Prática para com a diversidade social. A Teologia Prática está relacionada aos
diversos campos da práxis religiosa na contemporaneidade. Adam, Schmiedt e Herbes,
em estudo sobre a Teologia Prática na Faculdades EST, destacam o diálogo crítico da
teologia Prática “[...] com as demandas do contexto sociocultural e político, a diversidade
religiosa, as questões de gênero e corporeidade e a pesquisa em parceria com outras áreas
de conhecimento.”1 Trata-se de área da Teologia voltada à práxis social da igreja, que
está preocupada com as políticas públicas, com a construção da cidadania, e, por isso,
com a diversidade da sociedade. Enquanto área voltada à práxis religiosa cristã, a Igreja
de Jesus Cristo assume o lugar das pessoas excluídas. A compreensão dessa religião cristã
é tarefa da Teologia que leva ou move à ação a partir da fé das pessoas, resultando na
Teologia Prática.
O artigo está dividido em duas partes. Primeiramente, reflete a práxis teológica a
partir do contexto latino-americano, a partir da Teologia da Libertação. Em seguida,
destaca a diversidade e a exclusão social na contemporaneidade. Por fim, relaciona a
Teologia e a suas práxis em para com a diversidade social.

2 TEOLOGIA NA AMÉRICA LATINA


Que tipo de ciência é essa, a teologia latino-americana? É uma ciência regional?
A partir de textos de Rubem Alves, Leonardo Boff, Gustavo Gutiérrez e José Míguez
Bonino reflete-se sobre o que é próprio da Teologia da Libertação (TdL), de qual método
se utiliza para o desenvolvimento da TdL.
Rubem Alves destaca uma nova perspectiva teológica, que une o humanismo
político com a teologia da graça, a união entre o espírito da linguagem da fé e o espírito
do compromisso para com a libertação, com uma fé que liberta as pessoas. Essa fé é que
move as pessoas porque compreende a mensagem das escrituras com o seu contexto: uma

1
ADAM, Júlio Cézar; SCHMIEDT, Valburga Streck; HERBES, Nilton Eliseu. Teologia Prática na
Escola Superior de Teologia. Estudos Teologicos, São Leopoldo, v. 56, n. 2, p. 227-248, jul/dez. 2016. p.
227.

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fé que leva à prática, que “[...] deve ser entendida como se dando entre a leitura da Bíblia
e a dos jornais.”2 Desta forma, a mensagem cristã, elaborada a partir de uma reflexão
teológica prática, auxilia nos processos formativos de uma cidadania.
Assim, ao trazer para o presente a sua experiência e história, a comunidade traz a
promessa do passado, que torna o ser humano livre para pensar possibilidades para o
futuro. A história do sofrimento e da libertação, a partir das experiências narradas na
Bíblia, ensina a lidar com o presente e a planejar/vislumbrar o futuro.
Miguez Bonino, por sua vez, enfatiza que a fé busca enraizar-se num sujeito
histórico coletivo “[...] e não simplesmente na soma total de indivíduos”.3 Ele une a
linguagem da fé com a linguagem da história e da realidade das pessoas. Há um
entrelaçamento entre a teologia e a sociologia para a elaboração da TdL. É possível fazer
um paralelo com Rubem Alves e a leitura da Bíblia juntamente com a dos jornais.
Leonardo Boff menciona o choque existencial, cuja fé “[...] interpreta toda a
realidade à luz de Deus.”4 É o encontro entre fé e com a realidade:

[...] todo ponto de vista é a vista de um ponto. A pergunta que se há de fazer


continuamente não é: até que ponto minha teologia está livre de interesses
(ideologias), mas: esta forma de teologia com quem se compromete? Que
interesses possui? E o critério teológico é: confrontar-se com os interesses do
Evangelho, criticar os interesses da teologia com os interesses e compromissos
do Jesus Histórico.5

Prossegue afirmando que o chão da teologia latino-americana é o pobre/oprimido,


sendo o interlocutor preferencial – ou a referência – a sociedade.6 A partir de Míguez
Bonino conclui-se que a fé se fez vida, gesto, atitude concreta,7 ou seja, os aspectos
existenciais e ativos da vida cristã irrompem na vida concreta, no cotidiano e, mais
enfaticamente numa Teologia Prática. E, a partir de Leonardo Boff, compreende-se que a
teologia na sua prática se dá a partir do contexto. As pessoas excluídas, portanto, ao serem
segregadas, fazem a sua teologia a partir desse contexto de exclusão e opressão, tal qual
Jesus Cristo combateu.
A fé em Cristo, portanto, move para a libertação. A fé está comprometida com a
realidade concreta: “Toda a teologia se pergunta sobre o significado da Palavra de Deus

2
ALVES, Rubem. Da esperança. Campinas: Papirus, 1987. p. 121.
3
MÍGUEZ BONINO, José. A Fé em busca de eficácia. São Leopoldo: Sinodal, 1987. p. 61.
4
BOFF, Leonardo. O caminhar da igreja com os oprimidos. Do vale de lágrimas à terra prometida. Rio
de Janeiro: CODECRI, 1980. p. 156.
5
BOFF, 1987, p. 175.
6
BOFF, 1987, p. 176.
7
BONINO, 1980.

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para nós no presente da história.”8 Ou seja, a reflexão teológica, que move para a prática,
reformula a mensagem do Evangelho para a contemporaneidade, se dá um novo
entendimento da fé, “[...] que ensina a ligar, conhecer e transformar teoria e prática.”9
A Teologia da Libertação é regional porque brota de um contexto, que é de
opressão (nos mais variados aspectos: econômicos, religiosos, sociais, etc.), e que leva à
compreensão dessa realidade. As narrativas bíblicas, interpretadas e contextualizadas
para o presente, evidenciam novas formas de opressão. Disto pode-se afirmar que, durante
a história, a opressão é uma constante, porém, sempre com novas roupagens. A teologia
necessita dessa contextualização para que o grito de liberdade de Jesus Cristo não morra,
mas que continue a ecoar também em relação às novas formas de opressão.

3 DIVERSIDADE SOCIAL
A diversidade social compreende a sociedade enquanto diversa e orgânica. As
pessoas são diferentes entre si em suas individualidades e, enquanto pertencentes a
determinado contexto, a características mais amplas.10 A compreensão da diversidade por
parte da teologia possui um pressuposto básico, o do ecumenismo, enquanto olhar para a
outra religião com empatia e não com fundamentalismo. O ecumenismo, entendido, a
priori, como a unidade dos cristãos e das igrejas cristãs sobre toda a terra, possui, também,
uma acepção mais ampla, de mundialidade e universalidade.11 Nesse sentido, o
ecumenismo vai além das religiões cristãs e, inclusive, das questões religiosas. Isso
porque o ecumenismo passa pela compreensão do outro na sua integralidade. Ao se
compreender a teologia de cada religião (cristã ou não), no seu contexto e a partir da sua
história do mundo, compreende-se a diversidade que permeia a humanidade também em
seus aspectos sociais, políticos e culturais. Assim, a teologia precisa ter resolvido, antes,
a sua própria aceitação da diversidade que está diretamente relacionada a ela, a
diversidade religiosa.
A mensagem cristã, interpretada de diferentes formas a partir de um contexto ou
de uma cultura, conduz a uma determinada práxis da fé e da vida. Por isso, destaca-se o
princípio do multiculturalismo, que é o elogio à diferença, e não à indiferença. A
divergência não é esquecida, mas compreendida “[...] no próprio seio da diferença

8
GUTIÉRREZ, 1981, p. 86.
9
GUTIÉRREZ, 1981, p. 89.
10
KLEMZ, Charles. Inclusão transversal da diversidade humana: um diálogo entre a Teologia e a
Educação. São Leopoldo: Oikos, 2021.
11
GIBELLINI, Rosino. Teologia do século XX. São Paulo: Loyola, 1998. p. 487.

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invocada.”12 A diversidade de compreensão e interpretação da mensagem cristã não


significa que todas as igrejas cristãs devam assumir a mesma posição, ou doutrina
materializada num documento. Isso porque o que une as igrejas é um processo, “o
entrelaçamento perfeito dos diversos filamentos da tradição cristã, cuja história é marcada
não apenas por continuidades, mas também por descontinuidades, separações, rupturas e
recomeços.”13
Estes diversos filamentos da tradição cristã são fundamentais para a
contemporaneidade, tempo em que, segundo João Batista Libânio14, se está passando pelo
questionamento dos valores, dos ideais e das instituições, com a reformulação de
conceitos sobre a família, o papel do Estado, sobre Deus, entre outros. É nesse contexto
que a ação da igreja se faz necessária, porque ela atenta para a integralidade das pessoas.

O olhar para a integralidade dos sujeitos em situação de vulnerabilidade nada


mais faz do que se alinhar à constatação de que estes sujeitos possuem demandas
e necessidades de diversas ordens, possuem capacidades e se encontram em um
estado de suscetibilidade a um risco devido à vivência em contextos de
desigualdade e injustiça social.15

O cuidado para com a outra pessoa se mostra fundamental. Boff16, ao enfatizar o


saber cuidar, acaba por contribuir para a construção de uma ética na qual é necessário o
cuidado para com a outra pessoa, o cuidado mútuo. Cuidado este que pressupõe o
reconhecimento e acolhimento, fundamentais para uma vida saudável. Reconhecer,
significa contemplar a diversidade. Essa é a prática do amor, enquanto empatia e,
principalmente, enquanto prática do mandamento do amor: “[...] ‘ame o seu próximo
como a si mesmo’. Não existe mandamento maior do que estes”. (Mt 12.28-31).”

4 CONCLUSÃO
O presente projeto de artigo traça as linhas de pesquisa para refletir a práxis
teológica diante da diversidade humana. Ao se destacar a teologia a partir da América

12
VALCÁRCEL, Améli. Ética, um valor fundamental. In: MIRANDA, Danilo Santos de (Org.). Ética e
cultura. São Paulo: Perspectiva; São Paulo: SESC, 2004. p. 33.
13
KÖRTNER, Ulrich H. J. Introdução à hermenêutica teológica. São Leopoldo: Sinodal, 2009. p. 224.
14
LIBANIO, João Batista. A Religião no início do milênio. São Paulo: Loyola, 2002.
15
CARMO, Michelly Eustáquia do; GUIZARDI, Francini Lube. O conceito de vulnerabilidade e seus
sentidos para as políticas públicas de saúde e assistência social. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.
34, n. 3, 2018. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
311X2018000303001&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 11 jul. 2021. p. 8.
16
BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano - compaixão pela terra. 18. ed. Petrópolis: Vozes,
2012

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Latina, evidencia-se a necessidade de contextualização diante do todo multiverso. Cada


contexto possui a sua especificidade e a sua diversidade.
A reflexão teológica a partir do contexto latino-americano une os filamentos da
tradição cristã com a realidade concreta. Faz a leitura da Bíblia com a leitura do jornal,
como apontado a partir de Rubem Alves. Teologia na América latina sem ser contextual
seria uma teologia reproduzida de outro contexto.
Diante disso, a diversidade social de cada contexto necessita ser levada em
consideração e colocada na linha de frente de uma hermenêutica teológica. Isso não
significa desconsiderar outras teologias, mas de buscar ser reconhecida diante da
pluralidade teológica e religiosa. Essa hermenêutica contextual é que impulsiona a práxis
religiosa local.

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REFERÊNCIAS

ADAM, Júlio Cézar; SCHMIEDT, Valburga Streck; HERBES, Nilton Eliseu. Teologia
Prática na Escola Superior de Teologia. Estudos Teologicos, São Leopoldo, v. 56, n. 2,
p. 227-248, jul/dez. 2016.

ALVES, Rubem. Da esperança. Campinas: Papirus, 1987.

BOFF, Leonardo. O caminhar da igreja com os oprimidos. Do vale de lágrimas à terra


prometida. Rio de Janeiro: CODECRI, 1980.

BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano - compaixão pela terra. 18. ed.
Petrópolis: Vozes, 2012

CARMO, Michelly Eustáquia do; GUIZARDI, Francini Lube. O conceito de


vulnerabilidade e seus sentidos para as políticas públicas de saúde e assistência social.
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 34, n. 3, 2018. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
311X2018000303001&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 11 jul. 2021.

GIBELLINI, Rosino. Teologia do século XX. São Paulo: Loyola, 1998.

KLEMZ, Charles. Inclusão transversal da diversidade humana: um diálogo entre a


Teologia e a Educação. São Leopoldo: Oikos, 2021.

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2009.

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(Org.). Ética e cultura. São Paulo: Perspectiva; São Paulo: SESC, 2004.

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