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CRISTIANISMO E LIBERTAÇÃO
Apoio CAPES
BELO HORIZONTE
FAJE - Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia
2014
Cristiano Batista de Moraes
CRISTIANISMO E LIBERTAÇÃO
Apoio CAPES
BELO HORIZONTE
FAJE - Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia
2014
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia
CDU 230.1
Aos cristãos que vivem sua fé na dimensão pessoal, eclesial e política.
A Deus pela vida e a saúde que me concedeu para realizar esta pesquisa.
Ao clero da Diocese de Bom Jesus do Gurguéia pela amizade e arrimo na labuta pastoral.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Afonso Murad pelas ricas sugestões durante a pesquisa.
Ao querido amigo Libanio (in memoriam) pelo incentivo nas lidas da vocação intelectual.
Aos professores que me apoiaram: Pe. Geraldo De Mori, Pe. Jaldemir Vitório, Pe. Élio Gasda
e Pe. Francisco das Chagas.
À Ir. Rosana pela ajuda e motivação nos momentos de desânimo durante o longo esforço
hercúleo de análise e síntese da pesquisa.
A dissertação tem por finalidade demonstrar, a partir do pensamento de João Batista Libanio,
que a fé cristã tem uma dimensão pessoal, eclesial e prática. Inicia-se a pesquisa mostrando fé
como um fenômeno humano efetivado em vários momentos históricos e culturais com os seus
respectivos desafios, avanços e recuos, principalmente no contexto da América Latina.
Percebe-se como o pensamento do teólogo João Batista Libanio está em sintonia com os
múltiplos processos históricos no Ocidente. Depois vem a proposta do autor: a vivência do ato
de crer nos aspectos existencial e comunitário. Delimitam-se os campos semânticos dos
termos (espiritualidade, fé e religião) e analisam-se as dimensões da subjetividade e da
eclesialidade na fé cristã. Para Libanio a experiência subjetiva é de suma importância para o
ato de crer que se efetiva na individualidade (“eu creio”) e na sociabilidade (“nós cremos”) do
cristão. A abordagem do teólogo é na perspectiva da teologia fundamental. Não tem um estilo
apologético. É dialógico e contextual. Além disso, a fé cristã não se restringe ao pessoal e
institucional. Gera uma práxis. Não reduz o indivíduo à sua própria autonomia. Tem impacto
nas estruturas que compõe a sociedade. Concebe uma práxis transformadora. A fé sem obra é
morta (Tg 2,17). A caridade é expressão da fé cristã. A política é o exercício verdadeiro da
caridade. O cristão procura responder aos desafios que a sociedade lhe impõe com uma práxis
transformadora. Articulam-se fé cristã e práxis histórica. Libanio considera que uma não deve
existir sem a outra. A fissura entre ambas não é próprio do cristianismo e sim da pós-
modernidade. É preciso resgatar a proposta original de Jesus de Nazaré. A fé cristã não
prescinde do compromisso histórico. Não se limita a um transcendentalismo estéril e vazio, a
uma busca desenfreada do prazer individual e nem a um comunitarismo eclesiástico. Visa e
colabora para uma práxis efetiva na busca da justiça, promoção dos direitos humanos e
sustentabilidade ecológica. Por fim, analisam-se as figuras de relações entre fé e política, a
ortodoxia e ortopraxia e o discernimento na articulação entre ambas.
The aim of the dissertation is to demonstrate, from João Batista Libanio’s thinking, that the
Christian faith carries a personal, ecclesial and practical dimension. The start of our research
shows faith as a human phenomenon that manifests itself at several historical and cultural
moments, each one with its respective challenges and its forwards and backwards, especially
in the Latin American context. It is clearly visible that the thought of the theologian João
Batista Libanio is in harmony with the multiple historical processes that occurred in the
Western World. Then, we will focus on the author’s proposal: the act of believing itself
experienced in its existential and communitarian aspects. The semantic boundaries of the
terms spirituality, faith and religion will be defined and the dimensions of subjectivity and
ecclesiality of the Christian faith analysed. For Libanio, the subjective experience is of
paramount importance for the act of believing which becomes effective in the Christian’s
individuality (“I believe”) and sociability (“we believe”). The theologian’s approach inscribes
itself within the perspective of fundamental theology. It is in not apologetic, but contextual
and dialogic. Furthermore, the Christian faith does not limit itself to the personal and
institutional, it generates praxis. It does not confine individuals to their own autonomy, but
has impacts on the structures that make up society. It leads to transformative praxis. Faith
without works is dead (James 2,17). Charity is the expression of the Christian faith. Politics is
the true exercise of charity. The Christian intends to answer the challenges imposed by society
through transformative praxis. Christian faith and historical praxis team together. Libanio
considers that the former cannot exist without the latter. The breach between them is foreign
to Christianity, but typical of post-modernity. It is essential to revive Jesus Nazareth’s
original proposal. The Christian faith cannot be severed from historical engagement. It neither
limits itself to a sterile and empty transcendentalism or an unbridled pursuit for individual
pleasure, nor to a kind of ecclesiastical communitarianism. It collaborates towards effective
praxis to guarantee justice and promote human rights and ecological sustainability. To
conclude, the dissertation will focus on the relationships between faith and politics, orthodoxy
and orthopraxis and the discernment articulating both of them.
AL América Latina
FC Fé Cristã
FH Fé Humana
GS Gaudium et Spes
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 13
1 Cenários da sociedade ........................................................................................................... 13
2 A proposta de J. B. Libanio para a fé cristã........................................................................... 15
a) Vida e obra ....................................................................................................................... 15
b) Contribuições de Libanio ................................................................................................ 17
3 Finalidade, motivações e divisão da pesquisa ....................................................................... 19
CAPÍTULO 1: AS AVENTURAS E DESVENTURAS DA FÉ CRISTÃ ......................... 22
1 O ser humano: fonte genuína da religião ............................................................................... 23
1.1 Implicações antropológicas e estéticas da fé ...................................................................... 23
1.2 Repercussões da fé no contexto daquele que crê ................................................................ 24
2 Sujeito pré-moderno: aurora e apogeu da fé cristã ................................................................ 26
2.1 O movimento de Jesus na origem da Igreja ........................................................................ 26
2.2 A harmonia entre fé e contexto cultural, político e econômico .......................................... 27
2.3 Relação Igreja e sociedade ................................................................................................. 31
3 Sujeito moderno: crepúsculo da fé cristã............................................................................... 33
3.1 Experiência primigênia da modernidade ............................................................................ 33
3.2 As tendências da Modernidade ........................................................................................... 35
3.3 A modernidade como demolição da cristandade ................................................................ 37
3.4 Críticas ao cristianismo ...................................................................................................... 39
3.5 Reações da Igreja ante a modernidade ............................................................................... 41
4 A ascensão do sujeito pós-moderno: privatização da fé cristã .............................................. 45
4.1 Traços e paradoxos da pós-modernidade ........................................................................... 46
4.2 O surto do sagrado na pós-modernidade e o impacto na Igreja.......................................... 49
4.3 A crise oriunda da pós-modernidade .................................................................................. 51
5 Sujeito emergente na América Latina: a fé cristã clama por libertação ................................ 54
5.1 A fé cristã na América Latina ............................................................................................. 55
5 .2 Situação-condição da população latino-americana............................................................ 56
5.3 Da dependência e desenvolvimento à consciência de libertação ....................................... 57
5.4 Gênese da Teologia da Libertação...................................................................................... 58
6 À guisa de conclusão ............................................................................................................. 59
CAPÍTULO 2: A FÉ CRISTÃ EM JOÃO BATISTA LIBANIO ...................................... 62
1 Análise conceitual: distinção terminológica de religião, religiosidade e fé .......................... 64
1.1 Religião............................................................................................................................... 64
1.2 Religiosidade ...................................................................................................................... 65
1.3 Fé ........................................................................................................................................ 67
1.3.1 Fé humana ....................................................................................................................... 67
1.3.2 Fé cristã ........................................................................................................................... 69
2 "Eu creio": dimensão individual da fé cristã ......................................................................... 70
2.1 A Fé cristã a partir da subjetividade e da experiência ........................................................ 70
2.1.1 Subjetividade transcendental ........................................................................................... 71
2.1.2 Subjetividade existencial ................................................................................................. 72
2.2 A subjetividade da fé cristã nos seus aspectos histórico, social e cosmológico ................. 74
2.2.1 Subjetividade e história ................................................................................................... 74
2.2.1.1 Vias do crescimento espiritual...................................................................................... 75
2.2.1.2 Desenvolvimento psíquico ........................................................................................... 75
2.2.2 Subjetividade e Sociedade ............................................................................................... 77
2.2.2.1 Dialética entre sujeito e sociedade................................................................................ 77
2.2.2.2 Situação da América Latina .......................................................................................... 79
2.2.3 A subjetividade e o cosmo ............................................................................................... 80
2.2.3.1 Momento de harmonia .................................................................................................. 80
2.2.3.2 Momento de ruptura ..................................................................................................... 81
2.2.3.3 Fé no momento da comunhão ....................................................................................... 82
2.3 Racionalidade da fé ............................................................................................................ 84
2.3.1 Vicissitudes históricas ..................................................................................................... 84
2.3.2 A fé e a razão na natureza humana .................................................................................. 85
2.3.3 Múltiplas exigências da racionalidade............................................................................. 86
2.4 A liberdade no ato da fé...................................................................................................... 86
2.4.1 Natureza da liberdade ...................................................................................................... 87
2.4.2 Ameaças à liberdade e sobrenaturalidade da fé ............................................................... 88
2.5 Fundamento último da fé .................................................................................................... 89
2.5.1 Aporia da fé ..................................................................................................................... 89
2.5.2 A fé como resposta .......................................................................................................... 90
2.6 Dimensão trinitária da fé .................................................................................................... 90
2.6.1 Da idolatria ao mistério da Trindade ............................................................................... 90
2.6.2 O Espírito Santo, o Filho e o Pai na subjetividade da fé cristã........................................ 91
3 "Nós cremos": dimensão eclesial da fé.................................................................................. 92
3.1 A importância da Igreja ...................................................................................................... 92
3.1.1 Natureza da dimensão eclesial ......................................................................................... 92
3.1.2 Estrutura da fé eclesial..................................................................................................... 93
3.2 Fé e salvação ....................................................................................................................... 94
3.2.1 A salvação pela fé e a caridade ........................................................................................ 94
3.2.2 Articulação dos elementos salvíficos .............................................................................. 95
3.3 Fé trinitária e comunitária .................................................................................................. 96
3.3.1 A Trindade como origem e fundamento da comunidade ................................................ 96
3.3.2 Consequências da comunhão “desde baixo” ................................................................... 97
3.4 Jesus Cristo: centro do "nós cremos" ................................................................................. 98
3.4.1 Crise de credibilidade do cristianismo............................................................................. 99
3.4.2 A centralidade de Jesus Cristo ......................................................................................... 99
3.5 A Revelação em "nós cremos" ......................................................................................... 101
3.5.1 A história da Revelação ................................................................................................. 101
3.5.1.1 Relação entre história e Revelação ............................................................................. 101
3.5.1.2 Etapas da história da Revelação ................................................................................. 102
3.5.2 A Escritura: fonte da fé .................................................................................................. 103
3.5.2.1 Inspiração e canonicidade da Escritura ...................................................................... 103
3.5.2.2. A verdade na Escritura .............................................................................................. 104
3.5.3 Tradição: o que a Igreja crê e vive ................................................................................ 105
3.5.3.1 Tradição e tradições .................................................................................................... 105
3.5.3.2 A Tradição na Igreja ................................................................................................... 106
4 À guisa de conclusão ........................................................................................................... 107
CAPÍTULO 3: A PRÁXIS HISTÓRICA EM JOÃO BATISTA LIBANIO................... 109
1 Dimensão da práxis ............................................................................................................. 110
1.1 Práxis cristã ...................................................................................................................... 111
1.2 Práxis e teologia da libertação .......................................................................................... 114
2 A fé cristã inserida num contexto .............................................................................................. 115
2.1 A fé na Europa .................................................................................................................. 115
2.2 A fé na América Latina .................................................................................................... 117
3 Figuras da relação entre fé e política ................................................................................... 119
3.1 Relação de substituição .................................................................................................... 120
3.2 Relação de superação........................................................................................................ 121
3.3 Relação de subordinação .................................................................................................. 122
3.4 Relação de coexistência paralela ...................................................................................... 122
3.5 Relação de implicação não-redutiva dialético-existencial................................................ 123
4 Ortodoxia e ortopraxia ......................................................................................................... 126
4.1 Relação entre doutrina e ação ........................................................................................... 126
4.2 Pluralidade enriquecedora das Igrejas .............................................................................. 127
a) Priorizar sem excluir ...................................................................................................... 128
b) Equilíbrio eclesial .......................................................................................................... 129
c) Mútua aprendizagem ..................................................................................................... 129
5 À guisa de conclusão .............................................................................................................. 130
CONCLUSÃO....................................................................................................................... 132
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 136
INTRODUÇÃO
1 Cenários da sociedade
1
VAZ, Henrique Claúdio de Lima. Escritos de filosofia IV: introdução à ética filosófica 1. São Paulo:
Loyola, 1999. p. 82s.
2
PADILLA, C. René. Deus e Mamom: economia do Reino na era da globalização. Rio de Janeiro:
Novos Diálogos, 2011.
14
suficiente para professar uma verdadeira fé cristã. Quer algo mais do que um conjunto de
proposições fixas e imutáveis do credo. Desejam fazer uma experiência profunda no Deus de
Jesus Cristo. Uma mística que dê sentido, ânimo e força para viver na labuta do cotidiano na
família, Igreja e sociedade.
Ante esses cenários, estudar sobre a fé cristã e suas consequências, é uma tarefa
importantíssima, para que se tenha uma compreensão mais adequada do que é ser cristão em
todas as suas dimensões. É preciso aprofundar um cristianismo que se torna companheiro de
movimentos sociais e de utopias que levam a bandeira da ética na construção de uma
sociedade justa e fraterna.
a) Vida e obra
15
Brasil. Retornou ao Brasil em 1968, onde por mais de trinta anos dedicou-se ao magistério e à
pesquisa teológica, na linha da Teologia da Libertação.
Foi professor de teologia na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos,
em São Leopoldo, Rio Grande do Sul, e do Instituto Teológico da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais. Posteriormente foi professor da Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro. Em 1982, Libanio retornou a Minas Gerais. Ensinou na Faculdade Jesuíta de
Filosofia e Teologia (ISI – FAJE) em Belo Horizonte durante 32 anos.
Libanio era imerso na cultura mineira. Tinha senso aguçado para admirar,
interpretar e imaginar. Buscava sempre dar razões de sua fé. Não ficava satisfeito com pouca
explicação. Aprofundava na busca de maior sentido para a sua vida.3
Como jesuíta, cultivava com denodo e constância a arte do discernimento. Na
esteira de tal tradição, soube discernir, nas suas reflexões e ações pastorais, vários eventos da
sociedade e da Igreja. Para Libanio, discernir “significa não se deixar arrastar por extremos,
mas perceber o jogo sutil e fino das moções do Espírito e o recurso às razões iluminadas pela
fé”.4
Foi autor de cerca de 125 livros, dos quais 36 de autoria própria e os demais em
colaboração com outros autores, alguns editados em outras línguas. Além disso, possui mais
de 40 artigos publicados em periódicos especializados, e inúmeros artigos em jornais e
revistas. Destacou-se na teologia fundamental com as obras Eu creio, nós cremos: tratado da
fé (São Paulo: Loyola, 2. ed. 2004); Teologia da Revelação a partir da modernidade (São
Paulo: Loyola, 5. ed. 2005); Crer num mundo de muita crença e pouca libertação (São Paulo:
Paulinas, 2. ed. 2010); Introdução à teologia fundamental (São Paulo: Paulus, 2014).5
3
BETTO, Frei. Ser mineiro. In: KONINGS, Johan. Teologia e Pastoral: homenagem ao Pe. Libanio.
São Paulo: Loyola, 2002. p. 17-22.
4
LIBANIO, João Batista. Em busca de lucidez: o fiel da balança. São Paulo: Loyola, 2008. p. 13.
5
Para maiores informações da vasta bibliografia de Libanio, veja: MURAD, Afonso;
BOMBONATTO, Vera (Orgs.). Teologia para viver com sentido: homenagem aos 80 anos do teólogo
João Batista Libanio. São Paulo: Paulinas, 2012. p. 211-238. Também: www.jblibanio.com.br
16
b) Contribuições de Libanio
6
BEOZZO, José Oscar. João Batista Libanio: formador e assessor das CEBs. In: KONINGS, Johan.
Teologia e Pastoral: homenagem ao Pe. Libanio. São Paulo: Loyola, 2002. p. 23-36.
7
ELIAS, Lauro. Libanio, teólogo e pastor: um olhar sobre o paroquiato do teólogo. In: KONINGS,
Johan. Teologia e Pastoral: homenagem ao Pe. Libanio. São Paulo: Loyola, 2002. p. 147-167.
8
ANTONIAZZI, Alberto. Padre Libanio, parente do futuro. In: KONINGS, Johan. Teologia e
Pastoral: homenagem ao Pe. Libanio. São Paulo: Loyola, 2002. p. 169-177
9
LIBANIO, João Batista. “Acolhi a vida como um dom”. In: Revista do Instituto Humanista Unisinos.
J. B. Libanio: A trajetória de um teólogo brasileiro. Testemunhos. Ano XII. N. 394. São Leopoldo. p.
11-12.
17
base, dos movimentos sociais, da vida religiosa, da inteligência acadêmica, cheia de
inquietações e ávida de sentido e de transformações necessárias da realidade social. Fez
teologia a partir da escuta do povo, aberta, livre das pesadas peias das escolas teológicas.
Trata-se de uma teologia atenta as questões do ser humano, do que grita por pão, justiça,
libertação e beleza.
Para o teólogo Leonardo Boff (1938), Libanio é contado como um dos mais
fecundos teólogos da Igreja pós-conciliar, com vasta obra teológica, pastoral, espiritual e
intelectual. Será visto como um teólogo do equilíbrio dinâmico, do bom senso pastoral e
sempre fiel ao seu lar espiritual, à Ordem Jesuíta, ao sentir da Igreja Latino Americana e
Brasileira e às buscas humanas por sentido e vida. Sua reflexão atinge o nível estrutural das
questões e por isso guardará atualidade. 10
Nosso teólogo, foi um ponto de equilíbrio dentro da Teologia da Libertação.
Auxiliou muitos bispos, jovens, intelectuais a articular a tradição cristã com os desafios da
sociedade. Caracterizou-se por levar um diálogo erudito, aberto e criativo com tendências
atuais do pensamento e com as emergências novas da realidade, seja no campo da pós-
modernidade, do fenômeno das religiões, da urbanização do mundo, da busca de sentido da
intelectualidade acadêmica, da ecologia, da moral,11 do diálogo inter-religioso12 e outros.
A obra do referido autor, vai da teologia fundamental e sistemática para a prática,
pastoral e espiritual à luz das ciências humanas. Sempre articulou-se com os temas da
atualidade da Igreja, da modernidade, da pós-modernidade e do mundo dos pobres e
oprimidos. Em seus artigos abordou os temas clássicos da teologia, da revelação, do pecado,
da graça, da Igreja, do diálogo inter-religioso, da escatologia, juventude e tantos outros
sabendo com discernimento expor as várias tendências, suas boas e discutíveis razões e sua
aplicabilidade para o nosso contexto.
Cumpre ressaltar a transversalidade e a arte com que Libanio articulou os distintos
saberes em função da iluminação e da eficácia da fé. Sem essa articulação, a teologia não
cumpre sua missão, pois quem sabe apenas teologia acaba não sabendo sequer teologia. Os
10
BOFF, Leonardo. Um ponto de equilíbrio dentro da teologia da libertação. In: Revista do Instituto
Humanista Unisinos. J. B. Libanio: A trajetória de um teólogo brasileiro. Testemunhos. ano XII, n.
394, São Leopoldo, p. 21-22.
11
RAUNU, Jukka. Opção fundamental: rumo a uma ética personalista e contextual. In: KONINGS,
Johan. Teologia e Pastoral: homenagem ao Pe. Libanio. São Paulo: Loyola, 2002. p. 47-57.
12
TEIXEIRA, Faustino. O desafio do mistério da alteridade. In: KONINGS, Johan. Teologia e
Pastoral: homenagem ao Pe. Libanio. São Paulo: Loyola, 2002. p. 83-98.
18
medievais diziam que a teologia nasce de uma “additio”. Adicionamos razão à fé, amor à fé,
prática à fé, piedade à fé, natureza à fé e daí nasce à teologia como resultado dessa
articulação. Libanio fez dessa ars combinatoria o gonzo-mestre de sua teologia. Por isso ela é
fecunda, diversificada e contemporânea.13
Pedro Rubens afirma que Libanio indica duas perspectivas principais a serem
vislumbradas, em diálogo e continuidade com sua fecunda produção: por um lado a riqueza de
temas abordados que reclama uma reflexão fundamental dos mesmos e da própria teologia, no
sentido de elaborar uma criteriologia; por outro, a necessidade de repensar as tarefas de uma
teologia fundamental no contexto atual, singular em diferentes regiões do mundo, mas, de
forma geral, definido, no Ocidente com os termos de pós-modernidade e pós-cristianismo,
mas não menos povoado de fenômenos religiosos. 14
Enfim, ressalta-se que Libanio não era um teólogo de gabinete. Tinha um pé na
faculdade e outro na periferia de Belo Horizonte. Um olhar na pesquisa e outro nas
comunidades carentes. Seus livros e artigos mostram seu envolvimento na pastoral prática,
que inspira suas elaborações teóricas, as quais, por sua vez, encontram na práxis consciente
sua verificação.
Nesta pesquisa, não se tem a pretensão de exaurir o tema proposto e nem abarcar a
amplidão do pensamento do autor – J. B. Libanio – que produziu muito e por vários anos.
Tem-se a finalidade de aproximar, assimilar e reproduzir a proposta de Libanio no que diz
respeito à fé cristã e ao seu impacto na vida pessoal, eclesial e política na vivência do ato de
crer.
Ante o cenário da sociedade e da Igreja hodiernas, principalmente a partir do
Pontificado de Francisco, tem-se falado muito sobre a questão que ora pesquisamos. São
muitas reflexões que não podemos ficar indiferentes. Entretanto, há na teologia de Libanio,
uma reflexão singular e original.
13
BOFF, Leonardo. João Batista Libanio: teologia peregrina – pequeno ensaio de teologia “tri-vial”.
In: KONINGS, Johan. Teologia e Pastoral: homenagem ao Pe. Libanio. São Paulo: Loyola, 2002. p.
40-43.
14
RUBENS, Pedro. Uma teologia simpática. In: Revista do Instituto Humanista Unisinos. J.
B.Libanio: A trajetória de um teólogo brasileiro. Testemunhos, ano XII, n. 394, São Leopoldo, p. 29.
19
Ele procura responder muitas questões voltadas à nossa realidade latino-
americana. Como crer num continente de exclusão e busca de libertação? Quais são os
desafios que a sociedade impõe para o cristianismo hodierno? A fé cristã tem algo a nos dizer
no aspecto pessoal, existencial e político? Como se comprometer com a proposta de Jesus
Cristo onde há muitas crenças diferentes do Evangelho? Tem sentido falar em libertação ou
foi só um modismo eclesial? Vale a pena viver como cristão na atual sociedade urbana que
estamos imersos?
As razões da escolha do autor, são de ordem pessoal-intelectual, eclesial e
pastoral. Libanio não se limitava a repassar conteúdos, mas ensinava a pensar. Não se
restringia em ser professor, era grande educador. Os seus escritos nos levam a adquirir uma
consciência crítica ante os fatos da Igreja e da sociedade. Não nos deixa indiferentes no devir
da história. Num processo de assimilação, internalização e objetivação, impulsionava à
profunda compreensão do real.
Eclesialmente, procurou dar luzes para a caminhada da Igreja. Experiência que foi
vivida nas assembleias da diocese de Bom Jesus do Gurguéia – PI, principalmente nos
planejamentos e avaliações anuais das pastorais. Suas reflexões, fez-nos sentir sujeitos da
Igreja e não meros expectadores. Promoveu a comunhão como participação de todos e não só
de alguns membros seletos (hierarquia).
Pastoralmente, era muito atualizado nas questões sociais, econômicas,
tecnológicas e políticas. Ajudou-nos a perceber os “sinais do tempo” num processo de análise
e síntese. Nas suas reflexões, procurava não nos deixar indiferentes à dor dos irmãos.
Convocava-nos a sairmos de nós mesmos e irmos ao encontro do outro.
Libanio é um teólogo que escreveu sobre tudo, mas a pesquisa que segue foi
delimitada na teologia fundamental do autor. Usou-se, principalmente, a bibliografia Eu creio,
nós cremos:tratado da fé. São Paulo: Loyola, 2. ed. 2004.
No primeiro capítulo – estado da questão –, faz-se um percurso histórico da fé
cristã, a partir das grandes mudanças culturais. Revela seus avanços e recuos. No primeiro
momento, o movimento de Jesus sofre perseguição por parte do império romano. No segundo,
com Constantino, o movimento se torna religião oficial. O cristianismo, na vertente católica,
passa a ser critério de configuração da vida social. Apogeu da cristandade.
A modernidade rompe com esse modelo. Tudo se mede pelo crivo da autonomia
do sujeito e não pela autoridade da religião. Os “mestres da suspeita” inauguram nova visão
20
de mundo sem o auxílio de entidades superiores ou espirituais. A razão e a ciência se tornam
as ideias-forças para a configuração de um novo paradigma que urge na história.
A pós-modernidade enfraquece alguns valores e ressalta outros da modernidade.
Tenta dissolver o racional e o científico, pois os mesmos trouxeram muitas mazelas para a
humanidade e o meio ambiente. Exalta-se o emocional, fugaz, efêmero e momentâneo. Nada
de história e nem de coletivo. Tudo pelo individual no hic et nunc.
No segundo capítulo, versa sobre o cerne da pesquisa: a proposta de Libanio ante
esse cenário. Inicia-se com algumas distinções necessárias no que diz respeito à religião,
espiritualidade e fé cristã. Propõe-se a vivência da fé cristã em duas dimensões: pessoal e
eclesial. Na pessoal, enfatiza-se as questões existênciais da relação da subjetividade com a
história, sociedade e o cosmo. Aprofunda-se a subjetividade da fé cristã nas dimensões
antropológica, racional, livre, no seu fundamento último e Trinitário.
Na dimensão eclesial, resgata-se a dimensão social da fé, sua relação com a
salvação, a Trindade, a pessoa de Jesus Cristo e a configuração da mesma na Tradição,
Revelação e Escrituras.
No terceiro capítulo realça a práxis como dimensão política do ato de crer. Trata-
se de uma dimensão antropológica e cristã: a fé como relação e compromisso com os outros,
principalmente os excluídos. Vê-se, ao longo da reflexão, a diferença da fé na Europa e na
América Latina. Analisam-se as figuras de relações entre fé e política na história e, por fim,
trata-se da tensão entre ortodoxia e ortopraxia. Relações que exigem bom senso e
discernimento na vida pessoal, eclesial e política do cristão.
Estamos conscientes dos limites do estudo, mas confiantes do valor que ele terá
para as futuras gerações de pesquisadores. Libanio se tornou parte e parcela fundamental na
história da teologia no Brasil. As suas obras precisam ser aprofundadas e estudadas com
afinco para impulsionar novos teólogos a articular e pensar a fé cristã inserida e
contextualizada.
21
CAPÍTULO 1
AS AVENTURAS E DESVENTURAS DA FÉ CRISTÃ
1
Para Libanio “Sujeito não são indivíduos em sua singularidade. O termo sujeito denota a dimensão
da consciência, de auto-identidade, de ação. Ele sabe quem é, o que quer, de onde vem e para onde
vai. É portador de interesses econômicos, culturais, políticos e religiosos. E age não na singularidade e
na fragmentação de indivíduos, mas como um corpo, um grupo, uma classe. Desempenha papel
decisivo e primordial na criação da temática a ser debatida. Faz-se reconhecer pelos problemas,
perguntas, preocupações, interesses que manifesta”. LIBANIO, João Batista. O Concílio Vaticano II:
em busca de uma primeira compreensão. São Paulo: Loyola, 2005. p. 12.
2
Inspirado em Tomas Kuhn, Libanio considera paradigma como “aquilo que os membros de uma
comunidade partilham, e, inversamente, uma comunidade consiste em homens que partilham um
paradigma”. LIBANIO, O Concílio vaticano II, p. 13.
1 O ser humano: fonte genuína da religião
Para Libanio o ato de crer é próprio da estrutura do ser humano: ele é um ser de
inteligência, liberdade e transcendência.3 Essas dimensões desembocam na relação do ser
humano com o sagrado.4 A fé nasce junto com elas. Na reflexão toma-se consciência deste
sagrado. Na liberdade nega ou afirma essa relação. Na transcendência vai além do seu ser
atual-existencial e cria vínculo e laço com o sagrado. Trata-se de um ato da pessoa na sua
totalidade, como livre resposta ao apelo gratuito de Deus.5
3
LIBANIO, João Batista. Deus e os homens: os seus caminhos. Petrópolis: Vozes, 1990. p. 67-73.
4
Segundo Libanio, o “Sagrado é a realidade separada do mundo profano e dedicada ao mundo
religioso, adquirindo assim um caráter de normatividade, extraordinariedade fascinante ou/e
aterrorizante”. LIBANIO, Deus e os homens, p. 17.
5
LIBANIO, João Batista. Eu creio, nós cremos: tratado da fé. 2.ed. São Paulo: Loyola, 2004. p. 151.
6
LIBANIO, Deus e os homens, p. 142-146.
7
LIBANIO, Eu creio, nós cremos, p. 42.
23
literatura através da poesia e do romance, campos férteis de expressão. Na Europa, vê-se a
beleza da Capela Sistina, as belas obras de Michelangelo e Leonardo da Vinci.
Na América Latina há o sincretismo indígena-latino-americano-cristão no México,
Bolívia e Equador. No Brasil temos a beleza da catedral de Brasília, as romarias em Canindé
– CE, Aparecida – SP, Senhor Bom Jesus da Lapa – BA, a arte de Minas Gerais que revela a
beleza nas obras sacras e manifestam a fé simples de Aleijadinho.
Na história geral da humanidade, muitos povos e culturas tentaram modelar a sua
vida social, política e econômica a partir das suas crenças religiosas. O ateísmo e o
gnosticismo são hiatos próprios da modernidade e da contemporaneidade. Verdadeira exceção
da aventura do ser humano na busca e encontro com Deus e vice-versa.8
8
LIBANIO, Deus e os homens, p. 28-32.
9
LIBANIO, Eu creio, nós cremos, p. 167.
10
AGOSTINHO, Confissões. 18.ed. São Paulo: Paulus. 1984, p. 15.
11
LIBANIO, João Batista. A religião no início do milênio. São Paulo: Loyola, 2002. p. 91.
24
Libanio considera o ser humano a partir de suas relações com Deus, consigo
mesmo, com os outros e com a natureza.12 Relações que se distinguem, mas que não se
separam. São imbricadas existencial, práxico, social, ecológico e escatologicamente. Em Deus
o ser humano alimenta uma relação que lhe confere sentido norteador para a vida. Apossa-se
de uma verdade que lhe dá forças para viver a labuta do cotidiano e suportar os sofrimentos e
obstáculos que a vida lhe impõe.13 Na relação consigo mesmo procura construir a própria
identidade, integrar o passado no presente para edificar um futuro promissor, gerenciar
positivamente os pensamentos e sentimentos, viver reconciliado com o corpo.
No que se refere à relação com os outros, Tomas Merton (1915-1968) afirma que
“a vida espiritual se resume em amar. Não se ama porque se quer fazer o bem. Se agimos
assim, estamos vendo o próximo como simples objeto, e estamos vendo a nós mesmos como
pessoas generosas e sábias. Amar é comungar com o outro e descobrir nele a centelha de
Deus”.14 Nesta relação procura-se o mínimo de frustrações e o máximo de êxito emocional.
Na relação com a natureza, busca-se sinergia e aliança não só com o meio, mas
com o ambiente inteiro.15 Trata-se de uma relação de convivência, fraternidade e cuidado com
a Mãe Terra. Não só o excluído e o pobre, mas o planeta também grita por socorro. Para
Libanio, a felicidade e a realização do ser humano consistem no cultivo reto e equilibrado
dessas relações na história e para-além-da-história.16
Na tradição judaico-cristã Deus se revela na saga do coração do próprio ser
humano.17 Ele é intrínseco ao contexto vital daquele que crê. Não é alienação ou algo distante
da vida. A história e a biografia de Deus é a da humanidade. O processo de cosmogênese,
biogênese e antropogênese é visto, vivido e compreendido como reflexo dos desígnios de
Deus. Por isso, ao falar da fé cristã, é imprescindível mostrar sua relação com a cultura em
que ela está imersa. A revelação cristã acontece na história dentro de um contexto com seus
12
LIBANIO, Eu creio, nós cremos, p. 54.
13
Ibid., p. 156.
14
Frases de Thomas Merton. Disponível em:<http://g1.globo.com/platb/paulocoelho/2009/10/30/sobre-
a-vida-espiritual>. Acesso em: 20 de maio 2013.
15
Ibid., p. 149.
16
LIBANIO, Deus e os homens, p. 191-193.
17
LIBANIO, João Batista. Teologia da revelação a partir da modernidade. São Paulo: Loyola, 1992.
p. 311-312.
25
valores próprios.18 A aventura da fé cristã no Ocidente realizou-se nas intempéries do tempo
com desafios que tanto a incentivaram como tentaram sufocá-la.19
Por fim, para Libanio
Para Libanio a gênese do sujeito pré-moderno tem suas raízes num pequeno
movimento da Palestina. Liderado por um carpinteiro e camponês que tinha fama de ser um
verdadeiro taumaturgo, muitos o viam como uma esperança para o povo judeu: Jesus de
Nazaré. Andarilho, só tinha a roupa do corpo e uma palavra de conforto para os desanimados
e desassistidos pelo império romano e pelas elites do judaísmo.
Profundamente enraizado na religião judaica, Jesus participava das festas, ritos e
orações que seus pais lhe ensinavam. Personalidade profundamente humana, atraia para si a
admiração como, também, a inveja e a perseguição. Dentre os seus admiradores estavam
vários seguidores tirados do meio do povo. Homens simples e pescadores. Mas devido à
18
LIBANIO, Eu creio, nós cremos, p. 259-263.
19
Ibid., p. 337.
20
LIBANIO, A religião no início do milênio. p. 98.
26
inveja de algumas autoridades da cidade de Jerusalém, acabaram condenando e crucificando
Jesus como malfeitor e subversivo que estava tirando a paz da população.
Com a sua morte, deu-se a impressão que o projeto do Reino de Deus acabou. Os
seus seguidores desnorteados e frustrados concluíram precipitadamente que o fato estava
consumado. Mas eis que alguns anunciam que Jesus estava vivo e rejuvenesce nos seus
discípulos o desejo de continuar o projeto do mestre: anunciar e implantar o Reino de Deus. O
movimento se ergue depois da tempestade. Neste ínterim surge a figura de Paulo que, a partir
da experiência muito forte de Tarso para Damasco, deixa de ser fariseu e se torna ardoroso
missionário e propagador da mensagem de Jesus.
As perseguições do império romano quase sufocam o movimento. Muitos são
trucidados pelos leões nas antigas arenas romanas. Com medo, muitos fogem e fazem das
catacumbas esconderijos, moradas e locais para celebrar os sacramentos. Noite escura para o
sujeito que procura viver a fé cristã no mundo.
Entretanto, no século IV, o sol nasce resplendoroso para o movimento.
Constantino faz, depois de vencer a batalha com os dizeres in hoc signo vinces – neste sinal,
vencerás –, com que o movimento se torne a religião oficial do império. Começa aí o projeto
medieval da cristandade. Para alguns historiadores trata-se de um verdadeiro começo das
trevas: o sujeito cristão eclipsa a genuína proposta do carpinteiro de Nazaré.21
21
LIBANIO, João Batista. Qual o futuro do cristianismo? São Paulo: Paulus. 2006, p. 45-61.
22
LIBANIO, Eu creio, nós cremos, p. 41.
27
Procurava-se ver o mundo sob a ótica de Deus. Alicerçado nos Padres da Igreja, o modo de
ser cristão era extensão da vontade Divina. Não cabiam exceções. O fiéis deviam viver de
acordo com aquilo que acreditavam.
Mais. O ser cidadão era precedido pelo ser cristão e quem não era cristão, era tido
como pagão, que precisava se converter para o cristianismo. Não havia alternativas: se não
fosse cristão católico era fatalmente excluído da comunhão eclesial e banido da sociedade.
Fora da Igreja não havia salvação e nem reconhecimento social.
Sob esse prisma, o reinado seria emanado por Deus e os cidadãos eram obrigados
a obedecê-lo. Como reflexo da história, a monarquia absolutista era a forma de governo
23
LIBANIO, Eu creio, nós cremos, p. 261.
24
AGOSTINHO, A Cidade de Deus. Petrópolis: Vozes, 2012.
25
LINDBERG, Carter. Uma breve história do cristianismo. São Paulo: Loyola, 2008. p. 75.
28
vigente. Não se compreendia a cidadania como plena participação e responsabilidade pelo
futuro da sociedade. A organização jurídica era análoga à do povo de Deus no deserto: as leis
eram dadas por Deus e não se devia questionar, só obedecer (Ex 20, 1-26). O destino estava
traçado.
As desgraças eram vistas como consequências fatais do pecado. Era preciso seguir
um conjunto de normas para não deixar Deus “irado”. As pestes, doenças, terremotos,
inundações eram uma prova de que o povo recebia uma punição justa. Por outro lado, as
alegrias eram também expressões da vontade Divina.
A visão platônica do corpo era muito presente, como mostrou Umberto Eco
(1932) no romance “O nome da rosa”. Os prazeres do corpo deveriam ser desprezados e para
isso era lícito, ético e evangélico a autoflagelação. Submeter e subjugar o corpo eram os
caminhos viáveis para que a alma pudesse ter êxito na vida espiritual, na relação com Deus.
Mas mesmo assim os prazeres da meditação, leitura e estudo eram muito incentivados,
principalmente entre os monges.26
Culturalmente os valores cristãos eram critérios norteadores na busca da
santidade. Ser santo não se limitava ser honesto. Era deixar-se conduzir por Deus, afastar-se
das coisas do mundo, fazer os votos de pobreza, obediência, castidade e cuidar dos pobres
para adquirir a vida eterna. A santidade e a salvação andavam de mãos dadas. A verdadeira
cidadania do cristão na sociedade era exercida com a finalidade para adquirir a cidadania na
eternidade.
Neste período há uma grande demanda de santos que irão mudar os rumos da
Igreja. Nesta busca surge com fervor a vida monástica com São Bento (480-547), depois os
pregadores com Santo Domingo (1170-1221) e, por fim, os mendicantes com São Francisco
de Assis (1182-1226).27
Sob o imaginário da Cidade de Deus na terra, foi desenvolvida em imagens
bíblicas a comunidade cristã como um corpo (1Cor 12; Ef 4; Cl 3) o Corpus Christianum.
Nesta época surgem as “três ordens” ou “estados”: camponeses, religiosos e guerreiros. Essa
comunidade deveria transcender ao tempo e ao espaço com uma eclesiologia que abraçava a
família cristã na igreja do purgatório, na igreja militante da terra e na igreja triunfante do céu.
26
ECO, Umberto. O nome da rosa. São Paulo: Record, 2009.
27
LIBANIO, Qual o futuro do cristianismo? p. 105.
29
Por meio dos sacramentos, a Igreja dirigia os principais momentos da vida
humana desde o nascimento até a sua fase final: a morte. Mesmo que os sacramentos só
tivessem clareza e oficialidade a partir de Trento, havia uma compreensão de sua importância
para os cristãos. No batismo, recebia a passagem de entrada para ser fiel da Igreja e membro
da sociedade. O batistério era o registro de identificação da pessoa. Esta ao crescer, tinha que
se fortalecer com os sacramentos da crisma e da Eucaristia.
Devido às fraquezas e os pecados da condição humana, os cristãos eram obrigados
a confessarem-se na quaresma. Ao assumir opções na vida, tinham que efetivá-las por meio
dos ritos de passagem do matrimônio, para uns, e da ordem para os que queriam seguir a
vocação sacerdotal. Nas enfermidades e no final da vida, vinha o sacramento da unção para
dar força e sentido ao doente na difícil situação em que se encontrava.28
Na economia, o feudalismo era regido pelo modo de produção agrícola, com
estruturas sociais divididas entre senhores e vassalos. A riqueza na Idade Média era agrária e
se limitava às terras e em seus produtos. Na sociedade feudal os senhores eram responsáveis
pela proteção de seus vassalos e de suas terras. A Igreja estava totalmente inserida no sistema
feudal, tinha seus próprios feudos e domínios e também era obrigada a fornecer homens e
bens materiais aos senhores, seculares e religiosos.29
Ademais os bens tinham a finalidade de auxiliar no sustento da família e na ajuda
aos pobres. Predominava a agricultura e pecuária rústicas. A dependência da natureza –
extensão da Providência Divina – era a forma de satisfazer às necessidades humanas.30 O
cultivo da terra se limitava a preencher as necessidades imediatas do ser humano medieval.
A validade do conhecimento consistia na reta adequação com os escritos da
Bíblia. A escolástica produziu vasto conhecimento no ramo da filosofia com os tratados e as
sumas teológicas. O arcabouço metafísico desta época tinha por meta provar as afirmações da
Revelação cristã. Da apologética patrística foi-se para os argumentos ontológicos com a
finalidade de provar a existência de Deus e sua encarnação.31
28
LIBANIO, O Concílio vaticano II, p. 26.
29
LINDBERG, Uma breve história do cristianismo, p. 118-119.
30
LIBANIO, O Concílio vaticano II, p. 17.
31
Esse foi o grande projeto do Pai da Escolástica Santo Anselmo com as suas obras Monólogo,
Prólogo e Por que Deus se fez ser humano? Abelardo, Santo Tomas de Aquino, Duns Scotus e outros
deram continuidade a esta aventura do conhecimento. Veja em: ALLEN, Diógenes; SPRING, Éric O.
Filosofia para entender teologia. São Paulo: Paulus, 2011. E também; LIBANIO, Eu creio, nós
cremos, p. 28-30.
30
A ciência (conhecimento) consistia em possuir a “essência” de uma realidade e
com ela se chegaria a uma verdade objetiva, indubitável, imutável e fixa. A ciência era só
instrumental da filosofia para se chegar as verdades plenas. Não se produzia ciência como a
entendemos hoje com o seu método experimental.32
Um dos importantes elementos da cosmovisão medieval era a crença de que o sol
e os demais corpos celestes – a lua e os planetas – giravam ao redor da terra. Consideravam
este conceito geocêntrico do universo auto-evidente e, portanto, verdadeiro. A bíblia era
interpretada à luz dessa ideia. Tal modelo foi imaginado por Ptolomeu, astrônomo que vivera
na cidade egípcia de Alexandria na primeira metade do século II. A sua reflexão era baseada
nas seguintes premissas:
32
LIBANIO, O Concílio vaticano II, p. 19. Veja, também: VANNUCHI, Aldo. Filosofia e ciências
humanas. São Paulo: Loyola, 2004. p. 61-62.
33
McGRATH, Alister. Fundamentos do diálogo entre ciência e religião. São Paulo: Loyola. 2005, p.
19-20.
34
LIBANIO, Qual o futuro do cristianismo? p. 92.
31
A categoria-chave que estrutura a Igreja romana, nessa época, é o potestas sacra,
o poder sagrado. O poder é hierarquizado, exercido por um corpo especializado, o clérigo,
tendo como cabeça o papa, portador supremo do poder sagrado. Tal poder ganhou, com o
tempo, formas centralizadas, mostrando por vezes características totalitárias e até tirânicas.
Esta tendência teve o seu ápice na Dictatus Papae de Gregório VII (+1085).35
A simbiose entre poder e Igreja gerou um sujeito social submisso às autoridades
eclesiais. A ênfase epistemológica era só de con-cordância e não poderia haver nenhuma dis-
cordância. Dava-se primazia à vontade de Deus efetivada na e pela Igreja. Questionar a Igreja
era questionar o próprio Deus. Esse os cristãos deviam temer.36
O cristianismo gozava de plena credibilidade. Neste clima religioso houve uma
progressiva ascensão das pretensões da Igreja ao governo universal, para absorver em si os
dois poderes, para subordinar os domínios temporais à unidade com fim temporal, de que
somente ela detém as chaves. Uma subida que parece afirmar-se quase exclusivamente graças
à inconsistência ou à fraqueza, por muito tempo, do poder por excelência, suprema figura de
Um neste mundo, isto é, do poder do imperador: os momentos em que foi restaurado ou
renovado o ‘imperium’ carolíngio ou otoniano, para precipitar a cristalização do ideal de uma
Igreja-Império, que realizava a cidade celeste por meio da soberania.37
O historiador Delumeau constata que se há uma descristianização hoje tão rápida
é porque não houve cristianização de verdade. Por muito tempo se confundiu cristandade com
cristianização e, por outro lado, estabeleceu-se durante muito tempo também, uma relação
entre sacramentalização e cristianização. Por isso, o mesmo autor diz que “a Idade Média
cristã no nível das massas – essencialmente rurais – é uma lenda que tem resistido”. 38 Como
balanço deste período, Libanio considera que
35
BOFF, Leonardo. Cristianismo : O mínimo do mínimo. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 158-159. Veja,
também: LIBANIO, Qual o futuro do cristianismo?, p. 90.
36
DELUMEAU, Jean. O pecado e o medo: a culpabilização no Ocidente. Bauru: Edusc, 2003.
37
Consideração de Gauchet Apud CAPELLI, Piero. O cisma silencioso: da casta clerical à profecia da
fé. São Paulo: Paulus, 2010. p. 40. Nota de rodapé.
38
DELUMEAU, Jean. À espera da aurora: um cristianismo para o amanhã. São Paulo: Loyola, 2007.
p. 18-19.
32
salvação eterna, mas fundamentalmente de satisfação das necessidades
imediatas.39
39
LIBANIO, Qual o futuro do cristianismo?, p. 112.
40
Cf.: LIBANIO, João Batista. As grandes rupturas sócio-culturais e eclesiais. Petrópolis: Vozes,
1981. E também: Id.. O Concílio vaticano II: em busca de uma primeira compreensão. São Paulo:
Loyola, 2005.
33
‘Ó Adão, não te demos um lugar determinado, nenhuma forma própria, dons
determinados..., de modo que podes obtê-lo de acordo com a tua própria
decisão, tua própria vontade. Tu determinarás a tua natureza segundo a tua
vontade. Tu és o único ser não restrito por nenhum limite a não ser o da tua
vontade que te dei.’41 Apologética da imanência.42
Para Lima Vaz são três os traços que descrevem a modernidade. O primeiro
inscreve-se no campo da objetividade do ser humano no mundo: passagem do mundo natural
ao mundo da técnica. A inovação tecnológica se torna um dos parâmetros fundamentais de um
tempo regido pelo presente da razão técnica. Ressalte-se e enfatiza-se a relação do ser humano
com os objetos. O segundo manifesta-se nas relações intersubjetivas. O indivíduo se define
como um ser social envolvido numa múltipla e igualmente exigente relação com o tempo
socialmente mensurável de formação, profissão, trabalho.
41
VERGOTE, Antoine. Modernidade e cristianismo: interrogações e críticas recíprocas. São Paulo:
Loyola, 2002. p. 39-40.
42
LIBANIO, Eu creio, nós cremos, p. 31.
43
LIBANIO, Em busca de lucidez: o fiel da balança. São Paulo: Loyola, 2008. p. 27.
44
VAZ, Henrique Claudio de Lima. Raízes da modernidade. São Paulo: Loyola, 2002. p. 14.
34
Por fim, no terceiro, é a relação fulcral do ser humano enquanto habitante de um
universo de símbolos que denominamos relação de transcendência. Trata-se da iniciativa
teórica que propugna a imanentização dos termos da relação de transcendência, com a
abolição da metafísica e emergência do humano como fonte de movimento de transcendência,
desdobrando-se na esfera da imanência: nas instituições do universo político, na construção
do mundo técnico, na concepção do agir ético, na fundamentação teórica, enfim na visão de
mundo.45
45
VAZ, Raízes da modernidade, p. 16.
46
Apud LIBANIO, Qual o futuro do cristianismo?, p. 121.
47
LIBANIO, João Batista. Olhando para o futuro: prospectivas teológicas e pastorais do cristianismo
na América Latina. São Paulo: Loyola, 2003. p. 121-123.
48
BINGEMER, Maria Clara. O Mistério e o mundo: paixão por Deus em tempos de descrença. Rio de
Janeiro: Rocco, 2013. p. 101-102.
35
• Da ciência tutelada à ciência emancipada e autônoma, buscando seu próprio método e
caminho sem pedir licença à religião institucional.
• Da heteronomia (o primado do outro que rege a vida, entendido como Deus, a Igreja, a
religião institucional) à autonomia (o sujeito é o senhor da própria vida e traça seu caminho
em plena liberdade, sem a necessidade de prestar contas aos outros de suas ações).
36
preocupações com a velhice; mobilização nas áreas da ética e da participação política; uso
contínuo dos meios de comunicação em massa e maior consumo de bens materiais.49
Outro traço da cultura moderna é a pluralidade. Nos campos do saber ela buscou
sua autonomia pelo exercício da razão. A pluralidade expressou-se na vida econômica,
política, social e moderna, procurando absorver as verdades como plurais ou tornando-as
relativas e provocando, assim, problematizações constantes. O conflito é conatural à
sociedade humana, sobretudo à cultura moderna, que contemplou a emancipação do ser
humano como sujeito de sua própria história. Da experiência de “objeto”, no mundo
medieval, à experiência de ser “sujeito”, na modernidade, e, por fim, na mesma modernidade,
à descoberta da articulação dialética entre as experiências e a construção de um “novo ser
humano” emancipado da corrente medieval.50
49
INKELES, Alex; HORTON, David. Tornando-se moderno. Brasília: Universidade de Brasília,
1981. p. 15-34.
50
PANASIEWICZ, Roberlei. Diálogo e Revelação: Rumo ao encontro inter-religioso. Belo
Horizonte: Arte, 1999. p. 27. Veja, também: LIBANIO, Olhando para o futuro, p. 76-83.
37
extrínseca eclesiástica para ditar verdades, valores, comportamentos éticos. Fim da
cristandade cultural.
O pluralismo de fato das religiões, obscurecido nos países cristãos pela distância e
pela insignificante presença de outras tradições religiosas, acedeu ao nível das consciências. O
que existia longe, na Ásia, na África e em tribos americanas como expressões religiosas não-
cristãs invadiu o centro do cristianismo pelos caminhos das viagens, das migrações e,
ultimamente, pelas infovias. Há um pluralismo religioso real que reivindica para si o direito
de existir e ser legítimo caminho de salvação. Pluralismo de direito. Fim da cristandade
religiosa.51
A modernidade não é um fato estático, fixo e acabado. É o resultado de um longo
processo e complexo de características que dele decorrem nos indivíduos, nas instituições, nos
países e nas culturas. Diferente de modernização que é o processo de transformação do mundo
resultante do crescente acervo de conhecimento dinamicamente reduzido em tecnologia.
A secularização, a política e a tecnologia são, também, reflexos da modernidade.52
A secularização se revela como anulação das religiões, principalmente da cristã, nos rumos da
vida social. A política é o apogeu da democracia como expressão do governo do povo, com o
povo e para o povo. A tecnologia como meio eletrônico que possibilita a expansão da aldeia
global.53
Na perspectiva do sujeito, a cultura moderna concebe o ser humano além de
heteros (outro) e nomos (Lei) para o authos (mesmo). A pré-modernidade e, dentro dela, a
teologia clássica e tradicional entenderam a religião como um conjunto de normas externas
que deveriam ser seguidas para que acontecesse o culto ao verdadeiro Deus. A modernidade
realizou um deslocamento em relação a essa concepção, situando o eixo da sacralidade no
profundo do sujeito humano, entendido como liberdade consciente e produtora, de certo
modo, de seu próprio nomos, de sua própria lei.54
Análogo ao pensamento de Libanio, o teólogo Torres Queiruga (1940) considera
que
51
LIBANIO, João Batista. Os carismas na Igreja do terceiro milênio. São Paulo: Loyola, 2007. p.
245-246.
52
AZEVEDO, Marcelo. Modernidade e cristianismo: o desafio à inculturação. São Paulo: Loyola,
1981. p. 15.
53
McLUHAN, Marshall. A galáxia de Gutenberg. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1977.
54
LIBANIO, Eu creio, nós cremos, p. 32.
38
A modernidade se manifestou na realidade física com a força de sua
legalidade intrínseca: nem os astros eram movidos por inteligências
superiores nem as enfermidades eram causadas por demônios, senão que as
realidades mundanas apareciam obedecendo às leis de sua própria natureza.
As realidades social, econômica e política eram resultados de decisões
humanas: já não existem pobres porque Deus assim os dispôs, mas porque
nós distribuímos desigualmente as riquezas de todos; e o governo não mais o
é pela graça de Deus e sim pela livre decisão dos cidadãos. Na moral se
percebe que já não se recebe do religioso a determinação de seus conteúdos,
mas a busca na descoberta daquelas linhas de conduta que mais e melhor
humanizam a realidade humana, tanto individual como social.55
55
QUEIRUGA, Andrés Torres. Fim do cristianismo pré-moderno. São Paulo: Paulus, 2003.p. 20-21
Por isso, mesmo afirma a necessidade de repensar a teologia nesses novos contextos.
56
LIBANIO, Olhando para o futuro, p. 63-74.
57
LIBANIO, A religião no início do milênio, p. 122-134.
58
PANASIEWICZ, Diálogo e Revelação, p. 25. Nota de rodapé. Veja, também: ZILES, Urbano. A
crítica da religião. Porto Alegre: EST, 2009. p. 197-218.
39
diz que a religião é uma expressão de uma mentalidade pré-científica, um estágio ultrapassado
da humanidade. Ela não cabe para o momento atual do ser humano. Camus vê como um
grande absurdo a presença do mal no mundo e a existência de Deus. Realidades
incompatíveis.
Já para Sartre a existência de Deus não conjuga com a liberdade do ser humano.
Este nasceu para construir a sua existência pelas suas decisões. A presença de Deus sufoca
esta existência livre e faz do ser humano uma verdadeira náusea vivendo numa paixão inútil.
Na crítica positiva e construtiva despontam os mestres do espiritualismo:
Kierkegaard (1813-1855), Bergson (1859-1941), Blondel (1861-1949), W. James (1842-
1910) e Scheler (1874-1928). Kierkegaard proclama que a religião não pode ser reduzida a
um momento lógico de um sistema geral de pensamento, porque ela pertence à esfera da
existência, da vida. O estágio religioso não é uma fase e nem se alcança mediante intuição,
mas mediante a fé.
Bergson, a partir da análise do misticismo ocidental e oriental, chega a existência
de Deus: essa, já pressentida na especulação filosófica do ímpeto vital (élan vital), se impõe
de maneira incondicionada. De que modo? Com base no testemunho daqueles que tem
experiência das coisas divinas.
Blondel põe em relevo a relação da filosofia com a religião. Para ele a verdadeira
filosofia é a filosofia cristã, porque sem o auxílio do cristianismo nenhuma filosofia está em
condição de fornecer uma solução satisfatória para os três problemas que ocupam o filósofo: o
ser, o conhecer e o agir. É próprio da razão discutir esses três problemas, mas é também seu
dever reconhecer que somente na revelação de Deus e na sua comunicação da graça se dá a
eles uma resposta válida, adequada e segura.
O filósofo americano William James afirma que a religião não pode se
transformar num sistema de proposições científicas demonstráveis apoditicamente. Para ele o
fundamento da religião reside na fé, no sentimento e em outras experiências particulares como
oração, conversações com o invisível, visões.
Já para Scheler a explicação para se compreender a religião não deve ser buscado
fora, mas no próprio fenômeno religioso: a automanifestação de Deus. Tal automanifestação
40
da realidade pessoal de Deus só pode acontecer através de homens religiosos que culminam
no “santo originário”, que ele individualiza na figura de Cristo.59
59
MONDIN, Batista. O homem quem é ele? Elementos de antropologia filosófica. São Paulo: Paulus,
1980. p. 226-230. No enfrentamento da religião com a modernidade, veja, também: LIBANIO, João
Batista. O futuro do cristianismo: prospectivas teológicas e pastorais do cristianismo na América
Latina. p. 63-83.
60
Apud QUEIRUGA, Fim do cristianismo pré-moderno, p. 110.
61
CAPELLI, Piero. O cisma silencioso: da casta clerical à profecia da fé, p. 39-40.
62
LIBANIO, João Batista. Igreja contemporânea: encontro com a modernidade. São Paulo: Loyola,
2000. p. 14-35.
41
dificuldades de estabelecer um diálogo franco e aberto com outras realidades
que não seja ela mesma. Sua arrogância institucional de ser a exclusiva
portadora e intérprete legítima da revelação, de ser a única verdadeira Igreja
de Cristo, negando a todas as demais, exceto a ortodoxa, o título de Igreja, e
de apresentar-se como portadora exclusiva dos meios de salvação a ponto de
repetir a lição medieval de que “fora da Igreja não há salvação”, torna-se
cada vez mais inaceitáveis pelas pessoas de bom senso, de espírito
ecumênico e com um mínimo de cultura teológica, com risco de se
transformar numa grande seita ocidental.63
63
BOFF, Leonardo. Cristianismo: O mínimo do mínimo. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 163-164.
64
LIBANIO, A religião no início do milênio, p. 167-171. Veja, também: BOFF, Leonardo.
Fundamentalismo, terrorismo, religião e paz. Petrópolis: Vozes, 2009. p. 15-22.
42
A teologia era apologética, moralista e casuística. Os teólogos existiam como
extensão do magistério. A criatividade estava fora de cogitação no pensar teológico. A
teologia existia para comprovar, por meio de argumentos metafísicos, a doutrina da Igreja.
Era visível a teologia da espada de dois gumes: o poder temporal e o poder espiritual
imbricadas. O absolutismo era a marca da Igreja. A monarquia oriunda do Papa era
considerada extensão da vontade divina. Rejeitava-se a liberdade, a democracia, a objeção de
consciência e o direito de opinar contrariamente.65
Entretanto os problemas novos foram invadindo a consciência da Igreja pelo
caminho da vida real, por intermédio da presença e do compromisso dos cristãos nas
diferentes áreas da realidade humana e social, tais como: a questão social e a perda da classe
operária, a tomada de consciência da descristianização da sociedade, a participação ativa e
direta de muitos cristãos na política ou a luta pela transformação das estruturas sociais. A
postura antimodernista da Igreja foi aos poucos se tornando incompatível com a inculturação
do cristianismo.66
Só no Concílio Vaticano II (1962-1965) que houve uma maior abertura e busca de
diálogo por parte da Igreja. Por influência do protestantismo, a Bíblia começou a ser estudada
de modo científico com o método histórico-crítico. A liturgia se tornou inculturada na vida e
na língua do povo: o mistério da vida, morte e ressurreição de Jesus celebrado no mistério da
vida, morte e ressurreição da comunidade. Na relação com as Igrejas busca-se o diálogo a
partir do que nos une (Jesus), e não do que nos separa (doutrina).
A missão procura respeitar as culturas autóctones. Busca anunciar o Reino de
Deus respeitando os cristãos e os fiéis de outras religiões. O leigo tem maior participação e
espaço para celebrar e decidir os rumos da Igreja, apesar das limitações que ainda sofre dentro
da Igreja, principalmente a mulher. A teologia avança nas suas reflexões, mesmo quando os
teólogos são postos em “silêncio obsequioso” pela Sagrada Congregação para Doutrina da Fé.
A Igreja levanta a bandeira da democracia e dos direitos humanos, da liberdade religiosa e de
opinião, objeção de consciência.67
O fenômeno da modernidade teve ampla divulgação e aceitação. Alguns valores
do sujeito cristão foram questionados e dissolvidos. Outros foram resignificados. A fé cristã
65
LIBANIO, O Concílio vaticano II, p. 21-48.
66
PALÁCIO, Carlos. Deslocamentos da teologia, mutações do cristianismo. São Paulo: Loyola, 2001.
p. 21-22.
67
LIBANIO, O Concílio vaticano II, p. 57-85.
43
deixa de ser produto externo oriunda da família, escola e Igreja. A fé passa a ser convicção
pessoal – decisão pensada a partir da experiência vivida pela subjetividade.68
Com perspicácia, o escritor russo Dostoievski (1821-1881), no seu personagem o
Inquisidor, conseguiu descrever a postura da Igreja ante a modernidade.69 Contudo a Igreja,
inspirada pelo Espírito Santo, acorda para a realidade e convoca o Concílio Vaticano II com a
finalidade de criar um aggiornamento: atualizar a sua mensagem por meio do diálogo com o
mundo moderno.
Por outro lado, Libanio não ignora os males da modernidade, principalmente o
esfriamento da responsabilidade social e a crise ecológica que assola a humanidade. O
narcisismo exacerbado gerou o aumento da indiferença ante o crescimento da pobreza e dos
excluídos.70 A razão instrumental do mercado, promove nefastas consequências como
aquecimento global e desmatamento.71
O filósofo Charles Taylor (1948) elenca três males da modernidade no Ocidente.
O primeiro é o individualismo que descartou as normas, ordens, rituais e tradições que davam
sentido à vida das pessoas. Perdera-se a paixão pela vida heroica e os propósitos de mudança
dentro de um contexto de democracia. O lado sombrio do individualismo é centrar-se em si
mesmo, que tanto nivela como restringe a nossa vida, tornando-a pobre em significado e
menos preocupada com os outros e a sociedade. Trata-se do enfraquecimento dos horizontes
morais.
O segundo é a primazia da razão instrumental, quer dizer, o tipo de racionalidade
em que nos baseamos em calcular a aplicação econômica dos meios para determinado fim.
Eficiência máxima, a melhor relação custo-benefício, é sua medida de sucesso. Essa
racionalidade tem produzido guerras, injustiças sociais e destruição na natureza. Ela eclipsou
as utopias motivadoras e incentivadoras de um mundo melhor.
Por fim, o terceiro é o esfriamento ou a morte da participação política que tem
gerado uma espécie de despotismo “suave” por parte dos governos. A alienação dissolveu a
cidadania. A democracia não resulta nas eleições dos representantes do povo, mas na
prioridade dos interesses do governo em detrimento dos seus eleitores. Ante esses males o
68
LIBANIO, Eu creio, nós cremos, p. 56.
69
Apud LIBANIO, Olhando para o futuro, p. 188-199.
70
LIBANIO, João Batista. O ocaso da participação política. In: PEIXOTO, Miriam Campolina;
PARANHOS, Washington Silva. Filosofia e política. São Paulo: Loyola, 2004. p. 87-105.
71
LIBANIO, João Batista. Ecologia: vida ou morte? São Paulo: Paulus, 2010. p. 19-22.
44
autor propõe uma ética da autenticidade que leva em consideração a realização do indivíduo
sem prescindir outros elementos que compõe a nossa sociedade. 72
Na sociedade sentiu-se as más consequências da razão instrumental que provocou
duas grandes guerras mundiais. Em contraposição, há um novo clamor para o cultivo da razão
comunicativa (Habermas: 1929), dialógica (Hans Kung), complexa (Morin), conectada com o
cosmo (Capra: 1939), sensível e geradora de cuidado com a pessoa humana (Winnicott: 1896-
1971) e com a natureza (Boff). Mas há outro fenômeno contemporâneo que gestou um novo
sujeito que tem deixado muitos cientistas sociais perplexos e a Igreja num beco sem saída: a
pós-modernidade.
Para De Masi vivemos numa época de muitos nomes, mas de nenhuma certeza.
Entretanto ele escolhe para a sua análise o termo “sociedade pós-industrial”. Por outro lado
72
TAYLOR, Charles. A ética da autenticidade. São Paulo: Realizações, 2011. p. 11-21.
73
Apud HAIGHT, Roger. Dinâmica da teologia. São Paulo: Paulinas, 2004. p. 258.
74
DE MASI, Dominico. A sociedade pós-industrial. São Paulo: Senac, 1999. p. 31.
45
Libanio adota, hegemonicamente em seus escritos, o termo “pós-modernidade” e que, “apesar
de muitos falarem e poucos entenderem, não impede que a pós-modernidade seja um desafio
para a fé cristã”.75
Na cultura pós-moderna os valores não são bem claros. Misturam-se de modo
imperceptível. Evidencia-se uma espécie de realidade “colcha de retalhos”. Quer dizer, a pós-
modernidade se apresenta com atuação aparentemente harmônica de elementos contrários,
antitéticos e contraditórios. Neste emaranhado contexto, os cristãos, principalmente os jovens,
encontram-se perplexos entre a segurança institucional oferecida pelas Igrejas (católica,
protestante, pentecostal e neopentecostal) e a fluidez peremptória das exigências da sociedade
de consumo.76
75
LIBANIO, Eu creio, nós cremos, p. 52.
76
“Segundo afirmam alguns analistas, vivemos a passagem de uma sociedade centralizada nas ideias
(racionalismo moderno) para uma sociedade centralizada nas imagens (mundo pós-moderno).” Apud
PANASIEWICZ, Diálogo e Revelação, p. 27. Nota de rodapé.
77
LIBANIO, A religião no início do milênio, p. 87-105.
78
PANASIEWICZ, Roberlei; BAPTISTA, Paulo Agostinho. Crer e dialogar: o desafio de ser cristão
na sociedade atual. In: MURAD, Afonso; BOMBONATTO, Vera. Teologia para viver com sentido:
homenagem aos 80 anos de João Batista Libanio. São Paulo: Paulinas, 2012. p. 52-53. Grifo nosso.
46
Cansada: o excesso gera fadiga e cansaço. Há uma perda do ardor da interioridade,
desânimo, frustração e facilidade para a depressão. Haja vista o uso excessivo do prozac.
Religiosa: reflete o momento atual. É emocional, passageira e nova. Dificuldade no
engajamento e no comprometimento com uma participação contínua.
Tecnobiológica: dissolução da individualidade humana em um todo cibernético.
Potencialidade da neurociência versus redução do humano à materialidade.
Midiática e de relações virtuais: há uma nova construção de relações. Possibilidade
de interação ou de fuga da realidade.
Com novos compromissos: emergência de novos movimentos sociais e culturais com
dimensões mundiais. Causas humanitárias e cuidados com a sustentabilidade do planeta
ganham força.79
Para Libanio, a pós-modernidade
79
Vale ressaltar que esses compromissos só são válidos quando os mesmos geram satisfações
imediatas à subjetividade do indivíduo. Veja em: GABEIRA, Fernando. Que é isso, companheiro? Rio
de Janeiro: Codecri. 1980.
80
LIBANIO, Eu creio, nós cremos, p. 54.
47
Em substituição às visões ideologicamente totalizantes, desenha-se o que
podemos chamar de “barbárie interior” (J. F. Mattéi); "era do vazio” (Gilles
Lipovtsky); "modernidade líquida” (Zyngmunt Bauman); “pensamento
débil” (Vattimo) inseridos numa “multidão solitária” (David Riesman).
Laços e relações, amizades e contratos, certezas e verdades – tudo tende a
derreter-se ao sol implacável da crítica, da desilusão e da falta de sentido.
Perdem-se as grandes referências: as dúvidas e medos, perguntas e
inquietações tornam-se superiores à capacidade humana de encontrar
respostas e soluções adequadas. Daí a crise e a sensação angustiante de que o
chão se abre aos nossos pés. Nesse terreno movediço e escorregadio,
florescem e proliferam os sentimentos de tédio, insegurança e instabilidade,
seja nas pessoas e grupos, seja nas comunidades e instituições em geral.
Num universo destituído de estrelas, navega-se à deriva, ao sabor das ondas
ou da moda.81
81
GONÇALVES, Alfredo José. Arquipélago da vida religiosa. Disponível em:
<http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&langref=PT&cod=75510>. Acesso em: 18 de
junho 2013.
82
LIBANIO, João Batista. Em busca de lucidez: o fiel da balança. São Paulo: Loyola, 2008. p. 333.
48
afirma fortemente as divindades imanentes como a ciência, o Estado, a nação, a ideologia por
um lado e resgata as divindades politeístas e a energia do universo, por outro.83
Na perspectiva de Baumam (1925), a pós-modernidade tem gerado inúmeros
males que colocam em cheque muitos valores humanos. Os mal-estares da pós-modernidade
provêm de uma espécie de liberdade de procura do prazer que tolera uma segurança
individual pequena demais. Para ele
83
DUQUE, João Manoel. Transmissão da fé em contexto pós-moderno. Perspectiva teológica, Belo
Horizonte, v. 45, n. 126, p. 205-217, maio/agosto de 2013.
84
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. p.10.
85
LIBANIO, Deus e os homens, p. 33.
86
HUNTER, James C. O monge e o executivo: uma história sobre a essência da liderança. Rio de
Janeiro: Sextante, 2004. p. 57-96.
49
vários elementos das múltiplas e variadas religiões, igrejas e seitas se faz presente e visível na
vida de muitos sujeitos imersos nessa cultura. A última pesquisa do IBGE de 2010 comprova
e revela esta situação religiosa no povo brasileiro.87
O retorno do sagrado vai atingir profundamente a Igreja. Muitos valores
ressaltados pelo sujeito pós-moderno gozam de ampla presença na Igreja hodierna. Alguns
destes valores são revestido de um discurso medieval, mas com posturas profundamente
contemporâneas.88
Há algumas tendências que se forjam na Igreja católica, tais como:89
• Teologia: de uma fé que busca inteligência para uma fé que busca emoção prazerosa e
momentânea.
87
Os dados relacionados à fé do brasileiro são analisados e debatidos por um grupo de cientistas,
filósofos e teólogos neste artigo: A grande transformação no campo religioso brasileiro, Cadernos
IHU em formação, Ano VIII, n. 43, 2012.
88
LIBANIO, Em busca de lucidez, p. 18.
89
Tendências inspiradas em LIBANIO, João Batista. Cenários da Igreja: num mundo plural e
fragmentado. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2005. p. 159-196. Grifo nosso.
90
CAPELLI, O cisma silencioso, p. 155-174.
50
• Paróquia: de uma estrutura medieval, arcaica, rural, cansada e rígida que gera uma
massa de anônimos urbanos para a presença passageira em celebrações comunitárias que
valorizam a pessoa na sua religiosidade existencial.
Enquanto que as tendência externas, são:
• Cultura moderna: da Igreja que busca parceria por meio de valores perenes ditados
pela tradição para a autonomia do sujeito e satisfação dos seus desejos individuais no
presente.91
91
LIBANIO, João Batista. As lógicas da cidade: o impacto sobre a fé e sob o impacto da fé. São
Paulo: Loyola, 2001. p. 177- 197.
92
JESUS, Rodrigo Marcos. Cristianismo libertador: religião e política em Leonardo Boff. São Paulo:
Loyola, 2010. p. 25-65.
93
FUKUYAMA, Francis. O fim da história e o último homem. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
51
têm razão de ser na situação-condição em que a humanidade se encontra. A postura adequada
seria a de conformar-se e entrar nas leis do processo de globalização.94
Essa realidade sócio-cultural gerou uma forte crise civilizatória de múltiplas
dimensões. Percebe-se um mal-estar generalizado. Numa perspectiva otimista, Prudente Nery
afirma que
Nesta época é típico o seguinte: sabe-se que as coisas não podem continuar
como estão, mas não se sabe ainda como devem ser. O que já é não nos basta
mais e o que já somos e temos não mais nos satisfaz. É uma experiência de
profunda angústia. Mas de onde vem isto? Por que existe esta crise e não a
estabilidade? Por que sonhamos? Este é, na verdade, o mistério do coração
humano: um coração inquieto, incessantemente apaixonado pelo que ainda
não é. Isto é gratificante e muito positivo. Nalgum lugar de nós mesmos,
indelével, parece restar sempre um sentimento de que tudo o que somos e
temos não é tudo; que podemos ser melhores; que a realidade por mais justa
que seja pode ser mais justa e o mundo mais belo e que o principal ainda está
por vir. Quando este sentimento se impõe, entramos em crise, nós os nossos
arranjos existenciais e institucionais. É a vida querendo mais, transpondo os
limites que lhe foram impostos. Destarte a crise é uma chamada de atenção
de que somos além daquilo que pensamos, é a ponte que nos leva a uma vida
melhor, além desta mesmice existencial e monótona.95
94
LIBANIO, Eu creio, nós cremos, p. 68.
95
Texto apresentado por Frei Prudente Nery no Seminário Nacional sobre a formação presbiteral da
Igreja no Brasil em Belo Horizonte de13-17 de agosto de 2000.
52
agrava pela incapacidade de pensar e de enfrentar a amplitude dos problemas que vão
surgindo. Crise das religiões que com a modernidade e pós-modernidade mostram-se
incapazes de assumir os princípios da fraternidade se refugiando em fundamentalismos
estéreis. Crise do desenvolvimento que criou novas corrupções nos Estados, nas
administrações e nas relações econômicas. Por fim, “a gigantesca crise planetária é a crise da
humanidade que não consegue atingir o estado de humanidade”.96
Para Libanio a crise é de paradigma. Os desmantelos oriundos da razão
instrumental, principalmente na sua vertente tecnológica, fizeram-se visíveis: minou a vida
humana e ecológica. Para ele
96
MORIN, Edgar. A Via para o futuro da humanidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013. p. 24-
33.
97
LIBANIO, Em busca de lucidez, p. 91-92.
53
A cultura pós-moderna acentua o subjetivismo relativista em contraposição aos
compromissos sociais. Libanio, numa perspectiva de Sul ou de Terceiro Mundo, percebe que,
ante a política mundial, a pobreza continua se alastrando assustadoramente. Mais: o sistema
econômico criou uma nova pobreza que prescinde às preocupações das intituições,
principalmente as do Estado.98
Enfim, a pós-modernidade baniu da sua agenda as lutas por uma sociedade justa,
fraterna e livre. Sufocou o social em nome do pessoal. Algumas manifestações
revolucionárias da década de 60 ficaram adormecidas no cenário latino-americano. Urge nova
experiência que dê sentido e força para a contrução de uma nova história na América Latina: a
ideia-força de libertação.
98
LIBANIO, A religião no início do milênio, p. 52-53.
99
LIBANIO, João Batista. Teologia da libertação: roteiro didático para um estudo. São Paulo:
Loyola, 1987. p. 16-18. Veja, também: ASSMAN, Hugo. Crítica à lógica da exclusão: Ensaios sobre
economia e teologia. São Paulo: Paulus, 1994. p. 13-36.
54
momento de euforia devido a ascensão de um simples trabalhador à presidência do Brasil.
Dentro de uma cultura pós-moderna, deu-se a impressão que as manifestações ressaltavam as
questões existenciais e poucas as políticas e sociais. Quer dizer, as preocupações eram em
benefício pessoal que coletivo. Ascenção visível da subjetividade do sujeito pós-moderno.
No Brasil, essa religiosidade carrega forte sincretismo que veio de Portugal. Tal
tendência é endossada no encontro com as culturas afro e indígena. Mais. A capacidade
sincrética permitiu que outras tradições – esotéricas, orientais, japonesas, evangelismo
americano – ainda se lhe juntasse com a espírita. Essa onda religiosa sofre forte impacto da
modernidade e pós-modernidade.101
O impacto maior contra a religiosidade veio pela “romanização” da fé cristã.
Trata-se de um processo de dessincretização, de racionalidade sob a orientação da hierarquia.
A “purificação” da fé cristã era realizada pelo clero adestrado sob os moldes do Concílio de
Trento. Os sacramentos, as missões, catequese e pregações eram funções esclusivas dos
padres e bispos.102
100
LIBANIO, A religião no início do milênio, p. 117.
101
Ibid., p.118.
102
Ibid., p. 120-122.
55
Os valores da modernidade e da pós-modernidade atingiram fortemente o
arcabouço da fé cristã do latino-americano. A racionalidade moderna questionou o
sincretismo elevando-o ao patamar de superstição, magia e realidade do passado que não tem
sentido no presente. O subjetivismo pós-moderno, radicado no emocional, resgata a
religiosidade, mas cunhando-lhe um novo sentido: viver livre e prazerosamente a relação com
o sagrado sem recorrer às categorias racionais para explicar tal experiência.
Que esse dado objetivo das imensas massas de explorados permite, nos
níveis político e cultural, um processo de conscientização, organização e
práticas numa linha emancipatória. Será, pois, contra esse quadro de miséria,
de exploração, dominação que os movimentos políticos, sociais e culturais
103
LIBANIO, Teologia da libertação, p. 61.
56
de libertação adquirirão sentido e consistência e poderão criar a consciência,
o clima libertário que está na origem da TdL.104
104
Ibid., p. 51. TdL refere-se à Teologia da Libertação.
105
Parte das reflexões a seguir, foram inspiradas na obra de LIBANIO, João Batista. Igreja
contemporânea: encontro com a modernidade. São Paulo: Loyola, 2000. p. 109-151.
106
Categoria usada por Pedro A. Ribeiro no artigo “Libertação”: ideia-força da “esquerda”. In:
SOUZA, Luiz Alberto Gómez de (org.). Relativismo e transcendência. Rio de Janeiro: Educam, 2007.
p. 31-45. O mesmo define ideia-força como ideia carregada de valor capaz de conferir sentido à ação
humana. Apud JESUS, Cristianismo libertador, p. 25. Nota de rodapé.
107
PAULY, Wolfgang (org.). História da teologia cristã. São Paulo: Loyola, 2012.
57
5.4 Gênese da Teologia da Libertação
108
BOFF, Leonardo. Quarenta anos da teologia da libertação: uma metáfora do Mistério Pascal. In:
OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro; DE MORI, Geraldo. Religião e educação para a cidadania. São Paulo:
Paulinas, 2011. p. 134.
109
LIBANIO, Igreja contemporânea, p.115.
58
se a vitalidade, atualidade e necessidade da TdL. O sistema econômico hodierno continua
produzindo pobres. A política se limitou à busca de interesses pessoais. A cultura solidificou
o individualismo. As religiões vivem numa verdadeira feira onde cada uma apresenta um
produto melhor para o consumo dos seus fiéis. As ciências, principalmente as biológicas,
estão submissas aos interesses das indústrias farmacêuticas que, por sua vez, se condicionam
aos do mercado.
6 À guisa de conclusão
59
A modernidade dá sinais de esgotamento. Os sonhos de Prometeu se tornaram
pesadelos. Os desmantelos são visíveis. A natureza geme e sofre em contínuas dores de um
parto. O perigo da destruição da vida humana em grande escala por meio de bombas atômicas
se torna preocupante.
O que importa para o sujeito pós-moderno é o aqui e agora, o bem-estar
emocional, o prazer do momento, o amor sem compromissos duradouros, a relatividade da
verdade, o gosto pelo lazer, a relação benfazeja com os outros, a fé que anima e protege dos
engodos da vida, a religião que consola e defende das dores e tristezas.
Na América Latina o sujeito crente se depara com uma situação que gera
indignação ética e impulsiona a ideia-força de libertação. Desesperançado e abandonado pela
modernidade e pós-modernidade, excluído do melhor do banquete da economia de mercado,
traído pelos interesses privados dos seus representantes, marginalizado pelo individualismo
cultural, o sujeito que crê sonha novas utopias, cria novos paradigmas, toma consciência da
sua vocação ontológica e elabora uma teologia que lhe dê significado para voltar ao ardor do
Primeiro Amor: o Reino de Deus.
É dentro desses contextos que surgem a contribuição do teólogo João Batista
Libanio. Para ele o ser humano vive a fé cristã simultaneamente nas dimensões pessoal,
eclesial e política. Na pessoal encontra significado e sentido para a sua existência. Descobre
que Deus não é alheio à subjetividade do ser humano.
Toma consciência que a fé consiste em fazer uma verdadeira experiência
transformadora no coração da própria existência. Oriundo da Trindade, o sujeito não
prescinde da sua vida eclesial. A comunidade é expressão da dimensão social da fé e,
principalmente, do amor. A vida espiritual se manifesta na comunidade. Sem ela o sujeito não
cresce e nem se amadurece na fé.
Entretanto o sujeito que crê não se limita a viver a fé na vida pessoal e eclesial.
Ela tem ressonâncias na própria sociedade nos âmbitos econômico, político, cultural, religioso
e ecológico. Engaja-se em movimentos que lutam por uma economia que ao invés de
privatizar, socializa os bens para que as pessoas possam ter vida digna. Busca uma política de
serviço e cuidado pelo povo e não que salvaguarde o poder em proveito próprio. Promove a
cultura da solidariesdade e não a do narcisismo exacerbado.
60
Além disso, vive a religião do diálogo que semeia e cultiva a paz (Hans Kung) e
não o fundamentalismo insano que destrói o diferente. Colabora para a mudança de
paradigma ecológico: do uso desenfreado da natureza para alimentar as indústrias e o
consumismo hodierno para uma relação simbiótica e fraterna com o ambiente inteiro.
61
CAPÍTULO 2
A FÉ CRISTÃ EM JOÃO BATISTA LIBANIO
63
Jesus, o cristão pauta a sua vida nas relações com outros membros da Igreja. A fé o leva ao
contato com o outro que expressa a mesma fé em Jesus Cristo, mesmo sendo membro de
outra Igreja.
Por fim, toda eclesialidade é manifestação da Revelação de Deus. Ela se
fundamenta na Escritura e se vive na Tradição. Nos Escritos Sagrados estão consignados os
passos da Antiga e Nova Aliança que culminam em Jesus Cristo. Na Tradição acumulam-se
experiências do povo de Deus repassadas para muitas gerações.
1.1 Religião
1
LIBANIO, João Batista. Fé. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p. 22.
64
apresenta como aquela que organiza, visibiliza e viabiliza as relações do ser humano com o
sagrado.
Na terceira, que se origina de Santo Agostinho, religião faz remontar a religentes,
isto é, re-escolhendo e religando. A relação com Deus é um longo processo de contínua opção
que o ser humano faz em sua vida. Percebe-se que, o sentido cunhado por Santo Agostinho, é
fruto de sua experiência de conversão.2
Em suma, Libanio considera a religião como expressão da dimensão social do ser
humano. Por isso ela institui sistema de ritos, práticas, doutrinas, constituições, organizações,
tradições, mitos, artes. É um sistema de representação, de orientação, de normatividade.
Traduz uma tradição acumulada e vivida por uma comunidade. É o lado visível da relação
com o sagrado.
Mais. Baseado em Danièle Hervieu-Léger (1947), Libanio aponta dois traços
fundamentais da religião: a tradição e a comunidade. Na tradição, a religião é um dispositivo
ideológico, prático, simbólico, pelo qual se constitui, se alimenta e se desenvolve o sentido
individual e coletivo de pertença a uma linha particular de crença. A comunidade é o conjunto
de fiéis do passado, presente e futuro que legitimam a crença-tradição.
Na relação entre tradição e comunidade, Libanio afirma que
1.2 Religiosidade
2
“Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu te amei. Eis que habitavas dentro de
mim e eu te procurava do lado de fora”. SANTO AGOSTINHO. Confissões. São Paulo. Paulus, p.
295.
3
LIBANIO, João Batista. A religião no início do milênio. São Paulo: Loyola, 2000. p. 90.
65
se vincula necessariamente a uma religião e, quando o faz, assume da religião os elementos
que a satisfazem enquanto tradição e comunidade.
Na perspectiva de R. Otto (1869-1937),4 Libanio define religiosidade como uma
percepção da presença do sagrado por parte do sujeito. Esse sagrado provoca fascínio e medo.
O fascinante e o horripilante provocam a experiência religiosa ao arrancar o ser humano do
ordinário, do comum, da rotina transportando-lhe para o extraordinário, o diferente.5
Para o autor, o sagrado guarda certa ambivalência que permite comportamentos e
reflexões antagônicas. Ele se apresenta com perigos e valores positivos. Os perigos residem
no fato de provocar a morte e a falta de perspectiva existencial naqueles que se aproximam
dele. O positivo é que o sagrado dá as realidades criadas o seu sentido, seu valor, sua
consistência. Afastar-se do sagrado é submeter-se a anomia, a perda de sentido, ao caos.
Sob a inspiração do filósofo Lima Vaz, Libanio afirma que
4
Rudolf Otto foi um eminente teólogo protestante alemão e erudito em religiões comparadas. Criador
do termo numinous, o qual exprime um importante conceito religioso e filosófico da atualidade.
5
Ibid., p. 92.
6
Ibid., p. 95. Libanio esclarece essa distinção quando trata da fé.
7
Ibid., p. 96.
66
Libanio afirma que a espiritualidade perde sua autoridade no que diz respeito à
doutrina e o conhecimento que visam substituir a fé cristã. Com o passar do tempo, a
espiritualidade adquiriu conotação anti-institucional. O termo espiritualidade é vista como
simples dimensão antropológica desconectada de elementos sociais.8
A mística hodierna se expressa em aspectos celestes, psicológicos e cósmicos. No
celeste se confunde com a busca de personagens históricos do cristianismo (anjos) e pagãos
(gnomos, fadas, mitos). No psicológico se procura maior conexão da alma com o espírito por
meio da meditação, respiração, concentração para se adquirir paz e serenidade interior. No
cósmico experimenta a harmonia do universo, a comunhão com a energia geral do cosmo.
Muitas experiências tem um caráter religioso, místico e cristão. No religioso,
revela-se e se manifesta na relação com o sagrado. No místico, celebra-se os mistérios da vida
e da morte nas várias tradições e costumes religiosos. No cristão, centraliza-se no Reino de
Deus anunciado por Jesus Cristo.
1.3 Fé
1.3.1 Fé humana
8
Ibid., p. 97.
67
fundo, significa que confio que o outro me dará aquele valor a que tenho direito por venda,
compra ou empréstimo.
Nas suas origens, o ato de crer revelava uma relação de reciprocidade, de “confiar
uma coisa com a certeza de recuperá-la” religiosa e economicamente. Era uma atitude de
confiança (crença) dos seres humanos nos deuses que lhes protegiam e nos homens (crédito)
que lhes restituíam o que era devido. 9
Mais: a fé ganhou uma expressão demasiadamente existencial e transcendental. É,
antes de tudo, dar a Deus o coração, entregar-lhe o íntimo de nosso ser, pôr à sua disposição o
cerne de nossa pessoa, oferecer-lhe nossa liberdade num gesto de dádiva confiante, prestar-lhe
a obedientiam fidei (Rm 1,5; 16,26) como a testemunha veraz.10
Crer é uma experiência humana que existe entre as pessoas e que se prolonga nas
coisas, objetos e religiões. A necessidade de relações gera confiança nas pessoas. A relação do
ser humano com os outros se torna parâmetro e base para a composição da sua visão de
mundo. É nas relações de confiança que as convicções se formam durante todo percurso da
vida. 11
Na infância a relação de confiança com os pais assume o grau maior de
importância. Na adolescência há uma fase de questionamento sobre a confiança nos adultos,
devido à busca de autonomia do mesmo. Na juventude procura-se amadurecer com a
finalidade de criar vínculos permanentes. Na vida adulta, desenvolve-se a maturidade ao criar
relações verdadeiras e confiantes.
Não se pode negar que a confiança está em crise. O excesso de autoconfiança gera
individualismo e narcisismo. A riqueza prioriza as relações com os bens. A paixão
desordenada se reduz ao erotismo desenfreado e sufoca a lucidez do amor ágape. O medo e a
violência nas metrópoles diluem a confiança entre as pessoas.
A cultura do descartável gera insegurança e desconfiança em muitas relações. Os
compromissos são momentâneos e passageiros. Não se vê perspectiva de felicidade no
encontro. O virtual se coloca no lugar do real. Assim as relações caem no perigo do
utilitarismo sem vínculos efetivos e afetivos.12
9
LIBANIO, Fé, p. 10.
10
LIBANIO, Eu creio, nós cremos, p. 152.
11
LIBANIO, Fé. p. 12.
12
Ibid., p. 16-19.
68
1.3.2 Fé cristã
13
Ibid., p. 43.
14
LIBANIO, A religião no início do milênio, p. 98.
15
LIBANIO, Fé. p. 45.
69
Santo Agostinho ressalta outras regências do mesmo verbo. O credere Deum que
é a assimilação abstrata e lógica da existência de Deus, sem contudo criar adesão e vínculo. O
credere Deo parte do princípio que Deus se revelou ao ser humano, mas que não garante a
salvação. O credere in Deum supõe as anteriores e é vivida na caridade que é fonte da
salvação.16
Enfim, para Libanio o ser humano é um homo religiosus (religiosidade), que vive
socialmente essa dimensão (religião) e responde a uma interpelação do Deus revelador (fé).
As três dimensões colaboram-se mutuamente e se questionam reciprocamente. Busca-se o
equilíbrio. O questionamento surge quando elas tendem a reduzir-se, numa dimensão em
detrimento da outra.17 É preciso lucidez pessoal e eclesial para viver adequadamente essas
dimensões importantes na vida do cristão.
16
LIBANIO, Eu creio, nós cremos, p. 152.
17
LIBANIO, A religião no início do milênio. p. 100-105.
70
profundas possibilitam uma abertura para o Transcendente e as experiências existenciais
adquirem, também, papéis preponderantes para a vivência da fé.
Para Libanio a subjetividade significa a interioridade da consciência, enquanto
oposta à exterioridade do mundo, mas que se constrói em relação com ele. Ela se revela como
sujeito de significações, de valores, de compreensões do mundo, de interpretações da
realidade.18
Na Idade Média, vivia-se a fé sem problemas. A autonomia do sujeito, oriunda da
modernidade, chegou a negar a dimensão transcendental do ser humano. Libanio considera
que essa experiência cultural não fecha o ser humano à Revelação de Deus. Antes, as
experiências do cotidiano conduzem e abrem o ser humano para Deus.
18
LIBANIO, Eu creio, nós cremos, p. 78.
19
Ibid., p. 79.
71
humano com o Transcendente. A filosofia, por meio das criaturas, procura chegar
racionalmente ao criador. E o amor se torna expressão prática da vivência da fé cristã.
As experiências significativas da vida remontam o ser humano à descoberta da
transcendência. O nascer, o viver e o morrer são experiências que levam inevitavelmente às
questões de Deus. Nascer requer responsabilidade. Viver só vale se for com sentido, pois as
dores, dificuldades e sofrimentos fazem parte da aventura humana. A morte continua uma
incógnita do além-vida. Todas essas experiências remetem e conduzem o ser humano ao
Transcendente.20
Para Libanio, essas experiências abrem o ser humano à Revelação e a
subjetividade é questionada. Tensão que provoca necessidade de conversão do ser humano.
Assim acontece uma virada hermenêutica com a subjetividade existencial.
20
Ibid., p. 80.
21
Ibid., p. 82.
72
afetiva da dependência das autoridades em todos os níveis. A razão como instrumento de
cálculo e análise do real. O trabalho reduz-se à transformação das coisas que implica colocar
no centro “o mundo da utilidade, do oportunismo, da produtividade, do exercício de uma
função”.22
A liberdade é autodeterminação dos sujeitos em todos os campos. Não quer ser
condicionada pelos deuses (Sartre e Nietzche) e nem pelos condicionamentos do inconsciente
(Freud). A felicidade e o prazer se tornam o “combustível da vida”. O afeto e o bem estar, a
alegria espontânea e momentânea, tornam-se motivação das decisões das pessoas.23
As tendências da pós-modernidade são: tecnologia, presente, fragmentação e
estética. Libanio vê a pós-modernidade como filha da tecnologia. Esta ao mesmo tempo em
que condiciona o indivíduo a isolar-se no uso da internet, o impulsiona a buscar relações
humanas nas redes sociais. Fenômeno paradoxal.
Devido à insatisfação generalizada, o indivíduo procura viver no gozo do
presente. O passado não importa e o futuro se despreocupa. A fragmentação dilacera o ser
humano por dentro e por fora. Por dentro faz o “eu” se dividir em impulsos da vida e da
morte, pensamentos positivos e negativos, sentimentos de dor e alegria. Por fora, se percebe a
pluralidade de ofertas religiosas. O estético se une ao ético como aversão à corrupção política,
as máfias, às facções das drogas, etc.
Para Libanio o perigo da subjetividade transcendental e existencial reside em
enclausurar-se em si mesma prescindindo o outro, principalmente dos pobres. Alicerçada no
pensamento filosófico alemão (Kant e Heidegger) e na teologia “existencial sobrenatural” de
Rahner, “as experiências subjetivas tendem a ser carentes de uma complementação social”.24
Enfim, a fé cristã se constrói a partir das experiências subjetivas oriundas dos
valores da cultura moderna e pós-moderna. O “eu creio” se expressa na subjetividade do
seguidor de Jesus Cristo. O ato de crer interpreta continuamente a Revelação dentro das
experiências do cristão a partir do seu lugar e espaço vital. Na América Latina a subjetividade
se manifesta na compaixão que cria “relação construtiva, sadia e comprometida com o
pobre”.25 Aventura que exige mudanças e conversões não tão fáceis.
22
Ibid., p. 83.
23
Ibid., p. 84.
24
Ibid., p. 81.
25
Ibid., p. 85.
73
2.2 A subjetividade da fé cristã nos seus aspectos histórico, social e cosmológico
26
Ibid., p. 103.
74
2.2.1.1 Vias do crescimento espiritual
27
Ibid., p. 90.
28
Ibid., p. 91.
29
Ibid., p. 92.
75
vida adulta. Este processo se dá com avanços e recuos, pois a relação do ser humano com
Deus não é linear e sim oscilativa.
Fase pré-escolar processa-se a primeira socialização da fé não-verbal pela força
das imagens, dos símbolos, da emoção, do corpo e dos sentidos.30 Nesse período dá-se ênfase
ao ensino na família, onde os pais são modelos para os filhos. É de fundamental importância
evitar a catequese do medo. É preciso usar recursos de imagens e símbolos de fundo
emocional.
Na fase escolar até o limiar da idade adulta, a criança, o adolescente e o jovem,
entram num processo contínuo de reelaboração, ampliação e reformulação de conteúdos da
primeira infância. A fé crítica ocupa o espaço da fé ingênua. Buscam-se grandes ideais e
valorizam-se as vivências momentâneas. Fase onde se busca respostas por meio de
experiências cristãs que norteiam a existência.
Na fase adulta, forma-se identidade segura no aspecto social, cultural e religioso.
Enfatiza-se intimidade, produtividade e integração. Momento de síntese que dá lugar às
convicções. A visão da vida e da morte é refletida de modo mais sereno. Período onde a fé
madura abre-se para posições diferentes. Fase da síntese e do “vislumbre da eternidade”.31
Baseado nos estudos de Leonel Franca (1893-1948), Libanio elenca as
dificuldades do ato de crer. Os obstáculos da fé são de ordem racional (ignorância) e volitiva
(orgulho e sensualidade). Empecilhos que limitam, mas não impossibilita o encontro com
Deus. Os santos são abundantes exemplos na busca da fé cristã e, por fim, na união com
Deus.32
Para Libanio, a consciência histórica parte do lugar em que o sujeito está. O seu
pensar é condicionado pelo momento histórico. Os riscos da consciência histórica estão entre
os extremos do dogmatismo e do historicismo. Esse nega o caráter absoluto da verdade.
Reduz tudo ao histórico. Aquele considera a história como um simples vaso que conserva as
verdades eternas e imutáveis da fé. Entre esses dois, há a hermenêutica que busca sentido no
presente de um texto do passado.
30
Ibid., p. 97.
31
Ibid., p. 92-101.
32
Ibid., p. 103.
76
Por isso, Libanio sustenta que
O “eu creio” não se reduz ao momento, etapa e período. O ato de crer acontece,
também, em determinado lugar. A sociedade é espaço que afeta a subjetividade no ato de crer.
Libanio percebe a sociedade em dois aspectos: o estrutural e o conjuntural. No
estrutural, analisa as estruturas básicas da economia, política e cultura que constituem a
sociedade. No conjuntural, atualiza as estruturas em determinada época e grupo social que
tem forte impacto nos indivíduos. Ambos marcam a subjetividade e a vivência da fé.
33
Ibid., p. 105.
34
Ibid., p. 110.
77
Os elementos da sociedade condicionam a subjetividade no ato de crer. No
mundo, a comunicação e a tecnologia influenciam as relações dos indivíduos criando
condições para o narcisismo. A subjetividade hodierna se constrói a partir das relações
midiáticas e, consequentemente, comprometem os encontros entre as pessoas.
A partir da relação dialética entre sujeito e sociedade, Libanio considera que
subjetividade está condicionada ao social e possibilita no indivíduo à “consciência
possível”.35 Essa se define de modo afirmativo e negativo.
Positivo indica o máximo de conhecimento ou compreensão que um indivíduo,
grupo, uma classe social ou toda época podem alcançar sobre um problema, dados os
condicionamentos que limita a sua visão.
Negativo é o horizonte de conhecimento que não consegue ultrapassar um dado
momento cultural, pois as relações sociais limitam a consciência possível. Não consegue
pensar além do estabelecido pela sociedade vigente e nem pelo experienciado pessoalmente.
Visão limitada e reduzida às circunstâncias do indivíduo.
Assim se forma a consciência possível. A mentalidade é condicionada pelo
momento do sujeito. Esse pensa e sente a partir do lugar social onde se encontra. Por isso, a fé
cristã sofre consequências que precisam ser percebidas, analisadas, com a finalidade de
libertá-la dos valores contrários aos de Jesus Cristo.36
Outro aspecto é a ideologia, que é o conjunto de ideias que regulam grupos e
pessoas. São crenças, pensamentos e imagens que se tornam determinantes na condução da
sociedade. A fé sofre impacto das ideologias. Nesse sentido, Juan Luis Segundo, diz que antes
da “teologia da libertação” deve-se falar de “libertação da teologia”. Ou seja: libertar a fé das
más ideologias.37
Na esteira de Lima Vaz, Libanio conclui que a crítica da ideologia se faz pela
concepção do ser humano a partir da existência concreta – sua condição histórica e suas
exigências de realização – que julga inapelavelmente a concepção ideológica.38
Libanio utiliza como elemento teológico para a purificação da fé cristã a Trindade,
a Encarnação e a Páscoa. Mistérios cristãos que são parâmetros enquanto norma existencial e
35
Ibid., p. 111.
36
Ibid., p. 112.
37
Ibid., p. 114.
38
Ibid., p. 115.
78
histórica. Eles contribuem para que o cristão faça um julgamento lúcido ante os desafios que
se impõem à sua fé. 39
Libanio entende que, a conjuntura da América Latina tem forte impacto no ato de
crer.40 O capitalismo, principalmente na sua vertente de mercado neoliberal, produz mazelas
que corroem os fundamentos na vivência de uma verdadeira fé cristã.
O capitalismo chegou ao ápice de reduzir toda a sociedade ao econômico sem
apelos e critérios éticos. O mercado reduz a função do Estado, regula as relações econômicas,
comanda a política, decide os estatutos jurídicos, exige maior competitividade, competência,
eficiência das empresas com produtos melhores e mais baratos, de um lado, e com a
maximização de seus lucros, do outro, para continuarem na mesma linha de concorrência.41
Para o autor, o mercado cumpre duas funções: psicológica e epistemológica. Na
psicológica, visa transformar desejos em necessidade por meio da tecnologia no intuito de
gerar consumo desenfreado. Na epistemológica, o mercado se considera uma instância
absoluta que conhece, cultiva e intensifica o impulso dos indivíduos para o consumo. Tais
funções geram a mercantilização da fé: um produto de desejo que funciona como terapia ante
as dificuldades, problemas e sofrimentos da vida.
Na América Latina o capitalismo vive num paradoxo gritante: o neoliberalismo
avançado fomenta o individualismo exacerbado, de um lado, e reduz os compromissos éticos
do Estado do bem estar comum, de outro.
Dentro dessa conjuntura, os efeitos da globalização se manifestam de modo
positivo e negativo. Positivamente, aumenta os bens de consumo para a humanidade.
Negativamente amplia a pobreza e a destruição da natureza como um todo.
Para Libanio, a maior consequência do mercado na América Latina foi o
desaparecimento do ideal social e de muitos elementos do ideário socialista. A fé cristã,
impensável sem uma dimensão social, vê-se ameaçada de se perder em formas espiritualistas
e carismáticas.
39
Ibid., p. 116.
40
Ibid., p. 121.
41
Ibid., p. 122.
79
Outro efeito é o desejo de provar tradições diferentes como as seitas pentecostais e
muitos movimentos orientais. Por isso, a fé cristã resgata a dimensão profética ante o
individualismo que sufoca o social e a lucidez crítica perante os apelos do mercado
econômico e religioso.42
42
Ibid., p. 124-125.
80
Para os estoicos, o cosmo tem a mesma natureza do ser vivo: animado, inteligente,
racional, absolutamente perfeito, governado pela Providência, dirigido e atravessado pelo
mesmo pneuma imanente a ele.
As ideias platônicas e estóicas, por sua vez, influenciam os Padres da Igreja.
Clemente de Alexandria (150-215) afirma que os elementos água, ar, fogo e terra são
princípios de todas as coisas. São Basílio (329-379) diz que predomina, na criação, a ideia do
projeto de Deus. Ele tudo criou em harmonia com esse projeto, fazendo cada coisa segundo a
natureza que lhe convinha e segundo sua razão profunda.43
Na Idade Média São Francisco expressa a bela harmonia do cosmo a partir do
Canto das Criaturas. Santo Tomás de Aquino (1225-1274) diz que a mente procura entender
as causalidades criadas até descansar na Causa das causas, na Causa primeira, na causa
última.44
Na idade moderna e contemporânea vê-se a beleza da concepção de Santo Inácio
de Loyola (1491-1556), São João da Cruz (1542-1591) e Adélia Prado (1935), por exemplo.
Inácio percebe que a maior consolação advém da contemplação do céu e das estrelas. São
João da Cruz descreve no cântico espiritual, as finuras do amor com as figuras da natureza.
Adélia Prado experimenta um maravilhoso toque de sensibilidade e beleza no cotidiano, no
banal da vida, por meio do poema “o homem da campina”.45
Para Libanio, a modernidade rompe com esta harmonia. O cosmo deixa de ser
palco de reverência e serviço ao Criador. A natureza é vista como objeto de transformação e
manipulação. O utilitarismo se torna predominante. A obra-prima, oriunda do cosmo, é usada
somente para fins de consumo.
Essa nova visão da relação ser humano com o cosmo produz consequências
positivas e negativas. As positivas seriam as melhorias na vida, saúde, conforto, socialização
das benesses e avanços tecnológicos. As negativas afetam os pobres e a natureza. Os pobres
43
Ibid., p. 130.
44
Ibid., p. 132.
45
Ibid., p. 134.
81
não tem acesso à riqueza e vivem em contínuo perigo de morte. A destruição da fauna e da
flora revela o grito da natureza sufocada.
Ante a subjetividade dominadora, criou-se a mentalidade operativa. Libanio
considera que a Teologia da Libertação sobressai na operatividade da fé. A TdL tem a
pretensão de ser uma teologia da prática do cristão. Isto significa que a fé leva o cristão a uma
ação transformadora. É a fé inculturando a relação de dominação da subjetividade moderna
em relação ao mundo.46
Assim, a fé cristã deixou de ser fonte alienadora de pura contemplação enquanto
as forças conservadoras dominavam e dirigiam a sociedade. Desta forma “a fé, como a
teologia cumpria, na expressão J. B. Metz (1928), a função crítica, desprivatizante do sujeito e
de sua expressão religiosa burguesa”.47
46
Ibid., p. 137.
47
Ibid., p. 138.
48
Fritjof Capra (Viena, Áustria). Nasceu no dia 1 de fevereiro de 1939. É um físico teórico e
escritor que desenvolve grande trabalho na promoção da educação ecológica no mundo inteiro.
49
Ibid., p. 144-148.
82
Nas suas reflexões, Libanio percebe a ecologia em quatro aspectos: ambiental,
social, mental e espiritual. Ambiental é a dimensão da natureza nos seus aspectos da fauna e
da flora. Social é a busca de maior justiça para os mais necessitados. Mental consiste na
estrutura psíquica que toma posição diante da vida. A espiritual integra e confere sentido às
demais dimensões humanas. Distinção didática que, na prática, estão vinculadas umas nas
outras em profunda relação.50
A fé cristã desdobra-se no duplo movimento de louvor e comunhão com o cosmo.
Cria-se um novo paradigma da conexão reta e equilibrada do cosmo, ser humano e Deus. A
teologia tem uma longa tarefa nessa missão.
50
Ibid., p. 395-402.
51
Ibid., p. 404-405.
83
2.3 Racionalidade da fé
Além da subjetividade que repercute no ato de crer, Libanio não fica indiferente à
questão crucial da relação entre fé e razão. O “eu creio” é afetivo, mas, também, é racional.
Ao longo da história, essa relação foi de confronto e de harmonia. Ademais há uma estrutura
intrínseca à natureza humana que revela tal tensão entre essas duas dimensões. A relação se
efetiva ao longo do desenvolvimento da personalidade. A conjuntura hodierna requer lucidez
crítica e diálogo enriquecedor entre fé e razão.
52
Ibid., p. 174.
53
Ibid., p. 175.
54
Ibid., p. 176.
84
“Reflete um espírito de simplicidade, de espanto, de criança. É uma razão axiolólogica. Faz
pensar no que Santo Tomás chamava de ‘intellectus’, Pascal (1623-1662) de ‘coração’,
Bergson de ‘intuição’”.55
55
Ibid., p. 179.
56
Ibid., p. 180.
57
Ibid., p. 181.
85
A racionalidade no ato da fé acentua o caráter da realidade e da verdade daquela
que é o termino de tal ato: a Trindade. A fé representa uma resposta à tendência do ser
humano de buscar a verdade por meio da inteligência que é atraída pela Verdade Primeira e
nela pode descansar.58
58
Ibid., p. 182.
59
Ibid., p. 184.
60
Ibid., p. 187.
86
dialógico entre as liberdades de Deus e do ser humano. O ato de fé – a graça de Deus – une-se
ao ato livre do cristão.
A liberdade se encontra no nível do conhecimento e da decisão. Na história, a
salvação se faz presente a partir da consciência de liberdade. Essa liberdade é dom de Deus.
Realiza-se no diálogo entre o divino e o humano, Deus e os irmãos. Trata-se de uma
responsabilidade incumbida ao ser humano.
A liberdade não se opõe à lei da necessidade, mas assume-a, em outro nível. No
reino da necessidade, pode se conhecer, determinar e programar de antemão os resultados que
vão acontecer.61 Deus não nos fez fantoches manipulados a seu bel-prazer como supõem
alguns cristãos desinformados.
A liberdade no ser humano lhe permite relacionar-se consigo, com Deus, com o
outro e com o mundo. Consigo, administra o cabedal de sentimentos, pensamentos e emoções.
Com Deus, realiza a sua vocação sobrenatural de comunhão com o Transcendente. Com o
outro, cria laços afetivos e duradouros que lhe traz realizações. Com o mundo, colabora para
um meio ambiente sustentável.
Libanio diferencia liberdade cristã e humana. A liberdade cristã é tocada pela
graça de Deus realizada em Jesus Cristo. Os níveis da liberdade cristã são ontológico
(natureza cristã) e tematizada (liberdade perante a lei para amar).
61
Ibid., p. 193.
62
Ibid., p. 195.
87
Trata-se sempre da liberdade “de” à liberdade “para” (Trindade-comunhão por
meio da caridade). A verdadeira liberdade desemboca sempre no amor. Uma leva a outra. São
imbricadas.
A liberdade humana se manifesta na capacidade do ser humano de ser colaborador
e partícipe da criação. Mas corre o risco de gerar sofrimento de Deus por meio da morte de
seu Filho e produzir dores para o ser humano por meio das paixões, crimes, violência e,
também, de negar a existência do próprio Deus.63
63
Ibid., p. 198-200.
64
Ibid., p. 202.
65
Ibid., p. 205.
88
do ser humano que não abarca a totalidade do mistério de Deus Pai, pois ele está além da
lógica de qualquer raciocínio humano.66
2.5.1 Aporia da fé
66
Ibid., p. 208-210.
67
Ibid., p. 215.
89
2.5.2 A fé como resposta
Libanio diz que, na fé, a pessoa se entrega ao Deus Revelante com uma certeza
que exclui toda dúvida, como verdade infalível.68 A fé é responsável e consciente, pois não
diminui o valor da razão. É dom e manifestação da graça.
Dentre as funções da graça, temos: desenvolver o conhecimento analógico,
oferecer ambiente para o coração assentir a Deus, elevar a sobrenaturalidade da
intencionalidade intelectivo-volitivo, contribuir na percepção dos sinais de Deus no mundo,
na palavra, na ação da Igreja, nas realidades humanas.
Por fim, o ser humano pode atingir a Deus como Suprema Verdade. Tal fato só
pode acontecer porque nele há essa possibilidade, essa potência obediencial que consiste em
sua própria estrutura dinâmica para o Ser (em geral) e por que se dá uma elevação dessa
potência para a Verdade Primeira.69
As pessoas da Trindade têm forte impacto no ato da fé. Imbuído pela graça, o “eu
creio” professa a fé fundamentada no Deus que se revela no seu mistério trinitário, na
Encarnação do Filho e na inabitação do Espírito Santo.
O maior problema na América Latina, no que diz respeito à fé, segundo Libanio,
refere-se à idolatria: dar plenos poderes aos bens e às pessoas de modo geral. Isso gera, por
um lado, as injustiças e, por outro, as ditaduras e tiranias.
A pequenez do ser humano é imensa ante a sua grandeza absoluta. Entretanto
Deus, por iniciativa própria vem ao encontro do ser humano. A fé é graça, dom na mais
absoluta gratuidade. Só nesta perspectiva se pode entender o que significa a Revelação como
68
Ibid., p. 216.
69
Ibid., p. 219.
90
“autocomunicação de Deus”. Rahner usa uma expressão muito significativa por esconder a
ideia de um Deus que “com+parte” conosco sua própria vida.70
Deus, como abismo insondável, autorevela-se e se autocomunica ao ser humano.
A Trindade faz-se presente na história da humanidade desde a criação (protologia), passando
pela salvação (soteriologia), até o fim dos tempos (escatologia). Destarte, o Pai cria, o Filho
salva e o Espírito Santo santifica.
70
Ibid., p. 227.
71
Ibid, p. 237-238.
91
3 "Nós cremos": dimensão eclesial da fé
Para Libanio, o “nós cremos” é a primeira experiência teológica que a maioria dos
cristãos fazem antes de dizer “eu creio”.72 Cremos na Igreja e como Igreja. O ato de crer
nasce, cresce e se plenifica na comunidade. A dimensão eclesial é intrínseca à fé cristã. Ela se
efetiva em diferentes níveis, que se integram e se interagem mutuamente.
72
Ibid., p. 249.
73
Ibid., p. 250.
92
A exteriorização acontece por meio da catequese familiar, paroquial, a
participação nas celebrações, os ritos, os símbolos, os cursos, leituras e práticas religiosas
comunitárias. Nesse sentido, a fé se faz religião.
Na objetivação, os elementos exteriorizados adquirem uma existência objetiva.
Essa fase possibilita que as pessoas possam interiorizar os elementos existentes. Ápice do
processo que, falhando em um dos momentos, cessa de existir como realidade social.74
No nível ético, o ser humano pela graça de Deus, procura agir em prol do outro. O
ético trata-se da vivência e do dever, da prática do bem para com os semelhantes. Promove os
Direitos Humanos e luta pela justiça e a fraternidade na sociedade. Não fica indiferente aos
problemas sociais. Efetiva os princípios da solidariedade.
No nível teológico, o bem moral tem uma Causa própria. Os atos encontram
sentido em Deus. Os imperativos éticos são vistos como exigências da Trindade. O dever é
expressão do projeto salvífico de Deus.
No nível cristão, Deus se encarna em Jesus Cristo. Ele é o sentido último da ação
do cristão. A fé se manifesta como adesão à Jesus e acolhida do Reino de Deus. A vida de
Jesus – ações, palavras, comportamentos, atitudes – é normativa inspiradora para os cristãos.
74
Ibid., p. 251.
75
Ibid., p. 266.
93
Aquele que vive sob essa normatividade, mesmo não se nomeando cristão, revela-se como
seguidor de Jesus Cristo. Nesse sentido, compreende-se a expressão “cristão anônimo”, de K.
Rahner, aplicada à pessoa que vive os valores humanos ou religiosos relacionados com o
projeto salvífico de Deus em Jesus Cristo, sem conhecer tal relação.
No nível eclesial, o bem e o seguimento de Jesus são vivenciados no interior da
Igreja. Essa não é objeto, mas espaço de fé onde se realiza a salvação da Trindade. A Igreja
precede, acompanha e amadurece a fé do cristão ao longo do seu percurso existencial.76
A comunidade eclesial é a expressão antropológica do ser social do cristão. Na
vivência autêntica da fé, o fiel é convidado a ser membro da comunidade, participar da
salvação realizada em Jesus Cristo, amadurecer na fé, aprofundar a relação com Deus e
edificar a comunidade.
3.2 Fé e salvação
76
Ibid., p. 267-274.
77
Ibid., p. 280.
94
nos dois grandes mandamentos: amor a Deus e aos irmãos (Dt 6, 5; 11,26; Lv 19,18). Nos
profetas, a salvação está vinculada a justiça aos pobres (Mq 3,4; Am 5,14).78
No Novo Testamento a salvação vem pela caridade. O amor de Deus se manifesta
no amor ao próximo. A fé está unida substancialmente às obras de caridade. Uma não existe
sem a outra (Mt 5,43; 25; Lc 10,29-37; 1Cor 13,1-13; Tg 2,14.26).
Libanio considera que a Igreja, com seus sacramentos, é necessária para a
salvação. No Antigo Testamento os ritos (circuncisão, observância das leis, frequências ao
templo), tem um poder salvífico muito grande (Ex 20,8–22,33). No Novo Testamento os
sacramentos do Batismo e da Eucaristia são imprescindíveis para acolher a salvação (Mc
16,15-16; Jo 3,6; 6,50s. 53s; At 2,3s).
O axioma “fora da Igreja não há salvação”, surgiu como uma posição mais
teológica que pastoral. Viu-se, diante das heresias, a necessidade de se firmar posições sobre
Jesus Cristo e a sua Igreja. Mas com o passar do tempo, o axioma foi usado como forma de
condenação à todos aqueles que não pertenciam a Igreja católica. Os Concílios de Trento e
Vaticano I endossaram tal axioma. Somente no Concílio Vaticano II que houve maior diálogo
e superou-se a condenação ao mundo.79
Libanio parte do princípio que Deus quer a salvação para todos os povos e
culturas (Tm 2,3s). Para isso a caridade é um critério exigente que extrapola os povos e suas
tradições. A consciência da fé se articula com a realidade da caridade. A consciência se faz
necessária para a realidade. Essa não prescinde àquela.
Entretanto a caridade não nega nem sufoca a fé, pois o amor é a concretização da
fé oriunda da Trindade. Destarte, a fé salva a caridade quando leva amor ao próximo e liberta
o ser humano do egoísmo. A caridade salva a fé quando vai ao encontro do pobre e do
necessitado.
Por fim, Libanio considera que o fluxo salvífico vai desde a Criação à Encarnação
que se efetiva na comunidade e além dela. Assim,
78
Ibid., p. 282.
79
Ibid., p. 284-285.
95
A mesma correnteza da caridade, que jorra da Trindade, inunda todos os que
praticam o bem, a justiça, aderem a Jesus, comungam na Igreja. Essa
correnteza salva a todos nos graus de participação em que estejam. A fé
torna essa participação consciente, explícita, nomeada; adere a essa caridade
salvífica. Ela salva. Essa fé consciência é vivida na comunidade dos irmãos
em Igreja, marcada pela visibilidade e dos sinais de graça. Por isso, a Igreja e
os sacramentos salvam.80
À luz de Leonardo Boff (“no princípio está a comunhão dos três e não a solidão
do Um”), Libanio considera que a Trindade é o impulso comunitário do ser humano, tanto na
sociedade quanto na Igreja. Isto significa que tudo está marcado pelo sinete trinitário,
comunitário e não pela individualidade do Deus Uno da teologia medieval.81
O impulso comunitário se efetiva na sociedade e na Igreja. Na sociedade, o ser
humano manifesta a dimensão social em contínua interação com os outros. Impulso de
humanização. Na Igreja, o cristão realiza a sua vocação comunitária na assembleia dos fiéis.
A Igreja, impulso da Trindade, é pré-figurada e preparada pelo Pai, desde a
criação e a evolução do povo de Deus. O projeto da Igreja era revelado e manifestado pelos
desígnios do Pai em toda história da salvação.
Jesus é enviado pelo Pai, anuncia o Reino de Deus, vive a sua fé pertencendo a
um povo, constitui um grupo dos discípulos de onde nascerá a Igreja. Sua vida constitui-se de
relação e contato com os mais pobres e necessitados (Mc 5, 1-10. 21-43; 6,35-43; 8, 22-26).
Vive em comunidade junto com seus discípulos e participa da mesma tradição da comunidade
judaica (Lc 2,22-31; 3,23-38; 22,13).
80
Ibid., p. 291.
81
Ibid., p. 296.
96
A Trindade tende a exprimir em forma sacramental, na história humana, por meio
da comunhão dos fiéis com Deus, entre si e com os demais, o mistério maravilhoso de Deus.82
Libanio considera que há dupla tendência para compreender a Trindade-
comunhão, fonte e fundamento do “nós cremos”: “desde cima” e “desde baixo”. “Desde
cima” valoriza a perspectiva ontológica da fé eclesial. É um dom, graça já dada e completa.
Reflete a passividade do ser humano diante da graça.
“Desde baixo” é de cunho antropológico. A comunhão trinitária é vista como um
dom a ser desenvolvido e construído pelos fiéis ao longo da vida. É a comunhão como um
processo e não como uma realidade ou algo acabado. Libanio privilegia a comunhão “desde
baixo”, por considerá-la mais coerente com a realidade da América Latina.83
82
Ibid., p. 299-301.
83
Ibid., p. 303.
84
Ibid., p. 306.
97
e nos sacramentos da iniciação cristã. De outro lado, há o ressurgir das comunidades em dois
movimentos complementares: as pequenas comunidades e a consciência de eclesialidade em
grandes atos da comunidade.
Nas pequenas comunidades, promovem-se a vivência da fé que se alimenta da
oração, da partilha da palavra, da realização do sacramento. Os cristãos se reúnem para
reivindicar os seus direitos junto aos órgãos públicos. Além dessas, a consciência eclesial
amplia-se para a vivência da fé nas paróquias, dioceses e encontros nacionais e internacionais,
assumindo assim a consciência de unidade e eclesialidade universal da Igreja.
Para Libanio, a nova figura da Igreja deve ser “de” CEBs e não “com” CEBs. A
Igreja “com” CEBs é heterônoma. Depende da matriz e do ministro ordenado para celebrar os
sacramentos. A Igreja “de” CEBs se apresenta com certa autonomia em relação à paróquia e
dá plena participação as lideranças comunitários.85
Enfim, o desafio da humanidade e da Igreja está em articular equilibradamente o
micro (pequenas comunidade) com o macro (consciência planetária e católica). Ambos são
decisivos para o amadurecimento da consciência cidadã e cristã.86
85
Ibid., p. 308.
86
Ibid., p. 309.
98
3.4.1 Crise de credibilidade do cristianismo
87
Ibid., p. 314.
88
Ibid., p. 315.
89
Ibid., p. 318-320.
99
A histórico-salvífica parte da leitura crítico-biblíca do cristianismo para mostrar a
centralidade de Cristo na humanidade e no cosmo. Jesus é visto como Alfa e Ômega na
história da salvação (Ap 21, 6); é o cumprimento das promessas do Antigo Testamento (Mt 1,
23). Ele veio para a salvação e libertação de todos (Jo 10,10).
A vertente existencial parte do Jesus histórico que se experimenta no cotidiano da
vida cristã. Valoriza o seguimento de Jesus e o compromisso radical com o Reino de Deus.
90
Ibid., p. 327.
91
Ibid., p. 331.
100
3.5 A Revelação em "nós cremos"
Viu-se que, em Libanio, o “nós cremos” tem Jesus como centro na Igreja. Ele se
constitui dentro de um processo revelador do Pai. Assim, a Revelação é manifestada na
história do Povo de Deus, consignada nas Escrituras e vivenciada na Tradição.
92
Ibid., p. 336.
93
Ibid., p. 337.
94
Ibid., p. 338.
101
A Revelação de Deus também acontece na criação e na sua palavra que se torna
acontecimento. A história é o lugar da liberdade e do diálogo, apesar dos condicionamentos. É
espaço privilegiado da Revelação-Salvação.
A Revelação na história apresenta várias características. Deus vai
progressivamente se revelando até o ápice em Jesus Cristo-centro da Revelação. Na
particularidade e universalidade, Deus escolhe um povo para salvar toda a humanidade. A
caridade se torna verificabilidade da Revelação. A dimensão da transcendência se mostra no
já presente absoluto de Deus, mas numa mediação humana criada, finita que ainda não é
plena manifestação de Deus.
Jesus é o momento fundante único, quer dizer, tudo é lido, vivido e interpretado à
luz dele. Jesus revela novo modo de se relacionar com Deus. É o mensageiro escatológico que
traz uma nova visão de Deus, efetiva as promessas e é o caminho revelador do Pai.
95
Ibid., p. 347.
96
Ibid., p. 348.
102
À luz da Redemptores Missio, Libanio afirma que a distinção entre Jesus histórico
e o Cristo da fé é contrária a fé cristã.97 Pois a distinção nega a identidade absoluta entre a
pessoa de Jesus de Nazaré e o Cristo ressuscitado. Para a Teologia da Libertação, é importante
reafirmar que o Jesus da kénosis já é a plenitude da história, embora vá se manifestar na
ressurreição. Daí o caráter teológico e escatológico do seguimento da sua pessoa. E esse
seguimento se concretiza na opção pelos pobres. Tecla que sempre se repete, tal é sua
relevância e a dificuldade de assimilação.
A fase da consumação não traz nenhuma outra revelação, mas, o desvelamento, a
transparência total que já fora revelada em Jesus Cristo. Há uma radical continuidade entre a
Revelação histórica e a Revelação da glória. A descontinuidade está na forma, na superação
da fragilidade da carne, na vitória sobre a morte, na ultrapassagem das categorias de tempo e
espaço para as dimensões além-do-tempo e além-do-espaço para que Jesus seja tudo em todos
(1Cor 15,28).
A Escritura expressa e fixa o “nós cremos”. Para que um grupo social se perpetue
na história, a tradição oral não é suficiente. É preciso algo mais. Sendo assim, a Revelação do
Antigo e Novo Testamento precisou de um instrumento, um sinal visível para que outras
gerações tivessem acesso ao conteúdo da história do Povo de Deus.
97
Ibid., p. 349.
103
A inspiração tem como base a ação especial de Deus que impele e incita para falar
e escrever o que ele quer para o seu povo. Algumas passagens do Novo testamento referem-se
à Escritura, no caso do Antigo Testamento, como inspirada (2Tm 3,15-17; 2Pd 1,20-21).
Os Padres da Igreja, em suas reflexões, multiplicam afirmações sobre a Escritura
como obra inspirada pelo Espírito Santo. Eles usam imagens significativas como, por
exemplo, a metáfora do autor que é a cítara onde o Espírito Santo dedilha.
A Revelação é realidade mais ampla que a inspiração. Essa se limita à confecção
escrita das experiências do povo. Pela inspiração, a Revelação se faz sinal legível. É, portanto,
impulso, moção especial de Deus sobre os autores humanos dos livros da Escritura para
redigí-los, permanecendo, Ele, Deus, o autor.98
Para o Concílio Vaticano II, a inspiração é ação de colocar a Revelação por
escrito.99 A inspiração garante que a Palavra de Deus, que é verdade primeira, seja verdadeira
em sua fiel transmissão escrita, sem erro. Os livros escritos são efeitos da Revelação.
Para Libanio, a canonicidade dos livros foram surgindo dentro de um processo de
consciência da comunidade primitiva que se reconhece neles. A inspiração serviu de base para
a canonicidade. Por fim, a Igreja decidiu quais livros entrarão no plano completo da lista dos
Escritos sagrados portadores da Revelação.100
98
Ibid., p. 356.
99
Ibid., p. 357.
100
Ibid., p. 360.
101
Ibid., p. 362.
104
O sentido pleno é aquele que, alargando o sentido literal suposto estudado,
situa cada texto ou cada livro na Bíblia inteira, enquanto ela, como conjunto,
comporta um sentido. O sentido pleno recolhe de certo modo o percurso
completo das interpretações sofridas ao longo da Escritura até sua luz última
em Cristo. É o sentido mais próximo do sentido teológico do texto.102
102
Ibid., p. 363.
103
Ibid., p. 364.
104
Ibid., p. 368.
105
A distinção entre Tradição e Escritura não diz respeito a dois todos independentes,
mas entre um todo – Tradição – e uma parte dele que se consigna por escrito em seu interior e
só deixa entender dentro dela – Escritura. Essa nasceu da Tradição. É na Tradição que a Igreja
se mantém viva e é nela que a Escritura é entendida.
O autor distingue “Tradição” de “tradições eclesiásticas” que são os ritos,
disciplinas e instituições. Elas tem um caráter mutável. Assim, a famosa distinção jurídica tem
sentido. O jure divino vem da vontade de Deus, irreformável, enquanto as de jure
ecclesiastico podem ser mudadas pela autoridade da Igreja. A primeira pertence à tradição
apostólica, enquanto as outras, às tradições eclesiásticas. “Y. Congar (1904-1995) alerta para
a dificuldade de operar tal distinção no concreto, já que frequentemente há uma imbricação
entre o eclesiástico e o apostólico-divino”.105
A visão católica de Tradição entrou em choque com a Reforma. Essa partia do
princípio da compreensão da Tradição em contraposição da escritura – sola scriptura. Desta
forma, Trento firmou a posição das duas fontes da Revelação: Tradição e Escritura. O
Concílio Vaticano II mostra a relação e afirma contundentemente o caráter unitário da
Tradição e Escritura, superando definitivamente a concepção de duas fontes autônomas.106
A Tradição é uma necessidade antropológica. Parte-se do procedimento de
interiorização, exteriorização e objetivação. A Escritura está inserida dentro do processo da
Tradição de perpetuar os costumes de um povo na história.107
105
Ibid., p. 369.
106
Ibid., p. 370.
107
Ibid., p. 373.
106
Ao longo da história, muitas interpretações nasceram da reflexão teológica e de movimentos
vivos, carismáticos do povo.108
A teologia visa articular, de modo hermenêutico, a Tradição, o magistério e a
cultura de uma época. Para isso, dedica-se a pesquisar novas maneiras de o ser humano
compreender a si na cultura de seu tempo e assim perceber e gerar novas interpretações da fé.
Por fim, os pobres questionam as Tradições eclesiásticas que contradizem as
propostas de Jesus de Nazaré. Muitos hábitos clericais, muitos palácios, muitos ritos, muitos
comportamentos, muitos modos de vida não resistem à prova do pobre. Há um retorno à vida
simples e mais pobre por parte de amplos setores da Igreja.109
4 À guisa de conclusão
108
Ibid., p. 375.
109
Ibid., p. 377.
107
A aventura continua. A fé cristã não se reduz ao individual e ao eclesial. Ela tem
uma práxis, uma ação transformadora na sociedade. O cristão não está isento e nem imune da
conjuntura que o cerca. O cristianismo tem uma palavra de coragem e entusiasmo em relação
às mudanças sociais. O teólogo João Batista Libanio, entra nessa empreitada oferecendo luzes
para uma práxis ética, teologal, cristã, eclesial e escatológica.
108
CAPÍTULO 3
A PRÁXIS HISTÓRICA EM JOÃO BATISTA LIBANIO
1 Dimensão da práxis
1
LIBANIO, João Batista. Em busca de lucidez: o fiel da balança. São Paulo: Loyola, 2008. p. 255.
110
outra. A Teologia da Libertação (TdL), na sua gênese, evolução e ápice procura efetivar a
práxis na vida do cristão.
A relação do ser humano com Deus é múltipla. O ato de crer constitui-se de vários
elementos, principalmente da práxis.
O ser humano crê com a totalidade de seu ser: inteligência, coração, prática.
Realiza-o enquanto é tempo e eternidade, imanência e transcendência. Por
isso sua fé o lança para além desse tempo, para dentro da eternidade de
Deus, que lhe possibilita esse ato. A fé é esse jogo de liberdades. Deus
convida e possibilita a resposta. O ser humano responde, embalado pelo
próprio convite-graça de Deus.2
2
LIBANIO, João Batista. Eu creio, nós cremos: tratado da fé. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2004. p. 169.
3
Ibid., p. 156.
4
Ibid., p. 161.
5
Ibid., p. 164.
6
Ibid., p. 165.
111
O autor se destaca na teologia porque elabora uma reflexão da fé unida
simbioticamente à práxis.
7
LIBANIO, João Batista. Fé e Política. São Paulo: Loyola, 1985. p. 30.
8
LIBANIO, João Batista. Teologia em relação dialética com a práxis. In: SILVA, Sérgio Pereira
(org.). Teoria e prática. Goiás: UFG, 2007. p. 22.
112
global, à sociedade em geral. Nesse sentido, é tudo que ultrapasse o âmbito extremamente
pessoal ou das relações íntimas e incida sobre qualquer realidade social.
Outra vertente relaciona a política com o poder. E o poder, por sua vez, se encarna
no Estado. Assim uma ação política é aquela que visa à obtenção do poder, à conquista do
Estado ou sua manutenção, caso já o possua. A referência ao poder se faz de modo explícito,
direto, vendo na nação uma dinâmica interna, objetiva – prescindida da intencionalidade
subjetiva – em vista do poder. E o poder se manifesta como mediação de organização ou
transformação social.9
9
LIBANIO, Fé e Política. p. 13.
10
Ibid., p. 14.
11
LIBANIO, Teologia em relação dialética com a práxis. In: SILVA, Sérgio Pereira (org.). Teoria e
prática. p. 36.
113
1.2 Práxis e teologia da libertação
12
LIBANIO, João Batista. Cenários da Igreja: num mundo plural e fragmentado. 4. ed. São Paulo:
Loyola, 2005. p. 182.
13
LIBANIO, João Batista. O ser humano como ser histórico. In: BAPTISTA, Paulo Agostinho N. &
SANCHEZ, Wagner Lopes. Teologia e sociedade: relações, dimensões e valores éticos. São Paulo:
Paulinas, 2011. p. 31.
14
LIBANIO, João Batista & MURAD, Afonso. Introdução à teologia: perfil, enfoques e tarefas. 8. ed.
São Paulo: Loyola, 2011. p. 171.
15
Ibid., p. 173-174.
16
LIBANIO & MURAD, Introdução à teologia, p. 175.
114
A TdL sofreu alguns abalos devido alguns acontecimentos internos e externos à
Igreja. Internamente esfria-se a opção pelos pobres. Os movimentos, à luz da pós-
modernidade, avançam na supervalorização da singularidade subjetiva. A relação com Deus
se condiciona ao “eu pessoal”. Não se deixa interpelar pelas dores e sofrimentos do outro.
Externamente a queda do socialismo e morte das utopias esfriaram a paixão pela
política. As ideias dominantes do capitalismo sufocaram a busca da sociedade mais justa. A
desesperança foi a marca de muitos jovens. As lideranças e os partidos políticos sucumbiram
as alternativas viáveis e confiáveis. A náusea existencial foi aliviada pelos prozacs produzidos
pelas indústrias farmacêuticas.
Contudo, as perspectivas são muitas. Os fatos não apagaram as chamas que
fumegam sob as cinzas da fé cristã e da práxis histórica (Is 42,3). Internamente há uma maior
busca na vivência do Jesus histórico identificado no pobre. A Igreja se reestrutura em rede de
comunidades de serviço e não de poder. A teologia amplia o leque de opções. Não se limita ao
as estruturas sociais, mas ao étnico, ecológico, ecumênico, estético-subjetivo, etc.
Externamente, realiza o diálogo com as ciências e as religiões. Em relação ao
capitalismo, abandona o contínuo confronto e adota a crítica lúcida e matizada em face do
neoliberalismo em crise. Anima, encoraja e fortalece a caminhada de muitos cristãos e das
Igrejas acomodadas aos valores culturais que sufocam as esperanças e impedem as utopias.17
2.1 A fé na Europa
17
Ibid., p. 178-185.
115
hermenêutica em que o conteúdo da Tradição é repensado em confronto com o mundo das
ideias do momento histórico contemporâneo. As ciências e a modernidade impulsionam o
pensar e o fazer teológico.
Alicerçado na metafísica aristotélica, a fé visa fornecer elementos e princípios de
caráter universal para o cristão aplicá-los em sua vida prática, pessoal ou mesmo grupal. A
tarefa fundamental consiste na elaboração desses critérios universais, dos quais se deduz uma
prática concreta.
A teologia moderna europeia aplica suas energias precisamente em procurar
manter sempre atualizadas as formulações de fé, em gigantesco esforço hermenêutico.
Devido aos processos históricos, as mentalidades mudam com rapidez, espelhando-se, em
geral, nas filosofias modernas. Os teólogos europeus procuram compreender as verdades da
fé tradicional em perspectiva contemporânea.
Os grandes pensadores como K. Rahner, E. Schillebeeckx (1914-2009), H. Küng,
Ratzinger (1927), Y. Congar, J. B. Metz tentam reinterpretar o dado da Revelação em uma
perspectiva mais existencial, usando categorias das filosofias modernas de Kant, Hegel,
Heidegger (1889-1976), da Escola de Frankfurt e outros. O ser humano moderno, formado
nessa mentalidade, poderia assim melhor compreender a Revelação e viver segundo seus
princípios.18
A reflexão precede, acompanha e atualiza os dados da fé. Os problemas
modernos encontram resposta por meio de nova interpretação da Tradição. Em geral, são
problemas de natureza intelectual, em que a resposta é dada em termos teóricos de
interpretação dos dados da Revelação.
Sob esse viés, busca-se maior diálogo intelectual. Na raiz, está a questão central
da relação fé e ciência, cultura moderna e tradição cristã, pensamento moderno e Revelação.
O instrumental de trabalho é de natureza teórica, na elaboração de novas categorias, tiradas de
diversos sistemas filosóficos, para responder a um questionamento no plano do pensamento.
Trata-se de uma teologia alheia à questão social.
As consequências são visíveis. O outro não interpela os cristãos. As estruturas
sociais são “produtos divinos”. O pobre é visto na perspectiva assistencial. É objeto de
caridade. Não é sujeito de mudanças. Tal postura fragmenta a fé.
18
LIBANIO, Eu creio, nós cremos, p. 437.
116
Infelizmente esse esforço teológico foi possível durante tantos anos sem que
se questionasse em nada o sistema econômico, sociopolítico, em que se
vivia, em termos de práxis. Sua atenção não era voltada para tal
problemática. Isso era deixado no máximo para a Moral, ou sobretudo para a
"Doutrina Social da Igreja", que corria paralela à teologia.19
19
Ibid., p. 438.
20
Ibid., p. 439.
117
um processo que os liberte.
O problema para o cristão engajado é saber como ele pode viver sua fé dentro do
processo de libertação dos pobres. Percebe que ele corre o risco enorme de cair num
reducionismo político ou de desistir de seu compromisso para refugiar-se numa fé abstrata e
alienada. Entre esses dois extremos, vive na busca de uma síntese provisória, mas
suficientemente sólida para alimentar-lhe a vida.
Todo processo libertador tem um dinamismo interno e é impulsionado por
elementos ideológicos nem sempre compatíveis com a fé cristã. A grande suspeita é de que
muitas formulações e explicitações, que até então vigoram como autênticas, são de fato
contaminadas por elementos ideológicos burgueses.
O cristão vive em dúvidas angustiantes, sem saber se sua fé se está esvaziando,
ou encontra uma verdadeira interpretação a partir de sua práxis. Daí que é fundamental haver
teólogos que encarem com seriedade tal problema e possam, dentro de um processo de
libertação, tentar nova leitura da Tradição.
Destarte, o problema central da fé na América Latina para os próximos anos não
será uma interpretação teórica da fé em categorias de filosofias europeias, mas sua relação
com a práxis libertadora, numa mútua purificação. Fé e práxis libertadora: eis a tensão
fundamental para nosso futuro.
Viu-se que a libertação não se restringe ao contexto sociopolítico e econômico. É
tarefa muito mais ampla. Cada vez mais se percebe a importância dos aspectos culturais,
étnicos e de gênero que carecem de libertação.
Esse alargamento conceitual da “libertação” não diminui em nada a premência da
libertação socioeconômica dos pobres. Pelo contrário, parte da percepção de que, para realizá-
la mais plenamente, faz-se mister associar-se a ela um arco maior. Além do mais, a situação
dos pobres não tem melhorado com o neoliberalismo. Antes, sob muitos aspectos, tem-se
tornado mais aguda a sua pobreza. Se saiu do horizonte utópico das classes populares um
sistema alternativo mais justo e igualitário, resta para elas a chama da esperança. E a fé cristã
tem enorme responsabilidade em mantê-la acesa.21
Por fim, a vivência da fé cristã em nosso contexto consiste em crer, numa
realidade de tanta injustiça, e confessar-se seguidor de Jesus Cristo num contexto de tanta
21
Ibid., p. 441.
118
opressão e marginalização, em que os direitos fundamentais não são respeitados.
22
Ibid., p. 442.
119
dos bens materiais, há uma invasão da economia dentro da teologia. Quando esse problema é
colocado dentro de puras relações sociais históricas, a política ocupa o lugar da fé.
A história, como mestra da vida, demonstra que o mesmo pode acontecer com a
fé: tornar-se solucionadora de problemas de relações sociais, transformando-se em economia
e política. De outro lado, há profundas relações entre esses setores, porque é o mesmo ser
humano que vive tais dimensões. Há diferenças, mas que são imbricadas reciprocamente.
Histórica e estruturalmente, são detectáveis e pensáveis diversas relações entre
fé e política. A sistematização didática dessas relações, permite analisar seu passado e seu
presente, como também servir de critério de discernimento. Este último acontece no
momento em que se estabelece teoricamente a justeza de uma das relações desde a natureza
da fé e da política.
As figuras históricas se configuram nas relações de substituição, superação,
subordinação, coexistência paralela e implicação não-redutiva. Relações essas que precisam
ser discernidas e dialogadas pelos cristãos e as igrejas particulares. Tais posturas ajudam na
vivência de uma fé madura e consistente.
120
poder. 23
23
Ibid., p. 443.
121
3.3 Relação de subordinação
24
Ibid., p. 444.
25
Ibid., p. 445.
122
autonomia e o direito de existência independentemente da outra. É o caso clássico do Estado
moderno pluralista, em que a religião se especializa, se privatiza, ocupando um lugar bem
definido, restrito. Tal parece ser a tendência dos estados secularizados.
Assim, os modelos oficiais de religião vão perdendo plausibilidade universal,
obrigatória, e tornam-se produtos de oferta em livre concorrência para uso pessoal e privado.
Toda visão religiosa tem seu lugar no solo democrático e pluralista da sociedade moderna
liberal.
As querelas são questões práticas, que vêm da percepção de que um invadiu o
campo do outro, exorbitando seu poder. Mas, em nível teórico, mantém-se um mútuo
reconhecimento, como dado tranquilo de concepção da sociedade moderna. O característico
dessa posição é a privatização da fé. Esta renuncia à encarnação em mediações políticas,
ficando somente no campo estritamente espiritual, religioso, da vida privada.
A fé restringida ao campo pessoal assume formas concretas do catolicismo
tradicional ou renovação de alguns movimentos. Ambos se dedicam às práticas sacramentais e
devocionais, evitando afetar o campo político. Esse é território das elites ou dos corruptos. O
cristão simples, por “não gostar de política” procura não se contaminar por essa instância
nociva ao ser humano.
Nesta perspectiva, as múltiplas posições hodiernas dos movimentos eclesiais,
opõem-se à Teologia da Libertação. A neutralidade política é somente aparente, já que, com
sua pseudoneutralidade, ela termina apoiando as forças dominantes da ordem estabelecida. O
apolitismo da fé é ilusão e faz o jogo da ideologia burguesa dominante, que não se quer ver
questionada pela fé.26
26
Ibid., p. 446.
123
Assim, quem crê considera o mundo da política um de seus campos de atividade a
ser abordado pela fé. A fé é-lhe fundamento, princípio animador e crítico, fonte de
significação e de dinamismo em direção a uma realização plena.
Por sua vez, a política é o lugar crítico de verificação da fé. A fé não existe senão
na realização das mediações concretas – no caso, da política. Correlativamente, a política é já
uma realização parcial, provisória, mas necessária da fé cristã.
Não há substituição, porque ambas continuam existindo. As mediações políticas
continuam tendo sua consistência própria. A fé se exprime em tais mediações, mas
não as faz "religiosas". Nem acontece o contrário, ou seja, essas mediações não substituem a
fé, porque esta não se esgota em tais mediações concretas. Exerce sobre elas papel crítico.
Antes proclama a caducidade, a fragilidade e limite de tais mediações, anunciando sua
contínua ultrapassagem até a vitória total sobre o pecado, a morte, a injustiça.
As diferenças dessa para as outras relações são nítidas. Não se trata de superação
no sentido hegeliano, porque tal processo não é imanente à história, nem fruto de uma
dialética inexorável, mas jogo dialético de liberdades, em que não se esquece a livre ação
gratuita de Deus que transcende o fechamento da ética hegeliana. Não se trata de
subordinação, porque as mediações políticas são seculares, autônomas, com consistência
própria.
A fé se manifesta por meio delas. Não as subordina, mas escolhe-as no momento
atual como sua expressão concreta e histórica. Não há coexistência paralela, pois não se
aceita um dualismo, em última análise de raiz platônica, mas entende-se a realidade como
única história de salvação, em que estão em jogo as liberdades humana e divina.
Essa nova compreensão da relação entre fé e política vige na teologia mais
genuína da América Latina, estando ligada profundamente com o significado histórico do
cristianismo e da Igreja. Na América Latina existem massas humanas com pequeno nível de
consciência histórica e o grau consensual é bastante reduzido.27
Na história, o cristianismo se proclama como "Povo de Deus" e a Igreja católica
que ser uma de suas realizações na história.28 A Igreja não pode contentar-se em constituir-se
simplesmente uma cultura com tradições, ritos, costumes, símbolos, palavras, temas,
linguagem e gestos sociais. Tais gestos deverão necessariamente significar a vida e
27
Ibid., p. 448.
28
1Cor 12; 1Pd 2,10; LG 1
124
consciência de um povo livre. Pertence ao núcleo fundamental da Igreja e decorre
necessariamente da pregação do centro do Evangelho a dimensão de liberdade para constituir-
se "Povo de Deus".
29
Ibid., p. 449.
125
caridade.30
Por fim, já não se trata unicamente de encontrar um sentido para a vida, mas de
encontrar um agir cristão coerente em vista da mudança social. Por isso, a problemática da fé
desloca-se para o campo da relação com a prática, sobretudo política.
4 Ortodoxia e ortopraxia
Para Libanio a fé não se reduz, de modo algum, à dimensão prática. Antes, pelo
contrário, é fundamentalmente acolhida à Palavra de Deus, que nos engaja numa práxis. A
tensão entre as figuras de relações entre fé e política subjaz a compreensão de ortodoxia e
ortopraxia como antagônicas e rivais entre si. A história mostra tal fato incisivo no
cristianismo. Entre as Igrejas, é necessário maior compreensão e discernimento na elaboração
de uma pastoral que responda aos desafios da cultura hodierna.
30
Ibid., p. 450.
126
A ortopraxia significa “reta prática”. Por sua vez, foi considerada como conjunto
de ações assistenciais sem conotação espiritual. Fazer o bem às pessoas sem precisar recorrer
aos ensinamentos da Igreja. O cuidado aos pobres era primordial. Tratava-se de uma espécie
de altruísmo ou filantropia.
A ortopraxia deriva, também, de dois sentidos. No negativo, ela reduz o ser
humano a uma ação política ideológica. No positivo, é a promoção da caridade e da
solidariedade entre os seres humanos.31
Na relação entre ortodoxia e ortopraxia, Libanio considera que há duas posições
inaceitáveis. A primeira é a ortodoxia sem referência à práxis. Ora, toda teologia é pastoral. A
fé se estende na obra. Há uma relação dialética entre elas. A vida cristã não existe sem a
promoção da justiça social, da ética na política, da solidariedade na cultura e do diálogo inter-
eclesial e inter-religioso.32
A segunda é a ortopraxia sem referência à ortodoxia. Ora, toda ação
transformadora precisa de teoria para criticar, avaliar e fazer juízo da mesma. A caridade é
iluminada e motivada pela Palavra. A obra é impulsionada pela fé (Mt 25, 31-40). Toda ação
cristã é configurada pela proposta de Jesus Cristo.33
A posição aceitável é que a fé e as obras, a ortodoxia e a ortopraxia se colaboram
e se questionam mutuamente para o enriquecimento de ambas. Não se pode fazer uma fissura
entre doutrina evangélica e eclesial e práxis social. Ambas são imprescindíveis na vivência da
fé cristã.
31
Ibid., p. 454-455.
32
Ibid., p. 456.
33
Ibid., p. 457.
127
À primeira vista, esse pluralismo é legítimo. Cada igreja particular tem o direito
de investir suas forças vivas mais num aspecto que no outro. E o pluralismo deve ser, em
princípio, reconhecido e respeitado. Entretanto, a Igreja na América Latina vem
desenvolvendo uma criteriologia concreta para o equilíbrio na pastoral.
34
Ibid., p. 462.
128
b) Equilíbrio eclesial
Outro critério pastoral pode ser o de balancear suas posições. Assim, se uma
igreja particular percebe que em seu seio a linha da ortodoxia ou da ortopráxis se está
impondo de maneira hipertrofiada, cabe-lhe chamar atenção para o pólo negligenciado. Com
frequência acontece precisamente o contrário, criando então situações crispadas e
radicalizadas, que não ajudam o crescimento da Igreja.
Por isso, nas assembleias diocesanas tornam-se importante fazer um levantamento
da direção pastoral da Igreja para evitar os extremos, reforçando a ortopráxis ou ortodoxia,
segundo o caso.35
c) Mútua aprendizagem
35
Ibid., p. 462.
36
Ibid., p. 463.
129
que atuem com práticas e gestas. Onde as gestas, as práticas desconhecem a doutrina, a
palavra, haja mestres que ensinem.
5 À guisa de conclusão
130
A relação ortodoxia e ortopraxia faz parte da história do cristianismo. Na
Antiguidade e Idade Média, a primazia deu-se na ortodoxia. Enquanto que na Modernidade e
Contemporaneidade se destaca a ortopraxia. Na teologia de Libanio, aprende-se que é preciso
reconhecer a pluralidade e o equilíbrio de ambas nas igrejas para ajudar os cristãos a viverem
sua fé de modo coerente e significativo.
131
CONCLUSÃO
134
Caminante, son tus huellas
El camino y nada más;
Caminante, no hay camino
Se hace camino al andar
1
MACHADO, Antonio. Poesias completas. Espasa-Calpe: Madri, 1974. p. 158.
135
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