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CAPÍTULO

Condição Humana
e Produção Cultural

Prof. Dr. Antonio Boeing


Antonio Boeing é licenciado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Bacharel em
Teologia pelo Instituto Teológico São Paulo. Mestre em Teologia Dogmática, com concentração em Mis-
siologia pela Faculdade Nossa Senhora Assunção, São Paulo. Doutor em Ciências da Religião, área de
concentração Ciências Sociais e Religião, pela Universidade Metodista de São Paulo.

1. INTRODUÇÃO
A dimensão religiosa durante toda a história da humanidade tem ocupado lugar de desta-
que na organização da vida das pessoas e das sociedades, incluídas a sua e a minha vidas. Com
o avanço das ciências modernas, porém, determinados pensadores passaram a afirmar que a
religião desapareceria.
Como você pode notar, tal dissipação não se verificou. Pelo contrário, as expressões reli-
giosas multiplicaram-se em diferentes contextos e culturas.
Assim, para uma aproximação e conhecimento do ser humano, é preciso considerar a cen-
tralidade da dimensão religiosa na vida das pessoas e sociedades, o que representará o ponto
de partida de nossos estudos.

2. QUE PENSAMOS NÓS A RESPEITO DAS ESTATÍSTICAS SOBRE AS RELIGIÕES?


Ao analisar o imaginário da cultura brasileira, você perceberá que nem sempre o campo
religioso foi contemplado com seriedade nas pesquisas.
Sabe por quê?
2 © Antropologia da Religião

Uma das razões é a idéia existente no meio do povo, de que algumas questões não devem
ser discutidas. Dentre elas, estão especialmente a política, o futebol e a religião. Você já deve
ter ouvido isso inúmeras vezes. Dada a incidência dessas concepções sobre a vida, é importante
considerar que esta forma de proceder acaba por colocar entraves que impedem um debate siste-
mático e científico sobre essas três dimensões, que ocupam boa parcela da nossa vida e exercem
grande influência sobre ela. E considere você quais são as conseqüências disso: Uma vez que "não
podemos" discutir política, acabamos delegando aos "entendidos" esse tema proibido.
E o que é que acontece?
A corrupção, utilização dos bens públicos como se fossem privados, além da omissão e do
descaso com a nação.
Você se lembra, por exemplo, do escândalo do "mensalão? E dos "anões do orçamento"?
E do "Juiz Nicolau"? Isso sem falar no escândalo que foram as privatizações de alguns setores
vitais de nossa economia... No futebol não é diferente, no Brasil ele é comandado por "cartolas"
e alguns "sabedores" dessa área. Decorrem dessa postura a divinização de alguns poucos e o
abandono de milhões de atletas que mal ganham para sobreviver.
E quando o assunto é religião, o que você pensa?
Está impregnado no imaginário de nosso povo que este tema de forma nenhuma se discu-
te. Se por um lado, com essa atitude, deixamos o assunto para ser discutido pelos "entendidos",
sejam eles líderes das religiões consideradas "legítimas" ou líderes que atuam, até certo ponto, na
clandestinidade; por outro faz com que cada indivíduo, com base em sua experiência setorizada,
julgue-se especialista neste campo e se apresente com inúmeras certezas das quais não abre mão.
Observe que tais atitudes contribuem para inviabilizar estudos sistemáticos sobre as ma-
nifestações religiosas, além de impedir a visibilidade dos objetivos, funções, razões de ser e
incidência desta dimensão sobre a vida dos adeptos. Resulta, também, numa certa ingenuidade
diante do fenômeno religioso, como se ele tivesse sido criado pelas divindades e, por isso, passa
a ser entendido como intocável e absoluto. Posturas como estas continuam desencadeando e
legitimando milhões de mortes em nome de crenças e convicções religiosas fanatizadas. Você
pôde constatar a terrível conseqüência disso, por exemplo, com o atentado ocorrido em 11 de
setembro de 2001, ao World Trade Center em Nova York e ao Pentágono em Arlington?, o que
provocou a morte de milhares de inocentes.
No campo acadêmico, ainda impregnado da concepção de que com o avanço das ciências
modernas a religião se tornaria supérflua, também se constatam alguns entraves, especialmen-
te partindo da teoria evolucionista1. Isto porque os defensores dessa idéia entendiam que as
questões e dramas do ser humano seriam resolvidos cientificamente. Entretanto, há um forte
movimento em diferentes espaços e níveis acadêmicos espalhados pelo país que, pela serieda-
de das pesquisas e análise interdisciplinar da complexidade do campo religioso, colocam-no em
debate. São campos de pesquisas ainda jovens, mas que possuem excelentes trabalhos científi-
cos que em muito contribuem para a compreensão desta área do conhecimento. Talvez você já
tenha tido conhecimento disso.

(1) "A teoria da evolução, também chamada evolucionismo, afirma que as espécies animais e
vegetais existentes na Terra não são imutáveis, mas sofrem ao longo das gerações uma modificação
gradual, que inclui a formação de novas raças e de novas espécies. Tal teoria se transformou em fonte
de controvérsia, não somente no campo científico, como também na área ideológica e religiosa em
todo o mundo".

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VOCÊ SABIA QUE...
A ideia de que o avanço das ciências modernas tornaria a religião supérflua ocupou grande parte dos
meios acadêmicos que, ainda hoje, seguem pensando que não é possível fazer ciência sobre o fenô-
meno religioso e suas manifestações?

Considerando essa realidade, o nosso estudo do campo religioso, com base na Antropolo-
gia (estudo sobre o homem), tem como objetivo principal a compreensão do ser humano reli-
gioso e, para viabilizar isso, começa do pressuposto de que a religião é uma construção humana
feita historicamente, constituindo-se característica marcante da realidade humana.
Neste estudo, você terá oportunidade de analisar conosco a religião como um modo de
conhecimento e de compreensão do mundo, como o lugar de atribuição de sentido aos dados
da realidade, e a conseqüente estruturação de sistemas simbólicos, pelos quais se efetua a doa-
ção de significado. Convidamos você a nos acompanhar na análise desta questão que não é tão
difícil quanto talvez lhe possa parecer.

3. DE ONDE VÊEM AS RELIGIÕES?


As religiões nascem das perguntas que o ser humano se faz para situar-se dentro do con-
texto histórico. Elas procuram dar sentido ao presente, como também explicar a origem de to-
das as coisas e nossa direção futura. É a tentativa de responder às questões que certamente
você já se terá feito algum dia:
• "—De onde vim?"
• "— O que estou fazendo aqui?"
• "—Para onde vou?".
Contudo, a base essencial das religiões é situar-se no presente e dar sentido à nossa exis-
tência. Assim, cada religião quer oferecer uma orientação global, dando sentido às coisas. Por
isso ela cria valores e normas, constrói a realidade a fundo, interfere no rumo da história. Como
a religião realiza esta função? Quais são os elementos desta construção? Quais as suas possíveis
representações e codificações? O que pretendem? São algumas das questões que se colocam
quando nos propomos analisar o fenômeno religioso, desde a perspectiva antropológica.

4. DIMENSÕES DO SER HUMANO: ABERTO, RELACIONAL E SIMBÓLICO


Para você compreender como iremos juntos responder àquelas perguntas com as quais
terminamos de estudar a "Introdução", tenhamos como ponto de partida nossa condição bio-
lógica, o corporal/físico. Esta é ampliada pela dimensão psicológica que expressa o jeito de ser-
mos, ou seja, pelos limites e dons de cada um de nós. Já nosso corpo que tem um jeito próprio,
não está no ar, está situado dentro de uma sociedade, que é a dimensão sociológica com suas
múltiplas interações. Não terminamos aí, pois além do social abrimo-nos infinitamente para a
dimensão que transcende, ou seja, ultrapassa nosso espaço físico. Um exemplo disso é viver em
harmonia com o meio ambiente, sem agredi-lo. Sempre queremos ir além, por isso, nunca nos
completamos, estamos sempre buscando e é essa nossa busca constante que tem a ver com
religião.
Rubem Alves2, ao observar as interações sociais, afirma que quanto maior for nossa sen-
sação de não-poder em nossas ações, tanto maior será nossa emigração para outra esfera, uma
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esfera mítica. Esta atitude pode-nos auxiliar no direcionamento da vida, mas pode também
reforçar a impotência diante dos reais problemas de nosso cotidiano. Impotência que nos pode
levar ao fechamento, à formação de "guetos" e fanatismos que acabam, muitas vezes, sendo o
único recurso para seguir sobrevivendo. Outra reação pode ser a onipotência, os que se julgam
superiores, melhores, os donos da verdade, os "salvos" e "eleitos".

(2) "Rubem Alves (Boa Esperança, 15 de setembro de 1933) é um psicanalista, educador, teólogo e
escritor brasileiro, é autor de livros e artigos abordando temas religiosos, educacionais e existenciais,
além de uma série de livros infantis. (...) Sua mensagem é direta e, por vezes, romântica, explorando a
essência do homem e a alma do ser. É algo como um contraponto à visão atual de homo globalizadus
que busca satisfazer desejos, muitas vezes além de suas reais necessidades".

Note, porém, que tanto a onipotência quanto a impotência não criam responsabilidade.
São dois extremos que fogem da nossa história e, por isso, centram suas acusações no sentido
de culpar os outros pelos problemas existenciais. O desafio que se coloca para nós é o de encon-
trar um equilíbrio que nos responsabilize pela existência e nos abra para o diálogo, pois tanto a
impotência como a onipotência humana inviabilizam diálogos qualitativos.
Você poderá perceber que as posturas sectárias, radicais, não importa de que natureza (fu-
tebol, política e pior ainda quando for sobre religião) tornam os diálogos impossíveis. Para auxilia-
-lo na compreensão desse fenômeno humano e, dentro dele, a dimensão religiosa, vamos estudar
três características centrais que nós possuímos: somos seres abertos, relacionais e simbólicos.

Um ser aberto
Todos nós nascemos deficientes no plano genético quanto à nossa adaptação ao mundo. Esta
inadaptação originária obriga-nos a transformar a natureza para que ela se ajuste às nossas exigên-
cias. Como qualquer ser vivo enfrentamos o problema da sobrevivência, mas com distinções.
Ao olhar os animais, por exemplo, você perceberá que possuem uma programação bio-
lógica completa que os adapta ao seu meio ambiente, ao passo que nós, devido à falta de tal
programação, temos que inventar e criar mecanismos de adaptação. Para transformar o mundo
em que nos encontramos, inventamos técnicas e instrumentos, que podem ser considerados
extensões de nosso corpo. A transformação da natureza é também um ato de organização sim-
bólica para podermos nos orientar. Assim o puro universo físico torna-se um universo simbólico,
no qual a linguagem, o mito, a arte e a religião têm o seu lugar.
Nós, portanto, temos como uma de nossas características centrais a inadaptação ao mun-
do. É a capacidade de imaginação, na forma de adaptação ao mundo, que abre uma brecha
antropológica, onde se dá a transição do organismo para a pessoa humana, que nos distingue
dos animais. Temos imaginação, os animais não, essa é uma das diferenças essências. Sobre isso,
afirma Rubem Alves:
Nos animais, a experiência se esgota com as informações que seus sentidos captam do mundo exterior.
Por isto, não podem eles suspeitar que o possível seja maior que o real. Realidade e possibilidade se
identificam. Ou mais precisamente, os limites do real denotam os limites do possível (ALVES, 1984, p. 46).

Conosco, não é assim, pois, por sermos seres humanos, nos recusamos a aceitar a realida-
de como algo acabado, por isso seguimos permanentemente em busca.

Um ser relacional
O nosso modo de viver, de ser-no-mundo, portanto, mostra-se como relação. São relações
que se expressam de diversas formas, por isto, o ser humano é entendido como um estar cons-
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tante e vivo debaixo de um apelo que parte dos fenômenos deste mundo e, como um responder
constante e vivo a este apelo. São duas as relações primárias que definem nosso estar-no-mun-
do: nossa relação com a natureza e nossas relações sociais.
Relação com a natureza
Nossas relações primeiras se dão naquilo que é denominado o mundo primário do ser humano
e torna-se o fundamento permanente de todas as formas de construções históricas posteriores. Este
mundo primário, muitas vezes, mas de forma não muito precisa, é chamado de natureza. Natureza
é a que pode ser objetivada, vista, tocada, sentida, mas como se trata da relação, nem sempre é tão
verificável, perceptível, dadas às múltiplas formas de relação com a existência humana.
Diante da natureza, o ser humano experimenta-se como um ser dependente das forças
naturais. Haja vista, por exemplo, nossa impotência diante de uma tempestade, sobretudo se
não estivermos abrigados! Lembra-se da tsunâmi na Ásia, em dezembro de 2004?
A construção simbólica é um reflexo imediato desta experiência, como também expressa a
procura de explicação às causalidades daquilo que se vive. O ser humano primitivo as encontra
sob a forma de multidão de espíritos, que ele personificava (antropomorfismo3) de modo aná-
logo aos seres humanos ou não, superiores em vontade e inteligência, como uma realidade em
si mesma e independente do ser humano. Eram considerados seres ambivalentes que faziam o
bem e/ou o mal. Diante destas forças o ser humano procurava proteção e desenvolvia práticas
para agradar e/ou afastar aqueles espíritos, visando a assegurar a sobrevivência do indivíduo e/
ou grupo. As práticas rituais tinham como objetivo neutralizar as forças adversas, agindo direta
e eficazmente sobre elas.

(3) Antropomorfismo "forma de pensamento comum a diversas crenças religiosas que atribui a deu-
ses, a Deus ou a seres sobrenaturais comportamentos e pensamentos característicos do ser humano"
(DICIONÁRIO HOUAISS).

Relações sociais
Outra maneira de estarmos e atuarmos no mundo é pelas relações sociais. Você é um in-
divíduo e somente o pertencer a um grupo garante-lhe a vida e o integra na ordem cósmica, ou
seja, no ambiente, que pode ser a família, uma comunidade, uma associação etc. São as relações
sociais que além de dar o sentido de pertença, estabelecem os limites na convivência social.
A produção simbólica tem, portanto, a função de superar as contradições e desenvolver o
sentimento de pertença a um grupo. Os ancestrais e/ou divindades, heróis-culturais, que com sua
vida exemplar são modelos de conduta. São eles que protegem o grupo, favorecem a construção
da identidade e auxiliam no direcionamento das ações. Culto e mito têm uma função iminente
integradora e exemplar, procurando suscitar a solidariedade4 e frear os desvios individuais.

(4) A solidariedade, tanto quanto a fecundidade, é um valor para a sobrevivência dos indivíduos e
sociedades.

Um ser simbólico
Para viabilizar nossos anseios, sonhos e esperanças criamos símbolos. Temos necessidade
deles para nossa orientação e ordenação do mundo em que vivemos. Por exemplo, numa estra-
da ou cidade sem placas, desorientamo-nos!.
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Num plano superior, o símbolo é um nexo no qual se mantém a diferença original entre a
manifestação terrena e o sagrado que nela se manifesta, mesmo que ambos formem uma única
experiência. Temos a tendência de dominar o que está além. E é nesta busca que a religião se
articula como alternância entre o sagrado e o profano.
Os símbolos são algo próprio de nossa vida e estão por toda a parte. No seu sentido ori-
ginal (essa palavra vem da língua grega) significava a parte de uma tábua, telha ou anel que os
parceiros de um pacto conservavam como sinal de reconhecimento e compromisso quando
havia a separação, por diversos motivos. Num reencontro, a união dos fragmentos permitia-lhes
reconhecer a amizade e atestava que a união havia permanecido intacta durante o tempo de
separação.
Mas, quais são as funções dos símbolos?
1ª função do símbolo: estabelecer um vínculo entre pessoas
Por estabeler um vínculo entre as pessoas, o símbolo, originalmente, era um sinal de re-
lação pelo qual se reconheciam os aliados ou inimigos. Sua função primeira era estabelecer um
vínculo, uma relação entre as pessoas.
Nesta função antropológica, conta somente a função de referência do símbolo, sua comu-
nicabilidade, que tem um valor apenas quando é compreensível, perceptível a todo um grupo
humano.
2ª função do símbolo: expressar a relação entre os seres humanos e o cosmos
A cada momento interpretamos e transpomos para nossa mente a experiência imediata
que fazemos de cada coisa. Ou seja, damos um significado e/ou sentido aos fenômenos que
verificamos ao nosso redor no cotidiano. É exatamente esta interpretação que se torna nossa
realidade concreta.
Dessa maneira, podemos dizer que simbolizamos ao mesmo tempo em que conceitua-
mos, isto é, buscamos o sentido das coisas. Essas nossas relações do cosmos, sem dúvida, vão
além do conceitual.
Observe que o símbolo desperta certas intuições, libera significações análogas, formadas
mais ou menos espontaneamente em nosso espírito porque são portadoras de um sentido ime-
diato. Trata-se, pois, de uma linguagem que atua em nossa matéria psíquica, e pela qual senti-
mos, muito antes de compreendê-la, pois sua experiência é imediata. Essa linguagem simbólica
expressa a representação de uma participação realmente vivida por nós ou por uma analogia
com algo diferente dele ou o que o excede.

INFORMAÇÃO:
"Reconhecem-se três níveis de linguagem: a unívoca, em que há um encontro perfeito entre signifi-
cado e significante – quando, por exemplo, dizemos "queijo", querendo indicar um queijo; a equívoca,
quando há desencontro completo entre significado e significante – quando dizemos "queijo" para indi-
car uma pedra; e a análoga, em que há uma aproximação, mas não uma correspondência entre signi-
ficado e significante – quando chamamos pedra de "queijo" para fazer poesia" (LOPES, 2004, p. 26).

Toda operação simbólica consiste, pois, em transformar um objeto qualquer em algo di-
ferente, convertido em sinal de uma realidade considerada mais elevada, mais ampla ou até
transcendente ao ser humano. É o espírito humano que transfere a um objeto material e visível
um significado invisível o que lhe confere uma dimensão superior. Meslin (1992, p. 203) define
a simbolização como a "capacidade do homem para superar a aparência material das coisas".

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É, porém, necessário acrescentar que toda operação simbólica está condicionada por um
conjunto social, cultural e religioso, cujo conhecimento se requer para a interpretação conve-
niente do sentido do símbolo. Uma bandeira branca, por convenção universal, significa paz. Não
fosse essa concordância internacional, não passaria de um pedaço de pano branco preso numa
haste. Uma segunda função do símbolo é a que o aproxima ao arquétipo (junguiano). Arquéti-
pos5 são as possibilidades de representações comuns a toda a humanidade, uma espécie de dis-
posição para produzir sempre as mesmas representações míticas, um dispositivo inato a todos
nós. Dentro desta perspectiva, o símbolo é a manifestação consciente de um arquétipo, numa
forma concreta, realizada sob a influência de fatores externos a nós, como:
• tradição;
• cultura;
• situação em relação à sociedade etc.

(5) "Arquétipo, na psicologia analítica, significa a forma imaterial à qual os fenômenos psíquicos ten-
dem a se moldar. C. G. Jung usou o termo para se referir aos modelos inatos que servem de matriz
para o desenvolvimento da psique".

Desse modo, o símbolo pode ser entendido como a concretização histórica dos arquéti-
pos, em todos as culturas e países.
Quando esse professor romeno, usa o termo hierofania para expressar a "manifestação do
sagrado", é necessário lembrar que não existe simbolismo anterior ao ser humano, pois é ele que
cria seus próprios símbolos. A idéia de um simbolismo cósmico ou natural, que nos fosse imposto
como uma espécie de revelação teofânica (manifestação de deuses) é empiricamente inadmissível.
A imagem primordial, por exemplo, da montanha sagrada como hierofania natural, não o é porque
a sua forma orográfica (lugar elevado) seja por si significante, senão porque nós lhe outorgamos
um sentido mais profundo, atribuindo ao relevo natural o lugar de uma manifestação do sagrado.
Você já notou em sua cidade ou em outras, como há igrejas e/ou cruzeiros edificados no
alto de morros e colinas?
No Rio de Janeiro, por exemplo, foi construída em 1931 a estátua do Cristo Redentor no
alto do Morro do Corcovado, a 710 metros de altitude.
Nesta linha de pensamento, a hierofania é o resultado de uma operação simbólica pela
qual a pedra, a árvore, a água são consideradas sede de algo sagrado, e que somente são ve-
neradas ema medida que já não são simples pedra, árvore, água. A sacralização do elemento
natural somente existe, portanto, partindo do momento em que o "objeto" representa algo
diferente de si mesmo.
Os símbolos vão desde os sinais convencionais, passando por gestos e palavras, até os
tipos de linguagem, imagens e ações que, de certo modo, encerram o significado e a interpreta-
ção que transmitem. Teoricamente tudo o que pode ser percebido pelos sentidos pode tornar-se
símbolo. Mas, não basta perceber algo com os sentidos e qualificá-lo como se fosse simbólico,
por exemplo, entender o coração apenas como parte do corpo, neste caso ainda não é símbolo.
O símbolo sempre aponta para algo. A relação com este algo é fundamental, pois esta atividade
possibilita ir além dos limites situacionais. Símbolos são sinais empiricamente perceptíveis que,
além do seu reconhecido significado primário, apontam para um outro significado, tornando-se,
desta maneira, ponto central de pensamentos, emoções e ações que estão relacionados com
este significado, por exemplo, o coração como símbolo do amor.
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Símbolos estão enraizados numa cultura e visão do mundo, por isso, a sua percepção bem
como sua interpretação são socialmente determinadas, isto é, são culturalmente marcados e
condicionados. Para entendê-los, é preciso conhecer o contexto cultural onde surgiram e estão
inseridos.
O que é experimentado simbolicamente, não depende apenas do sinal, mas também do
seu contexto cultural.
Você, com toda certeza tem seus símbolos pessoais, como também conhece outros tantos
que fazem parte da família e da sociedade. Veja alguns símbolos comuns no campo religioso:
1) Linguagem:
• dá nome às coisas: possível falar das coisas ausentes, invisíveis, abstratas, futuras;
• dá nome às pessoas: constrói a estrutura social;
• dá nome aos dias: abre a dimensão do tempo; planejamento, história; o mundo
torna-se manipulável, é possível dar sentido à realidade, entender e explicá-la.
2) A água (como palavra e objeto):
• símbolo da vida, origem de toda a vida – fertilidade;
• símbolo da destruição (dilúvio);
• símbolo da purificação, pureza.
3) A mão
• Sinal de poder da intervenção salvífica, ajuda da divindade;
• Na iconografia cristã: "a mão que sai da nuvem" – um dos símbolos mais antigos, e
por muito tempo predominante como forma de representar Deus.

ATENÇÃO!
Para compreender o símbolo da mão como sinal de poder da intervenção salvífica e ajuda da divinda-
de, sugerimos que consulte a Bíblia, no 2° Livro de Samuel, no versículo 14 do capítulo 24: "esta mão
pode salvar, mas também castigar" (II Sam. 24: 14 – BÍBLIA SAGRADA, 2002).

Como você vem estudando até aqui, a ação simbólica tem um significado existencial muito
grande para nós. Expressa o conhecimento que temos das forças e poderes que estão além de
nossa esfera de influência. O comportamento humano, enraizado nesta consciência, assume
formas concretas nas ações simbólicas.
As mãos e as palavras são os instrumentos mais poderosos de comunicação com os deu-
ses: purificam, consagram e constroem o vínculo entre o céu e a terra. A magia se nutre dessas
capacidades e conduz os efeitos dos símbolos religiosos a objetivos precisos e imediatos. Tais
gestos mostram claramente que há uma relação intencional pertencente à ação simbólica. O
significado simbólico do "tocar" se expressa em todas as formas de contato: tocar, olhar, cheirar,
ouvir. A ação simbólica é uma forma complexa e coerente em que diversos símbolos interagem.
A ação simbólica pertence à nossa vida. Ela reflete nossa autoconsciência e conduta social,
diante da realidade toda. Símbolos e especialmente ações simbólicas contribuem para nosso
comportamento e orientação da vida.
Dessa forma, a religião, ao se valer de símbolos, aponta para o além do tangível, do huma-
no e do cotidiano, pois sua expressão e comunicação são obrigatoriamente simbólicas.
Sintetizando, temos estudado até aqui que os símbolos têm um grande papel em todas
as atividades religiosas, pois não há religião sem símbolos. Tudo pode tornar-se símbolo, desde

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que haja alguém ou um grupo que atribua significado que vai além daquilo que a pessoa vê,
ouve, sente, cheira ou toca. O próprio do símbolo é o fato de ele sempre apontar para algo que
não pode ser compreendido imediatamente. Eles expressam significados que não podem ser
percebidos diretamente pelos sentidos. E, é justamente este mundo dos símbolos que nos causa
problemas no encontro com outras religiões e culturas, porque o significado de cada símbolo
está estreitamente relacionado com o todo da cultura de cada povo.
Você estudou, também (veja o item n° 2), que para entender o fenômeno religioso é pre-
ciso entender o ser humano na sua totalidade, compreendê-lo em suas dimensões biológica,
psicológica, social e transcendental. Portanto, olhar o ser humano por apenas uma destas di-
mensões é fragmentá-lo. Há uma inter-ação entre as diferentes dimensões do ser humano na
sua busca de sentido para a vida. É preciso seguir pesquisando, observando todas as inter-ações
no cotidiano da vida para detectar o que realmente o fenômeno religioso acrescenta ao real,
muitas vezes árido e frio, para que a dimensão religiosa favoreça o desabrochar da vida.

5. PRODUÇÃO CULTURAL
O ser humano não tem uma programação biológica fechada como a maioria dos animais,
é antes um ser inadaptado e aberto ao mundo. Esta inadaptação originária obriga-o a inventar
e transformar a natureza para que ela se ajuste às suas exigências. Para transformar o mundo
em que ele se encontra, o ser humano inventa técnicas e instrumentos, que podem ser consi-
derados extensões do seu corpo. O fato do ser humano ser aberto lhe possibilita criar cultura6
(LARAIA, 2004). A diferença na maneira de como se dão as adaptações são as que determinam
e diferenciam o modo de ser de cada pessoa, grupo e sociedade.

(6) Cultura neste contexto, é entendida como ampliação e adaptação da natureza segundo as neces-
sidades, desejos, preocupações, sonhos e esperanças.

Sobre o processo anteriormente acenado sobre as adaptações, assim se pronuncia Cli-


fford Geertz7:
Nossas idéias, nossos valores, nossos atos, até mesmo nossas emoções são como nosso próprio sistema
nervoso, produtos culturais – na verdade, produtos manufaturados a partir de tendências, capacidades
e disposições com as quais nascemos, e, não obstante, manufaturados. Chartres é feita de pedra e vi-
dro, mas não é apenas pedra e vidro, é uma catedral, e não somente uma catedral, mas uma catedral
particular, construída num tempo particular por certos membros de uma sociedade particular. Para
compreender o que isso significa, para perceber o que isso é exatamente, você precisa conhecer mais
do que as propriedades genéricas da pedra e do vidro e bem mais do que é comum a todas as catedrais.
Você precisa compreender também – e, em minha opinião, da forma mais crítica – os conceitos espe-
cíficos das relações entre Deus, o homem e a arquitetura que ela incorpora, uma vez que foram eles
que governaram a sua criação. Não é diferente com os homens: eles também, até o último deles, são
artefatos culturais (GEERTZ, 1989).

(7) "Clifford James Geertz (San Francisco, 23 de agosto de 1926 - Filadelfia, 30 de outubro de 2006
) foi um antropólogo estadunidense, professor da Universidade de Princeton em Nova Jérsei. Com
18 livros publicados, ele é, depois de Claude Lévi-Strauss, provavelmente o antropólogo cujas idéias
causaram maior impacto após a segunda metade do século 20, não apenas para a própria teoria e
prática antropológicas, mas também fora de sua área, em disciplinas como a psicologia, a história e
a teoria literária. Ele é considerado o fundador de uma das vertentes da antropologia contemporânea
_a chamada antropologia hermenêutica ou interpretativa. Para o autor (que se graduou em filosofia e
inglês antes de decidir ser antropólogo) este volume é uma oportunidade de, no fim de sua carreira,
"montar sua própria lenda antes que outros o façam". Clifford Geertz obteve seu PhD em antropologia
em 1956 e desde então conduziu extensas pesquisas de campo que deram origem a livros escritos
essencialmente sob a forma de ensaio."
10 © Antropologia da Religião

Quando no processo de construção social se dá a dissociação entre natureza e cultura o


resultado é a morte. Pois uma cultura sistematizada alheia à natureza volta-se, em inúmeras
situações, contra os princípios básicos da vida. Por isso, não podemos afirmar que sejam natu-
rais as ações do ser humano que ameaçam as diferentes formas de vida, pois na realidade são
produtos culturais que poderiam potencializar a natureza, mas voltam-se contra ela. Mesmo se
houver consenso e aceitação em torno do que foi culturalmente produzido, não significa, neces-
sariamente, que seja algo saudável.
Considerando os equívocos na produção cultural, Suess (1991, p. 16) afirma que "a utopia
inconsciente do trabalho humano é a reconciliação com a natureza". Reconciliação com as raízes
naturais perdidas pela absolutização das instâncias culturais. O processo de produção cultural,
ao tornar-se objetivável, passa a ser interiorizado pelo ser humano e, conseqüentemente, ele
torna-se produto do que produziu, como analisa Berger (1983, p. 16):
O processo dialético fundamental da sociedade consiste em três momentos, ou passos. São a exteriori-
zação, a objetivação e a interiorização. Só se poderá manter uma visão adequadamente empírica da so-
ciedade se entender conjuntamente esses três momentos. A exteriorização é a contínua efusão do ser
humano sobre o mundo, quer na atividade física quer na atividade mental dos homens. A objetivação é
a conquista por parte dos produtos dessa atividade (física e mental) de uma realidade que se defronta
com os seus produtores originais com facticidade exterior e distinta deles. A interiorização é a reapro-
priação dessa mesma realidade por parte dos homens, transformando-a novamente de estruturas do
mundo objetivo em estruturas da consciência subjetiva. É através da exteriorização que a sociedade é
um produto humano. É através da objetivação que a sociedade se torna uma realidade sui generis. É
através da interiorização que o homem é um produto da sociedade.

Diante da realidade fragmentada e das expectativas de integralidade, torna-se urgente


analisar os princípios norteadores da organização da sociedade, como também é preciso rever
e redimensionar seus objetivos e razões de existir. É também indispensável considerar como a
vida funciona, isto é, compreender o dinamismo da vida e suas diferentes interações.

INFORMAÇÃO:
Dinamismo da vida refere-se ao funcional interativo em que as células se combinam para formar
tecidos, tecidos formam órgãos, órgãos formam organismos, organismos formam sistemas sociais e
sistemas sociais formam ecossistemas numa amplitude planetária e interplanetária.

A vida ocorre em rede, por isso é fundamental compreender que qualquer ação afeta o
todo do sistema, seja produzindo vida ou morte. A compreensão desse dinamismo sensibiliza
para o cuidado da diversidade e biodiversidade do planeta e sua função.
Os símbolos adquirem uma dimensão cultural só compreensível com base no grupo que atribui
os significados, como você já viu anteriormente. Só a pertença do indivíduo ao grupo garante-lhe a
vida e o integra na sociedade. Sociedade em que as relações podem ser harmônicas ou antagônicas.
Observe que o sentido de pertença suscita solidariedade e estabelece limites na convivência.
É preciso considerar que há criações culturais que tentam impor-se como o único modelo e bus-
cam aniquilar a diferença. Estas condições produzem e definem o campo social, pois estabelecem:
1) Regras.
2) Padrões.
3) Princípios.
4) Script.
5) Dogmas.
6) Normas.
7) Hábitos.
8) Jeito de ser.

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© Condição Humana e Produção Cultural 11

Segundo Bourdieu (1974) é um campo cultural de luta, com regras de inclusão e exclusão.
A cultura é um modo de viver, sentir, pensar, dizer, expressar, organizar e celebrar a vida. Por
isso, ela define, normatiza e sustenta os valores de um povo. Cultura que assimilamos quando
entramos no mundo como afirma Moreno (1974, p. 19):
Tudo sucede como se o diretor de um grande teatro houvesse disposto uma série de decorações e de
cenas brilhantes e sedutoras, com grande reforço de máscaras e heróis e diálogos sobre a eternidade,
a fim de distrair o nosso espírito dos acontecimentos da terra, Deste modo, estendem-se ante nossos
olhos, sobre o cenário do universo social, milhões de grupos sociais, famílias, escolas, fábricas, igrejas,
nações; nós mesmos somos os atores que representam sobre este cenário e, como que arrastados por
uma cega necessidade, sem pausa e sem término, criamos e recriamos novos conjuntos sociais quando
os antigos preencheram o seu tempo.

A conclusão a que chegamos é que a cultura é a ponta do iceberg, pois há todo um ima-
ginário não explícito que exerce muita força. Os que captam as regras e compreendem o imagi-
nário ou sabem burlar os padrões estabelecidos, têm grande probabilidade de se saírem "bem".
A criança, para tornar-se ser humano, ao menos nos moldes que conhecemos hoje, pre-
cisa fazer um processo de adoção dos modelos culturais já existentes. Sem referenciais não há
como se tornar ser humano. Sobre a natureza humana, Alfred Kroeber dá um exemplo pertinen-
te que auxilia na compreensão do que estamos falando. Afirma ele:
Heródoto conta-nos que um rei egípcio, desejando verificar qual a língua-mater (língua-mãe) da huma-
nidade, ordenou que algumas crianças fossem isoladas da sua espécie, tendo somente cabras como
companheiros e para o seu sustento. Quando as crianças já crescidas foram de novo visitadas, gritaram
a palavra bekos, ou, mais provavelmente bek, suprimindo o final, que o grego padronizador e sensível
não podia tolerar que omitisse. O rei mandou então emissários a todos os países a fim de saber em que
terra tinha esse vocábulo alguma significação. Ele verificou que no idioma frígio isso significava pão, e,
supondo que as crianças estivessem reclamando alimentos, concluiu que usavam o frígio para falar a
sua linguagem humana 'natural', e que essa língua devia ser, portanto, a língua original da humanidade.
A crença do rei numa língua humana inerente e congênita, que só os cegos acidentes temporais tinham
decomposto numa multidão de idiomas, pode parecer simples; mas ingênua como é, a inquirição reve-
laria que multidões de gente civilizada ainda a ela aderem.
Contudo, não é essa nossa moral da história. Ela está no fato de que a única palavra bek, atribuída às
crianças, constituía apenas, se a história tem qualquer autenticidade, um reflexo ou imitação – como
conjeturam há muito os comentadores de Heródoto – do grito das cabras, que foram as únicas com-
panheiras e instrutoras das crianças. Em suma, se for permitido deduzir qualquer referência de tão
apócrifa anedota, o que ela prova é que não há nenhuma língua humana natural e, portanto, nenhuma
língua humana orgânica.
Milhares de anos depois, outro soberano, o imperador mongol Akbar repetiu a experiência com o pro-
pósito de averiguar qual a religião natural da humanidade. O seu bando de crianças foi encerrado numa
casa. Quando decorrido o tempo necessário, ao se abrirem as portas na presença do imperador ex-
pectante e esclarecido, foi grande o seu desapontamento: as crianças saíram tão silenciosas como se
fossem surdas-mudas. Contudo, a fé custa a morrer; e podemos suspeitar que será preciso uma terceira
experiência, em condições modernas escolhidas e controladas, para satisfazer alguns cientistas naturais
e convencê-los de que a linguagem é uma coisa inteiramente adquirida e não hereditária, completa-
mente externa e não interna – um produto social e não um crescimento orgânico. (KROEBER apud
LARAIA, 1987, p. 106-107).

Este relato, seja verídico ou não, demonstra que sem referenciais não há como aprender
a falar; relacionar-se e expressar sua fé se não tiver de quem assimilar o que já foi produzido
historicamente. Na mesma direção, Geertz (1989, p. 61) afirma:
[...] isso sugere não existir o que chamamos de natureza humana independente da cultura. Os homens
sem cultura não seriam os selvagens inteligentes de Lord of the Files, de Golding, atirados à sabedoria
cruel dos seus instintos animais; nem seriam eles os bons selvagens do primitivismo iluminista, ou até
mesmo, como a antropologia insinua, os macacos intrinsecamente talentosos que, por algum moti-
vo, deixaram de se encontrar. Eles seriam monstruosidades incontroláveis, com muito poucos instintos
úteis, menos sentimentos reconhecíveis e nenhum intelecto: verdadeiros casos psiquiátricos. Como
nosso sistema nervoso central – e principalmente a maldição e glória que o coroam, o neocórtex – cres-
ceu, em sua maior parte, em interação com a cultura, ele é incapaz de dirigir nosso comportamento ou
organizar nossa experiência sem a orientação fornecida por sistemas de símbolos significantes. O que
12 © Antropologia da Religião

aconteceu na Era Glacial é que fomos obrigados a abandonar a regularidade e a precisão do controle ge-
nético detalhado sobre nossa conduta em favor da flexibilidade e adaptabilidade de um controle gené-
tico mais generalizado sobre ela, embora não menos real. Para obter a informação adicional necessária
no sentido de agir, fomos forçados a depender cada vez mais de fontes culturais – o fundo acumulado
de símbolos significantes. Tais símbolos são, portanto, não apenas simples expressões, instrumentali-
dade ou correlatos de nossa existência biológica, psicológica e social: eles são seus pré-requisitos. Sem
os homens certamente não haveria cultura, mas, de forma semelhante e muito significativamente, sem
cultura não haveria homens.

Isto não significa que há um determinismo, seja ele geográfico ou cultural, mas não pode-
mos esquecer que sem um processo de interação entre os diferentes seres não há como assimi-
lar as regras de comportamento social. Com base nesta assimilação, há um processo também de
recriação, que é a pequena contribuição de cada um no desenvolvimento cultural.

INFORMAÇÃO:
As regras de comportamento não são inatas, são aprendidas no desenvolvimento humano e histórico,
no qual se experimenta sua validade ou não.

Desafio da diferença
Constatamos que na atualidade há um imenso esforço daqueles que detêm o poder, espe-
cialmente econômico, no sentido de padronizar as diferentes formas de organizar a vida dentro
de único modelo. Modelo este, não como resultado da interação das múltiplas culturas, mas
antes de uma cultura particular norte-americana, representante máximo do projeto neoliberal,
que busca se impor como se fosse um bem para toda a humanidade. Neste sentido, o que se glo-
baliza é um modelo particular. Processo este que acaba, como afirmam alguns pesquisadores,
por desregulamentar, desmitologizar, desdogmatizar, desvincular e desenculturar os indivíduos,
grupos e sociedades de seus princípios de organização e ação. Este processo, em muitos con-
textos, cria uma situação caótica por desestabilizar, desestruturar e inverter a ordem existente.
Quanto mais desestruturada uma realidade, tanto mais fácil se torna a imposição de um
modelo que dê segurança e organize a vida, mesmo que não seja para qualificá-la e potencializá-
-la. Os modelos impostos podem se caracterizar como religiosos ou não. E o que se percebe hoje
é que os projetos, mesmo não se denominando como religiosos, acabam se revestindo de uma
linguagem religiosa e, desta forma, convencem e fazem adeptos num processo muito acelerado.
Na prática, criam o encanto e fascinam, por isto, encontram adesão e dão, em grande parte, o
direcionamento da vida individual e social.
É diante desta realidade que se coloca o desafio da abertura para conviver com a diferen-
ça. Neste aspecto, o que se constata é que há muito medo de dialogar com a originalidade da
diferença e, por isto, buscam-se muitas maneiras de neutralizá-la ou quando não, eliminá-la. É
preciso assumir a estranheza que o diferente suscita, pois se o contato com o outro não sacu-
disse o modelo anterior, pouco apresentaria de novidade e talvez pouco se enriqueceria. No
entanto, para um efetivo enriquecimento, torna-se urgente aprender a conviver, relacionar-se e
se articular com a diversidade de culturas e com a biodiversidade. Se isto é válido para as dife-
rentes dimensões da vida, tanto mais o é para o campo religioso, em que nem sempre tem sido
tranqüila a convivência entre as diferentes experiências e manifestações religiosas.
Conviver com a diferença provoca estranheza e desestabiliza os modelos convencionais, às
vezes, domesticados. Por isto, é preciso desencadear um diálogo que abra possibilidades para o
florescer das múltiplas formas de vida e, assim, evitar a implantação monocultural.

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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.
LARAIA, R. B. Cultura. Um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1989.
LOPES, P. C. Pode um cristão ser budista? São Paulo: Paulus, 2004.
MESLIN, M. A experiência humana do divino: fundamentos de uma antropologia religiosa. Petrópolis: Vozes, 1992.
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(2) Rubem Alves – Imagem: A CASA DE RUBEM ALVES. Álbum de retratos. Disponível em: <http://www.rubemalves.com.br/
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(7) Clifford Geertz – Imagem: AS.UA. Clifford Geertz. Disponível em: <http://www.as.ua.edu/rel/aboutrelbiogeertz.html>.
Acesso em: 21 dez. 2006. Texto: WIKIPÉDIA. Clifford Geertz. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Clifford_Geertz>.
Acesso em: 21 dez. 2006.
NUPIL. A Carta, de Pero Vaz de Caminha. In: Literatura Brasileira - Textos literários em meio eletrônico. Disponível em: <http://
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WIKIPÉDIA. Funcionalismo (Ciências Sociais). Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Funcionalismo_(ci%C3%AAncias_
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Centro Universitário Claretiano – Anotações

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