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21/03/23, 00:02 UNINTER

FILOSOFIA DA RELIGIÃO
AULA 1

Prof. Marcos Henrique de Araújo

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CONVERSA INICIAL

Na introdução de seu artigo “Filosofia da Religião: sua centralidade e atualidade no pensamento

filosófico”, Mac Dowell, coordenador do Programa de Pós-graduação em Filosofia da Faculdade

Jesuíta de Filosofia e Teologia de Belo Horizonte (FAJE-BH), escreveu:

Malgrado a tendência secularizante da cultura moderna, a presença maciça do fenômeno religioso

no panorama cultural contemporâneo é incontestável. Desde a década de 70 do século passado, a

religião voltou a constituir um fator determinante da realidade mundial quer no nível pessoal quer
na vida pública. Nada mais natural, pois, que a filosofia como reflexão radical sobre a experiência

humana do ente no seu todo se debruce com renovado interesse sobre este fenômeno na tentativa
de interpretá-lo. (Mac Dowell, 2011)

Essa constatação aponta para a necessidade de se fazer da religião objeto de investigação a fim

de que se possa efetivamente compreender a realidade do mundo que nos cerca.

Uma vez estabelecida essa necessidade, surge uma pergunta crucial.

Objeto da filosofia da religião

Antes de responder à pergunta crucial, devemos considerar qual a diferença entre História das

Religiões, disciplina já consolidada, cujo surgimento remonta aos tempos imediatamente posterior ao

Iluminismo, e a Filosofia da Religião, disciplina mais recente e menos estrutural que a sua

antecessora.

Segundo Agnolin (2019), a disciplina História das Religiões se ocupa em identificar o genómenon

da religião, isto é, a constituição de seu processo histórico e não o seu fainómenon, que é objeto da

pesquisa da Fenomenologia da Religião. A disciplina História das Religiões pesquisa as religiões

dentro do seu contexto cultural levando assim em consideração a relação existente entre religião e

cultura.

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Diferente da disciplina História da Religião, também denominada Ciência da Religião ou Religiões

Comparadas, a Filosofia da Religião é aquele ramo da filosofia que se ocupa das questões fundantes

(arquetípicas) e finais (teleológicas) da religião.

1. Razões fundamentais ou fundantes (razões que fundamentam as atitudes e práticas religiosas):

Teogonias – origem dos deuses.

Cosmogonias – origem do mundo (o universo).

2. Razões últimas:

Teleologias – finalidades (ou ausências de finalidades) da criação e da relação entre

deidade(s) e as coisas (incluso nisso a humanidade)

Assim, estabelece-se que os objetos próprios da disciplina Filosofia da Religião são as questões

arquetípicas e finais da religião, porém, não há como desvincular essas questões daquelas que

manifestam a natureza ontológica da religião, ou seja, aquilo que torna um fenômeno de fato

religioso, não meramente cultural, social ou de natureza diversa da religiosa.

Champlin (1995, p. 779) nos fornece uma lista de assuntos que comumente são abordados na

disciplina de Filosofia da Religião:

a. A natureza, a função e os valores da religião.

b. A validade das reivindicações religiosas e dos métodos de investigação. O problema da

verificação das crenças religiosas.

c. A relação entre a ética e a religião.

d. O problema do mal.

e. A religião natural versus a religião sobrenatural. O problema da revelação, os seus modos e a


sua validade.

f. A alma, sua existência, sua sobrevivência diante da morte biológica e o seu destino.

g. A natureza e a existência de Deus.

h. A liberdade e o determinismo

i. O misticismo.

j. Os valores humanos; o humanismo.

k. Os credos, as organizações e os ritos religiosos, como também a atividade missionária.

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l. A função religiosa como parte da sociedade. A religião como uma das instituições da

sociedade.

m. A tradição profética: suas reivindicações, suas debilidades, sua validade, etc.

n. A natureza e a validade dos livros sagrados.

o. A natureza da linguagem, suas fraquezas e sua validade.

A pretensão de Champlin é abrangente e extrapola os objetivos e o tempo que podemos dedicar

à apresentação dessa disciplina nos formatos disponíveis.

Quais são os objetivos da disciplina Filosofia da Religião?

Objetivos da filosofia da religião

Discernir racionalmente, tanto quanto possível, o discurso, a atitude e a prática religiosa;

Analisar e criticar os dados religiosos com base na perspectiva humana;

Identificar conceitos e elementos fundamentais do universo religioso;

Estabelecer um discurso filosófico a respeito das origens, pressupostos, e principais crenças e

práticas religiosas.

Quanto ao método

De modo geral, os estudos realizados pelos que se empenham em investigar as religiões numa

perspectiva filosófica se valem de dois métodos: o método apriorístico e o método aposteriorístico.

O método apriori parte de “ideias mais gerais sobre o sentido da existência humana e em função

de tais concepções determinam como deve ser a religião, para que satisfaça esses pressupostos”.

Esse é o método adotado por Kant em seu tratado A Religião dentro dos Limites da mera Razão

(1793). Nesse tratado, Kant propõe que a religião seja subordinada à Ética Filosófica, reconhecendo a

necessidade dos mandamentos divinos e adotando-os de tal forma que se tornem, não a expressão

de uma vontade alheia, “mas leis essenciais da vontade livre como tal”. Hegel também se valeu desse

método a priori em sua Fenomenologia do Espírito (1807).

Já, o método a posteriori considera a religião “como ela se manifesta na história da

humanidade”. Os estudiosos que se valem desse método “tomam a religião como algo já dado e

procuram compreender racionalmente o seu significado”. Eles reconhecem a religião como “um

fenômeno original e irredutível tanto à razão filosófica como à poética”. (MacDowell, 2011)

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Além desses, há ainda os métodos fenomenológicos e da linguagem transcendental.

Adotaremos o método a posteriori.

Abbagnano (2008, p. 847) conclui:

Do ponto de vista da filosofia, o reconhecimento da origem divina ou do valor absoluto da religião

concretiza-se na tese de que a religião é revelação. Pode-se dizer que essa tese nada mais é que a
expressão filosófica do valor absoluto que a religião se atribui.

Enfoques

Os estudos em Filosofia da Religião podem ter um enfoque eidético-interpretativo ou crítico-

valorativo.

O enfoque eidético-interpretativo busca determinar o que é religião (sua essência – eidos), ou

seja. o que caracteriza o fenômeno religioso como tal, “bem como os seus diversos elementos, desde

a experiência religiosa na sua feição própria e nas múltiplas formas, até suas diversas expressões na

narração mítica e na ação cultural” (Abbagnano, 2008).

O enfoque crítico-valorativo busca determinar o valor da religião. Essa avaliação pode ser em

termos ontológicos, ou seja, em termos de verdade e compreensão consistente em si mesma e

oferecendo resposta a algumas perguntas:

Qual é o fundamento real do fenômeno religioso? A experiência religiosa atinge efetivamente uma
realidade superior ou consiste em um sentimento meramente subjetivo? O divino como termo da

transcendência religiosa existe realmente ou é apenas uma projeção do espírito humano? A atitude

religiosa pode justificar-se filosoficamente ou é fruto de uma ilusão, que a razão crítica explica, ao
reduzi-la às suas raízes não-religiosas, i.e. psicológicas, sociológicas etc.?

Além de serem abordados na perspectiva ontológica, os fenômenos religiosos também podem

ser abordados em termos axiológicos e responder a outras perguntas: qual é o valor humano da

religião? Ela respeita a dignidade humana? Contribui para o desenvolvimento pessoal e social? É fator

de libertação e progresso ou de alienação? (Mac Dowell, 2011, p. 26-27).

O projeto de uma Filosofia da Religião, como realidade humana, surge apenas no tempo do
Iluminismo (fim do século XVIII), através da transformação cultural provocada pela modernidade,

quando a religião se torna algo exterior à razão e subordinado a ela, um fenômeno cultural entre

outros, que se trata de investigar criticamente. (Mac Dowell, 2011)

Temas da aula
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Tema 1 – O que é filosofia?

Tema 2 – O que é religião?

Tema 3 – Por que estudar filosofia da religião?

Tema 4 – Objeções à filosofia da religião;

Tema 5 – Elementos comuns às religiões.

TEMA 1 – O QUE É FILOSOFIA?

Para Platão, Filosofia “é o uso do saber em proveito do homem. [...] uma ciência em que
coincidam fazer e saber utilizar o que é feito, e esta ciência é a Filosofia” (Eutidemo, 288 e 290d). A

Filosofia é “necessária, portanto uma ciência em que coincidam fazer e saber utilizar o que é feito, e
esta ciência é a Filosofia” (Eutidemo, 288 e 290d).

Segundo esse conceito platônico, a Filosofia implica em: 1. posse ou aquisição de um

conhecimento que seja, ao mesmo tempo, o mais válido e o mais amplo possível; 2. o uso desse

conhecimento em benefício do homem. Esses dois elementos recorrem frequentemente nas


definições de Filosofia em épocas diversas e sob diferentes pontos de vista. (Abbagnano, 2008, p.

442)

A Filosofia como investigação é contraposta por Platão, por um lado, à ignorância e, por outro, à

sabedoria. A ignorância é ilusão de sabedoria e destrói o incentivo à investigação (O Banquete, 204a).


Por outro lado, a sabedoria, que é a posse da ciência, torna inútil a investigação: os Deuses não
filosofam (República V. 204a; Teeteto, 278d)

Para Thomas Hobbes, a Filosofia é “por um lado, o conhecimento causal e, por outro a utilização
desse conhecimento em benefício do homem” (Sobre o Corpo, 1665 I, §2, 6). Para Descartes, a

Filosofia é “o estudo da sabedoria” compreendendo aí não somente “a prudência nas coisas, mas um
perfeito conhecimento de todas as coisas que o homem pode conhecer” (Princípios Filosóficos, 1644).

Bergson vinculou a intuição humana à investigação filosófica, julgando ser a intuição o órgão da

filosofia a “visão direta do espírito por parte do espírito” (1934, p. 51), ou seja, o instrumento para
atingir, imediata e infalivelmente, a "duração real" que é a realidade absoluta (Bergson, citado por

Abbagnano, 2008, p. 446).

Como saber investigativo, a Filosofia, segundo Nicola Abbagnano (2008), assume três formas
distintas que definem três concepções filosóficas fundamentais, a saber, a metafísica, a positivista e a

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crítica:

Para a primeira delas, a Filosofia é o único saber possível, e as outras ciências, enquanto tais,

coincidem com ela, são partes dela ou preparam para ela. Para a segunda delas, o conhecimento
cabe às ciências particulares, e à Filosofia cabe coordenar e unificar seus resultados. Para a terceira

delas, Filosofia é juízo sobre o saber, ou seja, avaliação de suas possibilidades e de seus limites, em
vista de seu uso pelo homem. (Abbagnano, 2008, p. 444)

Wittgenstein afirma que “o propósito da Filosofia é levar ao desaparecimento dos problemas

filosóficos, eliminar a própria filosofia ou se ‘curar’ dela” (Investigações Filosóficas, parágrafo 133).

TEMA 2 – O QUE É RELIGIÃO?


O conceito de religião compreende ambos os aspectos. etimologicamente, essa palavra significa

provavelmente "obrigação", mas, segundo Cícero, derivaria de relegere: "Aqueles que cumpriam

cuidadosamente todos os atos do culto divino e, por assim dizer, os reliam atentamente foram
chamados de religiosos — de relegere —, assim como elegantes vem de elegere, diligentes de

diligere e inteligentes de intelligere - de fato, em todas essas palavras nota-se o mesmo valor de
legere, que está presente em religião". (Abbagnano, 2008, p. 847)

Segundo Bergson, a religião é a experiência do divino que “revela a realidade de seu objeto”.

Segundo ele, a religião verdadeira é mística em sua natureza essencial (Abbagnano, 2008, p. 846) Já
para Ludwig Feuerbach, a religião é “a autoconsciência do homem” ou ainda “a autoconsciência do

infinito”; noutras palavras, “a consciência que o homem tem da infinidade de seu ser, e não de sua
limitação (Essência do Cristianismo, 18-II, parágrafo 1) (Abbagnano, 2008, p. 848).

Kierkegaard acredita que as origens das religiões se encontram na angústia humana que “leva o
homem a perceber que a possibilidade corrói e destrói as expectativas ou capacidades humanas além
de destroçar cálculos e habilidades com a ação do acaso e das possibilidades insuspeitas” (1844).

Marilena Chauí (1997, p. 298) define religião como “um vínculo” entre “o mundo profano e o
mundo sagrado, isto é, a Natureza (água, fogo, ar, animais, plantas, astros, pedras, metais, terra,

humanos) e as divindades que habitam a Natureza ou um lugar sagrado na Natureza”.

Mac Dowell (2011) nos oferece uma definição abrangente do que seja religião:

Numa primeira aproximação, religião pode ser definida, à luz da autocompreensão do homo

religiosus, como a relação do ser humano para com um poder superior, experimentado como
sagrado ou divino, do qual ele depende de algum modo juntamente com o seu mundo. A atitude

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religiosa supõe que o sagrado se manifesta como algo fundamental na experiência humana. A

religião vem a ser então, propriamente, a resposta existencial e espontânea do ser humano a esta
manifestação. Enquanto reconhecimento da própria dependência para com o sagrado, tal resposta,

condicionada culturalmente, se expressa na profissão de fé dos mitos e nas práticas cultuais dos
ritos, que na sua variedade histórica explicam as diferenças das tradições religiosas.

TEMA 3 – POR QUE ESTUDAR FILOSOFIA DA RELIGIÃO?

Segundo Mac Dowell (2011):

Assiste-se nos últimos decênios a um ressurgimento impressionante da Filosofia da Religião, tanto

no âmbito europeu continental como mais ainda no anglo-americano. Prova disso é a explosão de

publicações sobre o tema, seja sob a forma de estudos especializados, seja de tratados ou
coletâneas de artigos que oferecem uma visão sistemática da problemática atual.

E complementa:

Ora, o filosofar autêntico não é senão a tentativa de pensar metodicamente a própria orientação na
vida. Neste sentido há uma íntima ligação entre filosofia e religião. E, de fato, historicamente desde

seus albores a filosofia envolveu-se radicalmente com a dimensão religiosa da existência. (Mac

Dowell, 2011)

TEMA 4 – OBJEÇÕES À FILOSOFIA DA RELIGIÃO

Para Champlin (1995, v. 5, p. 642), o conflito entre ciência e religião se dá pelo fato de que

“muitos teólogos têm uma forte vontade de crer, e creem em quase qualquer coisa, e cientistas têm a
forte determinação de não crer, e terminam no ceticismo”. O que é dito a respeito dos cientistas

também se aplica aos filósofos.

Uma forma de objetar à possibilidade de uma filosofia da religião é abordar a religião de forma
reducionista. O reducionismo religioso acontece de várias formas, às vezes considerando a religião

um mero sistema moral, às vezes tratando-o o assunto apenas no campo antropológico ou idealista.
Porém, as formas mais depreciativas apontam na direção de más intenções ou ainda um tema

metafórico.

4.1 RELIGIÃO COMO MORALIDADE

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Platão tinha uma ideia reducionista da religião, reputando-a a mera moralidade. Segundo ele, “A

divindade que, segundo a tradição, rege o princípio, o fim e o curso de todos os seres, e procede
conforme sua natureza no seu movimento circular; atrás dela vem sempre a justiça punitiva para

quem despreza a lei divina” (Leis, 715 e, 716 a).

Na Filosofia Moderna, Kant concluiu de forma similar, ao afirmar que a religião “considerada do
ponto de vista subjetivo é o conhecimento de todos os nossos deveres como mandamentos divinos”

(Religião nos Limites da Simples Razão IV, I). Para ele, a existência de Deus e todas as implicações
decorrente disto são postulados da razão prática, porque, segundo ele, “só Deus torna possível a

união de virtude e felicidade em que consiste o sumo bem, que é o objeto da lei moral” (Crítica da
Razão Prática, I, cap. 2, parágrafo 5).

Desse modo, diz Kant:

Mediante o conceito do sumo bem, a lei moral conduz à religião, ao conhecimento de todos os

deveres na forma de mandamentos divinos; não como sanções, ou seja, como decretos arbitrários e
por si mesmo acidentais de uma vontade alheia, mas como leis essenciais de toda vontade livre por

si mesma, que, porém, devem ser consideradas mandamentos do Ser supremo, porque só de uma
vontade moralmente perfeita (santa e boa) e ao mesmo tempo onipotente podemos esperar o

sumo bem, que a lei moral nos obriga a ter como objeto de nossos esforços; portanto, podemos

esperar alcançá-lo mediante o acordo com essa vontade perfeita. (Abbagnano, 2008, p. 255)

4.2 RELIGIÃO COMO IDEALISMO

Hegel (Ciência da Lógica, I, I, cap. III, nota 2, trad. it., p. 169-70, citado por Abbagnano, 2008, p.
524) reduzia a religião (e a filosofia) a mero idealismo:

O idealismo da filosofia consiste apenas nisto: em não reconhecer o finito como verdadeiro ser.

Toda filosofia é essencialmente idealismo ou pelo menos tem o idealismo como princípio; trata-se

apenas de saber até que ponto esse princípio está efetivamente realizado. A filosofia é idealismo
tanto quanto religião"

4.3 RELIGIÃO COMO EMBUSTE DAS CLASSES SACERDOTAIS

Nietzsche se notabilizou por criticar as religiões, em especial a religião cristã, nesse sentido. Ele

indaga e responde:

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Que significa “ordem moral do mundo”? que existe, de uma vez por todas, uma vontade de Deus

quanto ao que o homem tem e não tem de fazer; que o valor de um povo, de um indivíduo, mede-
se pelo tanto que a vontade de Deus é obedecida; que nas vicissitudes de um povo, de um

indivíduo, a vontade de Deus mostra ser dominante, isto é, punitiva e recompensadora, segundo o
grau da obediência. A realidade, no lugar dessa deplorável mentira, é a seguinte: uma espécie

parasitária de homem, que prospera apenas às custas de todas as formas saudáveis de vida, o

sacerdote, abusa do nome de Deus: ao estado de coisas em que o sacerdote define o valor das
coisas ele chama “reino de Deus”; aos meios pelos quais um tal estado é alcançado ou mantido, “a

vontade de Deus”; com frio cinismo ele mede os povos, as épocas, os indivíduos, conforme
beneficiem ou contrariem a preponderância dos sacerdotes. (Nietzsche, 2009, p. 32)

E complementa:

Um passo adiante: a “vontade de Deus”, isto é, as condições para a preservação do poder do

sacerdote têm de ser conhecida – para esse fim é necessária uma “revelação”. Em linguagem mais
clara: requer-se uma grande falsificação literária, descobre-se uma “Escritura Sagrada”. (Nietzsche,

2009, p. 32)

Nietzsche (2009, p. 81), em sua Lei Contra o Cristianismo (arts. 2 e 5), expressa sua indignação
contra a classe sacerdotal:

Artigo Segundo – Toda participação num um ofício divino é um atentado à moralidade pública.

Deve-se ser mais duro com os protestantes que com católicos, e mais duros com os protestantes

liberais que com os ortodoxos. O que há de mais criminoso no fato de ser cristão aumenta à
medida que alguém se aproxima da ciência. Portanto, o criminoso dos criminosos é o filósofo.

Artigo Quinto – Quem senta à mesa com um sacerdote é expulso: excomunga a si mesmo da

sociedade honesta. O sacerdote é nosso chandala – deve ser banido, esfomeado, enxotado para

toda espécie de deserto. (2009, p. 81)

4.4 RELIGIÃO COMO LINGUAGEM METAFÓRICA

Max Müller opinava que as ideias abstratas não podem ser expressas a não ser metaforicamente,

daí porque ele considerava que “todo o dicionário da religião antiga era composto por metáforas” e
por isso “uma fonte contínua de equívocos” (1897, I, 68).

O reducionismo de Max Müller elimina a eticidade das religiões. Nesse mesmo sentido Nicolai

Hartmann argumenta que a ética é incompatível com a religião:

l. a ética está radicada nesta existência, enquanto a religião tende a uma existência radicada além

desta; 2) a ética está voltada para o homem, a religião para Deus; 3) a ética afirma a autonomia dos

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valores, a religião os subordina à vontade de Deus; 4) a ética funda-se na liberdade humana, a

religião transfere toda iniciativa a Deus (Ética 1926, 3a ed., 1949, p. 811-17).

Segundo Marilena Chauí (1997), é possível conciliar filosofia e religião. Para ela, Kant, Hegel e os

fenomenologistas mais recentemente procuraram contribuir para que a conciliação fosse possível.

Kant, ao criticar a pretensão da metafísica de ser ciência, possibilitou a “distinção entre


fenômeno e nôumeno” e possibilitou ao “filósofo limitar o campo do conhecimento teórico” ao

fenômeno e “impedir a pretensão de teorizar” (Chauí, 1997) sobre o nôumeno (a realidade em si).

Hegel interpretava a realidade como “história do Espírito em busca da identidade consigo


mesmo”. Sendo, segundo ele, a cultura a manifestação mais alta desse espírito e a natureza sua

manifestação mais baixa. Na cultura, segundo ele, o Espírito “se realiza como Arte, Religião e
Filosofia, numa sequência que é o aperfeiçoamento rumo ao término do tempo”.

Os fenomenologistas, defendendo a tese de que a fenomenologia “descreve essências


constituídas pela intencionalidade da consciência” e doadora “de sentido à realidade”. Essa
consciência “constitui as significações” e “relaciona-se com o mundo de maneiras variadas – senso

comum, ciência, filosofia, artes, religião –, de sorte que não há oposição nem exclusão entre elas, mas

diferenças” (Chauí, 1997, p. 313-314).

O positivismo, movimento filosófico da modernidade, fixou sua atenção na questão

metodológica da Filosofia. Augusto Comte foi um dos principais defensores dessa corrente filosófica
que se caracterizou pela romantização da ciência e pela ousada proposta de reduzir a religião a uma

“ciência” ou, noutros termos, uma religião científica. Segundo ele, essa religião científica seria uma

substituta efetiva e competente à religião tradicional.

Os positivistas alimentaram uma noção utópica de que a religião tradicional, em pouco tempo,

daria lugar à religião científica.

TEMA 5 – ELEMENTOS COMUNS ÀS RELIGIÕES

Figura 1 - Elementos comuns à religião

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Citando Daumas, Poliane Vasconi dos Santos (2003, p. 20) afirma:

Toda religião é, no fundo, teológica, metafísica e ética e as manifestações religiosas constituem a

tradução social das crenças de uma nação e sua maneira de se relacionar com o divino. Os rituais,
por sua vez, colocam à disposição dos indivíduos elementos que lhes permitem ter um

relacionamento cósmico, ultrapassando seu horizonte limitado e imediato.

No& Tractatus, Wittgenstein (1961, parágrafos 6.421, 6.44) usou o termo místico para apontar os

assuntos de ética e estética. A ocorrência da palavra Deus, nesse contexto (parágrafo 6.432), e as

associações históricas da palavra místico sugerem a inclusão do assunto religião. Ocorre que a lógica
diz respeito a relações de implicação dedutiva entre proposições. Uma proposição é uma

mensuração, ou seja, uma figuração de um fato. Mas a ética, a estética e Deus ficam além dos fatos e,

portanto, além da lógica, segundo essa visão.

5.1 ELEMENTO MÍSTICO

Abbagnano (2008, p. 671) define doutrina mística como

Toda doutrina que admita a comunicação direta entre o homem e Deus. A palavra mística começou
a ser usada nesse sentido nas obras de Dionísio, o Aeropagita, pertencentes à segunda metade do

séc. V e inspiradas no neoplatônico Proclo.

O elemento místico se relaciona àquela realidade que transcende a física (metafísica) ou possui
componentes que extrapolam os limites da razão humana, ficando assim além de toda e qualquer

possibilidade de verificação de veracidade ou falsidade. Fazem parte desse elemento as teogonias e

as cosmogonias.

5.2 ELEMENTO ESTÉTICO

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O elemento estético relaciona-se às práticas litúrgicas com seus aparatos, complexidades ou

simplicidades. Os cantos, as palavras proferidas, os atos litúrgicos em suas formas mais variadas
(sacrifícios, orações, invocações, danças e objetos sagrados) integram e diversificam o elemento

estético.

Abbagnano (2008, p. 940) define o rito religiosos em termos de técnicas mágicas:

Técnicas mágicas e religiosas, que só podem, ser postas em prática com base em determinados

sistemas de crenças; não podem, portanto, modificar esses sistemas e apresentam-se também
como não-corrigíveis ou não modificáveis. Essas técnicas constituem um dos dois elementos

fundamentais de qualquer religião e podem ser indicadas com o nome genérico de ritos.

Chauí (1997, p. 299) define o rito como

uma cerimônia em que gestos determinados, palavras determinadas, objetos determinados,

pessoas determinadas e emoções determinadas adquirem o poder misterioso de personificar o laço

entre os humanos e a divindade. Para agradecer dons e benefícios, para suplicar dons e benefícios,
para lembrar a bondade dos deuses ou para exorcizar sua cólera, caso os humanos tenham

transgredido as leis sagradas, as cerimônias ritualísticas são de grande variedade.

5.3 ELEMENTO ÉTICO

O elemento ético se relaciona aos mandamentos, dados a conhecer aos adoradores no intuito

de que a vontade de Deus (ou dos deuses) seja conhecida e obedecida. Esses mandamentos,

diferente das ordenações ritualísticas, relacionam-se à forma como os adeptos devem viver, incluindo
nisso o que se pode e o que não se pode nem se deve fazer, pensar, sentir e falar.

Segundo Chauí (1997, p. 301), a religião, “ao estabelecer o laço entre o humano e o divino,

procura um caminho pelo qual a vontade dos deuses seja benéfica e propícia aos seus adoradores”.

Daí surge a necessidade das leis, decretos, mandamentos, ordenanças e comandos. Segundo ela “a

ordem do mundo decorre dos decretos divinos, isto é, da lei ordenadora à qual nenhum ser escapa,
também o mundo humano está submetido a mandamentos divinos”. No intuito de fazer conhecida

as leis divinas, surge a figura dos mediadores, dos profetas (ou videntes) e dos sacerdotes.

NA PRÁTICA

Benefícios do estudo de filosofia da religião

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Toda disciplina, por mais simples que seja, contribui, se bem elaborada e devidamente

aprendida, para ampliar os horizontes do conhecimento de quem a ela se submete.

Ampliação de horizontes

Montesquieu observou que “Muitas coisas conduzem os homens: o clima, a religião, as leis, os

princípios de governo, as tradições, os costumes, os usos; a partir daí se forma o espírito geral, que é

seu resultado” (1748, XIX, 4).

Abertura ao diálogo

Um diálogo se constrói sobre a possibilidade de se expressar e ser ouvido atentamente, como

também ouvir atentamente e dar ao interlocutor a liberdade de discordar sem se ofender ou ser
ofendido.

Ao tomar conhecimento, ainda que não profundamente, das razões que movem as ações,

reações, sentimentos e afeições de determinados adeptos de grupos religiosos, o interlocutor saberá

distinguir aquilo que tem fundamento ou não. Mesmo quando não se concorde com o enunciado ou

os pressupostos religiosos de um determinado grupo, pode-se dialogar com mais empatia e


consideração.

Maior compreensão da dinâmica religiosa

Ao observar determinados ritos e procedimentos religiosos, podemos estanhá-los por não serem
comuns a nós. Porém, tomando conhecimento das razões primárias e últimas das religiões, nosso

entendimento servirá de base para um diálogo saudável e produtivo aos interlocutores.

Tolerância religiosa

Abbagnano (2008, p. 961) define tolerância da seguinte maneira:

a tolerância foi entendida como coexistência pacífica entre várias confissões religiosas, sendo hoje

entendida, em sentido ainda mais geral, como coexistência pacífica de todas as possíveis atitudes
religiosas. O critério para verificar se essa exigência está sendo realizada nas situações históricas ou

políticas é um só: a sua realização significa que o cidadão não sofre violência, inquirição jurídica ou
policial, diminuição ou perda de direitos ou qualquer tipo de discriminação em virtude de suas

convicções, positivas ou negativas, em matéria religiosa.

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A intolerância religiosa se alimenta da ignorância. Quanto mais sabemos a respeito da religião

do outro, mas tolerantes nos tornamos em relação a ele.

FINALIZANDO

Embora distintas em suas abordagens, métodos e objetos, filosofia e religião integram o mundo

da experiência humana, ora como parte dela, ora como elemento de compreensão dela.

Há resistências, em ambas, a um diálogo fluente e sem interrupções. Todavia, é possível

investigar a religião sem ter como objetivo destruir seus fundamentos primários e finais.

Pesquisando as religiões e investigando-as com base em seus elementos essenciais, é possível


elaborar uma ciência que ajude a compreender com mais acuracidade a realidade humana, e essa

ciência é a filosofia da religião.

REFERÊNCIAS

ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. Tradução de Alfredo Bosi, São Paulo: Martins Fontes,

2008.

AGNOLIN, A. História das religiões – Perspectiva histórico-comparativa. São Paulo: Paulinas, 2019

CHAMPLIN, R. N.; BENTES, J. M. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. São Paulo: Candeia,

1995. v. 2.

CHAUÍ, M. Filosofia. São Paulo: Ática, 1997.

MAC DOWELL, J. A. FILOSOFIA DA RELIGIÃO: sua centralidade e atualidade no pensamento

filosófico, artigo publicado na Revista Interações – Cultura e Comunidade, Uberlândia, v. 6 n. 10, p.


17-49, jul./dez. 2011

NIETZSCHE, F. O Anticristo e ditirambos de Dionísio. Tradução de Paulo César de Souza. São


Paulo: Companhia das Letras, 2009.

SANTOS, P. V. Religião e sociedade no Egito Antigo: uma leitura do mito de Ísis e Osíris na obra

de Plutarco (I d.C.) Dissertação (Mestrado em Educação) – UNESP, Assis – SP, 2003.

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