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Sob as manchas do tempo, se eu pudesse começar de novo, a milhões de milhas daqui,

eu me salvaria. Eu acharia um caminho.

O tempo sempre nos confunde. Nos traz um novo, ao mesmo tempo que nos sufoca ao
mesmo.

Às vezes parece que eu já senti tudo. E daqui pra frente, vai ser só mais do mesmo em
proporções menores.

As bandas antigas são sempre melhores. Os filmes antigos são sempre melhores. A
gente acaba se prendendo ao que já conhece, e esse é o perigo de gostar demais do
passado… a gente acaba se apegando a ele.

Mas é importante lembrar que a vida não volta. Tudo acaba virando memórias. E sobre
elas não se vive, só se lembra.
Não é lá que mora a vida.

Somos acostumados a dividir o tempo em três. Presente, passado e futuro. E dos três, o
passado é o único do qual já conhecemos. O agora, por exemplo, já virou passado.

O futuro não existe. A vida é já.

Talvez, alguma parte de mim, possa estar presa ao passado. Mas não posso ficar por lá
por muito tempo. Tudo isso, já não existe mais. É como olhar o abismo de cima. O
abismo, sempre vai nos olhar de volta.

Devemos amar o passado, mas não se deixar cativar por ele, já que esse é o único
momento que não pode nos pertencer.

O presente é certo. O futuro está em jogo. Agora, o passado… o passado não. Esse já
não está mais. Por isso não devemos nos prender a ele.
Flertar demais com algo impossível de se ter, não parece algo que pode acabar bem.

O passar do tempo sempre nos assombrou, e eu acho que não deveria ser assim. É
preciso saber contemplar a tragédia do tempo.
E a verdade, é que o mundo sempre esteve em chamas. Vivemos com essa sensação
estranha, como se tudo fosse fantasticamente melhor no passado. Como se antes, já não
fosse assim.

Eu sinto que nasci tarde demais para ver seja lá o que for. É como se eu estivesse no
século errado.
Muitos dos meus heróis morreram antes mesmo d'eu nascer, e vivo tentando revivê-los
de alguma maneira.
Viver preso ao passado faz parecer que a gente perdeu praticamente tudo que era bom
de viver. E aqui estamos… contemplando os destroços.

Vivemos o passado porque é ontem, e ontem já foi feito. Estamos seguros. É tudo o que
conhecemos, mas é uma ilusão. Uma ilusão como qualquer outra.

É preciso saber contemplar a tragédia do tempo. Mas como? Se esse instante já não
existe mais? Nem esse, e nem esse… percebeu a fragilidade? Sempre escorre pelos
dedos…
Por isso, o instante é algo tão valioso. Não é possível medir. Não é possível se encontrar
com ele nunca. Onde aquele instante está… você, eu ou nós, não estamos mais. Estamos
sempre em outro.

É difícil falar sobre algo que você está sempre atrasado. Eu quis algumas vezes congelar
o tempo na tentativa egoísta de eternizar o momento.
Nossa fixação pelo eterno, muitas vezes nos embaça a visão para enxergar o agora. Este
mesmo agora, que agora não existe mais.

É fácil ouvir sobre o tempo por aí. Ele está aqui a tanto tempo que não pensamos além
do comum.
Não é possível dizer quanto tempo o tempo tem sem sequer citar o nome do próprio
vezes o suficiente ao ponto de nos confundirmos enquanto ele continua.

“Nossa, como o tempo passa, não é?”


Bom… não. Não é.
O tempo nunca passa. Somos nós que passamos.
Os dias passam, a vida passa, as paixões mudam… o tempo não.
O tempo continua ali zombando da gente. Intacto. E essa é uma briga que já perdemos
no momento em que respiramos pela primeira vez. Nós só demoramos para aceitar essa
derrota.
E nessa tentativa de lidar com a angústia da finitude das coisas, tentamos inverter os
papéis.

Mas dessa vez, não.

“Ainda temos tempo?”


Por que dizemos isso?
Dizemos ainda temos tempo como se, em algum dia, tivéssemos tempo, quando na
realidade, é o tempo que nos tem.

Talvez, só dessa vez, devêssemos experimentar dizer: “Nossa, como nós passamos,
não é?”
É, nós passamos. E apesar disso doer, é preciso que o tempo passe.
Se não fosse assim, nós seríamos sempre os mesmos. O mundo seria sempre o mesmo.
As mesmas cores na parede… sem o tempo, nunca as pintaríamos de novo. A cor não
desbotaria. Nós não enjoaríamos.
Consegue imaginar o quão monótono seria precisar fazer tudo uma única vez?
Seria muito, mas muito mais monótono do que essa eterna repetição.

O tempo, tá aqui nesse eterno paradoxo de construção e destruição de tudo que há, de
tudo que virá, de tudo que já foi.
Louco isso, né?

Somos feitos para acabar por definitivo.


Mas até lá, morremos e nascemos várias e várias vezes. E essa é uma das ideias de vida
após a morte que me atrai.
A vida após uma morte em vida.

O tempo passa, e a vida toda que conhecemos se constrói. E quando ele passa de novo,
destrói boa parte de tudo isso que ele construiu.
O tempo nos rouba sonhos, paixões e ilusões. Nos rouba subitamente a juventude. Nos
enruga o rosto.
Ele nos bate tão forte, que quando notamos já se passou toda uma vida. E a gente vai
dizer que “o tempo passou muito depressa”. Mas nunca nós.

A verdade é que somos nós. Sempre fomos nós. Sempre fomos nós quem passamos
rápido demais.

O tempo nunca envelhece.


Ele não está aqui apara ser negociado.
Fomos nós que falhamos em estar entregues à vida enquanto a tínhamos nas mãos.
E para aliviar essa culpa, nós covardemente culpamos o tempo.
É… o peso de carregar nossos próprios cadáveres nas costas é pesado.

Eu não quero que você fique aqui para sempre, e também acho que você não espera que
eu fique. Só o tempo fica.

Agora, o que é o para sempre?


Onde cabe uma eternidade, se não nesse momento em que eu te olho nos olhos?

Eu sei… nada disso aqui é possível de entender.


Mas por um instante. Por uma fração de tempo. Um intervalo… é bom estar aqui.

Independente de quanto nos resta, se foi ou não, nós sempre faremos parte do tempo que
passou. Numa memória. Uma mancha no tempo.

O tempo ensina.
Ele ensina, mas te mata.

Mas sem o tempo, também não há vida.


Quando se dá, verdadeiramente seu tempo a alguém, está dando naquele momento um
pedaço da sua vida. E ainda não inventamos uma moeda de troca mais valiosa do que
essa. Foi a única forma que encontramos de chegar perto.
Um pouco de vida, por um pouco de vida.

Me lembro de quando eu pensava que as histórias precisavam de um final.


Lembro de como me incomodava quando os filmes não tinham uma conclusão.
Hoje, esses se tornaram meus preferidos.
Nem tudo é um livro com começo, meio e fim. O tempo nunca foi linear.
No fim, o passado, presente e futuro não passam de uma ilusão.
Uma ilusão que torna a vida mais simples de enxergar.
Às vezes tudo acaba rapidamente na metade da página.
Às vezes é incontrolável.
Todo um futuro se desfez com algo que acabou de acontecer no presente. Todo o
passado desaparece de você por uma doença que pode estar por aí no futuro, e o
presente simplesmente some sem aviso prévio com a chegada da morte.
Acaba!
E o que fica, é o que foi escrito na metade daquela folha de papel.
E nem sempre estamos prontos.

Na real, quase nunca estamos…

Aquele tempo teve seu fim.


Podemos até ter a chance de vivermos algo além daquilo. Mas aquele tempo teve seu
fim.
É a queda.
E pensar sobre esse abismo, achar que ele te olha, ou achar que ele é cego, nada disso
anula o fato de que tudo está caindo.
Inclusive nós.

Por esse motivo, talvez devêssemos nos preocupar menos com o abismo, e mais em
como caímos.
A vida é como um dia comum. Quando acorda, demora algum tempo para tomar
consciência de tudo que quer e precisa fazer.
Tem momentos bons e ruins.
Cada piscar de olhos é como uma noite dormida. Um breve instante de apagar e
acender. Até que chega o final da tarde, e você começa a se sentir cansado.
E na noite, mesmo ainda tendo alguns prazeres que ficaram pro final, você sabe que
logo vai fechar os olhos e perder a consciência sem nenhuma certeza de retorno.

Estamos todos resistindo ao tempo.


O tempo todo resistindo.
Existir é resistir.

Quanto tempo nós temos?


Quanto ainda nos resta?

Muito é dito sobre o fim do mundo.


A verdade é que estamos nele agora.
Sempre estivemos.
Somos ruínas dançando por aí sobre outras ruínas.
E sobre o fim… bom… não sei se estaremos juntos no fim… Mas sorria por termos tido
um começo, e estarmos juntos no meio.
E até o fim, se o tempo é um eterno fim, então… então somos nós…
Então somos nós um pouco do fim.

Fabrício Negreiros

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