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Alexandre Custódio T.

Pinto
Ser infeliz

Versão Virtual

Índice

O mundo inalcançável
Enquadramento da Felicidade numa vida já vivida
6

Salvação
20

A paixão de viver
44

Reflexões sobre a vontade e o controlo


63
Perseguir a verdadeira felicidade é cair no niilismo
81

O mundo alcançável

O Progresso na Ciência
88

Fugitivos
104

Sobre o Suicídio
117
A natureza e o cinismo
128

Conclusão e Reflexões finais


148
Em honra do avô Zé.
O mundo
inalcançável
Enquadramento da
Felicidade numa vida
já vivida
1. No tempo que vivemos (e quão pouco ele

é), ignoramos com toda a destreza, por grande

parte da nossa vida, a morte. Temos medo

dela, quanto mais velhos somos mais a

aceitamos ou tememos, experienciamos tal

fraqueza humana pelos outros. Muitos

caminham como se este destino inevitável

esteja ainda muito longínquo. Mesmo através

da experiência pelo os outros, tentamos

empurrar o medo para as profundezas da

nossa mente. Muitos passam a vida a fugir da

verdade. Vivem como se fossem imortais, para


eles o amanhã está-lhes garantido (quando na

verdade não está). Eu sou também culpado de

ter esses pensamentos, mas luto para chegar á

verdade e nada mais.

1. Não estou aqui para lamentar a vida, estou

aqui para tentar iluminá-la. Estou aqui para

tentar enquadrar a felicidade numa vida já

vivida.

2. Antes de mais tive que refletir

profundamente sobre a morte, visto que muito

do que eu quero falar revolve os nossos


últimos momentos em que já nos deparamos

frente a frente com tal horror. Devo admitir

que nas minhas primeiras reflexões vi a morte

de um modo hediondo, percepcionei-a como se

fosse a natureza a impor limites sobre um erro

a quem tinha dado demasiado poder e

autoridade, vi a morte como uma limitação.

Todavia, estava errado, a natureza não

procura defender-se de nós, ela procura no

entanto salvar-nos do desespero, ao sermos

mortais temos esperança. Não nos temos que


conformar com o sofrimento e tédio, como só

temos uma vida curta, vamos querer lutar

contra a desgraça, está na morte a vontade de

viver. E essa vontade continua

progressivamente a intensificar-se á medida

que nos aproximamos do nosso destino. Se

fossemos imortais não tínhamos necessidade

de lutar contra os limites temporais impostos

pela nossa mortalidade, por outras palavras,

tal indivíduo, se existisse, seria absurdo tentar

ser o mais feliz possível, o mais sensato seria


ser forte nos maus momentos e desfrutar os

bons.

3. Ora, agora podes e muito bem questionar-

te qual é o elo que existe entre a nossa

mortalidade e a felicidade? É a nossa

mortalidade que traz consigo a possibilidade

de sermos verdadeiramente felizes. Tal

felicidade aparece como recompensa de um

esforço de uma vida inteira. Por outras

palavras, podemos dizer que a verdadeira

felicidade não é algo está connosco ao longo da


vida, é o fruto do esforço na vida para fazer o

bem e viver uma vida com sentido, dito de

outra forma, o primeiro requisito para a

verdadeira felicidade é ter uma vida já vivida.

O segundo é tê-la vivido bem (veremos melhor

depois o que se entende por viver bem, mas é

outro conceito, na sua generalidade, que deve

ser fruto da reflexão de cada um) e o terceiro

é a reflexão, é entender que a próxima

paragem, deste comboio que é a vida, é

possivelmente a nossa saída. E é exatamente


nesse momento que se deve refletir sobre as

questões - Fui eu feliz? Sou eu feliz? - com a

reflexão entenda-se por enquadramento.

Simplificando, a verdadeira felicidade vem

depois de se ter vivido, é quando se questiona

profundamente se a sua vida teve valor, é

pergunta-se a si próprio, consigo eu dar mais

importância aos poucos momentos de

felicidade da minha vida, ou será que a tristeza

ainda prevalece a felicidade. Se consegues

aceitar a tua vida tal como ela foi, por


conseguinte, dando prioridade ao que foi bom

na tua vida, e admitindo que ela não foi

dominada pelo sofrimento e tédio como muitas

vezes aparenta, podemos com muita

convicção dizer que conseguiste atingir uma

verdadeira felicidade. Podemos até ir tão longe

e dizer que, morrer feliz é ter vivido feliz.

1. Nos momentos finais da nossa vida (tal

como na nossa vida em geral) é nos essencial

haver amor, quer pela família, quer por

alguém, ou quer por algum animal, morrer


sem ter ninguém deve ser do mais doloroso. O

amor é tão importante que não o devo deixar

de fora destas reflexões. A capacidade de amar

nasce e morre connosco, amor é uma matéria-

prima da nossa natureza. A partir do amor

sentimos saudade, com o amor aprendemos a

apreciar, com o amor aprendemos a

devotarmo-nos aquilo que amamos (tanta

coisa que nasce do amor!). Portanto, amar é de

extrema importância. Não termos ninguém

para amar, significa não conseguir expressar a


bondade que vai dentro de nós. Mas ser amado

também é de extrema importância, porque só

amando não há amor. O amor é recíproco, se

eu dou mais do que recebo (ou vice-versa) não

há amor. O amor traz-nos uma grande nova

visão sobre o mundo, deixamos de estar

sozinhos a tentar interpretar o caos que nos

rodeia e passamos a interpretá-lo com que

amamos.

2. Mas mesmo que tenhamos amor, quem

amamos também está sujeito aos limites da


natureza. Aqui afirmo eu que, não interessa se

somos deixados sozinhos no mundo, o tempo

pode se aplicar a nós, mas ao amor não, o

amor ultrapassa todas as barreiras, onde

houve amor nunca mais deixará de haver. Se

teve amor na vida jamais cairá na solidão,

podes sentir-te sozinho (algo que devo admitir

ser quase idêntico á solidão), mas o amor terá

sempre prioridade, ele fará o coração bater

mesmo quando este já não tem forças nem

vontade.
3. Por sua vez, os nossos limites temporais,

ao nos serem impostos pela natureza fazem-

nos agir. E quando se junta a nossa fragilidade

com o tempo, criasse um conceito de ultimato

que volta a remeter aquelas questões, porque é

mesmo nesses últimos momentos que temos

que nos aperceber que é agora que temos de

tomar uma decisão e não no futuro, na

juventude (e eu sou culpado disso) podes

muito facilmente empurrar as coisas para o

futuro, quase todos os que te rodeiam são mais

velhos e ficasse com a sensação que chegarás a


essas idades, portanto empurrasse as coisas

importantes para o porvir diz-se coisas

absurdas como - ‘Este ano não correu tão bem

mas o próximo é que é!’-posso tar a apontar o

óbvio, mas é importante saber, especialmente

quando já se está numa idade avançada, que

se queres ser verdadeiramente feliz tem que

ser agora, pois se não é agora, quando é que é?

Temos que dar a nossa vida para recebermos a

felicidade duradoura e verdadeira, no entanto

não devemos viver a perseguir tal felicidade,


se é que me estou a fazer entender. Devemos

focar-nos em viver bem, a felicidade será uma

consequência das decisões que tomamos ao

longo da nossa vida.

4. Tentarei agora explicar melhor o que é

‘viver bem’, podíamos tentar desconstruir a

frase e tentar entender o que é o bem e o que é

viver, no entanto tomaremos a expressão

‘viver bem’ e tentaremos decifrá-la na sua

totalidade, a expressão significaria algo do

género - forma de viver de um indivíduo


segundo a sua ética e agrados - de certo isto

não é nada de novo, todos nós tentamos viver

o mais perto possível do que nós consideramos

ser eticamente bom ou mau, ‘não roubo

porque acho que é errado’. Mas sermos

pessoas moralmente boas não faz uma vida

boa, faltam os agrados, não podemos só pensar

em agradar os outros temos que também ser

bons para nós próprios, e estes agrados vêm

em forma de arte. Somos agrados com uma

bela pintura, melodia, frases, falas, desportos…


Por outras palavras, os agrados são coisas que

nos entretenham. Não teríamos uma vida boa

sem o entretenimento, sem o lazer viveríamos

nas mãos do tédio. Esta forma de passar tempo

foi criada, em geral, das pessoas para a

sociedade (pode e muito bem também ser de

uma pessoa para outra, mas focarem-nos no

entretenimento para a sociedade). O puro

entretenimento, algo que não tenha outro

objetivo senão gastar o nosso tempo a refletir,

olhar, ouvir… É por muitos vistos como um


desperdício, os mais velhos, em geral,

desprezam as redes sociais e aplicações de

streaming. Os mais novos, em geral, também

são pouco apreciadores das pinturas e

literaturas. No entanto foi esquecido o

verdadeiro propósito do entretenimento, este

foi criado como um refúgio da sociedade, um

sítio onde possamos passar horas a fim sem

sentir o inferno que nos cerca. O

entretenimento pertence á sociedade, ele foi

criado para a sociedade. Mais concretamente,

o entretenimento é um refúgio da sociedade


dado-nos pela sociedade. Onde estaria eu sem

este abrigo?

5. A melhor maneira de exemplificar a vida

que se deve tomar para atingir a felicidade

seria - Vive como se este dia fosse o último,

mas demora o teu tempo - Devo escrever como

se não houvesse um amanhã, passar aquilo

que aprendi, escrever com a maior seriedade,

simplicidade… Sempre que escrevo lembro-me

que é esta a determinação que devo ter,

ademais aprendi que não devemos forçar, não


devemos acelerar o passo mais do que

conseguimos, sempre que escrevo porto em

mente esta frase. - trabalho árduo para um

escritor, leitura fácil para um leitor. Trabalho

fácil para um escritor, leitura árdua para um

leitor.

6. Todavia temos que distinguir a felicidade

que sentimos ao longo da nossa vida, daquela

que refletimos sobre. Em relação a essa

necessidade, apresento as suas devidas

designações, a saber, aquela que sentimos


podemos denominar de felicidade reactiva,

enquanto a outra chamaremos de felicidade

proativa. À medida que, a primeira é somente

uma reação, a outra é um desejo, uma

tentativa de aproximarmo-nos da verdadeira

felicidade.
Salvação
Parte I

11. A salvação do desespero encontra-se no

outro. Quando o desespero é de uma imensidade

inimaginável, quando já lutamos tudo o que

tínhamos para dar, quando a nada mais nos

podemos agarrar, os outros estarão lá para nos


levantar. O desespero retira-nos a nosso

humanidade e quando esse desalento é tanto, a

nossa falta de humanismo faz-nos pensar que

nada mais soa sensato senão o pecado, é logo

que, os outros estarão lá para nós. Quando nada

interior nos ajuda, temos que recorrer ao

exterior. Tudo parece um grande pesadelo, os

outros confirmam a nossa humanidade,

compreendem o sofrimento, fazemos os outros

sofrer connosco para que nos ajudem a superar.

Precisamos de procurar salvação a todos os


custos porque o desespero é a pior sentença que

podemos suportar. Até a morte é mais tolerável

que falhar na vida.

12. Mas quando os outros, por qualquer razão

que seja, nada fazem para nos fazer sentir

integrados na humanidade. Quando nem no

exterior podemos encontrar um porto seguro,

voltamo-nos de volta ao interior, desta vez ao

Todo-Outro, a fé nasce na procura de salvação,

Deus ama-nos incondicionalmente. A crença na

existência de tal entidade, dá a parecer que,


salvou muitos. Deus, como entidade

transcendente, sempre existiu naqueles que tem

fé. Este Deus diferencia-se entre todos, para uns

tem certas qualidades, para outros, outras,

podemos dizer que ele é pessoal. No entanto só

devemos sucumbir (ou recorrer) á fé quando

nada mais se consegue fazer para se livrar do

desespero. Devido á incapacidade de provar a

existência de tal entidade, a única coisa que

podemos afirmar é que: ao acreditar na sua

existência, temos uma forma de combater o


desespero, independentemente da sua existência

ou não, ao termos fé, temos vontade de combater

o desespero. Só a possibilidade da sua existência

é suficiente para a nossa salvação. Por outras

palavras, independentemente das crenças

individuais relativas a Deus, qualquer crença

nele, significa que o indivíduo não consegue

arranjar vontade em nenhum outro sítio e

recorre á essência interior do mundo inteiro, ou

vontade (que se pode assimilar a um deus

pessoal).
13. No entanto, não posso cegamente

aconselhar todos a seguir uma entidade

transcendental que nem se tem conhecimento se

realmente existe só com o intento de ter vontade

de lutar contra a angústia. Onde ficam aqueles,

que preferem acreditar que Deus não existe, e

preferem viver como se a sua inexistência fosse

certa? Onde mais posso eu arranjar vontade,

quando nada me a quer dar, e eu não me quero

virar para Deus? No ateísmo apresento duas

alternativas a fé, a saber, primeiramente, voltem-

se, novamente, ao exterior, porém, ao invés de


procurar por um outro, procure pela a arte, pela

música, poesia, filosofias… E se, por algum

assombro, não se livrar do desespero, amor fati.

‘Meine Formel für die Grösse am Menschen ist

amor fati’ (A minha fórmula para a grandeza é

amor fati) - (Friedrich Nietzsche, A genealogia da

Moral, p. 266). Que, em ultimato, ame o destino,

deixe a vida seguir o seu percurso, o desespero

passará e voltará, mas haverá sempre momentos

bons. Repete-se o processo á procurar de

salvação, conhecesse novas pessoas, aprende-se


novas coisas sobre nós próprios e o mundo que

nos rodeia, em última instância, podemos

procurar salvação em nós próprios, nos outros e

no que nos rodeia, ou podemos decidir seguir o

atalho que a fé nos dá. Apesar de tudo, é

contraditório amar o destino, quando digo que só

um ser imortal é que deveria tomar tal decisão, e

que nós seres mortais devemos impor-nos e lutar

para ser felizes, contudo, numa ocasião extrema

a que nada mais nos possamos virar, esperar que


a salvação chegue a nós, ao invés de a procurar,

seja talvez a coisa mais sensata a fazer.

14. Apesar de podemos procurar por salvação

no interior, na sua generalidade, nós obtemo-la,

por grande parte, nos outros. A salvação

encontra-se nos outros. Mesmo na procura

interior pouco encontramos, quantas vezes a

reflexão aumentou o nosso desespero, ao

contrário do resultado que esperávamos?

Quando encontra-mos salvação no interior, é na

maioria dos casos, na crença do divino, ou seja,


na crença num Todo-Outro. Quando não nos

podemos virar para os outros que nos rodeiam,

podemos virar-nos para o Todo-Outro que nos

responde. Ora, o Deus pessoal, sujeito metafísico,

não deixa de ser um outro.

E os outros também se encontram nas artes.

Sem o sujeito não havia arte para ser feita, nem

para ser apreendida. A arte é uma forma do ser

humano de se expressar, de comunicar com o

futuro, quadros pintados à cem anos a trás,

músicas compostas à duzentos anos atrás, ainda


são hoje lembradas e apreciadas. A arte traz

consigo as emoções e ideias dos artistas, portanto

trás consigo uma parte do outro,

consequentemente, para além de toda a sua

bagagem cultural que traz consigo, a arte é

também uma salvação dos outros para nós.

15. Lutamos contra o impossível todos os

dias, o desespero é a vitória consecutiva da

impossibilidade (e a aproximação da nossa

rendição à causa). É o sentimento de futilidade

perante os acontecimentos que nos rodeiam.


‘O fogo domina aquilo que nele é lançado’ -

(Marco Aurélio, Meditações, Livro IV, p. 51). Para

o desespero que tal mundo nos traz controla-te

perante os infortúnios que te são lançados. O

desespero dirá que no desejo se encontra o

sucesso, é, no entanto, no esforço que tal sucesso

se encontra. Qualquer que seja o nosso destino,

semelhante, ou oposto ao desejo, todo o fogo

pode ser dominado pelo nosso esforço. Não te

percas no eterno caos que assombra o universo.

Independentemente do futuro, se houve esforço

para alterar um futuro destinado ao falhanço,


esse futuro foi evadido. Por mais árduo que seja o

caminho, mantém o esforço contigo. Porque é ele,

o que permite dizer que pelo menos tentamos

viver. Somente nessa tentativa é que se encontra

o sucesso e, consequentemente, a evitação do

desespero.

Contudo, do que serve o esforço sem o

desejo? Que não se trabalhe para nada, que o

desejo sirva de guia, não como objetivo. Desta

forma o desejo torna o esforço sério e constante,


deixa-se de exigir alcançar o objetivo, mas

somente o mirar.

Parte II

16. Já percebemos e muito bem como

alguém é salvo do desespero, também já

constatamos que o nosso dia-a-dia é uma luta

contra um futuro infortúnio, que cremos ser o

futuro mais certo, ou seja, colocamo-nos numa

posição, por natureza, em que lutamos contra as


possíveis infelicidades que nos possam ocorrer

(lutamos contra a nossa falta de controlo perante

os muitos acontecimentos que sucedem ao longo

da nossa vida). O desespero, é de certa forma,

uma ruptura dos limites do ser humano na sua

luta por uma vida boa. Observou-se, ainda, que

toda esta nossa luta se centra no esforço e no

desejo, por outras palavras, todas as nossas ações

podem ser diminuídas ao desejo que a pessoa

possa ter para cumprir tal ação e ao esforço que a

tal desejo atribui.


Contudo, declaro que o desejo não deve ser o

nosso objetivo, mas sim um guia. Não pode ser

objetivo por uma pura e simples razão, o esforço

e o desejo não se encontram numa escala

proporcional, o que quero dizer com isto é que:

mesmo que alguém se esforce muito o seu

sucesso de satisfazer o seu desejo não é

necessariamente garantido.

Claro que aquele que se esforça tem mais

probabilidades de sucesso do que aquele que não

se esforça. No entanto, se com o esforço não se


atinge o desejo fica-se extremamente infeliz (e

aqui sim a escala é proporcional! Quanto maior o

esforço e o desejo, maior a desgraça). Então

levanta-se a questão, como é que eu inverto a

situação (quanto maior o esforço e o desejo,

maior a felicidade)?

17. Tomando o desejo como guia. Quando

colocamos o desejo como objetivo, na realidade,

estamos a fugir ao seu oposto, por exemplo, se eu

desejo ser rico (e tomo tal desejo como objetivo),

o que na realidade estou a desejar, é que eu não


quero viver uma vida em que não consiga

comprar o que quero. Nem vale a pena notar que

não atingir esse objetivo irá provocar grande

angústia (ao contrário de levar o desejo como

guia), mas também, que ao colocar uma meta,

mesmo no sucesso não nos sentiremos bem.

Ao seguir um desejo como guia, este terá que

ser muito mais abstrato, não pode dar índice de

ter uma reta final, ao invés de desejar riqueza

devesse desejar compreender o mundo

económico e suceder nele, o desejo torna-se


contínuo, o mundo económico está sempre a

evoluir e tal sujeito terá a oportunidade de tentar

evoluir com ele e compreendê-lo. Desta forma

não só se evita uma finalidade, mas também abre

outras portas, no nosso esforço de seguir o nosso

desejo encontraremos coisas que nos atraem e

desviaremos o nosso caminho em concordância

com tal coisas. Ou seja, o desejo torna-se flexível,

ao contrário de fixo.
18. Talvez o que se assemelhe mais ao desejo

que tento explicar seria a planificação de um

passeio, ora, pegamos no mapa e marcamos

pontos por onde queremos passar e acabamos no

final em casa. Só marcamos determinados pontos

que queremos atingir, numa escala mais

pequena, que permite alterações. Quantas vezes

já planei um certo percurso para um

determinado sítio e deixei-me ir pelas belezas da

natureza acabando num local completamente

oposto (e depois, de certo, voltava para casa).


O mesmo acontece na vida, por sermos seres

sociais vemos o ponto a que os outros chegaram e

assinalamos no nosso mapa lugares muito

longínquos, não é necessariamente mau ter tais

desejos, mas reparta-o em pequenas partes, é

mais fácil assim, que não se aponte logo para a

riqueza. A vida seguirá o seu rumo, evitarás a

necessidade de salvação se seguires tal rumo com

o esforço sempre ao lado.

19. O medo do falhanço é, assim, uma

condição da vida humana, estaremos sempre


subjetivos a desejar e a ter que colocar um certo

esforço para certo desejo. Não importa quão

pouco seja o esforço, ele sempre existirá se

houver desejo. O falhanço é o não conseguir

alcançar o desejo. Por isso, salvamo-nos do

falhanço se guiarmo-nos pelos desejos, ao invés,

de seguirmo-los cegamente.

Contudo, o medo do falhanço estará sempre

presente. Repito mais uma vez, esse medo é uma

condição humana, ao existir desejo, há esforço,

ao existir esforço, existe pois uma probabilidade


de se falhar. Esse medo será algo que teremos

que lidar com a nossa vida inteira. Não deve ser

ignorado, pois é ele que nos relembra porque

desejamos tal coisa. Quem quer compreender e

suceder no mundo económico, por exemplo,

poderá ter medo de não conseguir retribuir a sua

família e amigos que o suportaram a vida toda.

Esse mesmo medo, é em si o motivo do desejo.

Nenhum desejo será somente desejado, as

pessoas correram para o desejo não só por o

querem, mas pelo o medo do que lhes possa


esperar no falhanço. Todavia, amiúde são as

vezes que o falhanço não é tão trágico como o

imaginávamos ser, porque? Por causa do esforço,

para além de enfraquecer o medo (visto que o

esforço dá um sentimento de merecimento),

também este suaviza o falhanço (se tal

acontecer), dado que, o nosso esforço será

reconhecido por aqueles que amamos e o nosso

falhanço será perdoado por estes. Por

conseguinte esse falhanço será somente um

falhanço aos nossos olhos.


20. Como tal, o ser humano vive num

constante limbo entre o medo de fraquejar e a

ânsia de suceder, ou seja, vive no presente. Tem

que lutar incessantemente contra esses medos e

preocupações para que possa procurar uma vida

boa e serena. De tal forma que, as nossas

premonições em relação à concretização dos

nossos desejos maiores são negativas, o sucesso

(sob tais desejos), é nos absurdo. Mas o que são

estes desejos maiores?


Falo deles, pois como vimos o desejo aplica-

se a tudo ao qual queremos possuir ou agir sobre,

i.e. querer uma sandes, querer pedir alguém em

namoro… Sobre tal definição, estabeleço que, o

desejo maior é aquele que não é sistemático.

Querer uma sandes, nos dias de hoje, é um desejo

tão banal e com uma solução tão simples que não

há muito sobre o que se possa pensar em como

atingir o desejo. Queremos tantas vezes uma

sandes ao longo da nossa vida que esse desejo é

mal reconhecido como tal. Por outro lado, desejar

namorar alguém não é sistemático, não existe


nenhum processo claro que possamos seguir, os

detalhes aos quais não temos controlo são muito

maiores do que ao desejo de uma sandes, e

apaixonar-me por alguém é uma ocorrência

menos concorrente do que ter fome.

Contudo, devo admitir que esta forma de

dividir os nossos desejos não é muito clara, à

milhares de desejos que podem ser superiores ou

inferiores dependendo da pessoa, portanto em

última instância só posso reter que tudo o que me

provoque medo de falhanço é um desejo maior.


21. Se a felicidade proativa, ou duradoura, é o

que todo o ser humano mais quer na sua vida

então esta felicidade é o desejo maior que se pode

ter. É preciso do esforço de uma vida, apesar de

tudo, esse esforço pode acabar não

recompensado, nesse sentido esta felicidade é

quase inatingível.

Nada nos é garantido, somente podemos ter

fé que seremos recompensados e salvos da maior

queda que o ser humano pode sofrer.

Parte III
22. Como somente a fé pode salvaguardar

todo o nosso esforço de vida, toda a relação entre

o esforço e o desejo é absurda. Explicando assim

a desproporcionalidade da sua relação, nunca

deixaremos o momento entre o medo e a ânsia,

contudo temos a visão da obtenção do desejo

porque nos esforçamos, no entanto toda essa

relação transcende o momento e é nos

incompreensível. E só pelo o absurdo que


podemos nós estar em concordância com esta

ininteligibilidade.

A minha fé provem toda do absurdo, nada

de racional existe nela. Nada posso confirmar

pela razão, somente acredito, a nada mais nos

podemos recorrer. A felicidade proativa não nos

é garantida como a reactiva, tudo pode falhar,

tudo temos para ansiar, somente a fé pode

acalmar a mente de uma queda inconcebível.

Esforçarei-me pela minha vida toda para atingir

tal felicidade. A vida será a minha obra de arte, a


minha fé suporta firmemente esta obra para que

o meu Deus a contemple profundamente.

23. E ele a contemplará pois o meu Deus

assemelhasse a uma vontade de querer desejar e

esforçar para atingir o desejo, ou seja, é a minha

vontade de viver. É uma vontade omnipresente

na minha alma, nada mais faz do que motivar-

me a viver, eu desejo e esforço-me, esta suporta o

meu esforço.

Caminho assim cegamente para o futuro

com fé, porque nada mais posso fazer do que


esforçar-me e desejar, tudo o resto está entregue

a uma probabilidade que não consigo medir, a

minha vontade atira fora essa probabilidade e

garante-me que tudo acontecerá e que eu

continuarei sem estremecer por qualquer

caminho que tenha de seguir, como tal tenho fé

que alcançarei o desejado e tenho também fé que

Deus salvaguarda-me.

24. Assim toda a nossa vida é uma desgraça,

quanto mais tempo passamos vivos, mais

conhecemos e, subsequentemente, mais sabemos


que não conhecemos. Toda a nossa vida é um

carro sempre a acelerar em direção ao abismo.

Podemos abranda-lo por momentos, mas estamos

destinados a cair. A felicidade é a única coisa

importante na nossa vida, só ela pode parar o

carro.

Somos livres para agir, mas no fim só nos

resta ser felizes ou infelizes, por mais bem que se

viva, nada é revelado até aos instantes finais.

Temos então que viver numa posição em que

acreditamos que tudo se convergirá para a


infelicidade, que se odeie a vida! Quanto ela me

faz sofrer e no final oferece-me dor por

recompensa! Mas, que se ame poder odiar. Que

se ame ter a oportunidade de sofrer e cair…

E se irei cair, que seja de forma bela, que

tenha uma graciosa desgraça. Que a minha fé por

Deus me salvaguarde dos males da infelicidade e

que ao menos tenha uma morte sossegada. Que

ao menos isso seja garantido ao homem com fé!

25. Nada mais resta senão viver segundo as

máximas da vontade. Viva-se pelos próprios


termos, pois estas máximas diferenciam-se de

pessoa para pessoa. Encontra-se aqui um grande

problema da religião, que tenta universalizar

estas máximas quando elas nada mais podem ser

que singulares e inteligíveis a qualquer outro que

o próprio. Agarraram em máximas que se

assimilavam e extrémelizáram-nas. O mesmo

pode ser dito em relação à sociedade, mas esta

necessitava mesmo de universalizar o singular de

forma a puder organizar o mundo, mas como era

de esperar, nota-se um falhanço nessa


globalização, contudo não foi um total fracasso, o

indivíduo agora (se posto sobre uma educação

imparcial e culta), sabendo os mínimos

requeridos de uma sociedade, que são mínimos

que na sua generalidade muitos concordam, pode

reconstruir, ou evoluir, toda a sua vontade.


A paixão de viver
26. Somos assim obrigados a recuar ao

momento presente, por que se a tal futuro dúbio

nos prendermos viveremos num constante

estado de desamparo. Chegamos a um ponto em

que teremos que admitir a quase impossibilidade

de uma felicidade proativa. Temos agora que

provar, mesmo contra o destino, que devemos

apaixonarmo-nos com a vida, por mais

maquiavélica que possa ser para connosco, não

poderemos sucumbir a tais hipóteses que pairam

sob a nossa mente. Se queremos viver, e viver em

prol de contestar essa felicidade ao impossível,


devemos então tomar uma relação de paixão com

a vida.

Seguimos uma relação de paixão porque

esta varia continuamente, ao apaixonarmo-nos

profundamente com qualquer coisa ou ser, não

nos fechamos ao amor, podemos sentir

envergonhados, amar, odiar… A nossa paixão

não se entremete com nenhuma das nossas

sensações (ao contrário do amor), ela fortalece

essas tais emoções, torna-as mais fortes.

Fundamentalmente, faz-nos amar conseguir


sentir de tais formas tão fortemente, e faz nos

querer sentir assim mesmo que estejamos em

sofrimento. Estar apaixonado com a vida não é

de todo amar a vida, é querer sentir o que a vida

nos oferece, é querer voluntariamente sofrer

porque queremos viver. É amar a oportunidade

de puder sentir.

Bem que pode ser uma tragédia, bem que

podemos apontar o quão incerto e indiferente a

vida para com nos é. É uma vida drástica onde

deporto toda a minha paixão! É uma vida livre,


onde me posso revoltar até contra o impossível.

Onde posso escolher querer ou não querer, e

tudo isso com paixão e convicção! Não quero ser

um infortuno que não atinge a felicidade!

Portanto revolto-me. A paixão é assim pois a voz

do silêncio, não fala uma palavra, mas mantém

com ela todas as suas convicções que mostramos

nas nossas ações, é impossível deixar de se ter

paixão enquanto se vive.

27. Tal paixão morre com a ascensão da

verdadeira felicidade, não se quer mais viver


quando a felicidade é atingida, nenhum golo

mais se eleva acima da felicidade, quando esta é

atingida nada mais há para querer. Assim, esta

felicidade proativa estabelecendo-se nos últimos

momentos em que só mais uma revolta pode ser

tomada. Podemos nós abandonar esta

paixão de viver pela felicidade? Por mais que esta

paixão venha só do nosso lado e nada nos retorna,

podemos nós abandonar assim a paixão que

tivemos por viver? Quantos se revoltaram contra

a embrulhada que a vida nos mete para a


felicidade? Quantos se apaixonaram ainda mais

pela vida nos últimos momentos e atiram-se

desalmadamente para a paixão? Mas desta vez,

estes que seguem a paixão, vão em defesa da vida

e em traição há felicidade (os outros o oposto).

É uma decisão de extrema dificuldade que o

Homem merecedor da felicidade tem que tomar.

Manter-se verdadeiro á sua Natureza e de novo,

por uma última vez, revoltar-se contra tudo, ou

deve ele cair aos pés da sua felicidade tão

merecida?
Não vejo nenhuma possível resposta que

seja útil, cada um de nós, se a tal nível conseguir-

se ascender, terá que encontrar a sua própria

resposta, eu apelo á nossa resignação desta

vontade, a exoneração de tal vontade é por fim a

chegada a um momento de serenidade comigo

próprio, por maior traição que seja abandonar a

minha companheira de vida, quererei nestes

momentos finais encontrar-me a sós com aqueles

que mais paz me trouxerem. Prefiro assim

acabar finalmente em concordância com o

universo, em tal sinfonia que parto no exato


momento de partida. Não quererei procurar mais

insensatas lutas pelos meus desejos, todos eles os

atingi.

Contudo, devo admirar aqueles que tentam

vencer uma guerra derrotada, indo tão longe ao

ponto de se revoltarem contra a própria vitória.

Porque toda esta luta é impossível, não há

escapatória do universo, e estes que seguem a

paixão bem o sabem, a felicidade não é a

verdadeira vitória, revoltam-se uma última vez

contra a ilusão que o universo possa ter colocado


sobre nós, nunca descobrindo se havia algo para

além do universo que nos fosse compreensível e

atingível. Talvez seja covardia minha, mas por

mais que queira descobrir o desconhecido, se tal

prémio de reconciliação me for oferecido em

troca de uma cessão de fogo, aceitá-lo-ei

afortunadamente.

28. Esta nossa paixão, ironicamente,

contribui para a nossa caminhada em direção da

felicidade, mata-se lentamente, heroicamente,

para nós atingirmos a felicidade. Tal que, são os


jovens aqueles com mais paixão, mais dispostos a

lutar pela causa, mais abertos ao sacrifício, tão

altruístas que quase são loucos… É na juventude,

na nossa entrada no ‘mundo adulto’ que a nossa

paixão se encontra no seu clímax, é o inicio da

nossa relação com esta paixão que nos forma. É

onde a paixão mais se manifesta vivamente,

procuramos os maiores atrevimentos, queremos

testar os limites desta sensação ‘radical’ que

sentimos na nossa adolescência. Tudo e todos


desafiam a nossa capacidade e nós a tudo e a

todos lutamos para provar o contrário.

A relação é a tal ponto tão viva, que

acabamos por nos sentirmos fora de nós quando

a paixão começa a enfraquecer, há uma grande

angústia entre todos os momentos em que

sentimos esse enfraquecimento. Toda a nossa

vida que seguimos procuramos curar a fraqueza

da paixão, mas ela só é curada se a escolhermos.

Ato tão altruísta! Intensifica, ajuda na nossa

procura da felicidade, contudo exige que


tomemos uma decisão! Que retribuamos o

heroísmo, e abdicando nós assim a felicidade

para salvar a nossa paixão para um último

suspiro, ou aceitamos o destino feliz que a nós

nos foi atribuído e damos o ‘golpe final’ sobre a

paixão?

Ademais, devo dizer que esta nossa paixão

não serve só nas revoltas, ela é também a que

provoca a nossa grande atração extrema e

intensa do sujeito para com o seu desejo, está a

sim a par com a vontade, enquanto que esta


incentiva os nossos esforços, a paixão faz-nos

desejar de forma mais viva, melhor até! A paixão

e a vontade tem que estar assim de mãos dadas

para que possamos assim corrigir a relação do

esforço e desejo.

O jovem pelas suas poucas experiências de

vida encontra-se quase sempre numa posição

extrema, ora apaixona-se em demasia e pouca

vontade têm, ora abunda de vontade mas por

pouco se apaixona. O adulto neutraliza-se, menos

vontade tem, menos se apaixona. A paixão e a


vontade encontrando-se de tal maneira quase

sempre desatinadas, mas como podemos nós

atiná-las?

29. Cheguei então ambiciosamente longe o

suficiente para afirmar que o nosso propósito se

encontra na nossa paixão, na nossa luta por

parar a quase certa queda que estamos

destinados a sofrer. Nascemos vencidos para nos

fazermos vencedores… Nada mais há que fazer

se não o máximo e a paixão é essa tentativa de

maximizar todo o bom e toda a nossa força de


lutar contra o mal. Os Homens mais elaborados

são aqueles que mais paixão tiveram. E são

comemorados aqueles a que a vontade se

emparelhou com a paixão. Os indivíduos com as

histórias mais incríveis são os que mais se

apaixonaram e a maior fé tiveram em seguir o

seu propósito.

Mas devo dizer, por mais que afastemos e

tentemos olhar objetivamente para um

sentimento apaixonado nada encontraremos nele

de racional, o apaixonado nunca, por mais que


tenta, será capaz de manter uma atitude serena

para com a sua paixão. É total loucura! Quando

nos apaixonamos só o tempo pode acalmar a

intensidade da paixão. Que não se ignore a

paixão, ela é a nossa capacidade de sermos mais,

de construir sobre a nossa existência!

30. A vontade age (em relação com a paixão)

a fim de ‘abrir caminho’ para a paixão, de certa

forma mostra-nos pelo que devemos-nos

apaixonar, ela pensa no melhor para nós, quer

que sintamos e experienciamos a vida, mas quer


que sejamos sensatos na nossa viagem.

Apaixonarmo-nos sem ouvir devidamente o que

a vontade tem para nos ensinar não é apaixonar.

É no entanto desesperar. Tanto que o é, que

apaixonar contra a vontade é uma revolução em

oposição há única coisa sã neste mundo, nós. E

tal acto é de total loucura, nada estamos a fazer

para connosco ou para os outros em

apaixonarmo-nos com o que não queremos.

Como tal, toda a nossa paixão deve

permanecer condicionada à ética, à vontade, a


Deus. Deve puder reger livremente sobre os

limites que a vontade lhe situar. Ou seja, a paixão

pode-se resumir ao amor que temos por ter a

liberdade de agir de acordo com o bem e os

agrados, toda as ações que se encontram fora

desse espectro, não são ações apaixonadas (são

paixões, mas das que não queremos…).

Propriamente dito, a pessoa apaixonada é

aquela que foi referida anteriormente, tem um

desejo e fixa-o, nada mais há para além dele, tem

que fazer tudo num dia, vive com a maior das


pressas para aproveitar ao máximo todas as

sensações intensas que surgem a par da paixão.

Falta-lhe a postura, a serenidade, a paciência

para admitir que nem tudo é atingível, falta-lhe a

vontade. Sim, vive no dia, mas tortura-se se tudo

não atingir, a vontade suporta os esforços e

denota o quanto atingimos, a paixão persegue.

Dito de formas mais coloquiais, o Homem

apaixonado é apressado, o Homem com vontade

é preguiçoso (no sentido em que se conforma

facilmente com o que fez), então nós temos que


procurar um pouco de ambos - Vive como se este

dia fosse o último, mas demora o teu tempo (§9) -

quem vive assim é aquele que foi capaz de se

apaixonar sob o regime da vontade, encontrou o

balanço entre o esforço e o desejo.

31. Volto me de novo para o que escrevera

anteriormente, especificamente em relação há

expressão amor fati e há importância que

Nietzsche dá a tal fórmula, nada de grande vêm

de amar o nosso destino (eu bem tentei…) é

somente uma fórmula para sobreviver, não para


viver. A fórmula para viver encontra-se, no

entanto, na paixão, é o nosso ódio pelo destino

que nos faz, só uma coisa se tira deste amor pelo

destino que Nietzsche valoriza tanto, que temos

que nos conformar com o que aconteceu. E essa

conformidade transportei-a eu para a vontade,

de modo a complementar a paixão. Nada há para

amar num destino infortuno, o ódio das minhas

ações passadas que agora me conformo e ressinto

mantém-se como motivação para mudar, desafiar

ainda mais tudo o que duvidar, posso até dizer


que a minha fórmula para a grandeza no homem

é odio fati, até que o universo caía aos nossos pés

derrotado, por toda a eternidade, não cessarei em

mudar para melhor. Odiarei com toda a paixão a

desgraça que me espera e lutarei a todos os

custos contra a sua ocorrência, mas quando a

desgraça chegar, aí sim me conformarei com o

acontecido, a minha vontade manterá-me de pés

bem presos ao chão sem medo nem

preocupações, não me mostrarei abalado pelo o

passado, porque aí começa a minha desistência,


começa o desespero. Mas que esta paixão não

seja idealizada, nada há de ideal neste universo -

tento mudar o destino porque nada mais me

resta para além de tentar, vejo tudo menos

honestidade quando me disserem que não

gostavam que nada de diferente tivesse-se

passado na sua vida. Aconteceu, certo. Mas se

dada uma segunda chance na vida, uma

oportunidade para ser melhor, para mais uma

vez desafiar o destino e reaver a paixão, de certo

que não seguirás a mesma vida - julgo eu. Que se


dane se tudo está destinado e nenhuma das

minhas ações possam alterar o meu futuro, agirei

na mesma, procurarei viver ao máximo, o mais

perto possível da minha paixão.

Amor fati, será-nos somente úteis

quando o desespero engrandece de tal forma que

pouco espaço sobra para a paixão, nesses

momentos sim, ir contra o destino seria a não

ação, a paciente espera por melhores dias porvir,

de nada mais nos serve amar coisa tão cruel.


32. A paixão torna-nos assim defensores

da nossa vontade, não atacantes… Estes

imaginam que tudo merecem ter… Faremos de

tudo para manter a nossa paixão salva, isto

torna-se ainda mais visível quando nos

apaixonamos por outro indivíduo, queremos

mantê-los salvos de todos os males, queremos ser

os seus defensores, apesar de menos visível,

tomamos essa posição com toda as nossas outras

paixões.
Tomamos uma posição defensiva porque

pensamos que a nossa paixão tem que ser

justificável, tem que haver uma razão mais

elevada de eu querer ir para a escola para além

de só querer ver uma rapariga por exemplo…

Mas na verdade, não é esse o caso, a paixão é em

si uma razão suficiente para todas as nossas

ações ‘apaixonadas’. Ou seja, o ser humano é

mais ou menos racional nas suas ações

dependendo do quão apaixonado ele se encontra,

e quanto mais irracional a nossa paixão mais


temos de defender as nossas ações que beiram a

loucura dos olhos do homem desapaixonado.

E isso implica até mesmo a vida, o filósofo é

tal vez o homem mais apaixonada com a vida,

que mais a tenta defender, desde Cioran a

Leibniz, não importa como se sintam face á vida,

ambos tinham uma incrível paixão por ela.

33. A paixão é nos assim de extrema

importância no decorrer da nossa vida, define-

nos claramente o que desejamos e faz-nos desejar

‘viver’, por mais desgosto que a vida me tenha


trago, até ao ponto de odia-la, ainda me encontro

extremamente apaixonado por ela. Por mais

desconcertada que a vida seja (e se ela é!), a

paixão faz-nos procurar o concerto, desejamos o

melhor dentro da nossa vontade, não desistimos,

porque se desistirmos tornamo-nos Homens de

má fé. Por mais revoltas que sejam necessárias,

teremos que tentar seguir o que mais desejamos,

teremos que ser homens apaixonados, prevenir o

desespero e aproximar da felicidade proativa.


Reflexões sobre a
vontade e o controlo

34. É notório a falta de controlo que todo o

animal tem, o ser humano de todos tem que

sofrer pelo entendimento de que quase nada ele

domina. Dentro das inúmeras coisas fora do

nosso controlo encontra-se o tempo, e talvez aí se


encontre a maior fatalidade da felicidade

proativa. Pois esta não é uma reação, mas sim

uma realização, não basta compreender que

podemos morrer a qualquer momento, ou que a

morte está perto, esta só pode ser perseguida

quando um indivíduo realiza que chegou por fim

ao último momento a qual o destino não perde

contra o humano (sendo neste momento, aquele

em que Um pode escolher revoltar-se contra essa

nova oportunidade de ser feliz); a realidade é que

nem todos nós iremos ter a luxúria de morrer


sossegadamente e ao nosso tempo, de tal forma

que quanto mais lenta a nossa morte (após a sua

realização) mais podemos nós notar uma atitude

de aceitação, negação ou perdição, sendo que só

o Homem merecedor pode escolher aceitar ou

negar, aqueles perdidos são aqueles que não

podem ser felizes e apercebem-se de tal verdade

que tudo que os rodeia torna-se longínquo e

desfocado, nada consegue enxergar e morre na

loucura da incapacidade.
Mas e se não houver tempo? Segundo esta

concepção de felicidade, haverá sempre um

‘momento’ em que tal felicidade possa ser

atingida, mas a existência desse momento

pressupõe que o indivíduo realiza e não se perda,

ou seja, que tem controlo, morrer de tal forma,

com completa falta de poder sob a situação, não

nos permite atingir a felicidade proativa, ou pelo

menos torna a sua obtenção quase impossível,

contudo esse momento também não pode ser

denominado como um momento de perdição,

talvez seja um momento indefinido, é uma morte


sem se saber, pode não se atingir a felicidade,

mas ao menos não teremos que descobrir o

verdadeiro final da nossa tragédia. Se o nosso

‘momento’ nos é retirado, quem nos retira esse

momento, está não só a tirar-nos a oportunidade

de felicidade, como também se condena a si

mesmo ao mesmo castigo, a felicidade tornasse

inalcançável para um Homem que cometa tais

atrocidades por querer, no momento em que

matamos alguém (sem que seja um acidente ou

inconsciente), nós fechamo-nos há angústia e


desespero que o nosso ato causou, mesmo que

este nos seja indiferente, é nos retirada a

liberdade total de sequer tentar ser feliz, e se

justiça não é feita em terra, pois bem que decerto

a nossa vontade mais profunda não corrugará os

nossos atos e castigar-nos à devidamente. Pois

esta apesar de agir ao indivíduo, na sua

totalidade incompreensível é um todo, a vontade

na sua verdadeira forma é nos inconcebível pela

sua universalidade, só a captamos na sua


demonstração singular que somente por um ato

de fé a conseguimos tomar.

35. Algo que não pode deixar de tomar em

conta nas minhas recentes viagens ao longo do

mundo, é que de nada a felicidade proativa está

dependente, nem mesmo da saúde… No meio da

inúmera pobreza e sofrimento que (apesar de

rodear todos) afeta profundamente os países

menos desenvolvidos, tais como a Tailândia e

Egipto, não consegui deixar de reparar que todas


os turistas comentavam nada mais de que o

mesmo, ‘que triste vida que esta é’, ‘devem ser

muito infelizes nestas condições’ …; entre outras

frases, e eu, tentei com a maior das friezas

examinar o pouco que via do dia-a-dia destas

pessoas e notei que todas elas comportavam da

mesma forma que qualquer outra pessoa, afinal

de contas são humanos! Mas como? Como é que

em tal condições poderia eu arranjar forma de

ter paixão e vontade? (Reconheço, mas falho

estrondosamente em entender que estas fazem


parte da nossa essência) Eu entendo e concordo

de certa forma com os comentários dos demais,

contudo não posso negar que podem sentir todo

o tipo de sentimentos e em ultimato atingir uma

felicidade proativa, subsequentemente, segundo

o que estabelecemos como paixão, é ela que

universaliza (na sua relação com a vontade) e

singulariza toda a nossa vida, é me

incomensurável a vida que o outro toma quando

a vemos na sua magnitude, contudo com um

olhar mais atento, muitos desejos assemelham-se,


o ser humano na sua base procura sobreviver,

como tal partilhamos uma vontade e paixão de

viver, por outras palavras teremos vivências

extremamente similares, mas a nossa paixão

controla a nossa reação ao ocorrido

aproximando-nos dos outros pelas semelhanças e

de imediato afastando-nos porque a nossa paixão

segue uma vontade que é singular a todos.

Chegamos assim à bela afirmação que todo

o ser humano é igual e diferente ao mesmo

tempo. Somos iguais no sentido em que


inconscientemente (ou, às vezes, até

conscientemente) tentamos seguir o mais perto

da vontade, que apesar de falar como se ela fosse

minha ela não o é de todo é pois uma visão

perfeita de um ser humano, que é em si uma

reflexão de Deus, e de como gostaria que os seus

filhos agissem, todavia aparece como uma

reflexão sobre nós e não nos é imposta pela toda

omnipotência que esta divindade supostamente

tem, porque?
36. A IMPERFEIÇÃO DE DEUS:

- Suponhamos que, sou um


programador extremamente bom, o melhor do
mundo até, como tal coloco o desafio de criar
uma sociedade digital extremamente semelhante
á nossa e onde cada AI tem programado em si um
cérebro idêntico ao cérebro humano, para tomar
decisões idênticas as que nós tomamos, onde
várias personagens se desenvolvem conforme os
fenómenos que ocorrem diante deles, na sua
essência, criamos um mundo alternativo ao
nosso. Para com este mundo, eu sou o seu
criador, apesar de mero mortal, não deixo de ser
divino pela minha suposta omnipotência,
omnisciência e omnipresença. Mas só o consigo
ser, pois eu mesmo estou fora do mundo virtual,
tal que se eu existisse no mundo digital não
poderia ter sido o seu criador, subsequentemente
Deus. Imagine-mos agora que esta sociedade,
pelo seu medo do desconhecido venera um Deus,
o seu criador, ou seja Eu. Mas se eu não posso
existir no mundo virtual como Deus e se nada
lhes pode indicar que existe de facto uma causa
inicial para todo o mundo que os rodeia, pois
essa causa inicial encontra-se fora do espectro de
conhecimento inteligível desta sociedade, por
mais razões que as pessoas no mundo virtual
tenham para acreditar num Deus, nenhuma
delas é válida, pois nada eu pude dar para me
mostrar como Deus, do ponto de vista do criador,
a crença na minha existência é absurda, pois eu
de facto existo, portanto é a Deus um tanto
esplendoroso que se acredite nele, que só se pode
admitir que as pessoas tem fé nele. Tal que Eu só
posso ser Deus se não existir no nosso mundo, ou
neste caso no mundo digital.
Contudo, Eu não sou perfeito, no
entanto sou Deus, porque na realidade eu só sou
divino porque criei o mundo, mas poderei eu ser
Deus de um mundo digital que eu não criei? Mas
se eu não o criei só á duas coisas que posso
verificar, ou sou um habitante desse mesmo
mundo e então não posso ser Deus, ou, sou um
habitante do outro mundo e não tenho como
interagir com o mundo criado, da mesma forma
que se Eu, programador altamente qualificado,
mostrar o mundo que criei ao meu amigo do café
nada ele irá conseguir compreender, é somente
um espectador, não tem nenhuma relação íntima
com a minha criação, assim sendo, não creio que
se possa chamar Divino aquilo que não criou.
Contudo devo manter claro que tudo
isto se funda na especulação de um outro plano
onde possa existir esta tal entidade, como tal
somente pela fé consigo sentir que este outro
plano existe e a vontade nele habita…
Este mundo digital está então
completamente sozinho, cada um está consigo
mesmo, pois eu somente criei, não sou
omnipotente, todo o desenvolvimento após a
criação é feito dos AIs, que tem a liberdade para
agir como quiserem, pois Eu por estar de fora,
impus que estes iriam criar uma sociedade
sozinhos e foram programados para tal, o seu
código é alterável, certo, em última instância
posso eliminar por completo o mundo, certo,
todavia não o farei, mesmo que tudo não vá
como planeado, não o farei porque tenho uma
relação íntima com o mundo que criei, sou o pai
de toda esta gigante família, da mesma forma que
Deus tem connosco essa relação e demonstra-se
então numa vontade, como um pai a indicar os
melhores caminhos ao filho. Em suma, Deus se
realmente existe, não é necessariamente perfeito.
Ademais, voltando-nos de novo para
ideia de Deus como vontade, supondo que Deus
não pode existir para puder ser Deus,
permanecendo assim um ideal, permanece assim
num plano metafísico como criador e universal a
todos e é no nosso mundo uma entidade singular
experienciada por cada um de nós
individualmente pois cada um de nós segue
morais, ou tenta seguir, que somente entendem,
ou seja que não conseguem racionalizar, essas
leis que cada um coloca a si próprio sem as saber
explicar, são então também absurdas e podemos
admitir que estão programadas no código de
cada um de nós, sendo diferentes em cada um de
nós.
Mas, suponhamos que somos um grande
erro de Deus, mesmo como nosso pai ele
demonstra-se insensível e leva a cabo apagar o
nosso plano de existência, deixaremos nós
realmente de existir? Se, eu (programador
experiente) apagar o mundo que criei, ele
realmente deixa de existir? Ou é só apagado para
com o seu criador, deixando-o assim sem
nenhum Deus…

37. Todo o ser humano caminha para a sua

própria queda e somente a felicidade trava esse

fim trágico, a paixão engrandece essa tragédia,

passa-a de uma mera história para uma

gigantesca epopeia, torna a queda numa luta

contra a própria vida, um constante combate

contra o destino infortuno que o espera. Cioran

desafiava a vida pelo seu extremo ódio para com


ela, mostrando-lhe quão facilmente poderia

desprezar tudo o que já tinha construído,

contudo manteve-se nesse limbo pois apaixonou-

se por esse desprezo que tanto retratou nos

livros, não saindo assim desse limbo. Da mesma

forma Leibniz desafiava a vida, mas ao invés do

desprezo, exaltava a vida denominando-a como a

melhor das possibilidades, prescindia assim o

suposto sofrimento que era a vida, se era as

melhores das possibilidades, então só podia

contentar-me. Assim mostrando-se apaixonado


pela vida, desafiando-a a fazê-lo desgraçado (mas

acredito eu que sem sucesso, diria até que ambos

os autores se não acabaram felizes, ao menos

caíram graciosamente sem sombra de dúvida).

38. Todavia faltou-nos estabelecer

anteriormente o porquê de Deus ser uma

vontade, defendo fortemente que o é, apesar da

sua falta de omnipotência (ou talvez esta até

exista mas é nos mais difícil tomar em conta,

portanto colocamos essa omnipotência num

hipotético destino) é omnipresente em todos nós,


a vontade em si é universal, contudo as suas

ações são feitas ao nível do indivíduo, como tal

Nietzsche tem razão em afirmar que Jesus Cristo

foi o único verdadeiro cristão, a vontade apelou

ás necessidades singulares de Jesus, este devotou-

se a elas com grande excelência, os demais

tentaram seguir os seus passos mas de nada lhes

serve, pois é um caminho que só Jesus pode ver, a

vontade responde a cada um, é diferente mas

igual para todos nós, daí a minha grande

discordância com qualquer tentativa de


universalização de algo singular, é cegar aqueles

que nos rodeiam! Jesus teve o seu contacto com a

vontade e os outros cegaram-se pelo seu caminho

e fecharam os olhos ao trilho que a vontade

talhava em frente dos seus olhos, tem que se ter

fé em si mesmo. Pois apesar de universal a

vontade faz-se nossa pois tem que nos ser

singular, não há outra forma de a conceber, o

universal é nos demasiado abstrato, só

experienciamos um contacto com ela no singular,

tal que podemos quase chamá-la de nossa, se esta


não estivesse presente em cada um de nós, por

isso é que é difícil de concebê-la como divina,

parece-nos algo ordinário, mas, apesar de tudo é

divina porque se rebaixa ao nosso nível para

podermos tentar persegui-la e ser guiados à

felicidade, é o facto de ser Uno e singularis ao

mesmo tempo que nos demonstra que se de facto

o divino existe é a vontade a representação mais

perto que podemos conceber de alguma entidade

num plano sagrado. É por outras palavras, a

pequena maneira que Deus arranjou de existir


no nosso plano, sem na realidade nele existir,

reflete o que Deus quer de nós e talvez até de si

mesmo (visto que este Todo grandioso pode ser

tão imperfeito como eu ou tu…)

39. Esta prova de imperfeição, demonstra-

se no mundo cruel em que vivemos, tal como nas

pessoas que somos. Se Deus for criador e

imperfeito, explica a nossa própria condição

dolorosa que se tudo fosse sumamente bom,

sofreríamos de tédio e se tudo fosse sumamente


mau sofreríamos da mais árdua das angústias.

Pois se Deus fosse de facto perfeito não haveria

sofrimento ou tédio, a nossa realidade seria

outra. É também pela sua imperfeição que somos

deixados na dúvida da sua existência, a nossa

busca pela nossa verdadeira causa teria que ser

respondida, se Deus fosse perfeito não nos

deixaria ás escuras. Como tal, todo o universo é

um espelho de Deus, é a tentativa falhada de

criar a perfeição, e Deus falhou, o mundo e as

pessoas são cruéis, tudo o que eu tenho em


defesa do criador é a vontade, que nada mais faz

do que ser um instinto natural para agir sob o

meu bem. A sua existência ou não existência,

prova ser uma questão fútil, estamos a navegar

pela vida a solo, quando deparado com a

tempestade infernal que é viver, não é a

existência de um criador que me traz conforto, é

no entanto o conhecimento verdadeiro. Contudo

tão pouco que sei, a minha alma não encontra

repouso. Mas se procuro conhecimento

verdadeiro, tanto que terei que por em causa… E


nessa procura, tanto mais me apercebo que estas

questões são sobre-humanas, respostas às

minhas perguntas, só não digo impossíveis, pois

nada sei do futuro, mas de certo que estão

demasiado distantes de mim, de facto deve-se

procurar verdadeiro conhecimento, contudo não

vejo um futuro próximo em que resolva todas as

minhas preocupações, refugio-me então na

realidade que vivo, pois nada mais conhecerei…


Perseguir a verdadeira
felicidade é cair no
niilismo

40. Eu pensava ser um Homem de grande

paixão, mas na verdade não passo de um mero

sonhador, sonhava que a felicidade encontrava-

se ao meu alcance. Contudo sonhava que era


alguém que não sou, um homem nobre, que

consegue viver com o mal que fez e enfrenta a

vida com o bem dentro dele, injustiçado,

desgraçado e devastado, mas ainda luta como se

tudo tivesse mas nada tem… Eu sonhei ter essa

força de viver, contudo não se consegue sonhar

para sempre, logo tive que despertar, não sou

esse Homem. Todavia não me massacro por esta

felicidade-me ser inatingível (ou pelo menos

aparenta vivamente o ser), como os demais, não

me consigo libertar do mundo real, do que


verdadeiramente se estende sobre os nossos

olhos lúcidos, não consigo ir além do finito.

Terei então eu que procurar no que vejo,

talvez a felicidade paira sobre os meus olhos,

mas tenho os fechados e desnorteados num

mundo inalcançável. Toda a filosofia deve ser

escrita para o próprio, uma investigação interna

racionalizada, como tal, não me faz sentido

continuar a perseguir o que não me pode

preocupar, não escolhi ser sonhador, mas fui e

sou, sonho até o sol bater-me na cara, e aí


relembro-me que preocupo-me com questões

demasiado longínquas ao meu ser. Portanto

agora terei eu que me esforçar para manter os

olhos bem abertos, pois se posso alcançar algum

tipo de felicidade, é a reactiva e essa encontra-se

bem á nossa frente. E talvez terei sido demasiado

rápido a descartá-la.

41. Agora a questão torna-se noutra, deixa

de ser uma procura, deixa de ser “posso

encontrar a verdadeira felicidade?” E torna-se

em “como posso eu maximizar a felicidade?” Mas


a nossa questão deixa de ser uma questão

somente filosófica e torna-se também política e

social. No sentido em que esta felicidade comum

é reacional, ou seja provem de alguma ação,

portanto provem de nós e para além de nós, a

sociedade vai ter um grande impacto sobre a

nossa felicidade, tal que devemos trabalhar em

direção a compreender o mundo em que vivemos

para que possamos nos habituar ás suas

condições impostas da melhor maneira possível.


Para tal precisamos de compreender as pessoas e

a sociedade.

42. É no progresso que se encontra esta

felicidade reactiva, quanto mais progredimos

mais utópica se torna a nossa sociedade. Mais

reagiremos nós positivamente a uma vida

artificial que se constrói sobre a nossa natureza.

E não se enganem, o progresso não é

necessariamente quanto mais conhecemos, pois o

conhecimento nem sempre se reflete numa

felicidade, o progresso é na verdade uma


combinação do que nos é útil com o nosso

conhecimento. O conhecimento não é o progresso

em si, é uma base para progredirmos, quanto

mais sabemos mais nos perdemos, o nosso

conhecimento tem que ser posto em prática,

contudo olharemos para a questão do progresso

mais à frente. Agora o que nos interessa é dar

por terminada a felicidade proativa, que somente

me deixa a questionar se alguns nascem

destinados a conseguir atingir esta felicidade, ou

está ela ao alcance de todos nós?


O mundo alcançável
O progresso na Ciência

43. Eu referi o grande ódio para com o


destino que um Homem tem que ter para seguir
o árduo caminho da felicidade, contudo deixo de
escrever sobre esse Homem que glorifiquei e
pensei ver em mim mesmo, Nietzche tem razão
ao afirmar o seu amor ao destino, contestá-lo é,
para a maioria das pessoas, cair em falso, mas é
necessário aceitação para que essa felicidade
reactiva possa florescer para além dos bons
momentos, foi o que fizemos ao longo da vida
que nos faz quem somos, amar o destino é amar
o próprio e a reação óbvia ao amor é a felicidade
(e ao ódio a tristeza, tal que a felicidade tem que
ser proativa e não reactiva). Tanto que sem
aceitar o que ocorreu ou está por ocorrer
nenhuma felicidade reactiva virá do próprio, ou
seja nenhuma felicidade estará sob o controlo
dessa entidade, é notável esta falta de controlo da
felicidade especialmente em viciados, que
quando não estão a beber, fumar, jogar poker…
encontram-se numa profunda angústia.
Se neste momento tornasse-se numa barata
o que faria? Provavelmente odiaria o ocorrido e
procuraria uma explicação para tal ocorrência
absurda. Suponhamos que não é sucedido nessa
sua busca de uma razão, nesse momento
qualquer um de nós entra em negação, ou,
colocando em contexto, se de facto seguirmos a
verdade rapidamente cairemos, a verdade
esconde-se atrás do sacrifício, quanto estaremos
dispostos a cair para alcançar o nosso maior
desejo? Se tal metamorfose realmente
acontecesse não seria mais simples aceitar o
destino? Se na presença da ocorrência de tal
momento kafkaesque onde não tenhamos poder
sob o que acontece, fará sentido rejeitar a
realidade e perseguir a verdade? Será a verdade
aquilo que procuramos? Ou será outra coisa
qualquer que se máscara de verdade?
44. Olhemos para a ciência, revemo-nos na
sua posição de perseguir a verdade da realidade.
Todavia só há uma verdade, ou o que a ciência
nos explica é em última instância verdade ou é
ilusória (no sentido em que somente é verdade
para com o seu tempo, é uma verdade da
realidade). Tal que a ciência na sua busca pela
verdade cai em falso muitíssimas vezes, pois esta
está presa ao seu tempo. Uma verdade da
realidade jamais poderá ser a derradeira
verdade, ou se for é nós inconcebível essa
associação e somente poderemos pressupor essa
teoria como cabalmente autêntica.
É assim de modo fortemente vasto e vago
que resumo um pouco da posição do filósofo
Popper perante o progresso na Ciência, onde a
ciência progride pela lei do mais forte, onde ao
invés de procurar verificar uma teoria, tentamos
provar-nos errados, ou seja, refutar as nossas
teorias, e onde sobrevivem aqueles que se
mantiverem de pé após as tentativas de serem
falsificadas.
Contudo o método do autor tem uma base
de barro, pressupõe que a Ciência investiga em
prol de se aproximar da verdade, todavia o
cientista quando trabalha para estabelecer algo
como factual, opera para com a realidade em que
se insere, tal como Kuhn afirma que a Ciência
actua para com um modelo que esteja em prática,
e quando esse é por fim refutado e um novo se
estabelece, o cientista, agora, opera para com
outro sistema. O Sr. Kuhn defende no entanto
que estes dois sistemas são incomensuráveis, se
nos revermos perante uma posição em que
tomemos a verdade como o motor do progresso
científico a afirmação de Kuhn não pode ser
negada, visto que todas as verdades científicas
são provisórias (ou pelo menos não podemos
saber a sua verdadeira vericidade) ao se alterar
de paradigma tudo terá que ser reposto em
avaliação, para se confirmar se tal conjectura se
mantém de pé sobre o novo modelo. No entanto,
ao reexaminar estas alterações de paradigma na
história da humanidade, não podemos deixar de
admitir que uma interrogação de tudo é
excessiva e desnecessária, visto que o novo
paradigma não aparenta afetar toda realidade,
exemplificando: reveja-se na mudança do modelo
geocêntrico para o modelo heliocêntrico, ambos
mantém em comum o estatuto que a Terra é um
planeta e este dado permanece até mesmo na
definição de ambos os modelos, não havendo
necessidade de sequer por este dade em causa.
Mas isso acontece pois a ciência não progride
para a verdade mas sim para a utilidade (visto
que se revê na utilidade as verdades da
realidade), tal que na alteração de paradigma
estes não são incomensuráveis pois existe uma
passagem de dados que são úteis para o
estabelecimento do novo ponto de referência, na
ocorrência da criação sucedida de uma vacina
contra um vírus, pode se seguir uma mutação por
parte do vírus para contornar a vacina, e para
derrotar o vírus mais uma vez será necessário
uma alteração drástica na vacina, ou até a
criação de uma nova, porém o estudo do efeito da
vacina anterior sob o vírus é extremamente útil
para o desenvolvimento de uma nova vacina.
Como tal esta nova vacina será nos então mais
útil que a anterior apesar de provisória até à
nova transformação do vírus. Logo, a ciência é
desenvolvida para nos ser mais útil, não nos
podemos perguntar se a teoria é falsificável ou
não, mas sim se ela nos é útil, tanto que mesmo
após a refutação de uma teoria, esta não pode ser
descartada inteiramente, permanecerá na
história pois apesar de errónea é nos útil para a
construção de novas teses.
Mas como somos nós capazes de medir a
utilidade de algum invento ou tese cientifica?
Enquanto nos gráficos de Popper e Kuhn
entendemos com facilidade como é que a ciência
pode progredir em direção à verdade, na
utilidade não basta saber a vericidade ou
falsidade de uma tese, na verdade esta
característica é toda desprezável, visto que a
utilidade vai, na sua generalidade, ao encontro
da verdade da realidade. Tal que o importante
para determinarmos a utilidade de uma hipótese
iremos por em causa:
1. Acessibilidade

2. Prática
(3. Universalidade)

Para ser útil uma tese cientifica qualquer


tem que em primeiro lugar mostrar-se acessível
dentro da área que se enquadra, na criação de
uma vacina contra um vírus, por mais perfeita
que a vacina seja, ela não nos é útil se não chegar
aqueles que dela precisam. Se esta falhar em ser
acessível não pode ser considerada científica, até
se tornar acessível aos demais, não pode
ultrapassar o estatuto de estudo científico, com a
acessibilidade também vêm uma necessidade de
simplicidade, para com aqueles que a tese possa
ser útil estes precisam de poder compreender de
forma clara para puder dar utilidade ao
estudo(note que simplicidade é diferente de
facilidade, algo pode ser difícil de aprender e
simples de usar após aprendizagem).

De seguida, o cientista precisa de provar que


o seu estudo é prático, ou seja consegue se
manter perante as tentativas de falsificação
(quando um estudo é refutado é lhe retirado o
estatuto de utilidade científica, no entanto pode
continuar a ser útil posteriormente para a
continuação de outros estudos), o estudo deve-se
manter pertinente na sua prática, não pode ser
banal, por exemplo, na tentativa de criar uma
nova vacina que combata a nova mutação os
investigadores cometem o mesmo erro que a
anterior e esta nem utilidade histórica terá, por
outras palavras, o estudo tem que ser projectado
à luz do seu tempo, basta somente provar que
este se verifica perante o paradigma em vigor.
Por fim, apesar de menor importância, o
investigador deve procurar que o seu estudo seja
o mais útil possível para o maior número de
pessoas, quantas mais forças forem postas em
estudos de grande utilidade e universalidade
mais rapidamente a ciência progredirá, contudo
não categorizo este critério como necessário,
dado que uma tese que melhora o tratamento
contra o cancro com grande eficácia tem tanto
mérito científico como um estudo sobre a
transportação de recursos por meios espaciais,
apesar de uma ser mais universal que a outra.
Em suma, a ciência progride em direção ao
conhecimento empírico, ou seja busca verdades
que com grande probabilidade serão provisórias,
um progresso em direção a uma verdade
incontestável é nos inconcebível, tanto que toda a
informação quando um grande sistema por onde
nos guiemos seja refutado, em teoria, terá que ser
posta em questão pois está sob a luz de uma nova
realidade, que é incomensurável com a outra
face à verdade, contudo, quando revemos essa
relação face à utilidade, alguma informação não
pode ser contestada pela alteração de paradigma,
e confere-se ainda que o que é útil é aquela que é
verdade frente à sua realidade e também
verdade face a paradigmas anteriores que
acabou refutado com a alteração de paradigma.
Contudo a primeira tem o estatuto de utilidade
científica e a outra talvez uma utilidade histórica.
Após estabelecida que alguma tese é nos útil,
poderemos então estabelecer o seu grau
científico se esta apresentar acessibilidade e
praticabilidade ( e universalidade).

45. Com o desenvolvimento da ciência


pressupões-se uma melhoria geral na qualidade
de vida do ser humano, considere-se, por
exemplo, a pirâmide de Maslow: na sua
introdução ao mundo demonstra-se
extremamente perspicaz para o desenvolvimento
daquela sociedade que se envolvia mais e mais
no capitalismo. Contudo essa análise não foi
somente perspicaz devido à maneira de como a
sociedade era gerida na altura, mas foi também
clarividente devido ao grande desenvolvimento
que a ciência se tinha exposto à custa da guerra,
estando após tais eventos a transportar o
conhecimento ganho da guerra para a vida diária
do Homem, os bens materiais tornaram-se cada
vez mais úteis e necessários para vivermos
decentemente, como tal, estes encontravam-se
mais perto da base da pirâmide. Contudo, a
ciência manteve o mesmo ritmo de
desenvolvimento pós guerra, novas teses e
invenções foram apresentadas, tal como outras
foram extremamente melhoradas ou tornadas
mais eficazes ou acessíveis, a tal ponto que,
atualmente estamos a presenciar uma inversão
da pirâmide, a nossa vida material está
progressivamente a ser simplificada e estamos a
ganhar mais tempo com nós próprios. De
momento acredito que a base ainda não tenha
sido alterada, os nossos bens-materiais tem
mantido semelhante importância ao longo destes
últimos anos, todavia o topo da pirâmide começa
agora a alargar-se, cada vez mais o nosso bem
estar psicológico e espiritual tem ganhado mais a
nossa atenção, tanto que ao invés de uma
pirâmide atualmente temos um trapézio, no
futuro um cubo e num futuro ainda mais distante
a pirâmide pode acabar invertida.
E, se tal futuro se justificar, se após grandes
desenvolvimentos científicos, o humano tiver
cada vez menos responsabilidade social, e vir-se
obrigado a passar muitíssimo mais tempo
consigo, será ele capaz?
Pois a verdade é que nem toda a felicidade
reactiva virá de uma facilitação da vida, de uma
facilitação na procura do conhecimento e de uma
razão de ser. Não haverá cura para a infelicidade,
desespero, angústia… Por mais que a sociedade
progrida, o ser humano será retido pelas suas
naturezas animalescas, não pertencemos neste
mundo, contudo também não pertencemos na
natureza, cada um de nós está e sempre
permanecerá sozinho. Deus não é perfeito, não
conseguiu-o criar um ser somente bom e livre, ao
invés criou o Homem, somos nada mais que um
projeto mal concretizado, e somos deixados a sós
com as ferramentas que nos foram deixadas.
Cada um fez o que pode com o que lhe foi
deixado, cada um de nós tenta criar um sistema,
uma maneira de viver menos dolorosa, alguns
são mais hedonistas outros eudemonísticos.
Apesar de tudo sacrificamos tanto para
facilitar a obtenção de uma vida mentalmente
saudável, uma parte da nossa vida é a planear o
que fazer, sistematizar as nossas ideias e tentar
encontrar o melhor caminho para a felicidade,
uma outra é a falhar, a sofrer, ainda outra é a ser
feliz, mas só nos apercebemos dessa felicidade
quando esta acaba, portanto qual é o propósito
de ter uma vida boa? Porque é que nos
preocupamos em viver, em ser melhores pessoas,
em ter algum significado glorificado para a nossa
presença neste universo. A existência de um
criador é uma justificação suficiente?
Fugitivos
46. Uma vez questionei um homem sagaz se
haverá algo para além da nossa existência, algo
que nos justifique, o homem respondeu-me -
talvez isto seja a verdadeira realidade e nada se
estende para além dela. - Nada me alicerça a
minha existência então.
Deus seria uma salvação da nossa ínfima,
infernal existência, contudo a sua existência é
também em si injustificada, Deus é tão estragado
como o ser humano, ele pode ser o nosso criador
mas porquê? Quem denominou que seria esta
entidade e só esta a nos criar e a tudo o que nos
rodeia, e se de facto não houve ninguém a
demandar a nossa criação porque fomos então
criados? Porque é que existe Deus? Mesmo na sua
existência não encontraremos um motivo de ser.
Como tal, fugimos. Somos fugitivos da ideia
de que talvez, realmente, nada disto interessa, as
ações são inconsequentes, os sentimentos são
nada mais que contra-tempos e que todos os
nossos esforços são inúteis. Contudo, apesar da
nossa insignificância e falta de justificação, não
injustifica que ainda podemos ou devemos ser.

Com a injustificação do ser consto que Deus


é um tanto desnorteado como eu. Porque não me
opor a este que me concebeu sem o meu
consenso, serei Deus de mim próprio, ditar as
minhas razões, ditar a minha moral e a minha
liberdade. Enquanto antes me deixava cair
graciosamente, presentemente ergo a cabeça pois
a noite é linda, que digam que estou a cair
desalmadamente num abismo infernal e infinito,
hoje quero voar pelo céu estrelado.
Tornar o próprio ‘Übermensch’ somente
serve para cada um de nós, o sofrimento ainda
prevalece na nossa existência, apesar de sermos
os nossos próprios senhorios fomos criados por
outrem, Deus não está morto porém está tão
estragado como todos nós. Deus é o criador do
sofrimento, apesar de tudo, quando nos
defrontamos com uma angústia sofremos como
se esta fosse culpa nossa, quando na realidade
coexistimos com o sofrimento, todavia somos
fugitivos deste e quando a dor vem sem um aviso
é como se não tivéssemos conseguido escapar ao
sofrimento e que nós somos responsáveis por
sofrer. A existência é infernal, mesmo a voar as
minhas asas queimarão… Só até um certo ponto
ser Deus para consigo mesmo escapa a
insignificância.
47. Não somos a causa deste mundo, não
somos quem decidiu existir. ‘O homem está
condenado a ser livre, condenado porque ele não
criou a si, e ainda assim é livre. Pois tão logo é
atirado ao mundo, torna-se responsável por tudo
que faz.’ (Jean-Paul Sartre, O Ser e o Nada,
capítulo I, parte IV), não importa a (ou
não-)existência de Deus ou se este deixou-nos
uma vontade que procure o melhor para nós. Ao
existirmos somos forçados a fazer escolhas, é o
ser que nos concebe, a culpa não é nossa de
existir e coexistir, contudo somos responsáveis
pela nossa existência, e esta é a fundamentação
da nossa essência. A culpa de sofrermos pode até
não ser nossa, todavia sabemos desde pequenos
que estamos profundamente arraigados com a
dor e é pois a nossa responsabilidade lidar com a
existência.
Todavia, tenho de denotar que a existência
tem duas faces, há o existir e há o eu existo. Na
sua grandiosidade pode ser que tudo seja o
mesmo, apesar de tudo, todos nós existimos,
porém eu sou o único eu que existo, quem não
quer existir pode escolher não existir, no entanto
não consegue escolher deixar de ser. O meu ser
permanecerá até aos confins dos tempos, eu
existi, eu fui quem eu fui, não há nada que me
possa retirar isso, quer queira quer não, não há
uma cura para deixar de existir como eu.
Convém não confundir este ser com a nossa
essência, esta é a nossa natureza, a substância
essencial que caracteriza uma pessoa ou coisa. O
eu existir, ou ser, é somente existir mas como
indivíduo, é um reconhecer que eu existo e por
mais subtil que pareça considero que seja
distinto do existir. É, ao invés de aceitar que se
existe, é tomar consciência que existo e que
nunca deixarei de ter existido.
Ora, paralelamente, a nossa essência é
imutável, alguns de nós nascemos estragados,
estamos condenados à infelicidade
independentemente do quão bondoso somos ou
não. Podemos encher a nossa vida de amigos,
objetivos, álcool, drogas… Mas nada nos fará
atingir mais que o ocasional riso genuíno de uma
piada bem contada. Muitos estão destinados ao
maior dos sofrimentos, nada podem fazer quanto
a isso, somente tem controlo sob si mesmos, até
mesmo a felicidade reactiva não é abrangente a
todos, muitos de nós seremos miseráveis para o
resto das nossas vidas e convém de vez em
quando revermo-nos na busca de uma felicidade
superior, se o mundo nada mais tiver a dar do
que socos, então teremos que nos defender e
alcançar o suposto inalcançável, pois sob nada
teremos controlo para além de nós.
48. Bem que não aja razão alguma para a
nossa presença neste universo neste dado tempo,
bem que tudo seja fútil e infernal, que mais se há
de fazer? O Homem, individualmente, está
condenado a existir, não pode não ser ignorante
à sua existência. Aliás, o ser humano somente é
porque está condenado a existir e não somente a
viver. Consequentemente estabelecemos que não
temos nenhuma obrigação de ser felizes, somente
teremos que viver livremente e conscientemente.
Para que nos serve a felicidade então? Será
realmente fútil lutar o destino, ou gastar o nosso
curto tempo numa eterna procura de uma
felicidade fugaz? E o desgraçado que quiser
escolher não existir?
49. Talvez estejamos a complicar demasiado,
porque é que tem de haver uma razão superior
para eu querer ser feliz, não posso só querer
porque sim? Não posso, como Fernando Pessoa
redige:

‘Não se acostume com o que não o faz feliz…


Alague seu coração de esperanças

Mas não deixe que se afogue nelas

Se estiver tudo errado, comece novamente

Se estiver tudo certo, continue

Se perder um amor, não se perca

Se o achar, segure-o’
Abandonar as infortunas da vida, ter
esperança e incansavelmente e infinitamente
procurar estar ‘certo’? Quando sinto, por pouco
que seja, esperanças que tudo vai acabar bem,
que tudo irá como planeado eu sinto um alívio e
uma força de espírito para continuar, as
esperanças são um ‘teaser’ para a felicidade que
nos pode esperar se nos esforçar-mos para a
atingir, ‘A felicidade exige valentia!’ escreve
Pessoa, apesar de tudo isso ser passageiro, uma
felicidade reactiva ainda é felicidade, pode não
me ser eterna, mas quando encontrar o meu
sistema, o meu lar… Segurarei essa felicidade até
que esta seja obrigada a desfazer-se nas minhas
mãos.
E no final de contas, se procuro ser feliz
porque sim, podemos estabelecer que a
felicidade reactiva é fugitiva, não procura lutar
contra o destino, Deus, si mesma, somente
procura estar longe de tudo isso, estar em paz e
sossego, e é exatamente isso que um tem que
fazer para maximizar a sua felicidade reactiva
encontrar paz de espírito e mente, como também
não se perturbar com questões insignificantes
aos demais. Em contraste, a felicidade proativa
nega qualquer sinal de querer fugir, é enfrentar
tudo de cabeça erguida, é questionar-se das
questões inquestionáveis, a primeira coisa que
devemos saber é quem somos, um lutador ou um
fugitivo?
50. Nem todos nós estaremos aptos para
atingir uma verdadeira felicidade, a norma é o
ser humano ser um ente infeliz, é a nossa
existência como sujeito que enaltece a nossa
miséria. Teremos em aberto uma felicidade
reactiva, uma prova do quão melhor seríamos se
a felicidade fosse verdadeira, é uma
representação da proativa. E como não pressentir
a trivialidade do tempo? Qual é a necessidade de
tentar voar em direção ao sol quando nem asas
tenho, contudo ainda me queimo. Não é na
ignorância que encontraremos alguma
verdadeira felicidade, encontramos aqueles que
mais se deparam com momentos jubilosos.
Somente quem se atreve a pensar (além do
mínimo necessário para viver) é que pode
denotar o ‘demónio que turva as fontes da vida’,
como escreve Emil Cioran, e pode por fim tomar
a sua escolha. Mas como voltar atrás? Após a
reflexão e o pensamento abundarem a nossa
cabeça e o pensar se emerge como uma
condenação para connosco e por fim admitimos
que sempre desejamos a vida ignorante, como
recuperamos esses tempos mais simples? Não
recuperamos, estaremos condenados a fugir. A
cada pequena luz de felicidade rapidamente
seremos relembrados de toda a infernal
existência que carregamos, todo o nosso ser será
um barril furado, toda a sua vontade e paixão são
drenadas lentamente de nós, Deus cada vez
menos presente, o desejo cada vez mais ausente,
até ao ponto em que deixamos de drenar e
somente restamos nós, abandonados, cansados e
angustiados. Por mais que tentemos encher o
barril este lentamente voltará a esvaziar-se,
continuemos fugitivos ou finalmente revoltamo-
nos? Sempre que um novo fundo se atinja a
pergunta se repete, é escapar do sofrimento ou
perseguir a felicidade?
‘人之生也柔弱

其死也坚强

万物草木之生也柔脆

其死也枯槁

[…]

强大处下

柔弱处上’
(‘O homem nasce rígido e fraco,

morre rígido e duro,

as plantas são tenras e flexíveis,

morrem esbranquiçadas e secas.

[…]

O que é duro e rígido vai descer,

o que é leve e brando vai subir’

- Tao Te Ching, Lao Tzu, Setenta e seis)


Aquele que tomar o mundo pelo o que
é e revoltar-se irá se quebrar. Fugir do
sofrimento não é fraqueza, é preciso primeiro
defrontar para ter medo, aqueles que fogem
tomaram o mundo pelo o que é, talvez até o
defrontaram, contudo quebraram e agora fogem
porque conhecem e reconhecem que não
conseguem lutar pela felicidade, logo têm que
fugir.

51. Apesar de tudo, a nossa mera existência


objeto e sujeito submete-nos a riscos, todas as
nossas ações terão um pressuposto
acontecimento negativo que poderá cair sobre a
ação, e tanto como no ato de lutar ou fugir o risco
é infernal. Quais são as escolhas possíveis
daqueles que já estão caídos às portas do
inferno? Conseguem-se ao menos levantar, se
conseguirem terão a força para escalar até ao
topo do abismo, porque tentar?

Não será mais fácil não existir, não ter


qualquer risco, necessidades, ou preocupações,
conhecer o meu verdadeiro fim quer ele seja
paradisíaco, infernal ou inexistente. Porque não
deixar de tentar?
Sobre o Suicídio

52. A origem de nós está para além de nós,


não nos coube a nós decidir estar aqui em
primeiro lugar. Ser pai (ou mãe) deve ser
extremamente difícil, para além de uma
necessidade de se comprometer a amar e cuidar
da sua criança independentemente do seu futuro,
os parentes tiverem que em antemão decidir que
querem trazer ao mundo alguém para sentir a
vida tal como eles sentem-na, terão que
primeiramente acreditar que apesar de tudo
deveremos existir, aqueles que ignoram o
sofrimento e negam que a sua criança viverá em
sofrimento em algum momento e aqueles que
acreditam puder proteger-los falham
imediatamente como parentes, é preciso muita
resiliência, vontade e paixão para começar uma
família, pode não demonstrar-se altamente
importante, contudo escolher trazer alguém a
este mundo necessita que a pessoa esteja para
com essa comprometida a amar, não desistir,
ensinar… Deve-se comprometer acima de tudo a
conseguir demonstrar que realmente tomou a
decisão correta ao trazer-te para este mundo, que
mais vale ser do que não ser, eu acredito
vivamente que grande parte dos adolescentes
com pensamentos suicidas e ou
pensamentos/ações extremamente negativas
devem-se ao facto de a família falhar em
defender que a existência é melhor que a não
existência, e este falha acabará por se assentar na
criança até ela mesma conseguir defender a sua
existência, caso contrário continuará com ela e a
sua existência tornar-se-à cada vez mais
dolorosa.

Dessa dolorosa existência concluires-à que


não poderá perseguir uma verdadeira felicidade
até a aceitação de si mesmo, até aceitar a sua
existência e aceitar a sua essência. Essa tarefa, de
ser feliz, em si já se encontra ao vergo da
impossibilidade, agora fazer todo o percurso
sozinho carregará ainda mais sobre nós, colocar-
nos-à em mais e mais dor que não aparentará
cessar, tal como ser fugitivo do sofrimento
parece-nos insensato, deixar de existir seria a
maneira mais rápida e eficaz de fugir ao
sofrimento totalmente, contudo os fugitivos têm
medo? Não, eles tem esperança. Esperança que
um dia na realidade tudo fará sentido e poderão
parar de fugir, poderão finalmente defrontar
mais calmamente o sofrimento e talvez até
vencer-lhe. Mas para aquele que, como todos os
outros reconhece a absurdez da vida, mas no
entanto não consegue reconhecer o mérito de
existir o que o trava do suicídio?

53. Chegamos então a um ponto onde


teremos que ramificar o sentido do suicídio em
dois, um onde o suicídio significaria deixar de
viver e um outro que significaria deixar de
existir. Apesar de subtil a diferença dos dois é
abismal, começaremos então por constatar
primeiramente o ‘não querer viver’.

Deixar de viver apela ao primeiro estatuto


que designamos à existência, é o nós estarmos
aqui, existirmos fisicamente e psicologicamente,
o que diferencia do não querer existir é a
lembrança, a pessoa que queira deixar de viver
em muitos casos vai sempre atrasando o seu
suicídio quererá permanecer lembrado, só quer
deixar de fugir ou lutar mas quer permanecer,
não só que permanecer como também quer
garantir que as pessoas se relembrarão do seu
melhor, que sofrerão pela sua perda, assim,
poucos são os que acabam por cometer suicídio
desta forma, é contraditório. Não querem mais
sofrer mas querem garantir que os outros não
sofrem por eles, então vão atrasando a sua
suposta eventual morte, afirmando que tem
pessoas dependentes dele ou que faltar-lhes há
cumprir o seu último desejo de vida antes de
partir.

Na realidade é um tanto irónico a


necessidade interna de ser lembrado
(positivamente). Todo o esforço que entregam a
essa procura de permanecer na história é na sua
grandiosidade fútil, quando morrermos
morreremos e nada neste mundo nos dirá
respeito. Toda esta necessidade de permanecer
virá do seu abandono, a pessoa não terá
ninguém, ou ao menos sentirá-se abandonada, e
denota em seu redor que há quem tenha feito
grandes atos e é lembrado e será lembrado, há
quem tenha sido tão bondoso que estará rodeado
de pessoas que o amam e não o esquecerão,
contudo este nada disto tem, por isso não quer
viver mais, mas quer existir, porque na realidade
este acredita que ainda é possível uma mudança
drástica na vida que irá ao encontro com ele e
que daí tudo fará mais sentido, portanto atrasa a
sua morte na esperança, contudo ainda haverá
alguém, que mesmo esperançoso e idealista,
mesmo com a necessidade de ser lembrado,
quebra, e comete o acto. Apesar de incrivelmente
irregular que seja esse evento, apesar de que o
acto seja de ainda mais extrema absurdez que a
nossa própria existência, não deixo de acreditar
que tal ocorrência possa mesmo se concretizar,
que apesar de todos os esforços o ser não tenha
sido feito para aguentar com tanto desalento e
por fim quebra ainda mais desgraçadamente que
todos os outros. De seguida segue a necessidade,
o que manterá muitos de nós vivos é as
necessidades dos outros que por mais distantes
nos são queridos, quereremos acreditar que
temos de permanecer pois os outros precisam de
nós, retorcemos à ideia idealista que a salvação
está nos outros e da mesma forma que pudemos
ser salvos por um salvador consideramo-nos a
nós mesmos um salvador também, e que haverá
alguém que tem a necessidade que
permaneçamos neste mundo para o destino
cruzar os nossos caminhos ou entrelaçar mais a
dependência, enquanto na realidade nada
dependerá de nós e talvez uns outros até possam
ser melhores salvadores que nós mesmos,
somente nos convencemos que temos que ser nós
a salvar para depois sermos salvos.

E nota-se um padrão neste comportamento,


o ser coloca-se em primeiro lugar, mas não deixa
de ter os outros nas suas considerações finais.
Sendo egoísta devido ao facto de precisar de se
imortalizar, para sempre deixar o seu nome e o
seu legado aos demais, depois ainda na mesma
linha de pensamento sem deixar o seu
egocentrismo coloca os outros à sua frente e
tenta suavizar as necessidades dos seus queridos,
contudo todo essa atenção aos outros rebate de
novo para o indivíduo que somente age porque
se coloca numa posição onde é o único capaz de
ajudar. Por fim, reside de toda as suas tentativas
fúteis de esconder a sua verdadeira natureza e
demonstra por fim o seu total egoísmo, desejando
concretizar tudo aquele que sonha e nada mais,
independentemente das regras morais da
sociedade (e suas) agirá conforme ele desejar.
Viajará, gastará todo o seu dinheiro em coisas
que outrora seriam só para ostentar, mas agora
o ser segue com pernas curtas por um caminho
de hedonismo extremo que não consegue
sustentar, maximiza toda a sua felicidade
reactiva enquanto o tempo deixa, quando tudo se
esgota este ainda estará mais desgraçado e
lembrar-se-à dos seus pensamentos niilistas.
Contudo, em contraste com o inicio destes
episódios, o indivíduo atravessou a barreira
entra a vida e a existência e atinge um ponto em
que a sua própria existência é lhe insignificante e
por fim deixa de contornar os seus próprios
sentimentos.

Todos aqueles que podem ser salvos ainda


desejam existir, passarão por estas fases que
descrevi acima e por fim atingirão o fim do poço
sem fim. Haverão também pessoas que poderão
saltar fases ou até mesmo não passar por estes
episódios e quebrar muito antes, esses jamais
terão salvação, normalmente serão aqueles que
mais sofreram e mais tiveram que esconder esse
sofrimento, serão aqueles que já viram o inferno
na terra e ou enlouqueceram ou quebraram ao
ponto de não haver outra visível saída sem ser o
suicídio.
54. Como tal não deixará de existir pessoas
sem salvação, nasceram feridas ou esconderam
os seus pequenos cortes até este se tornar uma
ferida irreversível, não deixará de existir pessoas
que nascem ou tornam-se em um brinquedo
estragado, por mais claro e distinto que seja a
nossa existência, a felicidade… Escolherão
sempre a não existência, ou ao menos
perduraram na fuga de querer viver, haverá
sempre pessoas sem cura neste mundo, qualquer
tentativa de se redimir rebate de volta sob estes
com ainda mais força e dor. Muitos poderemos
responsabilizar a família ou a sociedade, outros é
notável o quão em desespero os entes são
deixados, procurando por alguma razão para o
suicídio, mesmo que a razão culpasse os
familiares, todavia a pessoa somente nasceu
quebrada, e ela sabe, sabe que nunca terá algum
tipo de repouso, que nem mesmo a felicidade
reactiva chega para lhe aliviar a mente e que não
tem capacidades para seguir o caminho da
verdadeira felicidade. Então ou comete suicídio
ou distraí-se com inutilidades até esse momento
chegar a ela.

Além do mais, aqueles que fazem esta


transição da vida para a existência, por mais
diversa que seja a razão sofrem quase todos de
uma doença psicológica, serão, sem excessão,
seres com depressão, tanto que
independentemente da razão admitida para o
suicídio, esta somente causa o suicídio pois o
indivíduo está em crise. Tal que para muitos a
certa razão pode não ser motivo suficiente para
justificar o suicídio, mas para este é. Como tal,
será injusto admitir que estas pessoas cometeram
suicídio, quando no entanto foram vítimas de
uma doença bastante grave, só as pessoas com
depressão eventualmente terão a força para
fazer aquela transição, estes de facto não
cometem suicídio, são no entanto vítimas da
depressão. Aqueles que realmente cometem
suicídio são os que nascem desgraçados, não
existe a transição, o ser não tem qualquer
interesse mínimo no mundo físico e metafísico.
Encontram-se a uma decisão de cometer suicídio.

55. Mas a nossa existência é sempre


explicada, quer na presença de Deus ou não, as
duas hipóteses não removem nexo à nossa
presença inicial neste mundo, quer seja pela mão
divina, o acaso, as leis da natureza, ou as escolhas
dos nossos antepassados, chegaremos sempre à
conclusão que tudo ocorreu para com a nossa
existência, o que não é no entanto justificável é a
nossa permanência neste universo, ao mesmo
tempo que não somos a causa da nossa
existência, somos quem justifica a nossa estadia
neste mundo, tanto que a pergunta
existencialista colocada, transfigura-se para uma
outra que se estabeleceria mais ou menos assim:
para que é que existo?

De facto, não tenho nenhum sentido para


continuar a existir, seria a resposta mais realista
e niilista possível, mas até o maior pessimista
levantaria a sobrancelha a essa resposta. É tão
simples a vida humana, as perguntas filosóficas
complicam-na de uma forma… E questionar do
porque da nossa existência é um formidável
exemplo dessa complicação, o para que obrigada-
nos a refletir para com nós mesmos, deixasse de
ideias metafísicas e futuros muito longínquos,
pergunta-te porque estás aqui agora a respirar?
Amor, família, trabalho? Se negas algum tipo de
razão para a tua permanência estarás a cegar-te
ou ainda se encontra algum tipo de esperança
dentro do coração que por mais que a mente
queira a alma resiste.

Na sua génese, a questão do suicídio para os


demais é uma decisão corrente que o ser tem que
tomar, espontaneamente ou não, há uma
introspecção das nossas razões para continuar
neste mundo. Todos os dias as pessoas levantam-
se e escolhem viver, os outros estarão doentes ou
quebrados.

Para esses nada servirá para além da


derradeira felicidade, mas aqueles que não
conseguem seguir esse árduo caminho são
deixados a apodrecer, a viver como queiram,
procurando paz ou prazer, fugindo ou
enfrentado problemas. Nunca serão realmente
felizes, não tem respostas para as minhas
perguntas, ou iludem-se com elas ou enfrentam-
nas, seguem a felicidade reactiva ou escolhem
desistir por completo.
A felicidade reactiva é então a companheira
da ignorância e do destino, enquanto a proativa
recusa o destino e procura a sabedoria,
estaremos destinados ao inferno, a estes prazeres
inferiores (ou pelo menos a perseguí-los, quão
irónico!), o ser humano só é (por instantes) alegre
com intuito, no entanto para ser
verdadeiramente feliz, como referi no §4 é
preciso um esforço de vida. O ser humano não é
criado para ser capaz disso, por isso é que a
felicidade verdadeira consiste numa luta contra o
destino, mantemos o sofrimento com nós
próprios, se tal não mantivéssemos seríamos
uma espécie extremamente superior, mas Deus é
cruel! Nunca nos conseguiremos amar
realmente, como também nunca amaremos o
outro, nunca estaremos em paz sozinho, quanto
mais com os outros! O ser humano constrói o seu
próprio inferno por dentro e por fora, está
destinado à tristeza.

A natureza e o cinismo
Parte I
56. “Cão”, é o significado da palavra grega
kynikos, que dá origem à corrente filosófica do
cinismo, virasse as costas a todos os bens
materiais e afastasse o máximo de qualquer
relação com a sociedade em que nos envolvemos.
Antístenes foi o fundador desta linha de
raciocínio no final do século V a.c., negando o
exterior e refletindo profundamente em quem
ele é na realidade, segue um modo de vida que
ele considere exemplar eticamente e
logicamente.
Provavelmente o cínico mais famoso
seria Diógenes de Sinope. Discípulo de
Antístenes, ficou conhecido na Grécia antiga pelo
extremos em que levou este modo de vida dos
cínicos, negando todos os sentimentos e bens
materiais que conectavam-no com o mundo em
que se envolvia, vivia como um mendigo, ou até
se assemelha mais a um cão rafeiro. Os que
seguiram este filósofo no caminho do cinismo
tentavam-no levar também até ao extremo,
entretanto aparecem outras linhas de
pensamentos como o estoicismo que
demonstram-se mais ‘requintadas’ que o cinismo,
contudo milhares de anos mais tarde aparece
Henry David Thoreau que moderniza o cinismo,
e ainda mais recentemente em diversos trabalhos
de media (séries e filmes, irei falar mais tarde
sobre a obra-prima que a série サムライチャンプル
ー ou Samurai Champloo é e toda a sua conexão
com o cinismo e a felicidade reactiva)
57. Qual é o objetivo da vida? Felicidade,
vimos que esta é ideológica, no entanto existe a
felicidade reactiva que nos acompanha pela vida,
esta alcança-se ao viver uma vida simplificada,
talvez seja na ignorância se assim bem
entender… Contudo, tal como no cinismo esta é
alcançada quando vivemos em sinfonia com a
Physis (natureza) de forma a que nós, seres
humanos, consigamos entender, sem grandes
questões ou grandes ambições, uma vida simples.
Riqueza, fama ou poder aparentam ter influência
na nossa felicidade reactiva, mas qualquer
Homem que já tenha conhecido variadíssimas
pessoas com diferentes estatutos sociais
entenderá que não passa de uma simples ilusão,
Diógenes e Alexandre o Grande são os exemplos
que melhor ajudaram a concluir esta afirmação.
Tem que haver um desfasamento da sociedade,
das suas regras e costumes, como Sartre outrora
escrevera ‘O inferno são os outros’, somente
assim o ser é parcialmente livre do meio e dos
demais. Por fim, falta a ação, ao contrário do
estoicismo, no cinismo não basta um exercício
mental é preciso agir de acordo com as bases que
estabelecemos.
Tudo o que escrevi resume um cinismo
bastante próximo ao qual Diógenes seguia,
contudo o cinismo antigo e moderno funda-se em
bases niilistas é, talvez após reflexões
semelhantes às minhas, concluir que a realidade
é dura e nos fará sofrer de qualquer maneira,
como tal devemos tomar partido e tornarmo-nos
cúmplices do mal do mundo, justificando ações
imorais, ao invés de agir imoralmente sabendo
que a ação é imoral e não procurar justificara-se.
Houve uma tal difusão do antigo para o moderno,
que onde essas bases pessimistas e sem tomar
ações imorais justificadas tiram o estatuto de
cínica a qualquer tese que reflita sobre um estilo
de vida simples, afastado da sociedade, prático e
sem (ou com poucas) influências externas e dão-
lhe no entanto um título de naturalismo. Que
apesar de correcto não abrange o todo potencial
de uma verdadeira tese cínica moderna.
Quem mais se aproxima deste cinismo
moderno é o filósofo americano Thoreau na sua
Magnus Opus Walden e num outro escrito (pelo
qual me dei a conhecer ao mundo do autor)
Andar a Pé.

‘Quero dizer uma palavra em nome da


natureza, pela liberdade absoluta e pelo
espírito selvagem, em contraste com a liberdade
e a cultura meramente civilizadas - considerando
o homem um habitante da natureza, ou uma
parte ou parcela dela, e não como mero membro
da sociedade. Quero fazer uma afirmação radical
[…] Apenas encontrei uma ou duas pessoas no
curso da minha vida que compreenderam a arte
de caminhar, […] tinham talento, assim dizendo,
para vaguear’

Começa assim a redação Andar a Pé do


filósofo e é também um excelente ponto de
partida para a minha redação no assunto
Parte II

58. Em sociedade, aquele que é cínico é o


que mais procura a natureza, pois tudo o resto já
está fortemente marcado pela evolução humana.
É viver segundo as bases morais da comunidade
até que essas não sejam, ou deixem de ser justas.
Por outras palavras, é seguir uma vida como
todas as outras quando inserido no mundo
humano e procurar fugir ao máximo para a
natureza, Thoreau escreve que é quase uma
necessidade para ele passar horas e horas a
deambular pelo campo, contudo mantém-se em
sociedade porque as pessoas tem que se ajudar
umas às outras, a vida não necessita de grandes
complicações, queremos sempre o que está acima
de nós materialmente e mentalmente, contudo se
olharmos para baixo veremos que temos mais do
que precisamos e conhecemos mais do que
desejávamos ou precisávamos de conhecer. O
cinismo em sociedade, não procura disturbar o
resto dos habitantes com ações imorais e
inconscientes, procura somente se afastar ao
máximo desta sempre que possível. Admitindo a
necessidade e vantagem que é viver em
sociedade, mas tentando controlá-la
vigorosamente, para que esta nunca dita o nosso
horário, o nosso estado de espírito, o nosso
estado físico. Na sua génese, podemos ver a
relação do artificial-natural como vemos Yin
Yang, na sociedade temos o mal, dentro dela
ainda se encontra algum bem, na natureza está
todo o bom, mas nesse bom também há maldade.
A filosofia de Thoreau procura então encontrar
um equilíbrio.
59. O cinismo conectasse profundamente
com uma ideia de recomeço, somos filhos da
natureza mas tornamo-nos os pretendentes da
civilização, este regresso à natureza implica um
voltar às nossas raízes, deambular pelo bosque
dá-nos (ou pelo menos a mim e certamente a
Thoreau) uma certa paz de espírito, um homem
no campo por si não se distingue da natureza
unificasse com ela tal como o resto dos animais,
todavia a mãe natureza não nos é branda, tanto
que nenhum humano terá a possibilidade de
permanecer nela e manter-se num estado
constante de felicidade reactiva, terá sempre que
voltar para o berço do mundo dos grandes
prédios.
Talvez até se questionem, provavelmente o
leitor mais jovem, como é que um afastamento de
tantas outras formas de evasão da realidade
humana (como o entretenimento) resulta numa
maior, ou pelo menos numa mais constante
felicidade num ser. Revemos no segundo capítulo
a conexão entre o esforço e o desejo, faltará
agora acrescentar uma última variante à
equação, necessidade. Quanto menos
necessitamos mais vago e ‘pequeno’ será o nosso
desejo, se, decidisse agora passar 3 anos na
floresta por mim mesmo, as minhas primeiras
necessidades serão habitação e alimento, no
mundo civilizado há todo um processo para obter
estas necessidades que não existem na natureza,
junta-se uns troncos, faz-se uma cabana, come-se
frutos, peixes e animais que se consiga arranjar e
matamos o nosso desejo para esse dia, não há
mais nada para necessitar, no dia seguinte
voltaremos a ter outras e (algumas iguais)
necessidades, na natureza a vida é de facto mais
simples e, consequentemente mais receptível a
uma felicidade rudimentar, uma felicidade
reactiva, ora consigo caçar um peixe, ora
aprendo-me a guiar pelas estrelas, na natureza a
junção de uma necessidade vulgar e desejo de
sobrevivência (que resulta num maior esforço do
Homem, se este estiver aberto à natureza) trará-
nos uma felicidade mais coerente, ou melhor
dizendo produzirá-nos menos sofrimento,
concluindo numa melhor estabilização mental
dum indivíduo. Devemos manter em mente que
este sujeito tem que realmente aspirar por uma
vida mais simples, não vale de nada voltar para a
natureza se estamos desesperadamente
desejando regressar para a sociedade.
60. Os outros são realmente grande fonte do
nosso sofrimento, ou viram-se a tornar ao longo
da história do ser Humano. Pois apesar de se
puder argumentar que um tem somente as
mesmas necessidades em sociedade como em
natureza e tudo o resto é complementar. Um tem
que reconhecer que em sociedade tem que
responder também às necessidades da sociedade,
tem que ser uma mais valia para o resto das
pessoas. E, como conclui o Sr. Thoreau teremos
que encontrar um balanço entra o artificial e o
selvagem. Como tal teremos que responder
sempre à sociedade.
Em ambos os ambientes estaremos rodeados
de sofrimento, certo. No entanto é numa mistura
dos dois meios que iremos encontrar uma vida
mais estável. No entanto, enquanto que para o
filósofo americano, essa estabilidade ‘emocional’
encontrar-se há em fundar a nossa vida na
natureza e tentar apanhar o pouco bem que há
em sociedade paralelamente, revejo-me numa
posição oposta onde essa fundação começará em
sociedade, nessa procura das ‘coisas’ boas que
nela existem e na conversão de algum mal em
bem por ignorância moral, depois a natureza
enaltece firmemente a nossa felicidade reactiva.
Parte I II

"I think that every day the sun rises, it may


be the last time I bask in the sun.”
(Todos os dias eu tenho que perguntar a mim
mesmo: será que este dia vai ser o meu último
dia debaixo do sol?)

"Take your pick. We've dined and dashed, snuck


through a checkpoint, and, oh yeah, killed
people.”
(Escolhe, jantamos e fugimos, esgueiramo-
nos por um posto de controlo, e, oh sim, matamos
pessoas.)

"Without a sense of duty, the world would be in


darkness.”

(Sem algum sentido de dever o mundo estaria em


trevas.)

Citações do anime Samurai Champloo

61. O cinismo que referi assemelhasse


fortemente ao estilo de vida que as três
personagens principais da série levam, com
poucas necessidades e desejos, com poucas bases
morais, mas ainda com algum sentido de justiça
que eles acreditam e seguem, a base da vida deles
está na sociedade, dependem das relações que
criam, que nunca são duradouras, pois estão
sempre a viajar. Como tal a sua necessidade da
sociedade igualasse à necessidade de
sobrevivência, reconhecem que sozinhos talvez
não veriam o amanhã, nada os prende ao
passado e nada os faz acreditar no futuro
portanto a sociedade não nos magoa, os outros
são memórias nubladas no passado, necessários
no presente e esquecidos no futuro, de facto o
único sofrimento que prevalece na série (além de
físico) somente se manifesta quando algo do
passado retoma para a vida de algum
personagem, ou quando algum acontecimento
presente é trágico. Demonstrando também que
por mais que se desconecte da sociedade, se nela
nos inserimos nunca escaparemos à angústia que
a acompanha.

62. O modo de vida das personagens é


extremamente simples, serão uma versão
sofisticada de Diógenes, nenhum bem material os
prende, nenhuma pessoa os prende (mesmo
entre as personagens principais, nota-se um
desassossego nelas por estarem presas umas às
outras, ao ponto que tentam sair da vida uma das
outras, mas acabam sempre a regressar). Vivem
de vila em vila na sua aventura por um ‘Samurai
que cheira a girassóis’. O seu desejo por
encontrar esse indivíduo é controlado pela
consciência que é um desejo grande e é repartido
em pequenas procuras de informações que os
fazem deambular pelo Japão. O resto dos seus
desejos é água e comida, como é aparente na
primeira citação que escolhi, não sabem do
amanhã, a vida deles é demasiado simples para
preocupações futuras, como posso eu preocupar-
me com o amanhã se o hoje não está garantido.
Em teoria, todos nós já aprendemos a não tomar
o amanhã como uma certeza, todavia demonstra-
se bastante óbvio que o Ser humano é incapaz de
realizar esse exercício mental, especialmente
numa vida onde está profundamente conectado
com a sociedade. É preciso forçar-nos a uma vida
mais simples e natural para essa frase nos ser
coerente. A morte não lhes é estranha, é algo
natural, a sociedade não tem impacto em como
(pelo menos aos dois ronin) vêm a decadência
humana, tanto que mais tarde um personagem
(que também se isolará da sociedade) responde a
Fuu que os cadáveres nunca são belos, a morte é
quase que menosprezada por estes, irás morrer e
de qualquer das formas que sejas nunca será
bela, nunca será como nos romances…

No entanto também é bastante curiosa a


forma como ao mesmo tempo que não se
preocupam com o futuro, tem um objetivo que
decidem seguir, mas talvez essa seja a chave da
vida cínica que as personagens levam… Se não
houvesse um sítio para ir, sairia de onde estou?
Eles precisam de uma aventura para a sua vida
continuar a fazer sentido, se estas três
personagens nunca se tivessem conhecido, Fuu
teria talvez continuado a trabalhar, Mugen e Jin
continuariam a fugir do seu passado
possivelmente. Nenhuma das vidas que teriam
tomado seria cínica pois Fuu continua inserida
em sociedade, e os dois Samurai estão
preocupados com o passado. Como tal, denota-se
que é a existência de um objectivo num futuro
longe que força-os a viver o agora em prol desse
golo. Fazem o que tiverem a fazer para
sobreviver hoje, porque tem que atingir essa
finalidade. Não há tempo para o passado, o
presente é o foco, o amanhã é ilusório. Contudo
não me deixo de questionar o que se seguiria
após o fim da aventura, claramente cada um
segue com a sua vida, volta-se ao passado, ou seja
este cinismo é obrigatoriamente temporário?
Após essa jornada as personagens conseguirão
realmente seguir o seu caminho solitário ou
voltarão-se a encontrar em busca de outra
viagem? A aventura será então o meio principal
de evasão da sociedade para os personagens.

63. Cada dia é o último dia de vida deles, e


essa frase torna-se ainda mais verdadeira tendo
em conta os vários encontros que quase tiveram
com a morte ao longo dos episódios. Talvez seja
esse o truque para nos salvaguardarmos do
desespero, baixar-nos tanto que o desejo de
comida igual ao nosso desejo de, por exemplo,
passar num exame qualquer, tanto que chegar ao
amanhã é em si um desejo grande que precisa de
ser repartido. Conseguirei realmente considerar
o hoje como o meu último dia na vida que levo
agora? Será necessário essa grande conexão com
o selvagem, com uma aproximação com a
natureza.

64. Na segunda citação percebemos a


renúncia das personagens da civilização, já
agiram de maneiras tão ‘moralmente erradas’ e
não procuram desculpar-se disso, foram as
decisões que tomaram, sem nenhuma influência
externa, eles são quem são e não procuram
aprovação ou conforto de ninguém, fizeram o
que fizeram porque tinham ou queriam. Todos os
outros são escravos do trabalho eles tem a
liberdade máxima, não estão presos à sociedade,
agem da forma que bem entenderem, viveram
com as suas decisões quer sejam castigadas ou
não. Não acreditam em nada para além de eles
mesmos e o que conseguem fazer, tal como os
estóicos não se deixam afetar pelo o mundo
exterior a eles, a liberdade deles vem de uma
aceitação de quem eles são e vivem de acordo
com o decorrer da vida, vão tomando decisões
que podem ou não ser ‘moralmente correctas’
porque tem a liberdade de as tomar, enquanto os
outros andam ás voltas cercados pelo desespero e
sofrimento. Não há qualquer tipo de integridade
nas personagens moralmente, agem segundo a
situação, homicídio, traição, roubo… Tudo o que
fazem não precisa de explicação alguma, seguem
o intuito de cada um. Consequentemente são
pessoas solitárias raramente encontrarão
aspectos em que estarão de acordo com os outros,
e são solitários porque são eles próprios, haverá
poucas ou ninguém mesmo que gostará de uma
pessoa que é ela própria em todas as dimensões.

65. Contudo ainda vivem em sociedade, e


como tal terão que ter integridade, bases às quais
entram em concordância em cada relação que
fazem ao longo da jornada deles, tem o dever de
agir justamente, não é justo matar pessoas sem
preocupações aos olhos dos personagens, é por
isso que nunca os veremos a matar simples
cidadãos… Enquanto que bandidos, vigaristas,
corruptos… Terão outra as bases pelas quais
serão tratados, se um ameaça de morte um dos
samurai, este tem que aceitar que ao tentar matá-
lo ele próprio terá que responder às suas
próprias regras, nesse aspecto os samurai são
quase uns justiceiros, uns robin dos bosques,
aqueles com mais poder e que normalmente não
são advertidos pelo povo, terão que provar do
próprio veneno face a estas personagens. Cada
relação implica uma construção de novas bases
morais que ambos concordam conscientemente.
Se não concordarem, significa que um estará a
abusar do seu poder para com o seu vizinho.
Concluindo, como a terceira citação afirma
estaríamos nas trevas se não houvesse um
sentido de dever, justiça. E a justiça poderá muito
bem variar, da mesma forma que os samurai
enfrentavam todos aqueles que não lhes faziam
justiça, podiam muito bem ignorá-los e cortar
relações. ‘Ladrão que rouba ladrão tem cem anos
de perdão’, ou seja apesar de serem como todos
os outros imorais estes só o são com aqueles que
são iguais a eles, demonstrando uma
fragmentação do eu entre a natureza, a sociedade
comum e a sociedade corrupta (aos olhos do
indivíduo).
66. O cinismo que advogo aqui não supera
mais que uma pequena alteração ao que
considero ser o cinismo moderno (de Thoreau),
tem em conta que o ser humano nasce já em
sociedade, tanto que uma saída abruta dela para
a natureza é difícil mentalmente, já para não
referir que nos dias de hoje ainda é mais difícil
de fugir da sociedade fisicamente. Como tal, igual
aos estóicos afastamo-nos intelectualmente do
exterior que nos cerca, rebaixamos o nosso nível
de vida para um estilo bastante mais simples.
Desprendemo-nos de qualquer trabalho, objeto,
ou pessoa que nos detêm em algum lugar,
mantemos as relações curtas e saímos em
procura de um homem feliz (talvez seja a única
maneira de partir numa aventura infindável e
significante…). Sem casa na sociedade estamos
obrigatoriamente no berço da natureza, mesmo
que estejamos no centro de New York. Se
tivermos uma finalidade abstrata (tal como o
exemplo mencionado acima) não teremos
nenhuma preocupação além dessa e
sobrevivência, talvez seríamos
consideravelmente mais alegres. Todavia, a
estabilidade da felicidade reactiva não poderá vir
com esta facilidade, o indivíduo tem que estar
disposto a este modo de vida, tem que estar
treinado fisicamente e mentalmente para
sobreviver, precisa de autodomínio, até nas
situações mais adversar não pode estremecer. A
nossa condição de vida é trágica, estamos
destinados à infelicidade, árduo terá que ser
qualquer caminho para uma vida alegre.

Conclusão e Reflexões
Finais

Reflexões Finais
O primeiro objetivo deste conjunto de
reflexões era entender a felicidade de todos os
diferentes ângulos e depois entender como posso
ser feliz e porquê ser feliz. E, durante estas
reflexões percebi que a felicidade dividisse em
duas uma que é absoluta é uma felicidade
metafísica, ideal… Nada tem que lhe conecte com
o mundo físico, tudo o que teremos que fazer
para a atingir esta encontrasse na nossa mente.
Após estabelecida esta felicidade perguntei-me
como posso eu atingir isto? Não consigo, não
serei feliz, a felicidade proativa é ideológica,
romântica… Nem tenho certezas que alguém uma
vez conseguiu ser realmente feliz. Daí criasse a
divisão das minhas reflexões em duas, o Mundo
inalcançável e o alcançável. A primeira reflete as
reflexões ideológicas que primeiro surgiram na
minha cabeça, tem que ser possível ser feliz dizia
para os meus botões, coloquei-me na posição de
um herói nobre que lutaria destemidamente
contra tudo aquilo que se advertisse ao seu
objectivo final. Criei todo um mundo ideológico
para nele puder refletir sobre a felicidade,
mesmo nesse falhei, o herói caiu… Daí afirmar
ser uma felicidade inalcançável, contudo
possível. Até alguém a conseguir atingir, por mais
romântico que seja tenho que admitir que esta
está num plano superior ao nosso e que nos é
inatingível. Derrotado, parei de
escrever por tempos, qual seria o significado de
ser feliz com uma cópia da felicidade e não a
verdadeira? Sentia-me exausto, até que me voltei
a questionar se podia haver algum tipo de
relação entre este dois mundos. Tentei com a
ciência, quanto mais fácil a nossa vida física mais
tempo temos para nos focar na mente. Mas não
consegui construir uma ponte aí, voltei a
fracassar, desisti da verdadeira felicidade, voltei
ao método olhei para a felicidade reactiva de
todos os ângulos que consegui, tinha que
primeiramente atribuir alguma razão para eu
estar aqui, no entanto não há nenhuma, fomos
atirados ao mundo sem razão, toda a nossa
existência é absurda… Estava a divagar pelas
grandes questões, tive que me abster delas,
questionar-me se tudo não poderá ser mais
simples, decidi olhar para a vida tal como ela se
apresenta para nós, porque existimos, porque
alguém ou a natureza fez nos existir, porque
vivemos? Aqui! Chegamos exatamente à
pergunta que justifica a felicidade reactiva, não
somos responsáveis por existir, mas somos sim
por viver e como tal, na pequena escala, vivemos
hoje porque ontem tivemos alguma razão para
nos fazer chegar ao dia de hoje, todos os dias
decidimos viver por variadíssimas razões, a
felicidade é a principal todos gostamos de ser
alegres, contudo como tinha afirmado
anteriormente a felicidade reactiva não se
distingue entre si, ganhar um prémio Nobel não
diferenciasse de beber água quando estamos com
muita cede. Muitas linhas de pensamento são me
cortadas neste momento, voltei a parar de
escrever para refletir mais profundamente, ler
mais e aprender mais, durante esse tempo de
reflexão uma escola de pensamento destacou-se
das outras, o cinismo, contudo não concordava
cabalmente com esta filosofia, precisava de uma
modernização, com mais investigação acabei por
associar a filosofia de Thoreau ao cinismo como a
versão moderna, contudo ainda não me
contentava inteiramente com o raciocínio, foi aí
que me relembrei de uma série que já tinha visto
à uns anos, Samurai Champloo também
demonstrava muitos conceitos existencialistas
cínicos (se assim me permitirem chamar) e
embelezavam o cinismo moderno, no final
acabamos com uma visão diferente sobre o
cinismo, que agora nas minhas reflexões finais
denoto uma semelhança com um estilo de vida
‘hippie’ com algumas adaptações. Contudo refiro
que o cinismo não nos fará necessariamente mais
felizes, que se tudo irá estabilizar a nossa vida e
permitir vivermos uma vida aprazível. Tanto que
como escrevi ao longo da segunda metade deste
conjunto de ideias, mesmo esta felicidade
reactiva é somente aleatória, nunca poderemos
torná-la absoluta, no máximo poderemos
uniformizá-la com grande esforço. Quer seja
numa vida normal ou cínica.
E interessantemente, comecei a escrever
sobre como ser feliz e acabei a escrever em como
ser infeliz e viver a nossa lamentável vida. Por
mais que tornemos as nossas emoções estáveis o
sofrimento irá sempre prevalecer e nada
poderemos fazer além de tentar ser o herói ou
ser o fugitivo.

Conclusão
Em termos pessoais o objetivo deste grande
conjunto de pensamentos, foi tentar escrever
pela primeira vez algo completo, refletir de todas
as formas que conseguir e ao mesmo tempo a
tentar manter o meu pensamento coerente, o que
devo dizer, foi uma tarefa extremamente difícil.
Foi também uma tentativa de introduzir o meu
pensamento filosófico ao mundo (nem que esse
mundo seja só eu) até agora tenho estado a
acumular conhecimento de tudo o que li ao longo
destes últimos dois anos, ideias que ferviam na
minha cabeça prontas para ser escritas. Talvez
não tenha conseguido transmitir na sua
totalidade tudo o aquilo que tinha em mente e
tentei meter aqui, contudo no momento em que
acabei de escrever o último capítulo sinto que
concretizei algo bom, que consegui atingir um
objetivo que sempre quiz superar. Porque na
realidade, não é a primeira vez que tento
escrever textos mais longos… Já faz uns anos que
escrevo e apago tudo porque nunca me contento
com a direção que a minha escrita está a tomar,
já devo ter escrito centenas de pagens que já
apaguei nestes últimos anos (talvez esteja a
exagerar ligeiramente ha ha)! Contudo, agora foi
diferente, não sei bem porque mas olho de novo
para tudo o que escrevi e não nasce em mim
nenhuma necessidade de recomeçar do zero,
portanto por mais que este projeto seja um
falhanço eu contento-me em o ter conseguido
realizar em primeiro lugar. Todavia, a principal
finalidade foi tentar compreender a minha
mente, do tanto que pude ler ficaram diversos
pensamentos soltos a pairar sob mim, senti uma
necessidade de organizar a minha mente, e esta
organização começa com a felicidade pois toda a
filosofia fundamentasse sobre o problema que
esta levanta. Todas as outras problemáticas
nascem desta como podemos ver com os variados
tópicos que discuti ao longo da obra (tal como a
ciência, Deus…). Apesar de não ter chegado às
respostas que desejava cheguei a conclusões que
melhor me ajudam a manter-me inteiro, sinto
que criei uma linha de segurança para mim
mesmo que antes não existia e isso dá me forças
para continuar a escrever independentemente se
mais tarde considerarei isto como um fracasso ou
não. Por agora aproveitarei enquanto este texto
me proporciona felicidade proativa.
Fim
LISBOA, 4 DE OUTUBRO 2022

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