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Teologia da

Espiritualidade Cristã

Caros alunos, as vídeo aulas desta disciplina encontram-se no AVA


(Ambiente Virtual de Aprendizagem).
Unidade 1
Aula 01 - Aspectos Históricos e a
Espiritualidade no Antigo Testamento

Introdução

Olá, prezados(a) alunos(a)!

Damos as boas-vindas a todos vocês que estarão cursando a disciplina Teologia da


Espiritualidade.

Nesta disciplina, estudaremos alguns fundamentos que fazem parte do estudo da história da
espiritualidade e da teologia do cristianismo. Nesta aula, abordarei os seguintes temas:

a) Conceito de espiritualidade

b) Histórico da Filosofia Moderna com seus principais autores e conceitos.

Objetivos

Este tema é tão rico que é impossível esgotar o assunto, mas nesta aula você poderá
compreender, de forma objetiva, os principais conceitos de espiritualidade.
Vamos começar com uma pergunta básica:

O que é espiritualidade?

Confira a opinião de Sergio Cortella sobre o assunto:

Este vídeo é um Trecho da entrevista do documentário Somos Um Só. Parceria entre SESC e TV
Cultura. Produzido pela DIP -- Digital Produções. O consultor Sérgio Cortella fala da
espiritualidade e da existência do ser humano, da vida, dos sentidos e da conexão com o sócio
ambientalismo e com a beleza.

Assistiu? O que achou?

Conceito de espiritualidade (desejo por vida)

Se você analisar as pessoas a sua volta, perceberá que o mundo pós-moderno reencontrou a
espiritualidade. Mas observando a história da humanidade perceberá que o iluminismo - com
seu mecanicismo “dogmático” - havia “profetizado” o fim da vida religiosa relegando-a ao nível
da infantilidade, já que a razão madura não necessitava mais da cosmovisão cristã para
explicar o mundo e a vida como um todo. Todavia, como podemos claramente constatar, o
sonho idílico dos iluministas foi frustrado pelo vazio ético e existencial gerado pelas guerras e
pela intolerância a vida humana referente ao gênero, etnia e credos, como foi o caso do
advento do Nazismo e das duas grandes guerras.

A racionalidade científica não conseguiu preencher o vazio do coração do homem. Abaixo,


segue uma tabela onde podemos visualizar melhor o desenvolvimento histórico da Filosofia
Moderna com seus principais autores e seus conceitos:

ESCOLA FILÓSOFOS E DOUTRINAS

Renascimento: Humanista, antropocêntrica, mecanicista;


Antecedentes
Marco histórico: Reforma Protestante

René Descartes: O método é fundamental para o


conhecimento filosófico; racionalidade que visa capturar
Racionalista – séc. XV apenas o que é passível de prova; a metafisica é obsoleta; a
razão traz a felicidade; argumentos ontológicos, racionais, da
existência de Deus e da alma, ao invés da fé que confia.

Francis Bacon: Desenvolve seu sistema filosófico contra o


Empirista – séc. XVI racionalismo de Descartes; a experiência é o seu método
epistemológico.

J.J. Rousseau: A razão é a esperança para todos os males da


sociedade; a ciência torna-se quase uma “religião”; contrária
Iluminista – séc. XVII a tradição e a religião como um todo, ela é considerada
como um pensamento pré-científico, portanto meramente
supersticioso;
Otimismo utópico; síntese do Racionalismo e Empirismo. O
Estado é originado da convenção social.

Immanuel Kant: Conhecimento: Fenomênico e numênico. O


primeiro como a coisa se manifesta, e o segundo é o
inacessível ao conhecimento, portanto não se pode conhecer
Idealista – séc.XVIII plenamente a Deus, sendo possível apenas conhecer algo do
que Ele é por meio da sua manifestação fenômica. A
metafísica torna-se impossível; moral baseada no dever:
“imperativo categórico”1

Logo após a crise da Modernidade surge, obviamente, o que costumeiramente ficou conhecido
como “pós-modernidade”, com as seguintes características:

1. Pluralidade

Não há uma verdade estabelecida como referência comum à sociedade civil como era, por
exemplo, numa sociedade tradicional como a Idade Média. Esse relativismo epistemológico e
subjetivo pode ser expresso no ditado: “o que é verdade e certo para você, não é verdade e
certo para mim”. Levando em consideração que a Bíblia é a norma para a construção de
valores éticos e morais, sob esse prisma ela é simplesmente relegada ao descrédito! Essa
tolerância em relação à filosofia de vida do outro é ideológica, ou seja, parece bom, mas
mascara a realidade do que de fato é bom. É inegável que o direito de dizer o que se pensa
deve ser mantido. O fato não está em proibir, mas em não se saber onde se pode encontrar a
“verdade” para se viver bem com Deus, já que até mesmo a ideia de Deus foi diluída nesse
caldo cultural-religioso conhecido como Nova Era, como veremos no momento propício.

2. Consumo sexual

Na pós-modernidade tudo é objeto de consumo inclusive as pessoas! O vazio existencial, por


causa da falta de referência da verdade que é Deus, leva indivíduos a preencherem-se no sexo
sem compromisso fora do matrimônio e na prostituição, provando que suas “decisões” não
são racionais, já que a irracionalidade é um sintoma do hodierno, e por isso utilizam-se do
outro edonicamente como se isso fosse algo natural, perdendo toda a responsabilidade e
amor que há numa relação segundo o padrão bíblico. O prazer estético substituiu a ética!

3. Individualismo

Egocêntrico, narcisista e insensível à dor do outro. Nós nos tornamos o centro, ou melhor, “Eu”
me torno o centro. Como tudo é consumo, como o caso do sexo citado acima, também os
“bens simbólicos” vendidos nas igrejas são mais um produto na vitrine da fé para se adquirir
mediante uma “oferta” (ou pagamento?) que objetiva a satisfação pessoal, e caso o esperado
não acontece, como por ex. o milagre, muda de “igreja” (loja) e vai à procura de outra que
possa suprir seus desejos. Ou o caso de frequentadores de igrejas que não criam vínculos com

1
SAYÃO, Luiz. Cabeças feitas: filosofia prática para cristãos. Ed. Hagnos. P. 37,38 (Essa tabela não foi
citada na íntegra, mas adaptada para fins dessa aula.)
nenhuma denominação, mas absorve o melhor de cada uma delas, em busca de satisfação.
Quando voltamos os olhos para a Bíblia vemos claramente que Cristo buscará uma Igreja e não
uma pessoa! É necessário resgatarmos urgentemente a ideia de igreja do Novo Testamento,
como ajuntamento solene que como Corpo de Cristo tem autoridade sobre nós.

4. Misticismo

Ao contrário do que supôs o Iluminismo, como já mencionado acima, a religião não foi
superada e está atuante e ativa na realidade brasileira, seja o cristianismo em seus
desdobramentos, ou o esoterismo da Nova Era. Porque num mundo com tanta tecnologia a
espiritualidade está tão em voga? Segue algumas considerações que intenciona responder a
pergunta:

a. A racionalidade está em crise e não pode satisfazer o coração do homem.

b. Até o Renascimento Deus era o centro de todas as coisas, e após isso o


antropocentrismo “substitui” Deus como referência.

c. Descrédito das grandes narrativas do passado: instituições.

d. O fracasso do socialismo no Leste Europeu; O socialismo foi à utopia política


que momentaneamente trouxe esperança de um mundo melhor, mas a
história demonstrou que foi um fracasso, já que a natureza humana imersa no
pecado corroeu o sistema por dentro.

e. As igrejas ensejaram a espiritualidade dentro de categorias teológicas,


sistemas e modelos pré-definidos como pressuposto básico para experimentar
Deus, excluindo da vida religiosa profunda os leigos, já que devido a correria
do dia a dia, não teriam tempo para vida contemplativa. Porém, não podemos
esquecer que uma das características de Jesus é a espiritualidade prática que
se dá na vida, e não em ambientes reclusos.

A análise de Peter L. Burger, sociólogo da religião, é contundente em afirmar que a


espiritualidade não morrerá, e “no que tange às comunidades religiosas, poderemos esperar
uma reação aos extremismos mais grotescos de autodestruição das tradições sobre
naturalistas.”2 Basta uma olhada rápida para percebermos que a cultura está saturada de
elementos religiosos, veja por ex. os filmes fantástico de super-heróis que lotam salas de
cinemas, a literatura esotérica – auto ajuda do brasileiro Paulo Coelho que já faz fama no
exterior, o crescimento exponencial dos evangélicos, o Rio Grande Sul é referência em religiões
afro-brasileiras, espiritismo e concentra o maior número de adeptos do paganismo Wicca.

2
BERGER. L peter. O rumor de anjos: a sociedade moderna e a redescoberta do sobrenatural. Ed. Vozes.
p. 55
Bom, Pessoal, o que fizemos até o momento foi “ler os sinais do tempos”, a partir da
metodologia do teólogo Albert Nolan, como se segue:

Ler os sinais do tempo não é uma questão de olhar para o mundo a partir de fora, como se não
fizéssemos parte dele. Nós estamos inseparavelmente integrados na sua rede de relações. É o
nosso mundo, e nós só poderemos ter qualquer tipo de espiritualidade séria inseridos no
nosso mundo.3

Espiritualidade encarnada

A partir de agora vamos considerar o primeiro elemento na construção do “conceito de


espiritualidade”, que é o objetivo da nossa aula: espiritualidade é encarnada!

Qualquer espiritualidade que não esteja envolvida com a vida, com as pessoas e com o mundo
não é espiritualidade cristã, antes é uma “fuga” e demonização da existência como
pressuposto para uma vida de santidade.

Referente ao hodierno percebe-se claramente, como já mencionado acima, que há nas


pessoas uma fome de espiritualidade, uma busca para encontrar sentido em meio ao caos
cultural instalado e a relatividade da grande narrativa do passado, como instituições, moral e
princípios éticos; de certa maneira tudo foi subvertido e deixado de lado.

Como bem expressou Alister E. McGrath:

“Nos últimos anos, tem crescido notavelmente o interesse pelo estudo geral da
espiritualidade. Um cinismo ressurgente sobre o valor dos bens materiais levou a uma atenção
maior às dimensões espirituais da vida. Um número crescente de evidências sugere que a
espiritualidade pessoal tem efeito terapêutico positivo sobre nós indivíduos, demonstrando
maior reconhecimento da importância da espiritualidade para satisfação e bem estar
humanos. Juntamente com um declínio gradual generalizado ao apego às formas
institucionalizadas de religião na cultural ocidental, há um aumento caro no interesse popular
pela espiritualidade, incluindo as várias formas de espiritualidade cristã.”4

Podemos agregar ao “conceito de espiritualidade” seu aspecto “Terapêutico”, pois é por meio
do relacionamento com Deus que somos curados e tratados por sua presença graciosa.
Observamos isso claramente na práxis ministerial holística de Jesus. (Veremos isso de maneira
especifica na aula? – a espiritualidade de Jesus)

A partir do que discorremos até o momento podemos sugerir uma definição, dentre tantas
devido as suas vertentes, do que é “espiritualidade cristã, que “significa viver o encontro com
Jesus Cristo. (...) Refere-se como a vida cristã é entendida e às práticas devocionais explícitas
desenvolvidas com vistas a nutrir e sustentar esse relacionamento com Cristo. A

3
NOLAN, Albert. Jesus hoje: uma espiritualidade radical. Paulinas. p.17
4
McGRATH, Alister. Uma introdução à espiritualidade cristã. Ed.Vida. p. 19
espiritualidade cristã pode, então, ser compreendida como a maneira pela qual indivíduos ou
grupos cristãos buscam aprofundar sua experiência com Deus.”5

Jaci Maraschin, também contribui com sua definição de espiritualidade:

“espiritualidade” trata-se de um termo ambíguo e controvertido. Vem, como se sabe, de uma


tradição posterior às Escrituras, e esteve sempre muito ligado a práticas emotivas mais
voltadas para a contemplação do que para a ação e, consequentemente, muito mais
relacionadas com o céu do que com a terra. Mas, nem por isso a palavra nos pareceu perdida
para os tempos e as necessidades contemporâneas. Afinal, ela bem poderá ser interpretada
como expressão do Espírito, ou como processo de comunhão com Deus e com o próximo.6

Um dos primeiros equívocos na espiritualidade popular é separar “corpo” e “alma”, “sagrado”


e “profano ou “contemplação” de “ação.” Essa dicotomia herdada da filosofia grega dividiu o
ser (integral) em dois: corpo e alma. O primeiro é bom e o segundo é mal. Sob esse aspecto
tudo aquilo que se refere à vida como, cultura, trabalho, sexo, diversão, é visto como
antiespiritual e, muitas vezes, demonizados tudo o que se refere a vida contemplativa, como
oração, abstinência, jejum, fuga do mundo é considerado espiritual!

Ao voltarmos os olhos a Jesus vemos que o Homem – Deus Espiritual por excelência não fazia
tal distinção, antes fazia da vida uma celebração a Deus, da natureza extraia exemplos, de uma
festa de casamento, faz um milagre. Como bem expressou Caio Fabio:

O que me espanta, no entanto, é o fato de que Jesus não fala uma única vez, nos quatro
Evangelhos, a palavra “espiritual”. Esse chavão não passou pela sua boca, por uma razão muito
simples: para Jesus, não havia uma vida espiritual; para Jesus a espiritualidade era a vida.
Sobre a vida ele falou muito, e o tempo todo; sobre espiritualidade, não.7

Portanto “ser espiritual” é viver a vida conforme Jesus a partir das práticas devocionais ou
exercícios espirituais que Ele mesmo deixou-nos como modelo. No bojo disso tudo haverá
crenças doutrinárias diferentes a partir de cada tradição religiosa8, valores éticos em comum e
um modo de ser no mundo, então cabe a vocês alunos absorver o que há de melhor em sua
tradição religiosa e confrontá-la com a espiritualidade de Jesus.

Turma, no início desta aula assistimos a um vídeo com um breve conceito de espiritualidade,
na perspectiva de um filósofo. Agora, assista a um outro vídeo, e veja a opinião de
espiritualidade numa perspectiva pastoral.
https://www.youtube.com/watch?v=nYQdWtSMcTQ

5
Op. Cit. McGRATH. p. 21
6
MARASCHIN, Jaci. O que é formação espiritual? p. 8. Ed. Aste. 1990.
7
FABIO, Caio. Um projeto de espiritualidade integral. Sião. 1988, p. 30
8
Sobre o valor e a contribuição de cada tradição religiosa Richard Foster escreveu um livro volumoso
“Rios de águas vivas.”
Espiritualidade no Antigo Testamento

Passamos agora a um outro recorte temático: a Espiritualidade no Antigo Testamento tendo o


livro do Êxodo como paradigma. Tentamos ser bem objetivos, ok!

O Nome do Livro

Para que você possa se situar, vamos apresentar a origem do nome do livro. Êxodo - do grego
ἔξοδος, composto de ἐξ "fora" e ὁδός "via, caminho" - significa partida. Na tradição hebraica,
chama-se Sh'moth (‫שמות‬, literalmente "nomes").

O termo "Êxodo" deriva da versão Septuaginta Grega (LXX), que procurava intitular os livros a
partir do seu conteúdo. A sua autoria foi atribuída ao profeta Moisés, pela tradição judaico-
cristã. Esse livro – que dá continuidade ao livro de Gênesis - relata como Moisés conduziu os
israelitas do Egito até o Monte Sinai, onde Javé (YHWH) se revela para fazer uma aliança,
entregando a Moisés os dez mandamentos, ou seja, a lei, que deve ser obedecida, e como
recompensa Javé lhes daria Canaã (a Terra Prometida).

Há muitos relatos bem conhecidos no Êxodo, como a passagem pelo mar vermelho, a
revelação no Sinai, a entrega das tábuas da lei, Bezerro de ouro e o aparecimento de maná no
deserto.

Contribuições Relevantes do Livro

1. Origem e Organização de Israel.

2. Primeiros milagres da Bíblia.

3. Instituição da Primeira Páscoa.

4. Lei Mosaica e Institucional da Aliança.

5. Instituição do Sábado.

6. Construção do Tabernáculo.
A Espiritualidade no Antigo Testamento: o Êxodo como modelo de espiritualidade
paradigmático

Você que está estudando sobre a Bíblia há de concordar que ela é um livro rico em
experiências religiosas.

Inúmeros textos relatam o relacionamento do povo de Deus com o Senhor. Experiências


coletivas ou individuais como a de Abrãao, Isaque, Jacó ou Moisés em meio à sarça ardente.
Esse Deus poderoso sempre se revelou ao seu povo e se deixou conhecer, e esse
relacionamento é fundamental para uma espiritualidade sadia e bíblica.

Utilizaremos como referência para nossa aula o livro de Êxodo. Elegê-lo não foi por gosto
pessoal, mas por decisão acadêmica, já que os eruditos em Teologia Bíblica concordam que a
espiritualidade desenvolvida no livro citado é emblemática, ou para utilizar um termo
teológico constantemente utilizado em livros, “fundante”, “paradigmática”, “modelo”, ou em
linguagem psicológica “arquetípica”. “Paradigmática” e “fundante” referem-se à experiência
primeira, que serve de modelo para a posteridade. O relacionamento entre Deus e seu povo
no êxodo foi tão poderoso que “normatizou” uma via de espiritualidade.

De imediato podemos constatar que a presença de Deus em meio ao seu povo é algo original
quando comparado com a espiritualidade pagã dos povos vizinhos. Esses necessitavam de
objetos visuais (o deus deles também estava presente, mas não presentificado no ser!), o que
levou Moisés a abominar a idolatria dos “ídolos mudos”. Os deuses pagãos eram distantes,
antropomórficos e sublimados do inconsciente coletivo corrompido pelo pecado, ou seja, eram
apenas representações dos próprios desejos. Veja abaixo apenas alguns desses deuses, e o
tipo de espiritualidade que eles geravam:

1. Adrameleque. Exigia sacrifícios de crianças. Adorado na Mesopotâmia;

2. Aserá. Considerada uma prostituta divina;

3. Moloque. Crianças eram sacrificadas no fogo em sua adoração;

4. Baal. deus da fertilidade cultuada pelos cananeus. 9

O Deus do Êxodo é vivo e se envolve na história humana. É um Deus presente e relacionar-se


com Ele gera uma espiritualidade sadia que servirá de modelo para toda a história bíblica, ao
contrário da falsa espiritualidade dos deuses do paganismo antigo. É o Deus da Palavra que
fala e se movimenta ativamente em prol do Seu povo. Quando os teólogos bíblicos são
consensuais em relação ao livro de Êxodo ser modelo para toda a espiritualidade bíblica
posterior, estão procurando explicar que não somente o “povo da Bíblia”, mas todos os povos
devem rememorar os feitos de Deus do passado e atualiza-los existencialmente em suas vidas
no presente.

A espiritualidade é pratica e tem a ver com a vida, como já observamos na aula 01, portanto se
na jornada estivermos cansados podemos beber da Palavra que nos sacia a vida toda, e se já
estamos bebendo podemos tomar muito mais até transbordar a tantos corações sedentos de

9
Para uma lista mais completa do panteão do mundo bíblico ver “Enciclopédia, de Bíblia Teologia e
Filosofia” do R. N. Champlin.
vida ao nosso redor. Por isso, o relacionamento de Deus com o seu povo no livro de Êxodo é
paradigmático para desenvolvermos nossa espiritualidade.

Precisamos ter em mente que Deus se relaciona com seu povo na história. A palavra-chave é
“relacionamento.” Ele se deixa conhecer em meio ao sofrimento do seu povo desde a
libertação do Egito até a peregrinação a Terra Prometida. Não importa onde eles estavam indo
como nômades Ele estava lá entre eles! Seja, na nuvem durante o dia, na coluna de fogo à
noite, no Tabernáculo, esse Deus se relacionava com seu povo.

O livro de Êxodo pode ser dividido em duas partes:

Caps. 1-14 – Libertação do Egito;

Caps. 15-40 – Leis e a construção do Tabernáculo.

Nos cap. 1-14 encontramos o primeiro paradigma: Um Deus libertador. A ação de um Deus
que se importa com o sofrimento do seu povo e intervém concretamente (historicamente) na
libertação do jugo opressor de Faraó. Esse paradigma é rememorado hoje, pois Deus também
está interessado em libertarmos de todo tipo de opressão social, política, econômica ou
espiritual.

O segundo paradigma é a espiritualidade contemplativa do Monte Sinal. A teofania da


santidade de Deus. O Senhor ordena a Moisés demarcar um limite geográfico seguro em torno
do Monte Sinai. A santidade de Deus não tolera o pecado! Diz no vs. 12,16 – “Guardai-vos de
subir ao monte, nem toqueis o seu limite; todo aquele que tocar o monte será morto. V.16 “Ao
amanhecer do terceiro dia, houve trovões, e relâmpagos, e uma espessa nuvem sobre o
monte, e mui forte clangor de trombeta, de maneira que todo o povo que estava no arraial se
estremeceu.” A manifestação do poder de Deus gera a consciência da nossa pequenez. Diante
de tão grande poder e glória somos reduzidos a nada, temos a sensação de sermos meras
criaturas, ou para utilizarmos a linguagem fenomenológica de Rudoff Otto: “sentimento de ser
criatura diante da Majestas e o Tremendum divino.”10 Todavia, toda essa atividade divina está
em benefício aos israelitas e a nós, por isso chegamos a seguinte conclusão:

1. Deus se relaciona e está presente na história do seu povo;

2. Ele luta em favor dos mais fracos e os livra da opressão, seja qual for, conforme diz
êx.2:23-25 – “Decorridos muitos dias, morreu o rei do Egito; os filhos de Israel gemiam
sob a servidão e por causa dela clamaram, e o seu clamor subiu até a Deus. V.24
Ouvindo Deus o seu gemido, lembrou-se da sua aliança com Abrãao, com Isaque e com
Jacó. V.25 E viu Deus os filhos de Israel e atendou para a sua condição.”

Terceiro paradigma. Espiritualidade de esperança. Após a libertação do Egito Deus leva seu
povo para uma nova terra onde maná leite e mel: Canaã. Esse lugar é o descanso tão almejado
do cansaço acumulado da escravidão do Egito e da peregrinação no deserto que durou 40
anos!

Quarto paradigma. É um Deus que elege os seus. Uma vez eleito Deus não abandona seu povo.
Ele os enlaçou com amor eterno e mesmo diante dos seus pecados, como infidelidade e

10
OTTO, Rudolfo. O Sagrado. Ed. Est. P?
idolatria com outros deuses, Ele manteve sua fidelidade até que suas promessas fossem
cumpridas. Moisés não entrou na terra de Canaã, mas com certeza encontrou descanso na
Canaã celestial. Todos esses paradigmas serão rememorados e atualizados na história bíblica.

A experiência em Ex.3 de Moisés na sarça ardente é um marco histórico e linear que liga a
espiritualidade dos patriarcas ao longo do restante da Bíblia, como foi descrito nos termos que
segue, pelo teólogo bíblico do Antigo Testamento, Gerhard Von Rad:

A unidade narrativa quer comunicar a novidade da revelação de Javé, a proclamação de seu


nome divino e, por outro, mostrar como esta nova revelação se prende estreitamente à
história dos pais. Ex. 3 esforça-se visivelmente para mostrar a continuidade: o acontecimento
da revelação do nome de Javé era certamente de uma importância indiscutível para Israel, mas
não era princípio da revelação de seu Deus. Javé é o mesmo Deus dos pais 11

Na cultura bíblica o nome revelava o caráter e a essência da pessoa. Nesse caso Deus se revela
a Moisés como o Grande Eu Sou! O libertador poderoso que caminhará constantemente com
seu povo no Egito e no deserto. Até aqui temos visto que a espiritualidade do livro de Êxodo é
paradigmática para o povo de Deus.

Espiritualidade Profética

Vamos aprofundar o conceito de paradigma olhando para a práxis da espiritualidade dos


profetas do Antigo Testamento. O profeta era aquele que tinha tamanha intimidade com Deus
que era capaz de ouvir a voz Dele e trazer uma mensagem de denúncia contra o pecado e
solução para o mesmo.

Nos dias de hoje todas as vezes que a Palavra de Deus é lida e pregada denunciando algum
tipo de prática pecaminosa, injusta e opressão estamos sendo profetas do Senhor.

Os atos de Deus no passado era a referência ética que capacitava o profeta a discernir o certo
do errado. Moisés era porta voz de Deus, e os profetas subsequentes reproduziam
criativamente o modo de ser de Moisés, mas o modelo primário permanecia: intimidade com
Deus e convicção ao anunciar a mensagem divina. Interessante que alguns estudiosos sugerem
que a palavra profeta em hebraico é “Nabi”, literalmente “alguém que ferver pela mensagem
divina.” O biblista Aldir Crocoli, oferece uma síntese preciosa da espiritualidade profética:

“Os profetas não criam uma espiritualidade nova, eles bebem da grande experiência
paradigmática de todo o povo bíblico e a atualizam. Denunciam tudo quanto contradiz a
mística que conferiu identidade e se concretizou na aliança de Deus com seu povo.

Cada profeta segundo seu contexto retoma a experiência bíblica fundante e confronta-a com a
realidade em que a nação está imersa. Cada profeta olha para a realidade que vive, compara-a
com a experiência “canônica” e depois fala em nome de Deus.12

11
RAD, Gerhard von. Teologia do antigo testamento. Vol.1 Ed.Aste. p. 186
12
http://www.estef.edu.br/arno/wp-content/uploads/2011/06/Espiritualidade-b%C3%ADblica-
Crocoli.pdf
Em suma os profetas:

1. Têm uma intimidade profunda com Deus;

2. Estão altamente comprometidos com o seu povo, por isso denunciam tudo aquilo que
pode contaminá-los.

Salmos. A grosso modo, o objetivo dos Salmos é lembrar os feitos do Deus vivo e libertador,
visando fortalecer a fé dos seus contemporâneos, estreitar a intimidade com o Deus dos
patriarcas, conscientizar que o Deus que fez uma aliança com eles os manterão firmes na
jornada dessa vida. É uma espiritualidade que brota do mais íntimo do ser, seja da dor ou da
alegria da vitória.

Jó. Considerado a Teologia subversiva porque não se encontra nos seus relatos o referencial
paradigmático.

Provérbios. Sabedoria prática relacionada especificamente com o próximo, embora alicerçada


em Deus.

Cânticos dos cânticos. Espiritualidade alegórica entre o amor poderoso de Deus por seu povo,
ou por sua igreja, a noiva.

Eclesiastes. Livro pessimista em relação à vida. O paradigma espiritual de pano de fundo é o


deserto relatado no êxodo, ali onde a vida não parecia ter sentido, apesar de um Deus sempre
presente.

Em suas leituras sobre livros de “espiritualidade” e com o advento do esoterismo irão


encontrar termos com significados amplos e difusos, tais como: “místicos”, “misticismo”, ou
seu equivalente “teologia espiritual”.

Portanto é necessário conceituá-los:

 Místico – Alguém que tem experiência pessoal com Deus sem intermediários.
Normalmente tem visões, revelações, e êxtase espetaculares;

 Misticismo – Experiências de caráter irracional, ou seja, o sagrado se manifesta em


sentimentos luminosos, na consciência do indivíduo e não pode ser capturado pela
razão, portanto não consegue racionalizar em proposições lógicas, como o faz a ciência
teológica;

 Teologia espiritual – Utiliza-se da razão para sistematizar suas experiências com Deus;

 Espiritualidade – Relacionamento com Deus por meio dos exercícios espirituais


(contemplativa), comprometimento com o próximo e a transformação do mundo
(comprometida).

Não há problema algum em utilizar os termos acima desde que definidos previamente.

Agora que você pôde compreender um pouco da espiritualidade no Antigo testamento.


Assista ao vídeo indicado a seguir. Com certeza as informações nele contidas vão enriquecer
o seu conhecimento. https://www.youtube.com/watch?v=4Mio6zn-tks
Considerações finais

Podemos concluir que o Deus que é apresentado no Antigo Testamento é visto como Aquele
que livrou Israel da escravidão e da idolatria no Egito e libertou o povo e o conduziu para um
lugar de destaque.

Em nosso próximo encontro, conversaremos sobre a espiritualidade de Jesus e veremos um


breve histórico da espiritualidade cristã.

Até mais e bons estudos, Pessoal!


Aula 02 - A Espiritualidade de Jesus

Introdução
Olá, alunos e alunas!
Nesta aula, vamos tratar acerca da espiritualidade de Jesus. Faremos também um
resgate histórico da espiritualidade cristã pontuando os principais momentos do seu
desenvolvimento.

Objetivos
Esta aula foi elaborada de forma que você possa

 Conhecer e entender acerca da espiritualidade de Jesus.

 Falar sobre aspectos históricos da espiritualidade cristã.

A espiritualidade de Jesus é subversiva!


A espiritualidade de Jesus é subversiva.13 Ele “virou o mundo - tanto judeu como
gentio - de pernas para o ar.”14 O que isso significa? Ele era um revolucionário político
e social? Com certeza a mensagem que Ele pregava subvertia o status de uma
sociedade altamente religiosa (judaica) e do Império romano (pagão) opressor, no
entanto seu objetivo não era de ordem política e social, mas uma revolução interna do
coração, uma revolução espiritual. É a mente e o coração que ele transformou, e
consequentemente todo a realidade imediata - histórica e social- seria nova.
Nesta aula veremos algumas características da espiritualidade do Mestre.

1. Palavra viva que transforma vidas.


Caros acadêmicos de teologia....
Pensem em uma sociedade, seja a da época de Jesus ou a nossa, e como ela tem vivido
a existência. Enquanto indivíduos de uma sociedade, tanto lá como aqui somos
constantemente instigados ao lucro em detrimento das pessoas. Aquilo que é
chamado a coisificação do ser. Elas se tornam objeto de lucro e consumo. A riqueza a
qualquer custo é cobiçada e é o ideal de vida da sociedade contemporânea de Jesus e
a nossa. Diante da valorização do deus mamom, em que os que tinham eram

13
PETERSON, Eugene h. Espiritualidade subversiva. Ed. Mundo cristão.
14
NOLAN, Albert. Jesus hoje. Ed. Paulinas. p. 86
considerados, e os que nada tinham, desprezados, Jesus ensina que “Bem- aventurado
vós, os pobres, porque vosso é o reino de Deus” (Lc.6:20).
Bom, agora faça um breve exercício: imagine Jesus nos dias de hoje passeando pelas
ruas das grandes cidades ou passeando pelos “shoppings”. Qual a imagem que teria da
nossa sociedade? Provavelmente ele diria: “Eles são escravos do luxo, da vaidade, e do
dinheiro. Eles não são felizes. Os pobres é que são felizes”, conforme Lc.6:24 “Ai de
vós, os ricos”. Jesus estava relativizando o status da época e redefinindo o conceito de
felicidade. Segundo Jesus, precisamos ter compaixão e misericórdia dos ricos e não dos
pobres, são eles que sofrem com suas riquezas e não o pobre com sua pobreza.
Como isso pode acontecer? “Eles (os ricos) terão muita dificuldade em viver no mundo
do futuro (o Reino de Deus), onde tudo será partilhado.”15
O sermão do monte é a base para a revolução do mundo! Citamos apenas um exemplo
do impacto dessas palavras de Jesus, caso a vivamos constantemente. Poderíamos
mencionar: dar a outra face quando o mundo exige retribuir o mal. Exercer
misericórdia quando a sociedade prefere o ódio contra os que praticaram o mal,
enfim.

Leia com atenção os capítulos 5, 6 e 7 do evangelho de Mateus.


Leu? Agora responda: Qual o impacto dessas palavras em sua vida?
(Há um fórum para isso, ok)

2. Todos são iguais


A questão dos excluídos e marginalizados na cultura judaica é legitimada pela religião
instituída. Nesse grupo estão leprosos, pobres, pecadores (impuros) e a mulher.
Usaremos como exemplo a figura da mulher e o modo como Jesus a valorizou e a
reintegrou à sociedade, dignificando-a. Abaixo temos uma lista de como a mulher era
vista na sociedade judaica:

 Geralmente sem nome, pertencente ao pai;

 Propriedade do marido. Ele é senhor sobre a vida dela;

 Não era contada no censo;

 Se não pudesse ter filhos por problema de saúde era substituída pela escrava;

 Seu objetivo era procriar;

15
Ibid., p.87
 Era obrigada a tolerar a poligamia. 16
As mulheres às quais Jesus deu atenção:

 A filha de Jairo (Mc. 5:35-43);

 A mulher hemorrágica (Mc. 5:24b-34);

 A mulher sírio - fenício (Mc.7:24-30);

 A mulher encurvada (Lc. 13:10-17);

 A viúva de Naim (Lc.7:11-17);

 A mulher pecadora (Lc.7:36-50)


Jesus, resgatou a dignidade delas!

3. A lei do amor
Jesus reinterpretou a lei a partir do amor!
A religiosidade judaica dos fariseus e saduceus era “estéril”, mecânica e teatral. Jesus
confrontou esse tipo de espiritualidade vazia em seus diálogos travados com os
“mestres da Lei.” Eles estavam interessados no aspecto ritual da lei e nos
desdobramentos das várias correntes de interpretação acerca da mesma que imposta
sobre o povo leigo os sobrecarregavam com o “jugo dos rabinos” (Código de
Santidade). Jugo é interpretação, por isso o “jugo” de Jesus é leve, porque não é
baseado em tradições humanas, mas em vida de intimidade com Deus. As palavras de
Jesus são “espírito e vida”, ou seja, transforma o ser, e não mera alteração
comportamental.
A espiritualidade de Jesus diz: “o sábado foi feito para o ser humano, não o ser
humano para o sábado” (Mc.2:27). As leis existem para nos direcionar e não para nos
escravizar. Na cultura judaica havia separação entre o sagrado e o profano, puro e
impuro. Em Jesus essa distinção dicotômica não existe. Enquanto a religiosidade
judaica excluía os leprosos e prostitutas, considerados ritualmente impuros, ele os
incluía no seu reino. “Não é aquilo que entra pela boca que torna o ser humano
impuro. O que sai da boca é que torna o ser humano impuro.” (Mt.15:11).
A religião coloca as leis e rituais acima das pessoas, Jesus coloca as pessoas acima da
leis e dos rituais. O primeiro gera modificação comportamental, o segundo é
consciência transformada.

16
http://www.abiblia.org/ver.php?id=1623&id_autor=66&id_utente=&caso=artigos (Sugiro que leiam
esse artigo por inteiro)
A espiritualidade do Reino de Deus
A compreensão corrente na época de Jesus é que o Messias seria de ordem política e
poderoso o suficiente para destronar qualquer poder de dominação contra o povo
judeu, Roma por ex. Na prática, o messias seria político e ascenderia ao trono com
poder e os judeus regidos por ele, seriam os novos dominadores do mundo!
Ao contrário da expectativa messiânica - politica, Jesus não fez nada disso. Em vez de
impor seu poder em dominação optou por se entregar e revelar o Deus de amor,
inaugurando poderosamente o conceito relacional de Deus como Abba - “paizinho
querido”. Deus na tradição judaica era o Deus Santo que castigava todos aqueles que
não vivessem sob a lei.
Em Jesus é revelado a interpretação correta, que libertou do “jugo” (interpretação),
muitas pessoas que puderem relacionar-se com Deus como Pai amoroso. O Reino de
Deus não era um poder de dominação de massa, mas uma família baseada no amor.
Essa expectativa sobre Jesus ser o messias político esperado confirma-se a partir do
seu poder milagroso. Na tradição judaica três sinais eram imprescindíveis para
confirmar a identidade messiânica. Jesus, realizou os três, os quais são:
a) A cura de um leproso;
b) A expulsão de um demônio mudo;
c) A cura do cego de nascença.
Por isso, por vezes Ele ordena que diante dos seus milagres os beneficiários ficassem
quietos e nada contassem. Ele queria desbaratar a ideia equivocada de que era o
messias político esperado, ou um mero curandeiro que atraia multidões. No tempo
oportuno Ele se revelaria como o Messias que salvaria o povo dos seus pecados, não
os libertando da opressão política, mas da opressão do pecado, morrendo na cruz, e
que a partir disso poderiam, por meio do avanço do Reino de Deus que já está aqui e
“ainda não”, na transformação de todos os tipos de opressões.

Atividade profética
Os profetas no Antigo Testamento eram homens levantados por Deus para denunciar
o pecado, chamar ao arrependimento e trazer uma solução para o povo. Jesus
denunciou o sistema religioso opressor do seu povo conclamando-os ao
arrependimento e ofereceu a si mesmo como solução: “Eu dou a minha vida…” (Jo
10:17).
Qual a consequência desse agir profético de Jesus? Conflito!
“Bem-aventurados sois quando os homens vos odiarem e quando vos expulsarem da
sua companhia, vos injuriarem e rejeitarem o vosso nome como indigno, por causa do
Filho do Homem. Regozijai-vos naquele dia e exultai; porque grande é o vosso
galardão no céu; pois dessa forma procederam seus pais com os profetas.” (Lc.6:22,33)
Jesus, enquanto profeta, não estava vinculado à instituição religiosa judaica nem era
oficialmente seu representante. O profeta era audacioso em sua mensagem, tal como
Jesus, porque foram especificamente chamados para esse fim. Não é algo que se
aprende em uma “escola de profeta”, mas está relacionado com sua experiência
profunda com Deus a partir de um dialogo entre Eles. Deus fala! O profeta reproduz, e
as vezes interpreta: “Assim diz o Senhor!” (Jesus era ousado. Ele diz: “Eu, porém vos
digo”) Mesmo diante das maiores adversidades e perseguições o profeta não se cala.
Ele continua a proclamar libertação aos cativos e uma nova vida em Deus. O profeta lia
os sinais dos tempos ou estava antenado nos fatos mundiais. Sobre isto “ler os sinais
do tempo” ver a aula nº01.

Vida de oração
Conforme Henri Nouwen: “A oração só tem significado se é necessária e indispensável.
A oração só é oração se podemos dizer que sem ela não poderíamos viver.”17
Abaixo segue o roteiro da vida de oração de Jesus:

 Orou no batismo (Lc.3:21)

 Orou na tentação no deserto (Lc.14:1-13)

 Em decisões importantes orava, como antes de escolher seus discípulos


(Lc.6:12)

 Orava sozinho (Lc.5:15,16)

 Orava em todo o tempo (Lc.9:28)

 Intercedeu pela vida de Pedro (Lc.22:32)

 Em momentos difíceis orava, como antes de enfrentar a cruz no Getsêmani


(Lc.22:49)

 Intercedeu por cada um de nós “aqueles que haveriam de crer” (Jo.17:9,20)

 Intercedeu por perdão dos nossos pecados (Lc. 23:3)

 Intercedeu por cura (Mc.5:22-43)

 Intercedeu pelas crianças (Mc.10:13)

 Contou parábolas sobre a importância da oração:

17
NOUWEN, Henri. oração. ed. ? p.? Livro pequeno, mas vale cada página. Na aula ? abordaremos um
tópico especifico sobre “oração.”
 Amigo importuno (Lc.11:5-10)

 A viúva insistente (Lc. 18:1-8)

 A diferença entre a oração do fariseu e do Publicano (Lc.18:9-14)


O relacionamento que Jesus tinha com o Pai era de “união mística”, ou seja, ele e o Pai
eram/são um! Como já mencionado, Jesus experimentou Deus como Abba, o pai todo
cheio de amor. Jesus como homem sentiu a relatividade e transitoriedade da vida e o
fundamento do seu ser estava baseado no Amor de Deus. No seu batismo, como
homem precisava ouvir que Deus o amava: “Esse é o meu filho amado em quem me
comprazo”.
A necessidade humana de ouvir que somos amados fundamenta existencialmente o
nosso ser como o de Jesus! O Pai, nosso Abba, quer estreitar os laços de intimidade
conosco. “Intimidade” é o termo que expressa a profunda realidade espiritual entre
Jesus e Deus: Pai querido. Esse Pai foi bem ilustrado na parábola do “Filho pródigo.”
Nela vemos amor irrestrito, um Deus que acolhe em seus braços e perdão
incondicional. Somente aqueles que experimentaram o amor do Abba podem manter-
se firmes diante de qualquer circunstância e caminhar ousadamente nessa vida, como
disse Branning Manning: “Deus o ama do jeito que você é não do jeito que deveria ser,
porque você nunca será como deveria ser.”18 Fomos “Aceitos na Aceitação do
Amado.”19

Espiritualidade cristã: aspectos históricos


Tudo tranquilo até agora, Pessoal?
Bom, passemos, então, a um resgate histórico da espiritualidade cristã, pontuando os
principais momentos do seu desenvolvimento. Esperamos poder situar você
cronologicamente na história (pensemos na literatura bíblica).

Breve História da Espiritualidade Cristã


Espiritualidade Judaica
O Deus vivo do Antigo Testamento exigia um modo de ser santo porque Ele é Santo
(Lv.11:44,45). Relacionar-se com Ele, mediante Sua autorrevelação transformava a vida
interior. No Antigo Testamento, os lugares por meio dos quais Deus se revelava
tornavam–se sacralizados, como, por exemplo, na teofania, no Vale de Jaboque - lugar
em que Jacó (enganador) lutou com Deus e foi transformado em “Israel” (príncipe de
Deus).

18
Encontrar a fonte
19
Encontrar fonte
Todavia, a espiritualidade desenvolvida paralelamente pelos rabinos que iniciaram o
processo de racionalização transformou a experiência com o Deus Vivo em mudança
comportamental, ou seja, a tradição tornou-se maior que a revelação, a mudança de
exterior maior que a transformação interior. Quando essa acontece, a outra tem
sentido, e nunca o inverso! Nós não mudamos para sermos transformados, mas por
sermos transformados, nós mudamos.
Para compreender um pouco sobre a cultura judaica, ouça Ed René Kivitz falando a
respeito dos conceitos fundamentais da espiritualidade cristã, tendo como referência a
relação de Jesus de Nazaré com os seus talmidim. Clique em:
https://www.youtube.com/watch?v=4USgdgNto24

Espiritualidade no Novo Testamento


Já tratamos (ainda que brevemente) da espiritualidade de Jesus. Focaremos agora na
espiritualidade da Igreja Primitiva. O texto que norteará esse tópico é Atos 2:42-48.
Nesse texto podemos observar algumas peculiaridades da vida espiritual, tais como:
 A Palavra de Deus como norma de conduta para a vida; (v.42)
 Orações constantes. (v.42)
 Comunhão uns com os outros e solidariedade mutua já que partiam o
pão (vida comunitária);
 Reverência profunda por Deus e a naturalidade do sobrenatural em seu
cotidiano. “Sinais e prodígios” ocorriam normalmente como
desdobramento da vida relacional com Deus e entre eles, como “todos
os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum” (v.44).
 Abnegação e justiça social. “vendiam as suas propriedades” (v.45)
 Salvação de vidas. (v.47) “A Igreja primitiva, então vivia essa
espiritualidade íntima, comunitária, carismática, porém social.”20
 Cristocêntrica, conforme analisou Bruno S. Goffi: “faríamos uma ideia
muito incompleta da espiritualidade desse período se não
percebêssemos aí a posição absolutamente preponderante da pessoa
de Cristo. Jesus é continuamente apresentado aos fiéis, como modelo
do cristão e ideal de santidade. Jesus para os cristãos não era um ideal
abstrato.”21
 Escatológica. Os primeiros cristãos viviam na expectativa do retorno
iminente da volta de Cristo.

20
FABIO, Caio. Um projeto de espiritualidade integral. Ed. Sião. p.20. Ver. SHEDD, Russell. Avivamento e
renovação. Ed. Shedd. Pgs. 23-56.
21
Problemas e perspectivas da espiritualidade. p.70
Espiritualidade dos Pais da Igreja
Esse período da história da Igreja ficou conhecido como “patrística”. (sec II ao VI). Os
teólogos precisavam expor o Evangelho em linguagem inteligível. A sociedade da
época, então absorveu nos sistemas teológicos, as filosofias gregas. Eles tentaram
cristianizar tais sistemas filosóficos aproveitando aquilo que era compatível com o
Cristianismo, e combatendo as discrepâncias, os quais são:

 Gnosticismo - Segunda essa crença o Deus do Antigo Testamento era um deus


mal e imperfeito, chamado Demiurgo. Ele não tinha poder de salvar ninguém já
que era inferior ao Deus de Jesus no Novo Testamento que era todo bondade.
Esse Deus bom, de Jesus (O Pai bondoso), era perfeito, e sendo perfeito não
poderia criar nada imperfeito, como o Demiurgo fez com a criação do mundo e
da humanidade no Antigo Testamento, por isso, o Deus bom de Jesus enviou
seu filho para salvar a humanidade, mas Ele não veio em carne presentificada,
mas numa espécie de “encarnação” virtual, ou seja, parecia carne, mas não era.

 Platonismo – As ideias são representações mentais não impressas pelos


sentidos. Para os platônicos as ideias estão vinculadas a alma antes de
encanarem, ou seja, no Mundo das ideias, numa realidade espiritual. Essa
doutrina é conhecida como “anamnese”, ou reminiscência. A alma recorda em
si mesmo aquilo que já havia conhecido antes;

 Aristotelismo. - É inerente ao ser humano conhecer as coisas, pois isso gera


uma satisfação intelectual, um prazer mental. O aristotelismo é focado nessa
vida e altamente racionalizado; A única maneira de conhecer a verdade é por
meio do intelecto.

Relembre alguns pais da Igreja:


Pais Apostólicos
Teoricamente tiveram algum tipo de contato com os apóstolos. (Séc. I-II)

 Clemente de Roma - Escreveu uma epístola a igreja de Corinto.

 Inácio de Antioquia - Escreveu epístolas a igreja de Éfeso, Magnésia, Trales,


Filadélfia, Esmirna e Roma.

 Policarpo - Escreveu uma carta aos Filipenses e foi discípulo do apóstolo João.

 Apologistas. Usaram seu intelecto para defender o cristianismo contras as


insurgentes heresias do período.

 Tertuliano - Defendeu ortodoxamente a doutrina da Trindade e a cristologia


contra a ideia equivocada da “doutrina da unidade de Deus.”
 Justino - o mártir - Considerado o primeiro defensor do cristianismo frente a
filosofia pagã da sua época.

 Polemistas. Utilizaram suas forças na refutação das heresias contra o


cristianismo.

 Irineu - Ele conectou a teologia grega e a latina com a ajuda de outro teólogo,
Tertuliano. Especificamente se dedicou a combater o gnosticismo

 Cipriano - Bispo africano. Tratou basicamente de assuntos pastorais em seus


escritos, como rebatismo e reordenação.

 Orígenes - Considerado o mais erudito apologeta do seu período. Dominava a


filosofia grega sendo capaz de refutar seus argumentos com maestria. A escola
de Alexandria está ligada a seu nome tal a influência exercida entre seus
membro.

 Jerônimo - Traduziu a Bíblia para o latim conhecida como Vulgata.

 Crisóstomo - Cristianizou a filosofia grega resignificando alguns termos


teologicamente, como “caridade”.

 Agostinho - Erudito nato combateu o maniqueísmo, donatismo e o


pelagianismo com afinco.

 Eusébio de Cesaréia - Autor da primeira obra de história do cristianismo. Seu


livro “História eclesiastica”.

Espiritualidade Medieval.
É caracterizado por uma espiritualidade mágico-religiosa. Objetos carregam em si o
sagrado e são vendidos justamente pelo poder que neles residem para um fim
proveitoso baseado em sacrifícios. A relação do homem medieval com Deus é a partir
de penitências e autoflagelação como meio de conquistar o favor divino ou evitar o
castigo por parte Dele.

Monasticismo.
No sec. IV os monásticos compreendiam que uma vida cristã autentica estava baseada
na santidade e essa por sua vez consistia em: fugir do mundo, celibato, vida intensa de
oração, jejum e contemplação. Essa vida ascética objetivava encontrar a união mística
com Deus, ou seja, a alma torna-se um com Ele, seria uma espécie de perfeição
interior. Posteriormente, começaram a viver em comunidade para fortalecimento
mutuo e um princípio regulador e organizacional começa ser estabelecido, agregam-se
então outras práticas ascéticas, tais como: obediência a regra do mosteiro, silêncio,
jejuns longos e privação de carne e vinho.
Catolicismo romano
Alister E. McGrath, pontou a espiritualidade católica nos seguintes termos:

 A Igreja católica é considerada instituição divina visível firmemente


fundamentada na realidade divina;

 Altamente litúrgica;

 Fortemente sacramental;

 Ênfase nos santos e na Virgem Maria como intercessores seja dos vivos ou dos
mortos;22

Católicos Ortodoxos. Em relação aos ortodoxos pontuou as seguintes considerações:

 Consideram se apostólicos, ou seja, vinculados diretamente aos apóstolos de


Jesus. Senso de ligação histórica.

 A causa “filioque” (o Espírito Santo procede do Pai e do Filho”). Para eles o


Espirito Santo procede do Pai;

 “Deificação”. Participação no ser de Deus. “Deus se tornou homem, para que os


seres humanos pudessem tornar-se Deus.”

 Imagens religiosas como ponte para vislumbrar Deus;

 Oração a Jesus. “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem misericórdia de mim.”

 Os mosteiros são um meio de salvaguadar a tradição teológica acumulado pelo


tempo.23

 Protestantes. Conhecidos como os que “protestaram” contra a Igreja Católica


Romana. Surgiu no século XVI. A espiritualidade protestante possui as seguintes
características:

 Ênfase na Bíblia como Palavra de Deus e única regra de fé e prática.

 Estudo sistemático e constante da Palavra de Deus; (individual e coletivo


(pequenos grupos));

 É apologética;

 É intelectual, ou seja, os teólogos da reforma expressam de maneira sistêmica a


fé cristã para eruditos e leigos; (Racionalista)

22
Op., cit. McGrath. p.37-42
23
Ibid., p.44
 Não separaram profano e sagrado, ou secular e sagrado;

 A cruz de Cristo é central na espiritualidade reformada;

 Ênfase na conversão individual;

 Importância na pratica de evangelização. 24

Espiritualidade reformada: Lutero e Calvino


Martin Lutero (1483-1507) precursor da Reforma Protestante fixou suas 95 teses na
porta da igreja de Wittenberg, em 31 de outubro de 1517. Suas ideias foram
combatidas pelos Católicos e aceitas por alguns príncipes que o protegeram. Foi
excomungado já que era sacerdote católico. Traduziu a Bíblia para o vernáculo.
Permaneceu firme e resoluto em suas convicções teológicas até sua morte.
João Calvino (1509 - 1564) reformador francês. Seu intelecto sistematizou a fé
reformada em sua clássica obra “As Institutas da religião cristã”. Sua teologia foi
considerada tão profunda que um sistema teológico foi desenvolvido em torno:
calvinismo. Sua ênfase recai na salvação mediante a fé, predestinação, a corrupção da
natureza humana, e simplicidade litúrgica.

A espiritualidade protestante é marcada por:

 Centralidade na Palavra e com o auxílio do Espírito Santo, que ilumina a mente,


para compreender como viver a vida cristã;

 Oração, meditação e contemplação como busca individual para santidade


pessoal e serviço a igreja e a sociedade;

 Os exercícios espirituais objetiva conhecer a Deus, ter maior comunhão com


Ele, adorá-lo pelo que é, e não somente pelo que faz, e vivendo para sua glória!

Vídeo
Os pilares da reforma protestante - Rev. Hernandes Dias Lopes. Trata-se de uma
mensagem do Programa Verdade e Vida Acesse:
https://www.youtube.com/watch?v=zf8Lv2GF-Fk

24
Ibid., p. 44,45 e Op. cit., p. 22,23
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Chegamos ao final da aula de hoje, queridos alunos!
Vimos de maneira muito breve sobre a espiritualidade controversa e provocadora de
Jesus e também sobre a história da espiritualidade cristã.
Em nosso próximo encontro falaremos sobre a história dos avivamentos.
Até a próxima aula!
Esperamos que este guia o tenha ajudado compreender a organização e o
funcionamento de seu curso. Outras questões importantes relacionadas ao curso
serão disponibilizadas pela coordenação.
Grande abraço e sucesso!

Esperamos que este guia o tenha ajudado compreender a organização e o


funcionamento de seu curso. Outras questões importantes relacionadas
ao curso serão disponibilizadas pela coordenação.
Grande abraço e sucesso!

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