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FACULDADE DE SÃO BENTO DO RIO DE JANEIRO

Roberto Varela de Almeida

RESENHA DO PRIMEIRO CAPÍTULO

DE “O HOMEM NO UNIVERSO”

DE FRITHJOF SCHUON

RIO DE JANEIRO
2016

FACULDADE DE SÃO BENTO DO RIO DE JANEIRO

RESENHA DO PRIMEIRO CAPÍTULO

DE “O HOMEM NO UNIVERSO”

DE FRITHJOF SCHUON

Roberto Varela de Almeida

Resenha apresentada ao Programa de


Pós-graduação Lato Sensu da
Faculdade de São Bento do Rio de
Janeiro (FSB/RJ) para a obtenção do
Certificado de Especialização em
Ciências da Religião.

Orientador: Prof. Doutor Lucio Valera


Disciplina: História das Religiões
RIO DE JANEIRO

2016

Resenha:

SCHUON, Frithjof. “Visões dos Mundos Antigos”. In: O Homem no Universo. São
Paulo: Perspectiva, 2001. p. 11-79.

O livro “O Homem no Universo”, de Frithjof Schuon, possibilita a incrível


oportunidade a todos aqueles que buscam entender a história da humanidade pelo
prisma dos princípios metafísicos e cosmológicos da Philosophia Perennis. A
Philosophia Perennis é uma escola filosófica que, apesar de nascer no Renascimento
através do termo cunhado pelo sacerdote católico Agostinho Steuco, nos evoca a
essência de uma sabedoria universal. Essa disciplina busca, através dos patrimônios
espirituais da humanidade, a unidade transcendente das diversas religiões de diferentes
civilizações. Nesse sentido, o presente artigo se faz necessário pelo apelo de se criar
uma atmosfera para o entendimento do capítulo Visões dos Mundos Antigos que
equivale ao primeiro do livro referido.
O capítulo Visões dos Mundos Antigos vai trabalhar duas ideias que dominam a
existência dos povos antigos, as de Centro e de Origem. Tais princípios buscam
distinguir as civilizações tradicionais - focadas na ideia do Sagrado -, do mundo
moderno secularista. Em breves pinceladas o escritor nos apresenta as noções de
cosmologia e escatologia dos mundos tradicionais, dando a importância devida a dois
aspectos: o mundo espacial no qual se denota um Centro que é, necessariamente,
sagrado e, do mesmo modo, uma Origem, a qual é um momento – de certo modo,
intemporal – em que o Céu estava tão próximo, que as coisas terrestres eram meio que,
também, celestes. Nesse ínterim, ser conforme a tradição significa permanecer fiel à
Origem e, ao mesmo tempo, situar-se no Centro, ou seja, o entendimento da história das
civilizações tem como base, a compreensão dessas duas ideias.
Outro tema importante desenvolvido é a relação do homem com os rigores da
existência, fato completamente analisado pelas tradições e negado pela modernidade.
Para Schuon, a existência humana se resolve em uma equação que visa relacionar os
aspectos da Realidade e o desejo interior da atualização das potências. As religiões,
nesse sentido, possibilitam a Unidade, e os encontros e as situações formam a
Multiplicidade. O interior do homem já comporta todas as “vozes” dos antepassados
que buscam, através de uma relação dialética com as circunstâncias que se apresentam,
a realização na re-ligação com o Divino. Essa re-ligação é a religião que permeia todas
as tradições que visam facilitar a realização dos seres humanos. Nesse sentido, todas as
religiões tradicionais apresentam três características básicas: 1) defendem a
possibilidade da vivência de uma transformação efetuada por um plano celeste; 2) são
sempre universais, pois se afirmam como estruturas de toda e qualquer sociedade que já
existiu; 3) são necessárias, ou seja, afirmam que o homem só terá uma vida completa se
buscar seguir uma vida santa.
Já a "mundaneidade", característica base do mundo moderno, sempre foi uma
anomalia nas sociedades tradicionais, pois todo homem seguindo sua vocação pode se
superar na busca da contemplação do Absoluto, vivendo em uma antecâmara do Céu. A
modernidade, assim, apresenta um homem desfigurado e fragmentado que cultua a
multiplicidade material do mundo em detrimento da realização plena no contato com o
divino. Mas quais seriam as inclinações naturais do homem que nos mostram que a
soberba e o culto ao mundano são erros presentes na modernidade? A resposta para essa
indagação é estruturada em três conceitos: 1) o homem possui um intelecto que busca a
ideia da existência do Absoluto – o homem intui que uma coisa sempre depende de
outra em uma cadeia quase interminável, o que o leva à crença de um ser Absoluto que
cede origem a todas as coisas, mas que, por sua vez, não depende das coisas para existir
-; 2) o homem, naturalmente, busca a justiça em seus atos e, nesse sentido, se realiza
pelos Mandamentos tão caros às religiões; 3) o homem é acometido pela sensação da
morte e pela certeza da finitude física, o que o leva à lembrança da imortalidade da sua
alma proporcionada pela ação dos ritos religiosos. O autor defende a tese de que uma
sociedade não representa nenhum valor por si mesmo, daí a importância das virtudes
espirituais e normas religiosas como suportes para que todo mundo possa se aperfeiçoar,
já que nenhum mundo é perfeito.
Ainda nessa comparação entre as tradições religiosas e as civilizações modernas,
Schuon dá destaque à arte. Para Schuon, a Arte Sacra tem como objetivo manifestar o
que a tradição religiosa leva em si mesma e corre o risco de perder. A manifestação
artística do patrimônio espiritual não possui a função de falsificar as intenções
primordiais, mas ao contrário, consiste em torná-las evidentes por meio de um
simbolismo extremamente rico. A arte não deve ter, então, a pretensão de pertencer a
um tempo, mas de exprimir o imutável e o intemporal. Um exemplo é muito bem
retratado por Schuon:
“A arquitetura dita de ‘vanguarda’ de nossa época tem a pretensão de
ser funcional, mas ela só o é em parte e de uma maneira
completamente exterior e superficial, pois ela ignora outras funções
que não as materiais ou práticas; ela exclui dois elementos essenciais
da arte humana, a saber, o simbolismo, o qual é rigoroso como a
verdade, e a alegria simultaneamente contemplativa e criativa, a qual é
gratuita como a graça. Um ‘funcionalismo’ puramente utilitarista é
perfeitamente inumano em suas premissas e em seus resultados, pois o
homem não é uma criatura exclusivamente ávida e astuta, (...); isto é
tão verdadeiro que o próprio funcionalismo sente a necessidade de
incorporar novas fantasias, as quais são justificadas bastante
paradoxalmente alegando sem vergonha que elas fazem parte do
‘estilo’”.
Em outro momento, Schuon se concentra nos costumes e normas que guiam as
sociedades tradicionais e modernas. Para Schuon, os hábitos devem estabelecer uma
vantagem concreta para a sociedade no sentido de que os indivíduos participantes
tenham um sentido para a própria vida. O abrandamento dos hábitos deve visar, apenas,
o respeito pela pessoa humana, porém sem deixar espaço para a ditadura do erro, para o
esmagamento da qualidade pela quantidade e para a perda dos valores culturais. Nesse
sentido, a modernidade, com a exaltação do homem em detrimento do divino, critica
erroneamente um aparente “fanatismo” de nossos ancestrais como somatório à
publicidade do novo homem ser “tolerante”. Os homens da modernidade, ao buscarem
mais “humanidade” - com todo esvaziamento imaginado de significado -, se esquecem
de que, somente, a religião pode auxiliar o verdadeiro aperfeiçoamento humano. Tal
aperfeiçoamento ocorre quando a religião cumpre com dois objetivos: 1) transmitir ao
homem uma imagem simbólica adequada à suas necessidades reais e a seus interesses
últimos, lhe oferecendo os meios para se superar e para realizar seu mais alto destino; 2)
realizar um equilíbrio da vida coletiva. Esses dois objetivos são resumidos com
perspicácia por Schuon: “se de uma parte é preciso proteger a sociedade contra o
indivíduo, de outra é preciso proteger o indivíduo contra a sociedade”.
Schuon ainda destaca o caráter objetivo da relação das grandes tradições com a
realidade em face do excessivo subjetivismo moderno. Para o filósofo, as civilizações
antigas aceitavam objetivamente os rigores da existência humana, nos quais o
sofrimento e o prazer se mantém em uma coletividade em todas as camadas da
sociedade. As misérias são sempre entendidas como ocasionadas pela violação de uma
norma celeste, visto que essa existe para frear as ilusões ávidas dos homens. Porém,
vale lembrar que as tradições partem do princípio de que a felicidade humana só pode
ser alcançada pelas atitudes livres e sábias, o que constitui a moral religiosa. Hoje,
quando se fala em moral, as pessoas logo a interpretam como conjunto de leis ou
mandamentos. Os mandamentos fazem parte da moral religiosa, mas não constituem sua
essência. A Moral, antes, estuda as causas internas das ações humanas, ou seja, as
referências externas são apenas facilitadoras, mas não são a causa da vontade. Agir
moralmente significa usar a inteligência para mediar as circunstâncias e os valores, ou
ainda, nas palavras de Jesus Cristo: “a letra mata, o espírito dá a vida”. Os homens
modernos que esvaziam o sentido da religião acabam criticando o conhecimento moral
dos antigos e acabam agindo condicionados por uma indiferença espiritual. A
civilização moderna idolatra o bem-estar tomado como fim em si mesmo, em outras
palavras, a civilização moderna dá o mundo, eleva o homem, mas tira Deus, o que
compromete a busca pela felicidade.
Schuon termina, magistralmente, esse primeiro capítulo trabalhando o conceito
de obediência. A obediência que é essencial nas organizações tradicionais já não é
compreendida pela modernidade. Os modernos, visando a aniquilação da obediência
que traria o equilíbrio, pretendem de maneira caluniosa interpretar a religião como se
estivesse sempre do lado dos ricos. Por exemplo, para o Cristianismo, a Lei Suprema,
que dita a obediência, é o amor perfeito de Deus, enquanto que a Segunda Lei, a do
amor ao próximo, é semelhante à primeira. Nesse sentido, a caridade – elemento
necessário para uma coesão social – só pode existir através do amor a Deus. Essa
relação transparece em todas as civilizações tradicionais. Por fim, as palavras de
Schuon, no encerramento do capítulo, nos dão o material necessário para uma
conclusão, também, necessária: mesmo que “nenhum mundo seja perfeito, todo ser
humano deve buscar a perfeição”. Tal perfeição só pode ser buscada por aqueles que
tiveram acesso ao conhecimento genuíno: aquele que objetiva a Verdade. No mundo
moderno, as pessoas acreditam muito em “esquemas mentais” em detrimento das
experiências reais, já que essas vão sendo substituídas por análogos culturais que, aos
poucos vão se tornando ideologias. Por mais contraditório que possa parecer, o
subjetivismo exacerbado da modernidade, faz com que as pessoas deixem de pensar por
si mesmas. A experiência genuína é substituída por sentenças verdadeiras, a linguagem
é empobrecida por símbolos desligados das experiências vitais e Deus passa a ser
limitado pelo materialismo científico. Eis a base das sociedades modernas: conjunto de
homens que já não sabem falar com a própria voz, que encenam papéis decadentes sob o
risco de eliminarem a própria vida, abdicando de si mesmos a própria noção de
sacrifício. .

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