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FILOSOFIA DA RELIGIÃO

José Jacinto de
Ribamar Mendes Filho
2 FILOSOFIA DA RELIGIÃO

FILOSOFIA DA RELIGIÃO

Me. José Jacinto de Ribamar Mendes Filho

BOA VISTA
2017
FILOSOFIA DA RELIGIÃO 3

FILOSOFIA DA RELIGIÃO
2. ª Edição, Fevereiro/2017
Faculdade de Ciências, Educação e Teologia do Norte do Brasil
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FILHO, José Jacinto Ribamar Mendes

FILOSOFIA DA RELIGIÃO - Boa Vista: Editora FACETEN, 2017.


31 P
1. INTRODUÇÃO A UMA FILOSOFIA DA
RELIGIÃO. 2. CRÍTICA À RELIGIÃO

Bibliotecária responsável:
Jacquicilea Soares de Souza
CRB/11-742 CDU - 301
FILOSOFIA DA RELIGIÃO 4

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................. 5
1 INTRODUÇÃO A UMA FILOSOFIA DA RELIGIÃO .................. 6
1.1 O QUE É RELIGIÃO? ........................................................ 7
1.2 PODER-SE-Á JUSTIFICAR A RELIGIÃO PERANTE A
RAZÃO?....................................................................................... 8
1.2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA QUESTÃO “FÉ E
RAZÃO” .................................................................................................. 9
1.3 ILUMINISMO E RELIGIÃO .................................................. 11
1.4 TAREFAS DA FILOSOFIA DA RELIGIÃO ........................... 11
2 CRÍTICA À RELIGIÃO ............................................................ 13
2.1 RENÉ DESCARTES (1596-1650) ........................................ 14
2.2 BLAISE PASCAL (1623-1662) ............................................. 16
2.3 BARUCH SPINOZA (1632-1677) ......................................... 18
2.4 DAVID HUME (1711-1776) .................................................. 20
2.4.1 O PROBLEMA DO MILAGRE ........................................... 20
2.4.2 O ARGUMENTO TEOLÓGICO ......................................... 21
2.5 IMMANUEL KANT (1724-1804) ........................................... 23
2.6 GEORG WILHELM FRIEDRICH HEGEL (1770-1831)......... 24
2.7 FRIEDRICH NIETZSCHE (1844-1900) ................................ 25
2.8 SIGMUND SCHLOMO FREUD (1856-1939) ....................... 27
REFERÊNCIAS ......................................................................... 29
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INTRODUÇÃO

Sumarizando os principais assuntos a serem abordados,


segue as partes do texto intituladas da seguinte forma: primeira
parte “introdução a uma filosofia da
religião”, e segunda parte, “crítica à
religião”. A primeira parte vai abordar
os assuntos “o que é religião?” e o
“poder-se-á justificar a religião perante
a razão?”, “iluminismo e religião”, e “tarefas da filosofia da religião”.
A segunda parte, por sua vez (crítica à religião), vai abordar os
principais teóricos da filosofia da religião, a saber, René
Descartes, Blaise Pascal, Baruch Spinoza, David Hume, Ludwig
Feuerbach, Sigmund Freud, Georg Wilhelm Friedrich Hegel, e
Immanuel Kant.
Este texto vai valer de uma linguagem acessível sobre os
principais pensamentos da religião apontados pelos pensadores
pós-modernos, de forma enfática, Urbano Zilles e Carlos F. Calvet.
Disto, serão abordados alguns elementos que são essenciais para
a construção do conhecimento acerca da Filosofia da Religião.
Neste material, não se esgotará a temática da Filosofia da
Religião, visto que este é um material introdutório para pessoas
que não possuem nenhuma formação na área filosófica.
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1 INTRODUÇÃO A UMA FILOSOFIA DA RELIGIÃO

A filosofia da religião tenta esclarecer a possibilidade e a


essência formal da religião na existência humana. Em outras
palavras, estuda a consciência do humano e de sua
autocompreensão a partir do absoluto enquanto atingível pela
inteligência. A filosofia da religião é uma reflexão realizada com a
única ajuda da razão, sendo seu objeto a religião e as condições
em que esta é possível.
“Da mesma maneira que o ato filosófico não fundamenta a
existência humana, mas tenta esclarecê-la, assim também a
filosofia da religião não fundamenta, nem inventa a religião, mas
tenta esclarecê-la, servindo-se das exigências propriamente
filosóficas.” Ela, a filosofia da religião, vai desenvolver no
pensador a atitude crítica sobre a compreensão da religião em
seus aspectos mais importantes, como a própria compreensão do
Ser e do fim último do humano.
A filosofia da religião tematiza a abertura do humano para
o mistério que o envolve de maneira positiva, aceitando-o, ou de
maneira negativa, rejeitando-o. Tematiza, pois, a relação do
humano com o santo ou numinoso no horizonte da
autocompreensão humana.
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Desde já, vamos abordar os principais aspectos do tema


filosofia da religião, a fim de melhor compreendermos do que
realmente se trata, a começar pelo conceito de religião.

1.1 O QUE É RELIGIÃO?

Religião é um conjunto de sistemas culturais e de crenças,


além de visões de mundo, que estabelece os símbolos que
relacionam a humanidade com a espiritualidade e seus próprios
valores morais. Embora não haja um padrão de religião, Clifford
Geertz a considera um “sistema cultural”.
À primeira vista, pode-se pensar que todos e todas saibam
o que significa a palavra religião. Tal pressuposição esteja certa
enquanto se refere às manifestações mais ostensivas. Mas
quando se trata de precisar a “essência” da religião logo surgem
dificuldades sem fim. Quem poderá fixar os limites entre o
verdadeiramente religioso e o puramente cultural, folclórico ou
social? O que, por exemplo, entre nós, é da essência religiosa
numa festa de primeira comunhão, de um casamento na igreja etc,
e o que não? Se se trata de manifestações, como descobriremos
o que manifestam?
Já vimos que a religião é muito complexa. Ela “aponta para
além deste mundo empírico e de nossa vida, para uma realidade
maior” , direcionada para o horizonte, buscando sempre algo
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incompreensível, mas o humano sempre quer compreendê-la com


o seu senso religioso.
“O senso religioso está ligado à própria razão humana e ao
coração do (homem) . A razão é exigência de um significado total.
A razão se percebe insatisfeita até quando não alcança um sentido
total e infinito, a razão é abertura e tensão ao infinito.” A própria
razão percebe que deve afirmar a existência de algo maior que a
si mesma, algo que é fonte de tudo aquilo que existe e que é
incomensurável com qualquer medida humana.

1.2 PODER-SE-Á JUSTIFICAR A RELIGIÃO


PERANTE A RAZÃO?

A filosofia da religião, como disciplina própria, é recente.


Para sua constituição foi decisiva a filosofia de Immanuel Kant, o
idealismo alemão, a obra do cardeal Newman, de M. Blondel, a
filosofia dialógica de F. Ebner e M. Buber, a fenomenologia de E.
Husserl, M. Scheler e a filosofia da existência através de G.
Marcel, M. Heidegger e K. Jaspers.
“A denominação “filosofia da religião” é muito recente.
Alguns autores atribuem-na ao kantiano L. H. Jacob, em 1797,
enquanto outros apontam como seu autor o jesuíta Sigismund von
Storchenau (1731 – 1798) [...]”. Entretanto, a disciplina como tal
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só passou a ser depois de ter percorrido toda corrente filosófica


deixada pelas escolas alemãs e que se estende até os dias atuais.
A filosofia da religião não se confunde com a teologia, pois
esta tematiza a relação humano-Deus a partir da livre revelação
de Deus ao humano, ou seja, a partir de Deus. Com B. Welte,
pode-se dizer que a filosofia da religião é filosofia; e filosofia que
não se esclarece a partir de outras ciências, mas a partir de si
mesma. Quando o humano filosofa, ele mesmo pensa.
O pensar filosófico é forma radical da liberdade humana.
Pensar é a busca do encontro do humano com o mundo, entre o
pensante e o pensado. Com isso, o pensamento vincula-se ao
objeto de sua atividade, sem com ele confundir-se. Seu objeto é
aquilo que se lhe oferece no mundo.

1.2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA QUESTÃO “FÉ E


RAZÃO”

Por vezes, o leigo pode ter a impressão de que o tema da


fé e razão tenha suas raízes nos tempos modernos. Isso é um
grande equívoco, pois os antecedentes dessa questão já se
encontram na antiga Grécia, no caminho do mito ao lógos (razão).
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Até o século XX, a história do pensamento filosófico


ocidental encontrava-se intimamente associada às tentativas de
esclarecer certos aspectos do paganismo, do judaísmo e do
cristianismo, enquanto que em tradições como o hinduísmo ou o
taoísmo, há uma distinção ainda menor entre a investigação
filosófica e a religiosa.
O problema da relação entre fé e razão acompanha o
Cristianismo, como herdeiro da filosofia grega, através dos
séculos até hoje. Ele, o Cristianismo, nasceu no meio do judaísmo
e do helenismo. E tem na época medieval o período mais fértil em
pretensas demonstrações da existência de Deus, como as cinco
vias de Santo Tomás de Aquino, ou o argumento ontológico de
Santo Anselmo.
Da relação entre fé e razão, das concepções que
favoreciam a fé, hoje mudaram muito. O que domina no Ocidente,
e cada vez mais também no Oriente, é a crença na ciência e na
técnica. Embora os cientistas não estejam no topo, lugar ocupado
pelos políticos e empresários, exercem a função de assessores,
integrados em equipes de técnicos. Nesse mundo, a língua
comum é a ciência, a matemática. Se outrora, nas cruzadas, se
morria em nome da fé, hoje se morre em nome da ciência e da
técnica, como em acidentes automobilísticos, acidentes de usinas
nucleares, acidentes de aviões etc. Multidões morrem de fome,
porque não têm trabalho, pois este é feito pelas máquinas. O
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humano voltou-se para o bem-estar neste mundo, para o qual a


ciência e a técnica conquistaram prestígio.

1.3 ILUMINISMO E RELIGIÃO

Hoje nos defrontamos com problemas radicados no


“iluminismo” ou dele derivados. Com Hegel, podemos caracterizar
toda a história ocidental à maneira de processo progressivo da
tomada de posse pelo homem de sua liberdade. Esta história da
liberdade entrou em nova fase no começo da era moderna,
quando a liberdade e o pensamento se tomaram conscientes e
críticos acerca de si mesmos.

1.4 TAREFAS DA FILOSOFIA DA RELIGIÃO

A filosofia da religião não é propriamente uma disciplina em


que se estudarão todas as religiões, pelo contrario, ela apresenta
aquilo que está por detrás de todas as religiões, a ideia de
religiosidade. A história das religiões é outra disciplina distinta da
filosofia da religião, embora em alguns momentos ela se utilize de
alguns aspectos de determinadas religiões. A filosofia da religião
está interessada na natureza da religião.
A filosofia da religião procura conjugar essas duas
radicalizações, para oferecer ao humano as justificativas racionais
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da sua fé, integrando assim ciência e vida religiosa. O humano


religioso tem um modo especial de estar no mundo, o que provoca
a indagação do filósofo. Toda crítica
religiosa nos oferece um caminho
oportuno para purificar a religião de
qualquer ingenuidade filosófica, do
mesmo modo que nos leva a evidenciar, embora por processo
negativo, o que lhe é específico e irredutível. Justamente por isso,
impõe-se a reflexão sobre os elementos constitutivos do ato
religioso.
A filosofia da religião deverá formular questões que
angustiam os indivíduos, as igrejas e a sociedade. Como? Quais
seriam tais questões?

a) Entre a tradição religiosa e as experiências da


intersubjetividade crítica moderna surgiu um abismo profundo. O
processo do iluminismo age de maneira dialética sobre a tradição
religiosa: destrói e conserva. Destrói, por exemplo, certas
concepções de Deus como o deus que sanciona instituições e
regimes políticos indefensáveis por ser indigno de nossa fé. Mas
o processo do iluminismo também pode purificar o conceito de
Deus e conservar a autêntica tradição da fé. Assim a situação de
crise pode reverter em nova oportunidade.
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b) A relação do cristianismo e das igrejas para com as


religiões não cristãs modificou-se profundamente. Também no
Ocidente, o cristianismo deixa de ser a religião que integra a
sociedade global. Os pagãos não mais estão fora da sociedade e
o cristianismo carece da evidência racional de ser a única
verdadeira religião. Tomou-se uma religião ao lado de muitas
outras. A tentativa de interpretar todas as religiões não cristãs
simplesmente como cifras de uma fé filosófica ou declarar os não
cristãos de cristãos anônimos não satisfaz.

c) O lugar e a função da religião e das igrejas no novo


mundo político-social modificaram-se radicalmente. O iluminismo,
que declara a liberdade de todos como princípio da ética e da
política e exige instituições que favoreçam e garantam a liberdade
e o direito de todos os humanos, questiona radicalmente a tradição
antiga e medieval. Neste mundo, a filosofia da religião tem papel
enquanto dura a exigência de conhecer criticamente a verdade
religiosa.

2 CRÍTICA À RELIGIÃO

A atitude fundamental do humano para com Deus e, com


isso, a base antropológica da religião é a fé. Mas hoje se fala muito
em crise de fé. Aos ouvidos de muitos a palavra crise ecoa como
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ruína. Entretanto o sentido original da palavra “crise” significa


situação de decisão. Em outras palavras, parece que a fé perdeu
sua evidência racional. No entanto uma crise pode conduzir tanto
à ruína como transformar-se em kairós ou renascimento. Uma
crise de fé pode levar à renovação e ao aprofundamento de sua
compreensão.
Como crítica à religião, entende-se não a “crítica” no sentido
próprio da palavra, mas uma reflexão sobre a religião no aspecto
de avaliar conceitos e fenômenos de forma criteriosa, não
pensando diretamente em desmontar um sistema religioso, mas
em criar uma dialética sobre os valores do mesmo sistema. A
crítica da religião afirma aquilo que a religião não é .
“Assim sendo, tornam-se essenciais, para a filosofia da
religião, as críticas modernas: primeiramente, a de Spinoza, na
medida em que reduziu a religião à educação moral dos
ignorantes; e, em seguida, a de Kant, porque, acentuando a
postura spinozista, deu-lhe o estatuto de sua crítica.” É o que
veremos a seguir.

2.1 RENÉ DESCARTES (1596-1650)

Descartes estabelece como princípio a mútua


independência da religião e da ciência, tratando esta última como
da natureza, isto é, compreensão das forças naturais, e a primeira,
FILOSOFIA DA RELIGIÃO 15

a religião, tratando dos elementos suprassensíveis da alma,


transcendentes. Ambas não se dominam, mas possuem uma
relação na qual se compreende uma ligação entre o ser e o
pensar, na mesma razão. Trata-se da relação entre o humano e
Deus (religião) e entre Deus e o mundo (ciência). Nisto, o
conhecimento desta relação religião e ciência, obtém-se através
da intuição racional clara e distinta.
Partindo da intuição racional, única norma segura de
verdade, e da ideia de Deus, poder-se-á concluir, segundo
Descartes, efetivamente que Deus existe. É o chamado “Discurso
do Método”, é um postulado composto basicamente de análise,
síntese e revisão. Seu método parte de um elemento essencial, a
“dúvida metódica” .
Para o filósofo, deve-se iniciar o pensamento acerca de um
objeto com um questionamento, que consiste em não admitir nada
que não seja evidente, tendo em vista que a evidência
apresentada por Descartes é sinônimo de clareza e distinção do
pensamento (dúvida metódica). Após esse primeiro aspecto,
segue-se para o segundo ponto, no qual ele orienta que o objeto
do conhecimento seja dividido em partes para melhor analisá-lo
(análise). Tendo passado pela análise, é hora de reunir novamente
essas partes em um todo como uma síntese. Por fim, para que não
haja erros, far-se-á uma revisão de todo o processo percorrendo-
o novamente.
FILOSOFIA DA RELIGIÃO 16

Descartes busca utilizar-se do racionalismo como fonte


necessária para falar de Deus e da religião. Com efeito, “A ideia
de Deus é a ideia de um ser perfeito. Ora, o ser perfeito inclui todas
as perfeições. Considerando que a existência é uma perfeição,
deve-se concluir que Deus existe” .
Na suma, as provas cartesianas da existência de Deus são,
a rigor, três. A primeira tem como ponto de partida a ideia de Deus
(aspecto existencial) e conclui que a realidade objetiva da ideia de
Deus exige como causa a realidade formal que pensa, isto é,
Deus. A segunda demonstração parte do eu pensante que tem a
ideia de Deus e conclui que o ser que tem a ideia de Deus e não
é Deus, tem que ser causado por Deus. A terceira prova parte da
ideia de Deus (aspecto essencial) e conclui que o ser infinitamente
perfeito contém em si a existência que é uma perfeição.

2.2 BLAISE PASCAL (1623-1662)

Pascal era contemporâneo de Descartes. Entre eles há


muitas semelhanças e diferenças. Ambos eram matemáticos.
Pascal já com 16 anos de idade se destacara entre os melhores
matemáticos de seu tempo. Cedo também se salientou na física.
Com 19 anos, como engenheiro, inventou e construiu a primeira
máquina de calcular que, de certa forma, não deixa de ser um
precursor de nossos atuais computadores.
FILOSOFIA DA RELIGIÃO 17

Pascal é o homem do pathos. Nunca frequentou escola.


Orienta sua ciência na vida concreta. Interessa-se por questões
difíceis. Para ele, não basta a razão. Indaga por conhecimento
intuitivo, conhecimento rápido e imediato. Não é teórico
sistemático, mas testemunho. Em seu estilo literário une clareza e
precisão com momentos de rara poesia. Ao lado da razão,
segundo ele, há também o sentimento. Tanto o sentimento como
a razão, cada qual tem seu limite.
Em oposição ao pensamento
racionalista de Descartes, Pascal
aposta tudo na fé e na tentativa de
provar a existência de Deus. O
Argumento da Aposta consiste
basicamente em uma aposta propriamente dita, a qual se
direciona a favor ou contra a existência de Deus. A segue a
aposta:
a) Se você acredita em Deus estiver certo, você terá um
ganho infinito;
b) Se você acredita em Deus e estiver errado, você terá
uma perda finita;
c) Se você não acredita em Deus e estiver certo, você terá
um ganho finito;
d) Se você não acredita em Deus e estiver errado, você terá
uma perda infinita;
FILOSOFIA DA RELIGIÃO 18

Segundo Pascal, espírito e razão são, de um lado,


conhecimento por conclusões, mediado, enquanto o sentimento é
conhecimento intuitivo imediato. Claro, sentimento aqui não
significa sentimentalismo. Pascal opõe o coração à razão, mas
com a palavra coração não designa simplesmente o irracional-
emocional em oposição ao lógico-racional. A palavra coração
designa o núcleo ou o centro da pessoa humana. Coração é o
ponto de partida do dinamismo, o espírito humano não apenas
especulativo, mas como amante. Por isso é compreensível a muito
citada frese: “O coração tem suas razões que a própria razão
desconhece; percebe-se isso em mil coisas” . Esta é, pois, a lógica
do coração.
“Ao dizer que o coração tem suas próprias razões, Pascal
está afirmando que as emoções, os sentimentos ou as paixões
são causas de muito do que fazemos, dizemos, queremos e
pensamos”. Ou seja, para Pascal, a consciência intelectual é
diferente das paixões e dos sentimentos.

2.3 BARUCH SPINOZA (1632-1677)

Era holandês e filósofo-judeu, tendo sido excomungado


pela Sinagoga Judaica, pois tinha ideias contrárias a Torah. Como
um bom judeu, era conhecedor de hebraico, latim e grego. Sua
crítica à religião se dá através da crítica às Escrituras, com a sua
FILOSOFIA DA RELIGIÃO 19

famosa obra, o Tratado Teológico-político (TTP). Na qual, ele,


Spinoza, defende a liberdade da filosofia, sem interferências
religiosas ou políticas, defende a separação entre Estado e Igreja,
entre política e religião, e entre filosofia e revelação.
“No século XVII, o filósofo Espinosa retoma essa crítica,
mas em lugar de começar pela religião, começa pela superstição.
Os homens , diz ele, têm medo dos males e esperança de bens.”
Para ele, os humanos são “Movidos pelas paixões (medo e
esperança), não confiam em si mesmos nem nos conhecimentos
racionais para evitar males e conseguir bens” .
O TTP tem como ponto de partida a questão da inspiração
bíblica. A Bíblia é realmente um livro inspirado? Por si mesma, ela
pode comprovar a sua inspiração? Spinoza não leva em conta a
instituição religiosa, mas o Livro Sagrado. Segundo ele, os
religiosos afirmam que Ela foi inspirada por uma questão de
política, visando à manipulação. Eles manipulam as Escrituras a
fim de dar o sentido que querem para elas.
Segundo Spinoza, a Bíblia deve ser interpretada à luz
natural, não como “inspiração divina” ou “imaginação humana” .
“Na busca pela verdade contida na Bíblia, Espinosa conclui que os
livros da Escritura contêm a Palavra de Deus, mas que eles
mesmos não são a Palavra de Deus. Seu método crítico-histórico
insere-se no movimento racionalista, mas não pode ser reduzido
apenas a uma tentativa de interpretação ‘naturalista’.” É, antes,
FILOSOFIA DA RELIGIÃO 20

uma tentativa de lutar com as armas do pensamento para


assegurar as condições políticas, sociais e até religiosas da
liberdade de expressão e da busca da verdade.

2.4 DAVID HUME (1711-1776)

O filósofo inglês empirista, David Hume, parte de um dos


argumentos bem conhecidos sobre o assunto, o argumento
teleológico. Nesse argumento, tudo o que existe no mundo
evidencia a existência de Deus por si mesmo. Baseando-se em
um criticismo, Hume desenvolve o argumento de forma
incontestável.

2.4.1 O PROBLEMA DO MILAGRE

Uma forma de apoiar a religião é por meio de apelos aos


milagres. Mas Hume argumentou que no mínimo, os milagres não
poderiam conferir muito apoio à religião. Há vários argumentos
sugeridos pelo ensaio de Hume, todos eles à volta do seu conceito
de milagre: nomeadamente a violação por Deus das leis da
Natureza. Um argumento é o de que é impossível violar as leis da
Natureza. Outro argumento afirma que o testemunho humano
nunca poderia ser suficientemente viável para contra-ordenar a
evidência que temos das leis da Natureza. Outro argumento,
FILOSOFIA DA RELIGIÃO 21

menos irredutível, mais defensável, é que, devido à forte evidência


que temos das leis da natureza, qualquer pretensão de milagre
está sobre pressão desde o início e precisa de provas fortes para
derrotar as nossas expectativas iniciais.
Este ponto tem sido aplicado, sobretudo, na questão da
ressurreição de Jesus, onde Hume sem dúvida perguntaria “o que
é que é mais provável? que um humano se erga dos mortos ou
que este testemunho esteja incorreto de uma forma ou de outra?”.

2.4.2 O ARGUMENTO TEOLÓGICO

Um dos argumentos mais antigos e populares para a


existência de Deus é o argumento teleológico, que toda a ordem e
“objetivo” do mundo evidenciam uma origem divina. Hume usou o
criticismo clássico do argumento teleológico, e apesar do assunto
estar longe de estarem esgotados,
muitos estão convencidos de que
Hume resolveu a questão
definitivamente. Aqui alguns dos
seus pontos:

a) Para o argumento teleológico funcionar, seria necessário


que só pudéssemos aperceber de ordem quando essa ordem
FILOSOFIA DA RELIGIÃO 22

resulta do desígnio (criação). Mas vemos uma “ordem”


constantemente, resultante de processos presumivelmente sem
consciência, como a geração e a vegetação. O desígnio (criação)
diz apenas respeito a uma pequena parte da nossa experiência de
“ordem” e “objetivo”.
b) O argumento do desígnio, mesmo que funcionasse, não
poderia suportar uma robusta fé em Deus. Tudo o que se pode
esperar é a conclusão de que a configuração do universo é o
resultado de algum agente (ou agentes) moralmente ambíguo,
possivelmente não inteligente, cujos métodos possuam alguma
semelhança com a criação humana.
c) Pelos próprios princípios do argumento teleológico, a
ordem mental de Deus e a funcionalidade necessitam de
explicação. Senão, podemos considerar a ordem do universo, algo
inexplicado.
d) Muitas vezes, o que parece ser objetivo, onde parece que
o objeto X tem o aspecto A por forma a assegurar o fim F, é mais
bem explicado pelo processo da filtragem: ou seja, o objeto X não
existiria se não possuísse o aspecto A, e o fim F, é apenas
interessante para nós. Uma projeção humana de objetivos na
natureza. Esta explicação mecânica da teleologia antecipou a
seleção natural, e é de se observar que um século antes de
Darwin.
FILOSOFIA DA RELIGIÃO 23

2.5 IMMANUEL KANT (1724-1804)

Immanuel Kant interessou-se, desde a juventude, de


maneira especial, por duas questões. De um lado, o tema moral e
religioso, profundamente vivido desde a infância e, de outro, a
ciência físico-matemática como a explicara Newton e havia
estudado na universidade. Diz, na Crítica da razão pura, que Deus,
liberdade e imortalidade sempre foram “objetivos supremos de
nossa existência” e, por isso, são problemas importantes para sua
filosofia.
Kant desenvolveu sua doutrina sobre Deus no confronto
com Leibniz e Wolff, ainda no período pré-crítico. Nesse período
rejeita o argumento cartesiano fundado no conceito de
universalidade da realidade mediante a distinção tradicional entre
existência pensada e existência real. Mais tarde, ainda no período
pré-crítico, refuta mais uma vez o argumento cartesiano: a
existência não é predicado, nem determinação de alguma coisa,
mas é a posição absoluta de algo.
A obra de Kant define que há uma faculdade do
conhecimento humano, o intelecto, e que a razão não conhece o
objeto a que se destina. Ele irá tratar da distinção entre as duas
esferas da realidade, o noumeno e o fenômeno . O primeiro é a
FILOSOFIA DA RELIGIÃO 24

coisa em si, independente de nossas experiências, e o segundo


trata-se da coisa como nós a conhecemos ou como pensamos
conhecer. O primeiro é a coisa em si, independente de nossas
experiências, e o segundo trata-se da coisa como nós a
conhecemos ou como pensamos conhecer.
Kant quer verificar quais são as ciências que realmente
cumprem o critério científico do juízo sintético a priori, chegando à
conclusão de que somente a matemática e a física cumprem o
critério, a metafísica estaria de fora, como nos apresenta Zilles:
“Segundo a metafísica tradicional, a razão busca três
conhecimentos fundamentais: a) alma (síntese das vivências
subjetivas); b) o universo (síntese das vivências objetivas) e c)
Deus (síntese final e suprema). Kant constata que nenhum desses
objetos pode ser conhecido pela razão pura.”

2.6 GEORG WILHELM FRIEDRICH HEGEL (1770-


1831)

Para o filósofo alemão, a ciência e a religião não são outras


coisas além de “momentos” necessários e logicamente sucessivos
do desenvolvimento do espírito. A ciência em si não tem nada de
religioso, totalmente indiferente à religião, mas é um momento no
processo do ser: ela aponta para um grau mais elevado do
conhecimento, de consciência, e, seguindo a direção mesma que
indica, o pensamento chega à religião e à filosofia.
FILOSOFIA DA RELIGIÃO 25

O mais famoso postulado deixado por Hegel apresenta a


razão como absoluta, uma razão que abraça a realidade inteira,
como um “Idealismo Absoluto”: a realidade é a manifestação da
razão, da ideia. A razão é tudo. O desenvolvimento da realidade
não acontece de modo linear, mas dialético, superando os
obstáculos. Para Hegel, o que na ciência é incompreensível, na
arte-religião-filosofia se faz expressão, em que a religião é o ponto
alto do espírito, mas que será superada pela filosofia.
Hegel não tenta justificar ou provar a existência de um
Deus, mas se questiona sobre a capacidade de o humano buscá-
lo . “Deus deve ser visto como aquele que passa por uma história
e nela se revela” , porém, ele não se preenche com os fatos da
história, ele faz a história, isto é, espírito absoluto.
Para Hegel, a religião se enquadraria no terceiro momento
da filosofia do espírito, na fase de síntese, juntamente com a arte
e a filosofia, sendo esta última, a síntese final, quando o espírito
tomaria consciência de ser Absoluto. Então, a religião ocupa uma
fase de síntese anterior, porém, superior à arte. A religião não
contempla o Absoluto em forma de conceito, pois ainda depende
da matéria para representá-lo. Mas O vê como Absoluto, por isso
a religião reveste-se de importância extrema no sistema de Hegel.

2.7 FRIEDRICH NIETZSCHE (1844-1900)


FILOSOFIA DA RELIGIÃO 26

Nietzsche foi um filósofo contemporâneo, que se destacou


do meio de todos os críticos da religião ao afirmar “Deus morreu”,
representa com grande força todo o seu período filosófico. Não há
uma corrente de pensamento ou de doutrina propriamente ditos,
entretanto, o próprio autor se auto afirmará dizendo: “Eu não sou
um homem, sou um dinamite”53, isto é, o destruidor .
Nietzsche parte do pressuposto de que todas as coisas,
toda a realidade, devem ser compreendidas na perspectiva do
caos, da desordem, e não uma organização, um cosmos, que
limita todas as coisas, desenvolvendo, assim, a ideia da disputa
de ‘poderes’ entre o chamado espírito apolíneo e o espírito
dionisíaco.
Para Nietzsche, o novo humano só nascerá quando o
libertador proclamar que “Deus morreu”, pois desta forma morrerá
toda a metafísica e, por conseguinte toda a estrutura da moral e
da religião, assim, o novo humano estaria livre para viver a vida,
aproveitando o espírito dionisíaco. O ideal, para ele, é o humano
viver livremente e não oprimido, viver seus instintos e emoções,
mas para isso, deve-se eliminar a ideia de Deus, ou ao menos
viver como se Deus não fosse o fundamento das coisas, isto é,
moral.
FILOSOFIA DA RELIGIÃO 27

2.8 SIGMUND SCHLOMO FREUD (1856-1939)

Sigmund Freud não foi um filósofo, sua análise a respeito


da religião não possui importância nenhuma para a Filosofia da
Religião. Assim, ela passa a ser conhecida pelo fato de se
compreender, sob a perspectiva contemporânea, após a crise
metafísica, como que o fenômeno religioso é tratado, mesmo
sendo uma critica psicanalista à religião. Uma crítica à existência
de Deus partindo de uma analise psicológica da religião não é
válida, pois incorre em erro de lógica quanto à verdade de seus
argumentos.
Para o psicanalista austríaco, que tinha a sua área de
pesquisa voltada para a histeria e a hipnose, nas experiências a
respeito da histeria, por detrás dela, sempre havia um transtorno
sexual fundado em complexos passados. Em sua psicanálise,
Freud desenvolve a teoria de que as crianças já nascem com
impulsos sexuais, mais especificamente, eróticos . Para ele, a
sexualidade infantil irá se desenvolver em três fases, a saber: oral,
anal e fálica. Todos os traumas da vida adulta irão depender de
uma falha no desenvolvimento de uma dessas áreas.
Na primeira fase, a fase oral, que se situa no primeiro ano
de idade, a criança desenvolve o prazer oral devido ao se
alimentar no seio da mãe, aprender a colocar as coisas na boca e
FILOSOFIA DA RELIGIÃO 28

ainda o chupar a chupeta ou o dedo. Na segunda fase, a fase anal,


que varia entre os dois e três anos de idade, a criança passa a
sentir prazer na evacuação, descobre-se independente nas suas
necessidades fisiológicas. Na terceira fase, a fase fálica, entre os
quatro e cinco anos de idade, a criança nota a diferença, ao
observar as demais, em seu órgão genital. Nessa última, as
meninas têm o costume de notar a ausência do órgão genital.
FILOSOFIA DA RELIGIÃO 29

REFERÊNCIAS

RODRIGUES, Fábio Della P. Espinosa e a Interpretação da


Escritura: dos autores e da transmissão dos livros bíblicos.
Disponível em:
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Filosofia. 3 ed. São Paulo: LTr, 2006.

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Teologia Fundamental. Rio de Janeiro: ISTARJ, 2014.
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ZILLES, Urbano. “A Crítica da Religião na Modernidade”. v. 3.
Interações: Cultural e Comunidade, 2008.

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