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Religião em Transição
Ronaldo de Almeida!

Introdução

Há algumas décadas, a religião parece desempenhar um movimento paradoxal


como se estivesse alastrando-se e ao mesmo tempo dissolvendo-se em outras lógicas.
Como afirmou Clifford Geertz (2001, p. 150), a propósito de fenômenos religiosos
mundiais: “o solo se moveu sob nossos pés”. Mudança não é propriamente algo novo
para a religião. Histórica como outras formas sociais, ela é um termo descritor de
objetos, instituições, cognições, práticas, experiências, identidades, valores,
moralidades, entre outros, cujas propriedades variaram no tempo e no espaço – mas isso
não significa que tenha existido em todo tempo nem em todo espaço. O título do artigo
de Geertz da citação acima é “Beliscão do destino: a religião como experiência, sentido,
identidade e poder”. As variáveis mobilizadas pelo autor para circunscrever a religião
foram, no caso das duas primeiras, as dimensões fenomenológica e cognitiva, enquanto
nas duas últimas, as sociológica e política. Se estes são os planos analíticos, a expressão
nada inocente “beliscão do destino” refere-se propriamente ao que ocorreu no plano
empírico, a saber, à reativação de tradições consideradas como religiosas entre
segmentos modernos de sociedades islâmicas. Para o autor, a religião durante o século
XX ampliou-se de forma subjetivada, cada vez mais restrita ao plano privado, para
dimensões identitária e pública.
A metáfora “beliscão do destino” aproxima-se, em parte, do argumento do
“reencantamento do mundo” (ou “volta do sagrado”, “revanche de Deus” etc.),
encontrado em parte da literatura acadêmica.1 Algumas referências ao
“reencantamento” ancoram-se na ideia da religião como algo da dimensão do humano,
cuja maior expressão é o sentido ontológico de Homo religiosus como formulado pela
fenomenologia da História das Religiões em O sagrado e o profano: a essência das
religiões de Mircea Eliade (1999). Para ele, a história é a realização de uma ontologia

!
Ronaldo de Almeida é professor no Departamento de Antropologia da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp) e pesquisador do Cebrap. Agradecimentos aos comentários cuidadosos e
fundamentais de Artionka Capiberibe, Fernando Pinheiro e dos orientandos Flávia Slompo, Rodrigo
Caravita, Hugo Soares, Maíra Ferrigno, Milton Santos e Bernardo Freire.
1
Ver críticas ácidas de Pierucci (1997, 1999) – por vezes excessiva no “patrulhamento científico”,
conforme denuncia Camurça (2008, p. 123) – à parte da literatura sociológica e antropológica da religião,
nacional e internacional, que estaria parcialmente sujeita aos interesses da religião. Isto será mais bem
discutido no item 2 deste artigo.
2

atemporal. Ontologia também presente em Rudolf Otto, Van der Leew e Petazzonni,
entre outros. Tal perspectiva difere da História das Religiões de Brelich e Sabatucci,
para quem a proposta (com a qual este artigo se alinha) é historiar a categoria social
religião (Pompa, 2006; Gasbarro, 2006).2
Embora a metáfora nos remeta a experiências atávicas, como se por meio da
religião o homem encontrasse o sentido da sua existência, não é possível imputar a
fenomenologia ontológica de Eliade à fenomenologia hermenêutica de Geertz. Para
este, o sentido é entendido em termos semióticos, enquanto para aquele é experiência
existencial, sujeita a uma filosofia da História (Eliade, 1987, p. 91). O texto de Geertz
refere-se especificamente ao ressurgimento (na contemporaneidade) de tradições
sociorreligiosas do mundo islâmico e não à emanação da essência humana. Mas, por
outro lado, a metáfora detecta e expressa também uma espécie de “momento histórico”
com múltiplos deslocamentos em escala mundial. Sua proposição aponta para mudanças
sísmicas globais do que é denominado como religião (instituições, ideias, artefatos,
ritos, performances). São deslocamentos distintos apreendidos em função tanto dos
processos sociais como das análises produzidas. Como exemplo, tem-se a relação entre
religião e modernidade (ou seus congêneres: globalização e contemporaneidade), que
pauta boa parte das discussões nacionais (Sanchis, 1997; Velho, 1997; Montero, 2006a;
Pierucci, 2006a).
Tais deslocamentos resultaram em ampliação dos horizontes temáticos que
necessitam de investigação. Mas, para tanto, isso implica tratar a religião como algo não
tão autoevidente nas Ciências Sociais, nas quais as especializações reproduzem em boa
medida a própria classificação dos segmentos.3 Com frequência, os campos de
investigação tendem a ser organizados menos em torno de problemas teóricos e mais a
partir de tipologias institucionais e/ou de artefatos entendidos como sendo religiosos.
No balanço dos estudos sobre religião produzido para a coletânea O que ler na ciência
social brasileira (1970-1995), Paula Montero (1999, p. 330) argumenta que os
segmentos religiosos são compreendidos à luz de determinadas linhagens teóricas, como
se certos padrões interpretativos houvessem se consolidado. O protestantismo, por

2
O pressuposto ontológico da religião é marginal às Ciências Sociais no Brasil, mas significativamente
presente em certa História das Religiões e também nas Ciências da Religião. As instigantes reflexões de
Marcelo Camurça (2008, p. 61) sobre o lugar das Ciências da Religião no campo das Ciências Humanas
identificam a perspectiva segundo a qual a religião é dimensão inata do humano. Posição não
compartilhada por ele, mas com a qual deseja dialogar na chave da interdisciplinaridade, propiciada pela
institucionalização das Ciências da Religião como uma área de conhecimento.
3
Como alguém que se “especializou” em pentecostalismo, incluo-me aqui também.
3

exemplo, foi lido preferencialmente segundo a matriz weberiana, que vincula valores a
comportamentos; as religiões afro-brasileiras, por sua vez, a partir da durkheimiana,
com sua ênfase nos ritos e crenças; e a marxista informou a leitura do catolicismo,
sobretudo se o enfoque fosse de ordem política.
A isso, por vezes, se junta o uso de dados estatísticos sem o questionamento
sobre o que afinal de contas uma pessoa responde quando lhe perguntam: Qual é a sua
religião? Do que ela está falando? De crença, de frequência aos cultos e reuniões, de
pertencimento a uma comunidade, de práticas rituais, da noção muito recorrente de que
uma coisa é ter fé e outra é ter religião? Em que plano está situada a sua resposta:
religião como cognição, como moral, como interação ou como identidade? Enfim, trata-
se de uma prática científica que necessita objetivar seus passos de objetivação, até
porque o caráter bastante movediço da religião no mundo contemporâneo gera
desconfiança tanto das possibilidades de modelações estatísticas como das abordagens
qualitativas.4
Se o propósito central deste artigo ancora-se na crítica à categoria analítica
religião, não devemos negligenciar também que o debate sobre como defini-la ocorre
entre aqueles que classificamos como nativos. Muitos evangélicos gostam de afirmar
que uma pessoa pode ser religiosa mas não ter deus, pois só cumpre rituais e não tem
uma experiência pessoal com ele; em certa medida isso se assemelha a muitos católicos
que costumam se identificar ora como não praticantes ora como sem-religião,
dependendo da situação e momento em que forem entrevistados (Fernandes, 2009;
Antoniazzi, 2002, p. 88); ou ainda ao que certas lideranças afro-brasileiras questionam:
o fato de suas práticas rituais serem entendidas como religião, uma vez que são
definidas a partir do modelo cristão.
Por outro lado, tem sido frequente e bastante produtivo investigar aqueles que se
declaram sem-religião para compreender a polissemia em torno do termo. Assim, em
resposta à pergunta de Yves Lambert (1992): “Como definir algo pelo que ele não é?”, a
proposta é investigar como a negação acaba projetando algumas fronteiras e
propriedades. Várias pesquisas qualitativas têm demonstrado a presença entre os sem-
religião de experiências com conteúdos ditos religiosos e não vinculadas a uma
instituição específica, mas algo vivido em termos existenciais e cotidianos (Novaes,
2000, 2006; Fernandes, 2009). E, por fim, participam ainda desse processo os próprios

4
Ver reflexão de Clara Mafra (2004) a propósito da parceria entre Iser (Instituto de Estudos da Religião)
e IBGE para a classificação das declarações religiosas listadas no Censo Demográfico 2000.
4

intelectuais que se tornam referências ou mesmo interlocutores para os religiosos,


sobretudo no que se refere às classificações das instituições e dos recortes doutrinários
(Giumbelli, 2001).
Isso posto, a proposta deste texto é discutir algumas transformações
contemporâneas daquilo que é compreendido como religião e quais os efeitos sobre a
própria categoria analítica. Advirto, contudo, sobre a impossibilidade de construir um
texto que cubra todas as variações, uma vez que o campo de investigação ampliou-se na
mesma proporção em que se multiplicaram as religiões e suas interfaces. Apesar de ser
um balanço da literatura nacional, trata-se de uma visada que destaca certos debates e
não contempla outros. Dentro desse limite, o intuito é organizar heuristicamente um
universo que nos últimos anos cresceu se diferenciando.5 “Há coisas demais a que se
quer dar o nome de ‘religiosas’”, ironiza Geertz (2001, p. 151), embora alguns digam, e
de fato parece, que elas estão em “solvência” (Casanova, 1994) ou que são “solventes”
(Pierucci, 2006a), ou, como já dito no início, parecem estar ao mesmo tempo se
expandindo e se dissolvendo. A estratégia aqui é enquadrar um número significativo de
questões atuais em torno de algumas acepções da categoria religião: a religiosidade (que
compreende o universo das práticas, subjetividade e moralidade), o religioso (aqui
entendido como uma esfera da vida social com lógica própria e distinta, mas em relação
à política, ao mercado, à ciência etc.), e as religiões (problematizadas sob o código da
cultura). O que se quer é colocar em perspectiva suas fronteiras e circunscrições, tanto
do universo empírico como das referências teóricas, posto que já há algum tempo estão
em transição.

Religiosidade: prática, moralidade e subjetividade


Para definir as formas elementares da vida religiosa, Durkheim (1989 [1912])
iniciou sua análise partindo dos sistemas religiosos como procedimento heurístico e, por
meio da comparação no espaço e no tempo, foi paulatinamente refutando as prenoções e
pontuando uma definição sociológica. No percurso da argumentação, delineou alguns
elementos da vida religiosa (algo mais abstrato do que as prenoções, mas ainda
empiricamente reconhecível), quais sejam: o conjunto de crenças e práticas

5
Tenho como referência mais específica o campo de cientistas sociais da religião, que tem como
principais fóruns de interlocução: o Grupo de Trabalho Religião e Sociedade da Anpocs, a revista
Religião & Sociedade e, mais recentemente, a rede de pesquisadores do Mercosul ampliada sobretudo
com a criação da ACSRM (Associação dos Cientistas Sociais do Mercosul), da sua revista bilíngue
Ciências Sociais e Religião/Ciências Sociales y Religión e dos encontros bienais das Jornadas sobre
Alternativas Religiosas da América Latina.
5

representado como sagrado por uma comunidade fundada na coesão moral chamada de
igreja (Durkheim, 1989, p. 79). Ao final da análise, entendeu o social como a condição
da religião; esta seria representação e forma possíveis daquele. Pode-se encontrar entre
seus contemporâneos outras delimitações da religião,6 mas o livro de Durkheim é
referência canônica para o ambiente científico, e gerador de descritores que orientam as
pesquisas empíricas. Trata-se dos “fatos religiosos” (des faits religieux): pertencimento
e frequencia a uma comunidade, símbolos e práticas rituais, moral e identidade de
grupo, e por aí vai. Do ponto de vista empírico, todos esses artefatos e fatos ditos
religiosos cresceram e se diversificaram.
Tendo como alguns dos descritores principais as crenças e os ritos, a trajetória
dos estudos sobre religião no Brasil ancorou-se em boa medida no conceito de
sincretismo, com ênfase nas religiões afro-brasileiras e no catolicismo dito popular
(Bastide, 1989; Sanchis, 2001). Para além das críticas e resgates do conceito, há
algumas décadas, desenha-se no país um macrocontexto de pluralismo e de seus
congêneres: diversidade, concorrência, conflito etc. Pluralismo religioso, conceito
inicialmente gestado nos contextos europeu e norte-americano, caracteriza-se no Brasil
pela dinâmica de diferenciação de alternativas e circulação de pessoas entre elas. A
multiplicação das instituições é acompanhada pela inidelidade a elas.
Novamente a contrapelo (ver nota de rodapé 1), Pierucci (2006b) pergunta
“Cadê nossa diversidade religiosa?” se, do ponto de vista demográfico, ela só é
significativa dentro da matriz cristã. O que Velho (1995) define como “cultura bíblica”
de certa forma atesta a afirmação de Pierucci a propósito da centralidade do
cristianismo, e mesmo do catolicismo, apesar de seu declínio em termos demográficos.
A resposta de Camurça (2006) à provocação de Pierucci vai no sentido mais qualitativo,
afirmando que o aumento dos sem-religião não exclui a experiência religiosa e que a
diversidade interna do catolicismo é pouco captada pelos dados estatísticos de amplo
alcance demográfico. Isso pode ser constatado nas recentes coletâneas Catolicismo no
plural, organizada por Faustino Texeira e Renata Menezes (2009), e Novas
comunidades católicas, de Brenda Carranza, Cecília Mariz e Marcelo Camurça (2009),
além do estudo Novas formas de crer, de Sílvia Fernandes (2009). Cabe ainda destacar
que a vivacidade do catolicismo decorre também de práticas de longa duração como as

6
Entre elas, a discussão de James Frazer sobre magia, religião e ciência; a de Edward Tylor sobre o
animismo; a de Robertson Smith, influência central sobre Durkheim, acerca dos ritos como promotores da
coesão social.
6

devoções (Menezes, 2004; Braga, 2008) e as peregrinações (Steil, 1996; Carneiro,


2007), ampliadas e institucionalmente estimuladas pela Igreja Católica durante o
pontificado de João Paulo (Soares, 2007:38), e cujo resultado é o aumento de seu
enraizamento local e sua capilaridade global. Vê-se que o argumento já consolidado na
literatura, segundo o qual existem “catolicismos”, ainda continua válido e com novas
configurações.
As ênfases dadas por Pierucci e Camurça devem-se em parte às diferenças
metodológicas de investigação da Sociologia e Antropologia da Religião, predominante
e respectivamente ancoradas em análises estatísticas e em estudos de casos (por vezes
comparativos). A articulação, a meu ver, entre modelagens estatísticas e dados
etnográficos tem sido bastante profícua na compreensão da religião no mundo
contemporâneo por possibilitar trabalhar o fenômeno em diversas escalas (Almeida,
2009a, 2009b). Isso implica a colaboração entre metodologias, não com a finalidade de
buscar complementaridade, pois, por princípio, qualquer método revela certos aspectos
e desconhece outros. A articulação visa, por um lado, à convertibilidade das escalas e,
por outro, à contraposição entre os dados estatísticos e os apreendidos na escala dos
fenômenos, o que pode resultar em refutações, corroborações e mesmo em não
complementaridade.
Como exemplo, tenho me valido da noção de trânsito religioso (Almeida, 2004),
algo mais amplo do que a simples mobilidade de pessoas entre as instituições, porém
mais específico do que a “transição” que dá título a este texto. Vejamos suas dimensões.
Em primeiro lugar, trânsito como circulação de pessoas por alternativas religiosas, o
que pode significar a troca de uma por outra como também a prática simultânea de duas
ou mais religiões. Em certa medida, esse fenômeno costuma ser apreendido por meio de
análises quantitativas que medem a mudança de estoque de adeptos entre as religiões
(Pierucci, 2006b; Antoniazzi, 2002; Camurça, 2006) e os fluxos preferenciais dos
deslocamentos entre elas (Prandi, 1994; Almeida, 2004). Os termos mais frequentes
para definir essa dimensão são, dependendo do autor, mobilidade, pluralismo,
diversidade, migração, mercado, entre outros.
Em segundo lugar, o trânsito também pode ser entendido como a circulação de
crenças e rituais. Não só pessoas circulam como também os conteúdos simbólicos e
práticos transitam entre sistemas religiosos que se encontram em constantes rearranjos
mediante cópias, oposições, concorrências e assim por diante. A Renovação
Carismática, em sua cópia-concorrência com os evangélicos, possibilitou aos católicos
7

mudarem sem sair do lugar institucional (Carranza, 2005). A metáfora de Steil (2004) é
certeira: o movimento de renovação é uma espécie de “porta giratória”. Aqui, a
bibliografia é também vasta (Birman, 1996; Sanchis, 2001; Almeida, 2009a),
principalmente de natureza antropológica, e gira em torno dos conceitos de sincretismo,
hibridismo, passagem, continuidades, entre outros.
Por fim, o trânsito pode ser apreendido de uma terceira maneira: desloca-se o
foco empírico do ponto de vista das instituições (seja da quantidade de adeptos, seja dos
conteúdos simbólicos de cada uma delas) e centra-se na trajetória das pessoas. Inverso
ao primeiro caso, em que se mede como os indivíduos passam pelas religiões, neste
terceiro plano o problema é como estas passam por eles. Mais precisamente, o foco
analítico está nas trajetórias de vida das pessoas e no que elas fazem das religiões com
sua prática desinstitucionalizada (Sanchis, 1997; Hervieu-Léger, 1999). Neste caso, os
termos mais recorrentes são bricolagem, privatização, errância, arranjos, entre outros.
As práticas e os pertencimentos religiosos, regra geral, são transmitidos pelos
laços familiares, principalmente dos pais para os filhos. Como o contexto
contemporâneo é de diferenciação das alternativas, as relações de filiação já não
ancoram com a mesma eficácia a transmissão religiosa (Hervieu-Léger, 2000). Em
consequência, os arranjos familiares já não são mais uniformes do ponto de vista do
pertencimento religioso, de tal modo que a diversidade afetou as relações intra e entre
gerações nas famílias (Duarte e Gomes, 2008). Acrescente-se que, nas últimas décadas,
as famílias vêm sofrendo transformações nas suas relações internas e no comportamento
reprodutivo (Machado, 1996; Fernandes et al., 1998). Enfim, se a religião mudou, não
foi a única. Cada vez mais, são frequentes famílias com referências religiosas diferentes,
o que pode gerar tanto conflitos como distanciamentos afetivos. Aos novos arranjos
familiares (Berquó, 1998) se sobrepuseram novos arranjos religiosos.7 Em depoimentos
coletados em campo, muitas pessoas que transitaram ou que se declararam sem-religião
tendiam a criar os filhos no catolicismo “porque é sempre bom ter uma religião”, por
oferecer valores morais às pessoas, sobretudo na infância. Assim, embora o catolicismo
já não seja mais a religião dos brasileiros (Sanchis, 2001, p. 13), ele conta com uma
adesão não somente vegetativa mas também inercial. No entanto, em caso de ter um
“filho-problema”, como a delinquência ou uso de drogas, sobretudo na adolescência,

7
Salvo algumas exceções, as análises demográficas dessa sobreposição são ainda muito incipientes.
Regra geral, a literatura tem pensado a transição religiosa a partir de trajetórias individuais.
8

recorre-se à igreja evangélica por sua capacidade de inculcar forte autorregulação nos
filhos.8
Em resumo, a diferenciação das instituições e a composição de novas práticas,
por um lado, e a circulação de pessoas e dos conteúdos simbólicos, por outro,
configuram uma espécie de pluralismo sincrético que diversifica, misturando o campo
religioso contemporâneo. Pluralismo sincrético acrescido de desinstitucionalização das
práticas resultam em intenso trânsito religioso. Não é raro o líder pregar certos padrões
de comportamento e as pessoas o seguirem parcialmente, mantendo suas próprias
regras. Isso não é propriamente novidade para os católicos, para os quais os temas
aborto, controle da concepção, divórcio, entre outros, demonstram o descompasso entre
o ensinamento institucional e a prática dos fiéis.9 Mas isso é algo recente para o
segmento evangélico, que sempre foi considerado rigoroso no comportamento e eficaz
em conseguir a obediência dos adeptos. Cada vez menos há coincidência entre a
identidade religiosa e a prática correspondente, cujo resultado pode ou não levar a
novos padrões de religiosidade e até mesmo a novas instituições. O título-pergunta do
artigo de Pierre Sanchis (1995) capta, com a precisão que lhe é própria, o descompasso
contemporâneo entre instituição e prática: “O campo religioso será ainda hoje é o
campo das religiões?”.10
Em depoimentos de pessoas que declaram ter mudado de religião ou que
praticam mais de uma ou que ainda afirmam não a ter, o mais identificado como ser
religioso é “ter fé em Deus”, cuja definição é razoavelmente variada: “Deus é bondade”,
“Deus é energia”, “Deus tem vários nomes”, “todas as religiões levam a Deus”, “Deus é
tudo” e “Deus é um só”.11 No contexto de pluralismo e de circulação, muitas pessoas
tendem a acreditar não em vários deuses, mas que todas as religiões têm o mesmo deus
dito de maneiras diferentes. Tal noção revela certo desbotamento da imagem do deus

8
Além de dar consolo aos pais. “Mãe de marginal é quase sempre evangélica”, disse-me um jovem que
habita uma região na periferia de São Paulo onde há a convivência entre pobres e o tráfico de drogas.
9
Por exemplo, a organização Católicas pelo Direito de Decidir (CDD) é formada por mulheres católicas
militantes pelo avanço da ciência e das políticas públicas em temas ligados à reprodução da vida: controle
de natalidade, uso de preservativos, pesquisas com células-tronco embrionárias e, o carro-chefe, a
legalização do aborto. Com o intuito de construir um discurso contra-hegemônico, a CDD realiza
pesquisas nas quais muitos fiéis católicos declaram-se favoráveis ao aborto e um número considerável
deles viveu em algum momento essa situação, pessoal ou familiarmente. Mais detalhes, acessar
<www.catolicasonline.org.br>.
10
Para ter uma noção da importância de Pierre Sanchis nas Ciências Sociais da Religião, ver “Dossiê
Sanchis”, com análises de Alejandro Frigerio, Cecília Mariz, Pablo Séman, Lea Freitas e André Santos
publicadas na revista Ciências Sociais e Religião da ACSRM, em 2000.
11
Refiro-me à pesquisa Dinâmicas Religiosas na Metrópole Paulista, realizada no Centro de Estudos da
Metrópole – CEM/Cebrap (Almeida, 2004; 2006a; 2009b).
9

judaico-cristão, tornando-se mais volátil e aderente a outras formas religiosas, como em


uma sociedade deísta, o que, para Casanova (1994), é característico da forma moderna
de religião.12 Inversamente às concepções de deus, é recorrente nos depoimentos a
noção de mal, que, regra geral, é produzido por nós mesmos, fruto de uma natureza
ruim. O mal está dentro de nós e as pessoas boas são exceções. Em resumo, entre
pessoas que transitaram ou se declararam sem-religião, duas noções são frequentemente
associadas à religião: “deus está em todas as religiões” e “o mal está em todos nós”.
O diabo pode ser considerado uma forma mais específica de mal (uma vez que
este não se reduz àquele). Velho (1997) argumenta que o mal à brasileira tende à
personalização (entes como diabo, demônios, espíritos etc.). Assim, se a noção de deus
parece mais volátil, como dito acima, a do diabo apresenta-se mais estável quanto à sua
função acusatória nas diferenças religiosas. Como procedimento de compreensão da
alteridade, a evangelização jesuítica nos séculos XVI e XVII na América portuguesa fez
a redução do universo dos caraíbas (xamãs, cosmologias, objetos rituais etc.) ao do
diabo bíblico (Vainfas, 1995; Pompa, 2003). Após o Concílio Vaticano II (1962-1965),
parte da Igreja Católica procura mover-se (muito mais na reflexão teológica do que na
prática de evangelização) sob a perspectiva da inculturação, segundo a qual o universo
nativo deveria conter nele mesmo a mensagem universal do cristianismo (Rufino,
2002). Voltarei a este ponto mais adiante. Atualmente, está por conta dos evangélicos
conversionistas demonizar as práticas indígenas, identificando no xamanismo e na
pajelança a fonte do mal, e também as tradições africanas, que foram lidas à luz das
teorias mágicas. A demonização é um código universalizador na medida em que todos
podem ser enquadrados na polaridade cristã bem-mal; logo, ocorre como linguagem
acusatória que gera tanto oposições como sínteses. Nesse confronto simbólico, quem
nega engloba o que é negado, ou, dito de outra maneira, combate-se o diferente
assimilando-o como oposição (Almeida, 2006a; 2009a).13
Soma-se a isso a demonização de si mesmo, como na teologia da “batalha
espiritual” e/ou dos “demônios geracionais” presente entre alguns evangélicos e
católicos carismáticos, segundo a qual pecados cometidos por antepassados podem ter
12
Camurça (2006, p. 45) recorre à definição de Luckmann (1967) para pensar o caso dos sem-religião.
No momento atual brasileiro, a tendência seria em direção a uma “religião invisível”.
13
“Com perdão da paráfrase, talvez não fosse ocioso lembrar – na linha de reflexão de Victor Turner –
que justamente onde avultam os conflitos, superabundam os rituais”, diz Velho (1997, p. 150).
Acrescento a essa formulação a de Bastide (1971, p. 388): “O estado de guerra não é prejudicial aos
fenômenos de fusão cultural, ele tanto aproxima quanto opõe, porque, para ganhar uma guerra, é preciso
aproveitar as lições da experiência e tomar do vencedor suas armas mais engenhosas [...] A ausência de
trocas culturais parece estar em seu máximo no tempo de paz e não de guerra”.
10

efeitos práticos negativos sobre seus descentes até determinada geração (Mariz, 1999).14
Ou seja, problemas de ordem moral e espiritual são transmitidos pela procriação via
laços genéticos. Tal relação de substância está presente também na metáfora do sangue
ou das relações consanguíneas (Duarte et al., 2006, p. 40), que cada vez mais perdem
poder simbólico para a metáfora do DNA. Esses vínculos de maldição são rompidos
somente mediante rituais. Para Steil (2006, p. 236), a teologia dos “demônios
geracionais” concebe um modelo psíquico-místico para compreensão das doenças e
mesmo de outros males da vida. Segundo o modelo, o homem é pensado a um só tempo
psíquica, emocional e espiritualmente, o que remete às dimensões da imanência, como é
característico das religiosidades do self, e não às da transcendência, própria dos
discursos clássicos de salvação.
Este último aspecto nos remete ao tema da espiritualidade, que conceitualmente
não se reduz ao alcance da categoria religião, mas é, no entanto, um campo empírico
investigado, regra geral, pelas Ciências Sociais da Religião. A literatura vem
circunscrevendo o fenômeno em torno do termo Nova Era, que em boa medida elabora
a bricolage de referências pré-modernas, tradicionais e/ou orientais, mas com práticas
pós-modernas como a desregulação institucional, o consumo mercadológico de
vivências e experiências espirituais, e a ênfase no autoaperfeiçoamento do indivíduo
(Amaral, 2000; Tavares, 2003). Conforme a clássica circunscrição de Champion (1990),
a “nebulosa místico-esotérica” abarca práticas heterogêneas e desinstitucionalizadas
voltadas para o self, o “eu verdadeiro”, e busca a harmonização psíquica, emocional e
espiritual, em detrimento da racionalidade iluminista (Heelas, 1996; Hervieu-Léger,
1999).
Assim, da mesma forma em que se dilata a ideia de deus e se personaliza o mal
como o diabo, a prática religiosa vai sendo privatizada e individualizada (Luckmann,
1967; Hervieu-Léger, 1999, p. 30). As pessoas costumam falar que a religião lhes “traz
entendimento”. E não se trata de entendimento como oferecido, por exemplo, pela
Teologia da Libertação, no sentido de ter consciência de sua realidade socioeconômica,
mas como autoconhecimento ou autoaperfeiçoamento. Nesse sentido, é possível traçar
afinidades entre algumas práticas religiosas e experiências capturadas pela categoria
social de autoajuda. Se tirarmos boa parte do léxico religioso de certas igrejas, restará

14
A referência bíblica é Êxodo (20:5 e 6), “Não te prostrarás diante desses deuses e não os servirás,
porque eu, Iahweh teu Deus, sou um Deus ciumento, que puno a iniquidade dos pais sobre os filhos até a
terceira e quarta geração dos que me odeiam, mas que também ajo com amor até a milésima geração para
aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos”.
11

um discurso que trabalha na frequencia próxima ao empreendedorismo pessoal e de


autoajuda. A subjetividade contemporânea, em alguns casos, é tratada de maneira
religiosa, mas não por agências religiosas (Duarte et al., 2006). São formas laicas de
religiosidade ou formas de religiosidades laicas?15 Onde está a fronteira entre o profano
e o religioso nessas experiências do ponto de vista da subjetividade? Se sairmos do
plano do discurso, encontraremos um campo mais contínuo onde as fronteiras tornam-se
difíceis de serem demarcadas, exigindo novos enquadramentos analíticos.16
Segundo Charles Taylor, o livro de William James, The varieties of religious
experience, de 1902, é uma obra atualíssima porque, para James, “o lócus real da
religião está na experiência individual e não na vida coletiva” (Taylor, 2002, p. 7).17
“The varieties...” também foi tratada por Geertz no artigo “Beliscão do destino...”, mas
ali serviu como um contraponto para pensar o deslocamento recente operado pela
religião: “A ‘experiência’, atirada porta afora como um ‘estado de fé’ radicalmente
subjetivado e individualizado, volta pela janela, como sensibilidade comunal de um ator
social que se afirma em termos religiosos. “Comunal, mas pessoal...”. [grifo meu]
(Geertz, 2001, p. 159).
Em outros termos, a radicalidade da fé subjetivada e individual, preconizada por
James, está sendo mediada por relações comunais, porém pessoalizadas. Em artigo de
2006, Pierucci lança o argumento segundo o qual a religiosidade contemporânea é uma
espécie de “solvente” social. Suas referências empíricas são a queda demográfica das
religiões com perfil nacional e étnico como as afro-brasileiras e o crescimento do
vínculo flexível e difuso dos pentecostais. Em outros termos, isso tem significado a
ruptura (ou solvência) dos laços de coesão social durkheimianos como o parentesco e a
herança étnico-racial devido à individualização da experiência religiosa, que, por não se
restringir às fronteiras do grupo social, é mais facilmente universalizada. A equação dos
dois movimentos resulta na fórmula: religião universal de salvação individual, em
detrimento das religiões étnicas (Pierucci, 2006a, p. 120). Um adeus a Durkheim, por
um lado, e, por outro, o reconhecimento da atualidade de Weber, propõe Pierucci, que,

15
Como compreender uma igreja pentecostal que ministra semanalmente cultos denominados “Terapia do
amor”, cuja finalidade é restaurar relações afetivas e monogâmicas, que resultarão em vínculos de
parentesco?
16
“Inverte-se aqui a tradicional relação entre a cosmologia religiosa englobante e as eventuais e
englobadas especulações laicas: as especulações laicas tomam a forma de uma ideologia englobante e a
antiga cosmologia englobante se fragmenta em ‘especulações’ religiosas.” (Duarte et al., 2006, p. 24).
17
Em boa medida, as referências religiosas de James (1902) foram o protestantismo norte-americano com
os avivamentos no século XIX nos Estados Unidos e suas dimensões emotivo-subjetiva e catártico-
mística.
12

para tanto, ancora-se em um dos últimos escritos de Geertz, pouco antes de sua morte
em 2006, intitulado “La religion, sujet d’avenir”, publicado no Le Monde:

Em lugar e no lugar da comunidade solidária agregada por representações coletivas (o sonho


de Durkheim), apareceu a rede simmeliana, difusa e privada de centro, conectada por afiliações
genéricas, multidirecional e abstrata. A religião não se enfraqueceu enquanto força social, pelo
contrário. Parece ter-se reforçado no período recente, só que mudou – e muda cada vez mais –
de forma. (Geertz apud Pierucci, 2006, p. 126)

A ênfase dada por Geertz às relações comunais (“Comunal, mas pessoal”,


ressalte-se) no texto do “Beliscão do destino” parece adquirir maior restrição no artigo
do Le Monde sobre o futuro da religião. Conforme a citação acima, os vínculos
religiosos contemporâneos estariam mais para a socialidade de Simmel do que para a
comunidade moral de Durkheim. De fato, trata-se de uma pista profícua para as
Ciências Sociais da Religião no Brasil que, regra geral, entenderam tais vínculos com
base no tema da integração social, como na literatura dos anos 1970. Mas isso significa
que caminhamos para solvência dos laços durkheimianos?
Duas observações sobre esta questão. A primeira é mais conceitual e refere-se ao
argumento de que a religião na atualidade é mais bem compreendida em termos
weberianos do que durkheimianos. No início deste texto, citei como Montero
correlaciona na literatura segmentos religiosos a matrizes teóricas: protestantismo e
Weber, as religiões afro-brasileiras e Durkheim, e o catolicismo e Marx. Pierucci
expressa de maneira singular essa correlação. O declínio demográfico das religiões afro-
brasileiras teria repercutido na capacidade explicativa de Durkheim, enquanto Weber
teria compreendido melhor o momento atual, pois cresce o segmento por ele estudado: o
protestantismo. Em outras palavras, o fluxo dos segmentos religiosos levou consigo,
para o sucesso ou fracasso, as referências teóricas a eles associadas.
A segunda observação é empírica. Em pesquisa na Região Metropolitana de São
Paulo – realizada em equipe18 no Centro de Estudos da Metrópole (CEM/Cebrap), a
partir de dados censitários, pesquisa quantitativa, georreferenciamento dos templos
religiosos e pesquisa etnográfica – constatei a ocorrência simultânea e alternada de uma
socialidade religiosa em sintonia com a dinâmica dos fluxos urbanos com sua
velocidade, heterogeneidade e anonimato, enquanto em outros casos os laços religiosos
se retroalimentam com outros vínculos sociais como parentesco, vizinhança e relações
de trabalho. Isso se torna mais claro no caso da crescente presença das igrejas

18
Agradeço a Ariana Rumstain, Tiarajú D’Andrea e Jacqueline Teixeira pela qualidade e seriedade nas
atividades de pesquisa.
13

evangélicas, que seguem o princípio bíblico de ajudar primeiro os “irmãos de fé” (os
frequentadores do mesmo templo). Esses “irmãos de fé” preferencialmente se tornam
parentes ao casarem entre si, conforme o padrão comportamental evangélico. Ou o
inverso: existem pessoas que evangelizam seus parentes e todos se tornam “irmãos de
fé”. As redes religiosas e familiares assim se sobrepõem e podem engendrar ainda
outras (Almeida, 2009b), e não permanecem ancoradas apenas em vínculos puramente
religiosos, como sugere Pierucci. Em resumo, a socialidade simmeliana e a coesão
durkheimiana são experiências sociais contemporâneas, vividas por meio da religião.
Cito dois exemplos etnográficos.
Recentemente, Cristina Cunha (2009) identificou certa ambiguidade entre
setores evangélicos com o universo do tráfico de drogas, como se houvesse um grau de
condescendência, de permissividade em relação a essa ilegalidade devido à necessária
convivência entre bandidos e evangélicos. A etnografia de Cunha em favelas cariocas
nos apresenta tanto o movimento dos evangélicos na atração de traficantes como a
busca destes por proteção religiosa. O primeiro caso é compreendido como o período de
“conversão” ou “libertação” em que as práticas do crime e da religião podem se
sobrepor temporariamente. O segundo refere-se a essa autonomia da prática que
possibilita ao traficante uma religiosidade de perfil evangélico (como oração por cura e
proteção, ritos de exorcismo ou libertação, doação de dízimo e assistência social) sem
vínculo com a comunidade moral. O malandro e o criminoso que anteriormente eram
associados a práticas das religiões afro-brasileiras buscam agora cada vez mais a
proteção das orações pentecostais. “Evangélico ex-traficante”, “traficante ex-
evangélico”, “evangélico versus traficante” e “ora evangélico ora traficante”: nestas
interfaces, diferentes regimes de moralidade são articulados e ajustados no intuito de
garantir a convivência na relação de vizinhança entre religiosos e bandidos.19 Em outro
exemplo, o trabalho de Marcelo Natividade (2008) etnografa evangélicos que têm
relações homoeróticas em circuitos urbanos, mas as mantêm escondidas da comunidade
religiosa. Entretanto, recentemente foram criadas igrejas de matriz evangélica que
aceitam a prática homossexual de seus adeptos; contudo, não abrem mão do preceito da
fidelidade amorosa e mantêm a contenção de uma gestualidade gay. Assim, a
diversidade das instituições e das relações comunais acentua-se à medida que se dilatam
os padrões morais.

19
Ver Dias (2007), que enfoca as tensões e ambiguidades das identidades religiosas em situação
prisional.
14

O trânsito religioso (circulação de pessoas, conteúdos simbólicos, práticas


rituais, padrões de comportamentos etc.) pende ainda em direção a algo acolhedor e
comunal, que desperta sentimentos, emoções e relações afetivas – “comunidades
emocionais”, define Hervieu-Léger (1993). Não por acaso, as igrejas evangélicas e
outras iniciativas de caráter comunitário e congregacional acabam tendo forte atração de
adeptos. Mais do que rupturas, são experiências de acolhimento. Por conseguinte, não
há propriamente a abolição de cultos coletivos (ao contrário, eles parecem cada vez
mais de multidão ou de massa, sem deixarem de ser também congregacionais e
comunitários), mas a subjetivação da experiência e a desinstitucionalização da prática.
Assim, num exercício tipológico weberiano, mas me valendo também do conceitual
durkheimiano e simmeliano, entendo que na paisagem religiosa brasileira
contemporânea encontramos religiosidades subjetivadas, intramundanas e, em muitos
casos, sem teodiceia do sofrimento, podendo ancorar-se tanto na normatividade da
moral comunitária como na afetividade de interações sociais multidirecionais. Nessas
direções apontam a bússola da experiência religiosa contemporânea, pois a onda quebra
em várias direções.

Espaço público e o religioso

Passemos ao segundo deslocamento: qual é o lugar do religioso no mundo


contemporâneo? A obra de Weber é referência principal para a discussão. Segundo ele,
o processo histórico de racionalização do mundo, entre outros aspectos, reduziu a
religião a uma esfera de valor com lógica distinta, mas ao mesmo tempo em relação (de
tensão ou de afinidade, dependendo do sistema religioso) com as esferas política,
econômica, erótica, intelectual e estética, como formulado no seu clássico texto
“Considerações intermediárias: rejeições religiosas do mundo e suas direções” (Weber,
1971). Deriva-se da análise weberiana o diagnóstico do desencantamento do mundo,
que compreendeu, inicialmente, a desmagificação desencadeada pela racionalidade das
éticas das religiões universais e, posteriormente, a secularização que reduziu o papel da
religião no ordenamento da vida social (Pierucci, 2003).
Até meados do século passado, em grande parte da literatura acadêmica, a
Sociologia da Religião em particular guiou-se pela tese da secularização. Entretanto, as
transformações nas últimas décadas têm demonstrado a persistência da religião na
experiência social. Os exemplos mais recorrentes na literatura do período foram: a
15

Revolução Islâmica no Irã, o papel da Igreja Católica no movimento Solidariedade na


Polônia e na Revolução Sandinista nicaraguense, e o Fundamentalismo Protestante nas
Américas (Casanova, 1994). A religião migrou para a esfera individual e subjetiva, mas
sem se restringir ao privado. Se ela não é mais unificadora da esfera pública, dela
participa e nela está em disputa. Diante do novo cenário, o debate nacional e
internacional apresentou duas grandes linhas interpretativas opostas em relação às
mudanças: encontramo-nos em processo de secularização ou no contrafluxo do
“reencantamento” do mundo?20
No Brasil, a meu ver, as Ciências Sociais da Religião foram bastante pautadas
por essa polaridade, posta, principalmente, por uma Sociologia da Religião realizada na
Universidade de São Paulo. Em artigos provocadores, Flávio Pierucci posiciona o
argumento da secularização contrapondo-a à interpretação do “reencantamento”, que,
segundo ele, está insistentemente presente na literatura. Em um deles, argumenta que o
fiel pode cada vez mais ser entendido como cliente de um serviço religioso obtido por
meio de troca mercantil, e que, portanto, poderia recorrer a um modelo de “defesa de
consumidor”, caso se considerasse lesado ou se suas demandas espirituais não fossem
atendidas – como não ser curado, não obter um emprego, não encontrar soluções para
crises pessoais, afetivas e familiares etc. (Pierucci e Prandi, 1996, p. 284). Na mesma
perspectiva, Reginaldo Prandi (1994) escreveu um artigo cujo título expressa com
transparência o argumento central: “Religião paga, conversão e serviço”. Por fim, a tese
de doutorado de Ricardo Mariano (2001), orientada por Prandi, defende o argumento de
que a oferta decorrente do pluralismo religioso estimula a demanda dos fiéis, e não o
contrário, como afirmariam as explicações predominantes.
Ainda em outros momentos, Pierucci acusa alguns cientistas sociais da religião
de atenderem aos interesses religiosos em suas pesquisas acadêmicas, produzindo uma
Sociologia da Religião academicamente impura,21 por festejarem a “volta do sagrado”
(Pierucci, 1999). Ao contrário destes, Pierucci considera os fenômenos recentes

20
As interpretações de Peter Berger, uma das principais referências para a Sociologia da Religião,
acompanharam essas mudanças. No livro O dossel sagrado... (1985 [1967]), esse autor se assenta no
argumento da secularização, enquanto no livro Rumor de anjos... (1990 [1969]), ele revela a mudança de
diagnóstico. Mais recentemente, e em artigo para Religião & Sociedade (2000), fala em dessecularização.
21
Inspirado em Bourdieu, Pierucci (1999) propõe uma Sociologia da Sociologia da Religião. Os focos
principais são o Iser e sua revista, Religião & Sociedade, duas das principais arenas de pesquisa e de
divulgação científica do tema religião no Brasil, e nos quais identifica a convivência e, em alguns casos, a
mútua influência, de interesses religiosos e científicos. Se ciência e política são duas vocações, conforme
Weber, para Pierucci, ciência e religião também teriam “dois senhores” aos quais não é possível servir
concomitantemente.
16

indicativos do declínio e delimitação do religioso no espaço público. Os acontecimentos


religiosos de repercussão mundial são inerentes às mudanças sociais, mas “A tendência
básica é a racionalização da sociedade e da cultura. Por aí é que corre o leito principal”
(Pierucci, 1997, p. 114). Após receber algumas críticas devido ao caráter inexorável e
totalizante de sua interpretação, ele ajusta o prumo afirmando que a tese da
secularização em Weber refere-se, sobretudo, à dimensão normativa político-jurídica, e
não especificamente às experiências individuais com a religião (Pierucci, 1998).
Em diálogo com a tese da secularização, mas sem lhe dar o fator explicativo
estruturante da trajetória da religião na modernidade, o procedimento de Giumbelli
(2008) foi entender o lugar do religioso a partir do ordenamento político-jurídico, que o
define relacionalmente a outras dimensões da vida social consideradas laicas. Sua
análise comparativa entre a regulação da laicidade na França e da liberdade religiosa no
Brasil demonstra como são definidas legalmente fronteiras, alcances, funções do
religioso, que limitam sua ação e protegem sua existência (Giumbelli, 2002).22
No Brasil, a controvérsia pública que ficou conhecida como “chute na santa” foi
um dos casos mais emblemáticos para pensar essa delimitação. Em 1995, um pastor da
Igreja Universal chutou a imagem de Nossa Senhora Aparecida durante a programação
de seu canal de televisão (a Rede Record), no dia da padroeira do Brasil, 12 de outubro.
As imagens do chute repercutiram na mídia nacional, gerando, de um lado, indignação,
comoção e desagravos entre os católicos, e, de outro, a atenção da opinião pública. Na
verdade, tal prática de vilipêndio já ocorria há mais tempo e com maior intensidade
contra as religiões afro-brasileiras; contudo, elas nunca tiveram a visibilidade midiática
dada pela Rede Globo à indignação da Igreja Católica. Como as afro-brasileiras não são
proselitistas, a estagnação ou a perda de adeptos têm sido a realidade das últimas
décadas. Assim, a concorrência com os neopentecostais tem ocorrido mais como
resistência jurídica, em que candomblé e umbanda reivindicam a regulação legal das
disputas por parte do Estado (Silva, 2007; Oro, 2007a; Almeida, 2007). Se inicialmente
disse que muitos dos afro-brasileiros questionam serem seus cultos tratados como
religião, eles recorrem durante o conflito ao código da liberdade religiosa para obter
proteção jurídica. Neste caso, a categoria religião é capital simbólico para uma
reivindicação legal. Além disso, as ditas religiões afro-brasileiras vêm sendo codificadas

22
Sobre o contexto francês, ver também Birman (2005), que reflete sobre o problema da seita na França,
não na chave jurídico-estatal, mas na articulação entre família, cultura e nação.
17

juridicamente como cultura – mais especificamente, como patrimônio cultural. Isso


amplia o seu reconhecimento no sentido de acesso a direitos e a recursos.
Ainda em relação ao Estado, mas não propriamente à regulação jurídica, outra
controvérsia diz respeito às fronteiras entre política e religião. Aqui, as práticas de
muitos evangélicos se encontram no centro da discussão, especialmente em relação aos
cargos eletivos. A arena do debate público tem sido a mídia nacional que, regra geral,
parte de certos a priori definidores do que deve ser uma verdadeira ou boa religião.
Durante a campanha presidencial de 2002, no último debate do primeiro turno entre os
presidenciáveis, o candidato evangélico Garotinho não fez nenhuma referência a temas
ditos religiosos, em boa medida pela intensa crítica dos meios de comunicação durante a
campanha à sua ambiguidade em relação às motivações e aos interesses religiosos e
políticos.23 O candidato Lula, por sua vez, fez a saudação final à nação agradecendo a
São Francisco de Assis. Nos dias seguintes, a repercussão midiática do debate não fez
nenhuma referência à religião dos candidatos. Foi como se o catolicismo, referido na
fala de Lula, estivesse diluído na paisagem social brasileira de tal forma que isso lhe
conferiu um efeito de invisibilidade. Nesse cenário, por onde passam os interesses da
Igreja Católica no aparelho de Estado, uma vez que o catolicismo foi a referência para a
definição jurídica do que é uma religião? Como ela age na política institucional?
Ari Pedro Oro (2003, p. 60), ao analisar as investidas da Igreja Universal na
política institucional, identifica outros segmentos que a copiam, como a Igreja Católica
que, recentemente, vem incentivando candidaturas de políticos católicos a vereador e a
deputados estadual e federal. Mas além dessa investida, existem outros vínculos, em
especial com o Poder Judiciário, com pouca visibilidade pública e de restrita
identificação. Há, portanto, duas ordens de problema. A primeira: religião e política
podem se conectar? Este é o debate público mais amplo. A segunda: quais religiões têm
maior legitimidade para participar da política e por onde passam seus interesses? Este
debate é pouco explicitado.
De maneira geral, as pesquisas sobre política e religião giram em torno das
eleições, mais centradas nos eleitos e no desempenho de seus mandatos do que nos
23
Quando Garotinho disputava a candidatura à Presidência da República pelo Partido Socialista
Brasileiro (PSB), escrevi um artigo para a coluna Tendências e Debates da Folha de S.Paulo intitulado:
“Garotinho: socialismo do Reino de Deus”, 4 set. 2001. Em uma espécie de weberianismo ingênuo,
cobrava-lhe que distinguisse para o eleitorado o político do religioso em seus discursos e imagem pública.
Dias depois, em 19 de setembro, no mesmo espaço do jornal veio a resposta de Garotinho. Em resumo,
negava haver ambiguidade em sua campanha eleitoral com o artigo cujo título era “Tu o dizes”.
Curiosamente, esta frase foi dita por Jesus ao responder à pergunta-acusação de Pilatos se Jesus era ou
não o rei dos judeus.
18

eleitores. Desde o trabalho seminal de Freston (1993), e também os de Pierucci e Prandi


(1996), Mariano (1999), Machado (2006), Oro (2007b), entre outros, vem sendo
produzida uma série histórica de dados eleitorais.24 Ciente da importância desses dados,
cabe ampliar o conhecimento sobre a conexão entre opção eleitoral e eleitor do ponto de
vista dos seus interesses, cálculos, vínculos, valores que orientam o voto dos religiosos
ou em religiosos (ou contra eles)? Dito de outra maneira, na economia do voto, qual a
importância das motivações ditas religiosas?
Em 2004, na Academia Católica da Baviera, o filósofo Jürgen Habermas e o
então cardeal Joseph Ratzinger, posteriormente Papa Bento XVI, debateram sobre o
lugar da religião no mundo contemporâneo. O filósofo afirmou que em uma sociedade
“pós-secular” seria legítima a participação das religiões na esfera pública política, mas
acrescentou: “contanto que elas somente evitem o dogmatismo e a coação moral”
(Habermas e Ratzinger, 2007). Isso porque as religiões podem fornecer conteúdos éticos
a uma sociedade secularizada. O importante para o autor seria manter os procedimentos
formais nas interações sociais que contribuem para maior participação cívica. Se
adotarmos esse procedimento, o problema é como garantir o direito de alguns
evangélicos salvacionistas serem o que são se sua maneira de ser implica não deixar os
outros serem eles mesmos? Ou como lidarmos com a Igreja Católica que, apesar de
estar em um contexto de pluralismo religioso, ainda guarda o DNA de igreja – no
sentido sociológico definido por Weber e Troeltsch, qual seja, o de uma instituição
religiosa coextensiva à ordem social, daí o efeito de invisibilidade?25
Os deslocamentos da política e da religião trazem imediatamente a reboque
outros dois temas: mídia e mercado. No episódio “chute na santa”, Rede Globo e Rede
Record estavam implícita ou explicitamente vinculadas aos interesses de duas igrejas e
compuseram a controvérsia ao mesmo tempo como arena e agente do conflito (Pierucci
e Prandi, 1996; Giumbelli, 2002; Almeida, 2007). O evento gerou tanto tensão interna
do campo das religiões como imbricação deste com interesses do mercado (a mídia,
sobretudo). A literatura sobre mídia religiosa já é consideravelmente ampla e indica
duas direções: produção e recepção. A primeira compreende desde a programação
televisiva aos vínculos políticos que viabilizam as concessões públicas e a participação
na esfera estatal (Fonseca, 2003). A segunda, ainda pouco explorada pela literatura,
refere-se à recepção da programação religiosa. Isso porque, em um contexto de

24
Ver também Freston (2004).
25
Para outras análises sobre religião no espaço público, ver coletânea organizada por Birman (2003).
19

desinstitucionalização, circulação e subjetivação da religião, a audiência televisiva


doméstica tem reconfigurado a experiência religiosa contemporânea, que é cada vez
mais mediada pelos meios de comunicação e entremeada por afazeres ditos profanos.
Essa forma de lidar com a religião – flexível e difusa – foi interpretada na chave
do mercado religioso, em dois sentidos. No primeiro, o mercado é metáfora para pensar
a religião contemporânea, na medida em que os indivíduos escolhem, consomem,
compõem conteúdos simbólicos, práticas rituais, comportamentos etc. No segundo
sentido, trata-se da mercantilização de bens de consumo religiosos da indústria
fonográfica, dos meios de comunicação, dos circuitos turísticos, do mercado editorial,
entre outros, e que configuram práticas, gostos, estilos, estéticas etc. Em muitos
aspectos, a metáfora do mercado compreende a prática religiosa que englobei
anteriormente sob o termo trânsito religioso (circulação, individualização,
desinstitucionalização), a meu ver, um termo mais neutro, no qual se destaca
propriamente a dinâmica, sem trazer junto as conotações mercantis em estrito senso.
Mas o deslizamento com pouca mediação entre os dois sentidos de mercado desemboca
no argumento de que o englobamento da religião pela lógica econômica mercantil é
vetor de secularização.26
Cito, por fim, mais uma controvérsia pública que, na verdade, se subdivide em
outras referentes à reprodução e ao fim da vida (Duarte et al., 2006), tais como
pesquisas genéticas (Luna, 2006, 2009), controle da natalidade (Machado, 1996), aborto
(Mariz, 1998; Rosado-Nunes, 2006; Gomes, 2009) e eutanásia (Menezes, 2009). Em
suma, questões de ordem moral e científica em torno das quais diversos segmentos,
agentes, discussões, ações políticas são confrontados. Como exemplo, na controvérsia
em torno da recente Lei de Biossegurança, mais especificamente em relação ao debate
sobre o uso de embriões de laboratório para pesquisas genéticas, a Igreja Católica foi a
grande militante contrária e retardou por um tempo o andamento delas (Luna, 2006).27
O código genético (e seu reverso, o mistério da concepção), o sexo (e sua interdição, o
celibato) e o aborto (e seu simétrico-inverso, a eutanásia), todos ancorados no
sacramento englobante da família monogâmica e heterossexual, são aspectos da
26
Acompanho a síntese de Giumbelli (2002, p. 236) quando afirma que “Vê-se bem como o ‘debate’
reduz-se ao que fazer com Weber... Mas em uma coisa é verdade, as posições de Prandi e Pierucci
ganham peculiaridade: é nestas que encontramos nitidamente a conjunção entre um modelo econômico e
um ordenamento jurídico da religião”.
27
Durante o período que antecedeu a votação pela continuidade de pesquisas com células-tronco
embrionárias no Supremo Tribunal Federal, instaurou-se um debate público que culminou com a
aprovação da Lei de Biossegurança em maio de 2008. Mas antes do desfecho final, o julgamento foi
retardado com pedido de vistas por um dos juízes cuja indicação do STF teve o apoio do Vaticano.
20

reprodução da vida das quais a Igreja não abre mão de legislar. Tudo isso é pensado do
ponto de vista da Igreja como interdependente e não diz respeito apenas ao fiel católico,
mas à moralidade pública que serve para todos. A despeito de onde a ciência ancorar
discursivamente a fonte da vida (o sexo, a concepção, o código genético), lá estará a
Igreja Católica afirmando a sacralidade daquele momento e sua pretensão de legislar
sobre ele.28 A Igreja Católica, agindo como igreja, no sentido weberiano, pretende
colocar-se em patamares mais profundos da estruturação do espaço social, das relações
societais aos sistemas de ordenamento jurídico-político. Mas na conjuntura atual de
pluralidade religiosa, a Igreja Católica afirma uma diferença para marcar sua posição no
espaço público; e como efeito do pluralismo, o catolicismo ganha maior visibilidade e
nitidez, apesar da perda de adeptos (Antoniazzi, 2002; Mariz, 2006).
Em seminário organizado pela Comissão de Cidadania e Reprodução e pelo
Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) a propósito das pesquisas sobre
células-tronco embrionárias, que reuniu juristas, cientistas, filósofos e movimentos
pelos direitos reprodutivos, um físico respeitadíssimo no campo acadêmico nacional fez
sua palestra sobre a impossibilidade de a ciência definir o momento exato do início da
vida. Um dos exemplos foi o caráter aleatório da fecundação de um óvulo por um
espermatozoide em meio a milhares de outras possibilidades. Ele pretendia demonstrar
o equívoco da Igreja em determinar o começo da vida, que a leva a militar contra o
aborto e as pesquisas genéticas. Durante o debate, veio do público um curto e demolidor
comentário: “A aleatoriedade, então, comprova o milagre da vida, daquela vida
especificamente, que deve ser preservada e não abortada”. Não se tratava de um
religioso falando, mas de uma antropóloga explicitando como o argumento científico
pode ser englobado pelo religioso, não como oposição, mas como algo que dá
plausibilidade a especulações transcendentes.
Os argumentos religiosos podem ser, portanto, perpassados por fundamentos da
ciência moderna. O ethos privado confessional assim como o não confessional têm
crença na ciência decorrente de uma visão naturalista que compõe o valor “vida”, que
deve sempre ser preservada (Duarte et al., 2006). Daí as avaliações morais serem
ancoradas em razões científico-naturalistas: a desobediência à lei natural da reprodução
e da sexualidade, por meio de manipulação genética, do aborto, da eutanásia e do

28
Por exemplo, Santo Tomás de Aquino escreveu que a pessoa não estaria constituída enquanto a alma
não fosse implantada, o que ocorria somente após quarenta dias para os homens e oitenta para as
mulheres (Boltanski apud Gomes et al., 2009, p. 50).
21

homossexualismo, resulta no detrimento do valor “vida”. Na mesma trilha, Luna (2006,


p. 114) investiga como as “usuárias e profissionais de serviços de infertilidade geral e
reprodução assistida mantêm com a dimensão religiosa”. Sua conclusão é de que não há
como separar os fundamentos laicos e religiosos dos valores “vida” e “natureza”, uma
vez que estes se ancoram tanto em argumentos científicos naturalistas como em valores
transcendentes acrescidos de uma gramática religiosa. E a propósito da Lei de
Biossegurança, Luna (2009) demonstra como os argumentos dos religiosos na cena
pública valiam-se da explicação naturalista para fundamentar seus valores.
Se assim é, o discurso de Ratzinger, no confronto com Habermas, vai no sentido
contrário, mas o resultado é o mesmo. O cardeal afirmava que a religião pode oferecer
conteúdos éticos à ciência, uma vez que esta, como a história vem demonstrando, pode
ser instrumentalizada para a destruição do homem através de armas, guerras, regimes
políticos, econômicos etc. Em suma, a prática científica necessitaria de uma moral
transcendente que a religião pode oferecer. E a teologia natural é a racionalidade que
vincula uma moral religiosa à ciência moderna, pois entende que a ordem da natureza
tem fundamentação transcendente.
É possível estender o argumento do naturalismo para o criacionismo
contemporâneo de matriz fundamentalista protestante estadunidense. A explicação atual
mais corrente é a do Intelligent Design (Lecourt, 2006). Segundo a teoria, o universo e
sua ordem natural atestam a existência de uma mente que o desenhou. A estratégia dos
propagadores dessa teoria não é a de se opor ou recusar a tese da evolução biológica,
mas oferecer à tese criacionista o mesmo estatuto científico de plausibilidade, o que
deriva em dois assuntos práticos: a introdução do criacionismo nos currículos escolares
públicos (Giumbelli e Carneiro, 2004) e o incentivo financeiro à pesquisa empírica.
Resumindo, o novo criacionismo busca uma inserção na lógica do pluralismo,
reivindicando um espaço laico e legítimo para as hipóteses sobre a origem do mundo.
Diante de todo esse cenário, as três controvérsias religiosas no espaço público
citadas neste item podem ser pensadas da seguinte maneira: o “chute na santa” foi um
conflito simultaneamente religioso (Igreja Universal versus Igreja Católica) e
econômico, com ramificações nos meios de comunicação (Rede Globo versus Rede
Record); a campanha eleitoral de Garotinho foi uma disputa política em linguagem
religiosa no campo dos meios de comunicação; as pesquisas sobre células-tronco
embrionárias geraram um embate entre ciência e religião sobre a gestão da moralidade
pública e a concepção sobre a origem do mundo.
22

Dito de outra maneira, o alcance e os impasses do religioso no espaço público


brasileiro podem ser organizados em torno de três eixos: político-jurídico (não se trata
apenas de compreender a presença das religiões no espaço público, mas também como a
constituição deste “re”codifica o que seja próprio do religioso); mercado-midiático
(ênfase tanto nas instituições religiosas agindo no mercado como no consumo e uso de
artefatos religiosos); e, por fim, científico-educacional (por um lado, as tecnologias de
reprodução da vida e suas questões éticas e, por outro, a transmissão de conhecimentos
científicos perante os dogmas religiosos).
Tais aspectos indicam que o religioso no mundo contemporâneo parece estar
paradoxalmente diluindo-se nas outras esferas ou se expandindo por elas. Entretanto,
mais do que optar analiticamente entre uma ou outra alternativa (o que pode remeter à
polaridade reencantamento-secularização), é mais profícuo pensar na articulação dos
dois movimentos que se reduz à transformação do que seja a religião, hoje.29 No puxa-
encolhe do religioso, trata-se de saber em que dimensão ele está sendo codificado, pois
seus deslocamentos são recíprocos a outras transformações sociais, uma vez que na
mundaneidade da religião, no sentido de imiscuída na vida cotidiana, as temporalidades
de deus e do mundo não estão tão diferenciadas.

Religiões e alteridade

Nesse último item, pretendo refletir, ainda que rapidamente, sobre o


deslocamento formulado a partir de um efeito de contraste com a entrada das religiões
em diferentes contextos socioculturais. Deslocamento aqui também é territorial, a
começar pelo Brasil e sua tradição cristã como receptores de outros sistemas religiosos,
em particular, o budismo, islamismo e o judaismo. Em primeiro lugar, destaca-se no
país o pouco estudo sobre estes devido à pequena representação demográfica e às
dificuldades culturais e linguísticas no entendimento de suas práticas e cosmologias. Em
boa medida, as poucas análises tenderam a refletir sobre a sua adaptação ao contexto
brasileiro (Shoji, 2004; Pinto, 2005). A pesquisa de Usarki (2006) aponta para o caráter
globalizador do budismo contemporâneo, cujos conflitos internos repercutem
internamente no país e acompanham as segmentações globais. A análise de Oliveira

29
Seguindo a sugestão de Geertz (2006), em Religion, sujet d’avenir: “E isto nos incita [...] a estudar a
modernização interna às religiões; a avaliar não somente o avanço ou o recuo ‘da religião’ de modo geral,
mas a apreender os processos de transformação e de reformulação de cada religião em particular no
momento em que ela penetra, bem ou mal, nas perplexidades e nos desregramentos da vida moderna”.
23

(2006) sobre o Islã, por sua vez, delineia, ainda que preliminarmente, a sua acomodação
ao campo religioso brasileiro caracterizado pela flexibilidade das práticas e das crenças.
Como o Islã não possui uma institucionalidade centralizadora, sua capacidade de
ordenamento das práticas depende em muito de um enraizamento social profundo, o que
ainda não se constituiu no país. Assim, a orientação dos comportamentos e das
cosmologias são frágeis, o que resulta em combinações com outras práticas religiosas
apontando para a formação de um Islã de perfil brasileiro. Por fim, a presença do
judaísmo é um pouco mais consistente, mas também padece de investigações. Convém
destacar, no entanto, suas variações em função da interação com contextos cristãos.
Como bom exemplo de aquisição de cores locais, a etnografia de Fontanezzi (2010)
apresenta uma comunidade de origem judaica que acredita em Cristo e procura unir
judeus, cristãos novos e gentios30.
Por outro lado, se o país é receptor de sistemas religiosos, ele também vem se
destacando como emissor para outros contextos sociais e nacionais, sobretudo os de
perfil cristão, mesmo que parcial. Na literatura, os lugares mais investigados costumam
ser os já cristianizados, onde as religiões exportadas, por intermédio de missões ou
processos migratórios, acentuam o pluralismo local. Preferencialmente, os estudos são
em regiões urbanas de países da América Latina, de língua portuguesa na África e em
Portugal, e os segmentos investigados são variados: o evangélico (Freston, 1998; Mafra,
2002; Oro, Corten e Dozon, 2003; Séman, 2003), o candomblé e a umbanda (Segato,
1999; Oro, 1999; Saraiva, 2007), o espiritismo (Lewgoy, 2008), entre outros.31 Aqui
também é frequente nas análises a utilização de termos como transnacionalização,
expansão, acomodação, enraizamento, posto que o foco analítico está mais na
disseminação e transformação das religiões, e não propriamente no seu estatuto.
Essa segunda discussão, sobre a qual pretendo me deter neste item, torna-se mais
evidente, mas não exclusivamente, quando há o deslocamento das religiões para

30
Os judeus-messiânicos nasceram nos Estados Unidos como boa parte do segmento evangélico
brasileiro. Dentro do espectro cristão, os evangélicos são os mais próximos dos judeus-messiânicos, que,
não por acaso, atraem adventistas, batistas, metodistas etc. mais do que católicos. Para Fontanezzi, a
conjunção aditiva “e” caracteriza a interação dos judeus-messiânicos. As identidades não são obliteradas.
Isto é distinto do ensinamento do apóstolo Paulo aos gálatas, uma das principais referências bíblicas do
universalismo cristão. Escreveu Paulo para justificar a evangelização dos não judeus: “Nisto não há judeu
nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus”
(3:28). Os demarcadores das diferenças étnicas, da condição social e de gênero são suprimidos com a
conjunção “nem” na pregação de Paulo, enquanto entre os judeus-messiânicos eles são compostos pela
conjunção “e”. Em termos práticos, trata-se de uma comunidade cujas identidades pré-judaísmo-
messiânico são tensionadas constantemente na interação social e na elaboração teológica.
31
Destacaria ainda o trabalho de Boyer (2008) sobre os evangélicos na Amazônia brasileira.
24

contextos onde a ordem cristã não é a referência principal, e nem mesmo a religião, se
fizermos uma preventiva desconstrução categorial. O debate aqui se dá em torno do
problema da cultura, que não é só uma questão acadêmica, mas também dos próprios
religiosos. Na discussão com Habermas, o teólogo Ratzinger afirmou que a
universalização do cristianismo não se deve dar tão somente pela fé católica, dada a
infinidade de crenças presentes neste mundo globalizado, mas a partir de um universal
humano apreensível na “interculturalidade”. Isso nos remete ao campo de estudos das
missões, aparelho eclesial especializado no problema da alteridade que tem se mostrado
frutífero para pensar a religião a partir das suas margens.
Nas áreas indígenas no Brasil destacam-se duas formulações nativas de missão:
a inculturação católica e a transculturação evangélica. Conforme Rufino (1996, p. 167;
2002), a inculturação entende que as culturas trazem em si e de forma plena as verdades
religiosas cristãs anteriores ao próprio catolicismo. Caberia “despertar” nas culturas
valores universais como o amor e a justiça, cuja maior expressão teria sido Jesus Cristo.
Shapiro (1987) define como evoluiu a perspectiva missionária católica no Brasil do
período colonial ao contexto pós-Vaticano II: primeiro, com os jesuítas, a Igreja
precisou demonizar os mitos e rituais indígenas; depois os catequizou recuperando a
ideia natural de Deus; por fim, se inculturou, abdicando do padrão clássico de
conversão. Simétrica e inversamente, e mais ao estilo conversor jesuíta, as missões
transculturais evangélicas “anunciam” o Evangelho, pela escrita ou pela oralidade,
visando agir sobre as dimensões espirituais (logo, universais) que perpassariam às
formas culturais específicas (Almeida, 2006b). A transculturação e a inculturação
procuram (ou melhor, constroem) dimensões religiosas nas culturas indígenas, o que
resulta em pensar o cristianismo como um valor autóctone.
Assim, da mesma forma como foram identificados fundamentos científicos em
valores religiosos nos movimentos “pró-vida”, como a luta contra o aborto e a eutanásia
referidos no item anterior, houve o deslizamento da noção romântica de cultura para as
próprias religiões, sobretudo aquelas com pretensões universais. Mas o inverso também
é verdadeiro: conceituações religiosas deslizaram para as Ciências Sociais da Religião.
Seguindo a metodologia da História das Religiões, Gasbarro nos demonstra como a
própria categoria analítica religião está comprometida com o cristianismo e seu caráter
universal. A gramática universalizante das missões cristãs referenciou em boa medida o
conceitual das Ciências Sociais da Religião (Gasbarro, 2006, p. 102). Tambiah (1990),
por sua vez, demonstra como na modernidade a religião passou a ser entendida como
25

um sistema de ideias (crenças e doutrinas), tornando-se uma das medidas de


racionalidade das diferenças culturais. A progressão evolucionista do pensamento da
magia, religião e ciência, presentes em Frazer, Tylor e tantos outros, é um ótimo
exemplo. Não por acaso, a cosmologia será vista como o lugar por excelência da
religião ou o equivalente dela, tanto para as missões como pelas Ciências Sociais
nascentes. Mas, como relembra Viveiros de Castro (2002b, p. 130), “Sabe-se o estrago
causado pela antropologia ao definir a relação dos nativos com seu discurso em termos
de crença – a cultura vira uma espécie de teologia dogmática”.
Essa crítica é particularmente válida para Geertz. Refiro-me especificamente ao
artigo “Religião como sistema cultural”, de Interpretação das culturas, em que Geertz
(1978), segundo Talal Asad (1993, p. 29), teria uma definição universalista de religião:
um modo de ver o mundo (uma perspectiva) entre outros como a estética, a ciência e o
senso comum. Cristina Pompa (2006, p. 116), na coletânea organizada por Montero,
identifica como esta perspectiva religiosa é definida em termos de crença e fé –
conceitos teológicos que têm sua própria história no cristianismo e nas missões. 32 Não
por acaso, Kuper (2002, p. 130) entende que, para Geertz, em especial em The religion
of Java, a religião era a “epítome da cultura tradicional”. E Viveiros de Castro (2002a,
p. 191), por fim, sintetiza o deslizamento conceitual possível com base em Geertz: “A
‘religião como sistema cultural’ pressupõe uma ideia da cultura como sistema
religioso”.
Mas, para efeito deste artigo, fiquemos com os textos mais recentes de Geertz
como o “Beliscão do destino...” e La religion, sujet d’avenir, já do século XXI, nos
quais parece mais vacilante em definir o que é a religião. Sua metáfora sísmica “o solo
se moveu sob nossos pés” e a percepção de que “Há coisas demais a que se quer dar o
nome de ‘religiosas’” mostram que ele parece saber cada vez menos o que ela é. E se
como afirma Bruno Latour (2002), “a crença não é um estado mental, mas um efeito da
relação entre os povos”, não devemos nos situar nem na perspectiva da crença e nem
propriamente na dos povos em si, mas na ideia de relação. Então, se religião é uma
construção histórica, como pensá-la no equacionamento entre distintas culturas e
sociedades?

32
A perspectiva religiosa ancora-se em dogmas, que, por princípio, exigem uma parcial renúncia do senso
crítico (daí ser distinta da perspectiva científica) e confere ao seu conteúdo o estatuto de verdade. Ou,
para evocar novamente Weber (1971, p. 403), referência fundamental de Geertz, os dogmas implicam
“sacrifício do intelecto”.
26

As atividades missionárias mobilizam o interesse de áreas de conhecimento que


extrapolam o campo específico dos estudos da religião; mais particularmente, refiro-me
à etnologia indígena sul-americana. Inspiradas na coletânea de Hefner (1993), no Brasil,
as duas coletâneas organizadas por Robin Wright (1999, 2004) e outra em parceria com
Aparecida Vilaça (Wright e Vilaça, 2009) são esforços recentes para compreender a
realidade contemporânea do cristianismo entre grupos indígenas a partir de diferentes
pesquisas, em sua maioria etnográficas e etnológicas. O argumento bastante recorrente
nos artigos, mas também em outras monografias (Capiberibe, 2007), ancora-se na
perspectiva sahlinsiana, segundo a qual a lógica nativa incorpora (digere, engloba,
indigeniza) em seus termos o que lhe exógeno (Sahlins, 1988, 2008).
A análise de Viveiros de Castro sobre o sermão do padre Antonio Vieira, de
1672, segue essa linha. No sermão, o missionário afirmou que os índios do Novo
Mundo seriam como a “murta” e não como o “mármore” em sua fé, uma vez que
aderiam a ela e a abandonavam com muita facilidade, disso resultando sua inconstância
para a vida religiosa. Na interpretação desse autor, a inconstância deveu-se ao fato de
que a constante indígena era uma “abertura para o outro” e não a identidade centrada da
perspectiva cristã. Para ele, uma espécie de irredutibilidade entre as ontologias Tupi e
cristã fundou o “desencontro americano” (Viveiros de Castro, 2002, p. 206). Do mesmo
modo, a etnografia de Vilaça sobre os índios Wari’ argumenta que o sucesso
momentâneo das missões deveu-se a um mal-entendido entre as suas intenções e a
recepção dos índios. O equívoco daqueles estaria em estabelecer uma correlação entre
xamanismo e religião, quando na verdade ambos se fundamentariam em formas
distintas de pensamento. O xamã, que foi considerado como o lugar do religioso pelos
missionários, é aquele que vê e não o que crê (Vilaça, 1996).33 Segundo a autora, as
conversões produzidas pelas missões transculturais evangélicas deram-se por
motivações que se encontravam na ordem social, e não na teológica. Houve um
encontro de sociologias e não de cosmologias. Daí o título do artigo de Vilaça:
“Cristãos sem fé”. Em resumo, é recorrente nessa literatura o argumento do mal-
entendido, de onde se conclui que mais do que conversões, as religiões foram
convertidas.

33
Ver ainda Vilaça (2008) sobre a incompatibilidade dos pensamentos Wari’ e cristão. A Epístola aos
Hebreus (11:1) sintetiza a ideologia religiosa cristã: “A fé é uma posse antecipada do que se espera, um
meio de demonstrar as realidades que não se veem” [grifo meu].
27

Evidentemente que a etnologia indígena, como área de conhecimento, tem sua


agenda própria, na qual as religiões, o Estado, o mercado etc. configuraram variáveis
dependentes e englobadas pelo ponto de vista êmico (Viveiros de Castro, 1999). No
entanto, tal perspectiva tende a não levar em consideração a dinâmica das próprias
religiões, suas lógicas de funcionamento e estratégias de ação. 34 Isso, todavia, não
significa abandonar a sugestão do mal-entendido, mas simplesmente colocá-lo de outra
forma, não para reafirmar uma incompatibilidade de diferenças, mas para pensá-lo
como um produtor de transformações, tanto nos termos da relação – índios e
missionários – como no que os relaciona – a religião.
A coletânea de Montero (2006b) procura caminhar nesta direção, embora boa
parte dos artigos se aproxime do problema via missões cristãs, o que também gera certa
miopia sobre o que se dá na interação, mesmo que o foco esteja nas práticas, como
sugerido. Em termos teóricos, a proposta de Montero é não se fixar propriamente na
emissão missionária e nem na recepção indígena, mas nos processos práticos de
interação entre ambos. O foco analítico deve ser justamente esse espaço de mediação
cultural, não com a finalidade de mensurar os entendimentos, mas de compreender os
mecanismos de compatibilização de distintos códigos culturais realizados na interação
entre agentes situados.
O trabalho de Orta sobre o catequista indígena entre os Aymara do altiplano
boliviano é exemplar. O autor busca fugir do dualismo essencializador, no qual se
procura autenticidades culturais, para pensá-lo como uma metonímia da história
colonial que não deve ser desconstruída em busca de um estágio pré-contato, mas
analisada exatamente em sua condição de síntese de mediações culturais (Orta, 2000, p.
876). O catequista tem amplitude de visão decorrente de sua mediação translocal e sua
centralidade local, e, devido a esse posicionamento, opera sinapses entre códigos
culturais descontínuos. Tais interações ocorrem com certo grau de indeterminação e
comunicação, nas quais se estabelece uma relação sistêmica de sentidos com
intensidades e planos diferentes, gerando tanto mudanças como permanências (Almeida,
2006b). Portanto, devem-se entender as missões não em termos de ortodoxia, mas de
uma ortoprática, como sugere Gasbarro (2006, p. 71).
Colocando-se questões semelhantes, Velho (1997) problematiza, via religiões e
no plano da globalização, a tradução ou comunicação intercultural. Ele propõe basear-se

34
Ver teses de doutorado de Barros (1993) sobre a linguística missionária e Almeida (2002) sobre as
missões transculturais.
28

não propriamente em diferenças reificadas, mas em um “discurso das semelhanças e das


aproximações contingentes” (p. 138), daí enfatizar não o desencontro, mas o mal-
entendido produtivo, uma conversação como jogo de linguagem, sem perder de vista,
evidentemente, as hierarquias de poder estabelecidas no próprio processo. Isso não
significa situar-se no nível global (ou transnacional) em oposição ao local, mas superar
a oposição fixando-se na relação entre esses termos, que só existem do ponto de vista
analítico. Entendo que sua proposição não seja propriamente pensar as religiões na
globalização, mas a religião (pentecostal especificamente) como globalização. Esta não
seria como um termo da polaridade, e sim “mais como um texto, um recurso cultural,
acionável por diferentes agentes e em diferentes contextos” (p. 145), em suma, um jogo
de linguagem. Dessa forma, Velho (2006, p. 166), citando a etnografia de Capiberibe
(2007) sobre a presença do cristianismo entre os índios Palikur, destaca como o
xamanismo e o pentecostalismo conectaram-se via experiência ritual com o Espírito
Santo. Nem só religião, nem só xamanismo, mas uma mútua indexação, onde local e
global se dissolvem, ou desempenham um texto cultural.
Em outro artigo, Velho (1998) pergunta-se: “O que a religião pode fazer pelas
ciências sociais?”. O budismo, hinduismo, judaísmo e outras tradições orientais, por
exemplo, poderiam contribuir no plano epistêmico com as Ciências Sociais da Religião,
que poderiam “afetar-se” mutuamente na compreensão da “experiência religiosa nela
mesma”. Em uma perspectiva comparativa, ele propõe um deslocamento com base no
que chamei pouco atrás de efeito de contraste. Gasbarro e Montero, por sua vez,
sugerem reler a tese da secularização a partir da desnaturalização da religião e
compreender como ela está intrinsecamente conectada à constituição da modernidade.
Em resumo, as sugestões desses autores, e com as quais alinha este artigo, caminham no
sentido da reflexividade da categoria religião.
Assim, a proposta deste item final, e que pretende repercutir nos dois primeiros,
vai no mesmo movimento de colocar a religião em perspectiva no tempo (por meio da
arqueologia dos nossos conceitos e no espaço (colocando-os na perspectiva das
relações interculturais). Ou seja, se consideramos que boa parte da visada das Ciências
Sociais foi influenciada pelas próprias religiões, em particular o cristianismo, é de se
esperar que os estudos delas em contextos de tradição não cristã ou sem religião
produzam efeitos na própria categoria analítica, no sentido de desconstruí-la e de
redefini-la. Mas, desta feita, o procedimento é intencional e adotado como método. O
intuito não é saber o que ela é em si. A boa pergunta é o que ela relaciona e agencia na
29

transição do que foi agrupado como religiosidade, religioso e religiões, a saber: a


reconfiguração das práticas; a subjetivação da experiência; a indistinção entre religioso
e laico; a alteração funcional dos vínculos sociais; a gestão e disputa entre regimes de
moralidade; a redefinição do público e privado; entre outras transições. Afinal, “Seria
uma pena estarmos vivendo em meio a esse evento sísmico e nem sequer saber que ele
está acontecendo” (Geertz, 2001, p. 165).

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