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1.1 Introdução
Ao iniciarmos uma disciplina que tem como meta o estudo da “História da Teologia”
formulada em 2.000 anos de história do Cristianismo, cabe, inicialmente, um questionamento:
Por que devemos estudar a história da teologia cristã em um curso que possui, claramente,
uma finalidade pastoral e missiológica? Esta pergunta é extremamente relevante. Por isso,
serão elencadas cinco razões para este diálogo ser iniciado.
A terceira razão é estritamente histórica. Jesus foi um personagem histórico. Seu nascimento,
vida, morte e ressurreição ocorreram em um lugar, tempo e espaço específico. Seus
seguidores reivindicaram, nestes dois milênios de história, contrariamente a diversas vozes
discordantes, provenientes de pessoas cristãs e não-cristãs, que sua fé não era apoiada em
sonhos, visões, misticismos, experiências sensoriais místicas ou revelações de outro mundo,
mas se baseava em um sujeito histórico que esteve em carne e osso entre os seus
contemporâneos, e que também ressuscitou corporalmente sendo visto por centenas de seus
seguidores. Tudo isso aconteceu na história. Os apóstolos de Jesus foram desafiados, nos
primeiros anos após a sua ascensão, aproximadamente em meados dos anos 30 d.C., a
demonstrar a seus irmãos judeus que habitavam em Jerusalém que este Jesus, crucificado
pelos romanos e ressuscitado por Deus, era o Messias prometido a seus antepassados. Os
filósofos e teólogos cristãos posteriores também refletiam tendo por base a Encarnação, a
crença de que Deus se tornou uma pessoa humana e habitou no mundo, tema que se tornou
central nas discussões cristológicas e trinitárias dos primeiros cinco séculos.
Imagem 1 - Pós-modernidade
Fonte: http://www.ideiademarketing.com.br/wp-content/uploads/2014/11/consumo-1024x768.jpg
A quinta razão é que vivemos em um mundo que se tornou muito rápido. E, neste mundo ágil,
no qual “tudo que é sólido desmancha no ar” (Berman, 2007), as mudanças são, às vezes,
imprevisíveis, e o homem atual angustia-se diante desta imprevisibilidade. Alguns poucos
exemplos poderão clarear melhor este ponto. Em primeiro lugar, o renascimento da
religiosidade ao redor do mundo: o crescimento evangélico e católico; o renascimento do
fundamentalismo islâmico; a proliferação de seitas esotéricas e místicas; o retorno do
paganismo pré-cristão; o advento da sociedade pós-cristã nos países mais desenvolvidos do
mundo ocidental. Em segundo lugar, o desenvolvimento dos meios de telecomunicação com
predomínio da imagem e da leitura rápida: televisão, telejornais, internet, cinema, videoclipes,
WhatsApp, Facebook, Instagram, Twitter, dentre outros. Em terceiro lugar, a substituição da
leitura pelo divertimento ou, em outras palavras, a leitura sendo considerada por muitos como
um trabalho enfadonho e não uma atividade de lazer. Em quarto lugar, a emergência de "best
sellers" nas áreas de esoterismo, autoajuda e psicologia do cotidiano. Em quinto lugar, o
pragmatismo como filosofia de vida dominante no capitalismo atual, com seus lemas “o
importante é ser feliz” ou “você nasceu para ser feliz”. Finalmente, a permanência em grandes
fatias da população do analfabetismo, e a popularização do analfabetismo funcional, ou seja,
da incapacidade de pessoas alfabetizadas compreenderem e interpretarem textos escritos,
ainda que sejam minimamente simples.
A sexta razão acontece no próprio contexto evangélico brasileiro que, desde algum tempo,
olha com certa desconfiança aqueles dentre os seus que defendem o pensar ou que se dedicam
a atividades de cunho intelectual. Além disso, considerável parcela dos evangélicos brasileiros
considera a reflexão uma atividade não-espiritual, expressão maior do homem caído e
soberbo. Porém, o grande paradoxo é que tal separação entre fé e razão data de, no máximo,
duzentos anos. De certa forma, então, há uma influência secular e secularizada na atual
rejeição de parte dos evangélicos à reflexão teológica, tendo em vista que na maior parte da
história do Cristianismo nunca houve uma disputa entre fé cristã e razão. Esta dualidade
contemporânea pode ser sintetizada por Bertrand Russel (2011, p. 72), um importante filósofo
de meados do século XX: "A maior parte das pessoas preferem morrer a pensar; e é isto que
elas acabam fazendo, isto é, morrendo”. Esta acusação, decididamente, não poderia ser
empregada nem para os primeiros discípulos de Jesus nem para seus seguidores
contemporâneos. Porém, às vezes, atualmente, nossa mentalidade e nossa religiosidade atual
acabam tendo que “vestir a carapuça”, assumindo seus erros e omissões em relação a um
descrédito na razão.
Quais as possíveis explicações para esta desconfiança no pensar entre os cristãos evangélicos?
Em primeiro lugar, o liberalismo teológico e sua reação, o fundamentalismo protestante.
Enquanto um adere completamente ao método científico, não importando seus pressupostos
agnósticos e algumas fragilidades hipotéticas, o outro considera a ciência um mal, e os seus
resultados, ainda que claramente benéficos, como inválidos. O cristão evangélico acaba
optando por um dos lados do debate, normalmente o fundamentalista, desconhecendo outros
movimentos cristãos que lutaram e continuam por uma “postura de centro”, tentando se
equilibrar em um diálogo com a modernidade sem abrir mão da fé cristã. A tensão com outros
é uma característica do Cristianismo histórico, assim como uma postura dialogal com a
cultura dominante ou circundante.
Em segundo lugar, existe, no Brasil atual, uma predominância do movimento pentecostal e
carismático, com sua forte ênfase na experiência subjetiva em detrimento do estudo racional
das Escrituras. A subjetividade e a experiência religiosa acabam se tornando a “regra de fé e
prática” de uma ala dos evangélicos contemporâneos. Se o sentimento se torna mais
importante do que a explicação racional da fé, a possibilidade de uma evangelização centrada
na exposição da mensagem de Jesus e dos apóstolos se torna prejudicada.
Em sexto lugar, uma valoração extremada da estética nos cultos como sinais exteriores da
presença de Deus: coreografias, shows, performances, belos templos, louvorzões, relegando a
exposição das Escrituras para a periferia da programação cúltica.
Em sétimo lugar, a interiorização do falso dilema secular fé versus razão. A fé cristã nunca se
contrapôs à razão, a não ser em dado momento da história da humanidade, especificamente no
Iluminismo a partir do século XVIII. Do advento do Cristianismo, no primeiro século, até o
século XVII, a fé cristã nunca esteve dissociada da razão. Pelo contrário, o Cristianismo
contribuiu para a superação de muitos mitos pagãos, que atribuíam ao destino o controle da
vida humana e de suas incertezas.
Finalmente, a predominância da Teologia da Prosperidade com sua concentração nos aspectos
mágicos da religião: confissão positiva, prosperidade e batalha espiritual. A confissão positiva
entendida como uma crença no poder mágico das palavras que poderiam, assim, trazer
felicidade ou tristeza a quem fala correta ou incorretamente. A prosperidade vivenciada como
sinônimo de um vida bem-sucedida em todas as áreas: na economia, na saúde, na sexualidade,
na família. E a batalha espiritual compreendida como uma visão de mundo pautada pelo
combate a seres extra-humanos que teriam o poder irrestrito de interferir no mundo material,
cuja ação seria anulada por interferência dos “guerreiros de oração” na esfera celestial, em um
claro ressurgimento do dualismo bem versus mal tão característico das religiões pré-cristãs.
Portanto, ser crítico do pensar teológico e aderir acriticamente a uma outra teologia, que é
fruto de uma cultura de bem-estar do final do século XX é, em resumo, um desprezar de dois
milênios de reflexão cristã séria sobre Deus, a humanidade e o mundo.
Diante deste quadro em que estão envolvidas tanto nossa sociedade como a igreja cristã
contemporânea, qual seria o papel e a relevância da reflexão teológica como uma alternativa
ao “andar da carruagem” da modernidade? Será que a teologia ainda permanece uma
disciplina que tem capacidade para questionar o “modus vivendi” atual e propor alternativas?
Em outros termos: Quais seriam os argumentos bíblicos e teológicos que nos levam à defesa
do agir e do pensar a partir de uma cosmovisão cristã?
Fonte: https://accord1.files.wordpress.com/2012/05/imago-dei_thumb56.jpg?w=640
Em primeiro lugar, a narrativa da criação. O primeiro homem e a primeira mulher foram
criados à imagem e semelhança de Deus (imago Dei): “Criou Deus o homem à sua imagem, à
imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”. (Gênesis 1:27) A partir desta
extraordinária declaração, a narrativa não discute os critérios ontológicos desta imagem e
semelhança, perguntas tais como: A imagem se refere ao aspecto corporal e à semelhança ao
lado imaterial ou espiritual? Na verdade, o texto de Gênesis, imediatamente, descreve três
ações necessárias que as criaturas passariam a demonstrar por serem semelhantes a Deus. A
primeira ação se refere ao governo da criação, à gerência de toda a natureza:
Disse Deus: "Eis que lhes dou todas as plantas que nascem em toda a terra e
produzem sementes, e todas as árvores que dão frutos com sementes. Elas servirão
de alimento para vocês. E dou todos os vegetais como alimento a tudo o que tem em
si fôlego de vida: a todos os grandes animais da terra, a todas as aves do céu e a
todas as criaturas que se movem rente ao chão" (Gênesis 1:29-30).
Uma quarta ação pode ser percebida no texto paralelo narrado no capítulo seguinte de
Gênesis, no qual é descrita a atividade de atribuir nomes às criaturas. O apelo à autonomia
criativa é incentivado pelo próprio Criador. Uma das características marcantes da imago Dei é
a própria possibilidade de criar, de ser criativo, de ser artista e artífice:
Depois que formou da terra todos os animais do campo e todas as aves do céu, o
Senhor Deus os trouxe ao homem para ver como este lhes chamaria; e o nome que o
homem desse a cada ser vivo, esse seria o seu nome. Assim o homem deu nomes a
todos os rebanhos domésticos, às aves do céu e a todos os animais selvagens
(Gênesis 2:19-20).
Um questionamento salutar poderia ser apontado neste momento. Nos textos acima, somente
foram descritas ações e atividades humanas e, em nenhum momento, é dada ênfase ao
pensamento e à reflexão. Como defender, portanto, a necessidade de um pensar e um refletir
cristãos a partir de narrativas que enfatizam o fazer? Na antropologia hebraica, o homem
nunca é visto como uma criatura dividida, como, por exemplo, no pensamento grego clássico
(o corpo é mau e o espírito/alma é bom). O ser humano é integral e único e,
consequentemente, seu agir caminha com seu pensar, seu fazer está aliado a seu refletir. A
imagem e semelhança de Deus apontam para uma ação refletida e reflexionada. Não é dada
ênfase nem ao agir sem pensar, nem ao pensar sem agir. São dois lados de uma única moeda.
Em segundo lugar, o próprio Jesus incita àqueles que querem segui-lo a refletirem acerca da
dimensão que este ato impõe:
Qual de vocês, se quiser construir uma torre, primeiro não se assenta e calcula o
preço, para ver se tem dinheiro suficiente para completá-la? Pois, se lançar o alicerce
e não for capaz de terminá-la, todos os que a virem rirão dele, dizendo: ‘Este homem
começou a construir e não foi capaz de terminar’. Ou, qual é o rei que, pretendendo
sair à guerra contra outro rei, primeiro não se assenta e pensa se com dez mil
homens é capaz de enfrentar aquele que vem contra ele com vinte mil? Se não for
capaz, enviará uma delegação, enquanto o outro ainda está longe, e pedirá um
acordo de paz. Da mesma forma, qualquer de vocês que não renunciar a tudo o que
possui não pode ser meu discípulo (Lucas 14:28-33).
Alguns cristãos evangélicos afirmam: "Creia com o coração e não com a mente". Não existe
no pensamento de Jesus, em continuidade à antropologia judaica, esta divisão entre mente e
coração, entre emoção e razão. Portanto, reflexão e ação andam juntam no ensino de Jesus.
Em terceiro lugar, os apóstolos de Jesus fazem diferenciação entre cristãos maduros e cristãos
infantis, utilizando, como critérios, a incapacidade de diferenciar o bem do mal (Hebreus
5:14-6:3), a divisão da igreja em partidos (1 Coríntios 2), a crença no ensino dos judaizantes
(Gálatas 3; Colossenses 2:6-8, 16-23) e de outros falsos ensinos (Efésios 4:11-16). O bom
ensino é aquele proveniente de Jesus. Existe plena possibilidade de a mentalidade dos cristãos
diferenciarem o certo do errado, julgarem se determinado ensino guarda ou não similaridade
com o que Jesus e seus discípulos mais próximos ensinavam ou não.
Mas se o nosso evangelho está encoberto, para os que estão perecendo é que está
encoberto. O deus desta era cegou o entendimento dos descrentes, para que não
vejam a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus (2 Coríntios
4:3,4).
Este livro é um apelo a adotarmos o pensar sério como um meio de amar a Deus e as
pessoas. É um apelo a rejeitar o pensar do tipo “ou-ou” no que diz respeito à mente e
ao coração, a pensar e a sentir, à razão e à fé, à teologia e à doxologia, ao esforço
mental e ao ministério de amor. É um apelo a que vejamos o pensar como um meio
que Deus ordenou para o conhecermos. Pensar é um dos meios mais importantes de
colocarmos o combustível do conhecimento no fogo da adoração a Deus e do
serviço ao mundo.
Aprofunde seus RAMOS, Robson. A mente cristã. Uma reflexão. Boletim Teológico.
conhecimentos: Porto Alegre: FTL-B, Ano 5, nº 15, junho de 1991, p. 27-32.
Disponível em: <http://www.ftl.org.br/new/downloads/bt015.pdf>.
Acesso em 09 mar. 2018.
2.1 Definição
O que é História da Teologia? Qual seu conteúdo? Como ela foi tematizada pelos cristãos ao
longo da história? Veremos, a seguir, cinco definições que almejam compreender esta
disciplina ou disciplinas afins.
Fonte: https://content.wdl.org/13013/thumbnail/1430180511/616x510.jpg
Nesta primeira definição, Olson considera que a soteriologia, ou seja, o estudo sobre a
salvação do homem por Deus seria o principal campo da história da teologia. Todo o
conteúdo da história da teologia convergiria para esta finalidade única, a salvação do
indivíduo.
Segunda definição, vinda do historiador cubano Justo Gonzáles, radicado nos Estados Unidos,
acerca da História do Pensamento Cristão:
Nesta segunda definição, Gonzáles, contrariamente ao autor anterior, não considera que a
história da teologia teria uma única finalidade. Ao contrário, ela se caracterizaria pela
diversidade, tanto daquele que primeiro refletiu sobre algo acontecido, quanto do historiador
que reelabora aquilo que foi anteriormente pensado a partir de seus próprios problemas. Nesse
sentido, toda teologia antiga é também uma teologia do homem atual que pensa seus próprios
dilemas atuais, buscando, em outras fontes modernas e antigas, um caminho para solucioná-
los, ou, no mínimo, compreendê-los da melhor forma.
Terceira definição, esta do historiador inglês Roland Bainton, também sobre a História do
Pensamento Cristão:
O Cristianismo, enraizado na história, assevera uma revelação dada de uma vez por
todas. Mas esta revelação ainda tem de ser explicada. E, afinal de contas, ela não foi
dada no Sinai em um conjunto de mandamentos ou rascunhada na forma de um
conjunto de proposições. Ela foi dada em uma vida, e até mesmo na primeira
geração a importância desta vida foi avaliada diferentemente, apesar da
surpreendente unanimidade dos documentos cristãos primitivos. A história do
pensamento cristão é o registro da luta do homem com as implicações da auto-
revelação de Deus no homem Cristo Jesus. (Apud González, 2004, p. 15).
Nesta definição, ganha importância a pessoa de Jesus, revelação de Deus, ou melhor auto-
revelação de Deus. Mais do que uma série de proposições acerca do divino e dos atributos
metafísicos de Deus, essa proposta radicaliza-se no entendimento de que a história do
pensamento deve-se concentrar na vida de um homem. Então a teologia cristã somente é cristã
por falar, refletir, pensar, indagar, duvidar e questionar sobre Jesus. Portanto, a teologia cristã,
nesta vertente, torna-se uma cristologia.
Quarta definição, esta do historiador inglês Alister McGrath, acerca da Teologia Histórica: “A
Teologia Histórica é o ramo da investigação teológica que visa explorar o desenvolvimento de
doutrinas cristãs e identificar os fatores que influenciaram sua formulação”. (2007, p. 23).
Nessa definição, este autor aponta para o fato de que a teologia não nasce isoladamente do seu
contexto, e, ao ser formulada, diversos fatores, tanto subjetivos quanto coletivos, contribuem
para sua conceituação final. Então, ao olhar determinado assunto do ponto de vista teológico,
o historiador está lidando tanto com a ideia teológica quanto com seu contexto de produção.
O que a igreja de Jesus Cristo acredita, ensina e confessa com base na palavra de
Deus: essa é a doutrina cristã (...) A história da doutrina, desde seu surgimento como
um campo distinto de investigação ocorrida no século XVIII, concentra-se no que é
confessado, ou seja, nos dogmas como declaração normativas da crença cristã
adotados pelas várias autoridades eclesiásticas e aplicados como o ensinamento
oficial da igreja (...) Sem estabelecer limites rígidos, identificaremos o que é “crido”
como a forma de doutrina cristã presente nas modalidades de devoção,
espiritualidade e adoração, o que “ensinado” como o conteúdo da palavra de Deus
extraído pela exegese dos testemunhos da Bíblia e transmitido às pessoas da igreja
por meio da proclamação, da instrução e da teologia desenvolvida na igreja; e o que
é “confessado” como o testemunho da igreja, tanto contra o falso ensinamento na
igreja quanto contra os ataques de fora dela articulados em polêmicas e em
apologéticas, em credo e em dogma. (2014, p. 25)
Por fim, nesta última definição, enfatiza-se o papel importante da igreja cristã na definição
daquilo que deve ser crido, ensinado e confessado pelos seguidores de Jesus. Mais do que
uma elaboração individualista de um sujeito iluminado, a teologia é entendida em sua
dimensão comunitária, pois a igreja é o elemento primordial daquilo que se afirma em relação
a Deus, a Jesus e ao Espírito. Portanto, a doutrina tem a ver com a vida e pensamento da
igreja de Cristo ao longo de sua caminhada histórica.
O título da disciplina é variável. Pode ser História da Teologia, História do Pensamento
Cristão, Teologia Histórica ou História da doutrina. As definições também variam. Porém,
existe uma proposição inicial comum a todos estes historiadores: toda teologia é histórica. O
que quer dizer esta afirmação? Quer dizer que qualquer reflexão teológica, elaborada, em
qualquer época, por cristãos, agnósticos ou não cristãos, sempre é condicionada pelo espaço,
tempo e pelo sujeito. A teologia sempre está condicionada ao seu contexto e a sua relevância
deve-se ao fato de responder a perguntas e questões que outros fazem. Por detrás de uma dada
teologia, há uma pessoa, um sujeito que, questionado por si mesmo e/ou por outros, e pelas
circunstâncias sociais, intenta elaborar uma resposta definidora que, minimamente, atende aos
anseios e às preocupações correntes. Por isso é que as teologias podem se tornar passageiras,
pois, se ninguém mais pergunta, por que buscar as respostas?
Se toda teologia é histórica, a nossa época também tem suas questões. Mas nenhuma época é
tão singular e ímpar que não necessite buscar, em outras eras, tanto indagações quanto
soluções outras. Existe um mito moderno de que vivemos no melhor dos mundos e que o
antigo é irrelevante. O que importa seria o novo, a novidade. Isso nos tem levado a uma
rejeição do conhecimento histórico. Por outro lado, é importante diferenciar aquilo que é
essencial daquilo que é contingente. É conhecida a metáfora da mãe que dá banho no bebê e,
ao invés de jogar fora a água suja, descarta o bebê. Na história da teologia, o que é essencial?
Quais discussões são importantes atualmente? Quais discussões foram importantes no passado
e hoje não detém a mesma relevância? Inversamente: quais discussões não foram importantes
no passado e hoje são relevantes?
Por outro, para nós cristãos, esta é uma possibilidade extraordinária devido à Encarnação. O
Cristianismo é histórico e não meta-histórico ou supra-histórico. A fé cristã não é para anjos, e
sim para seres humanos concretos. Jesus nasceu, viveu, morreu e ressuscitou na história,
como um ser histórico. A teologia, portanto, tem que dar conta das interseções entre este
Cristo histórico e o ser humano, individual ou comunitariamente.
Aprofunde seus MATOS, Alderi Souza de. Introdução. In: Fundamentos da teologia
conhecimentos: histórica. São Paulo: Mundo Cristão, 2008. Disponível em:
<https://books.google.com.br/books/about/Fundamentos_da_teologia_hist
%C3%B3rica.html?id=G6h-
DwAAQBAJ&printsec=frontcover&source=kp_read_button&redir_esc=y
#v=onepage&q&f=false >. Acesso em 08 mar. 2019.
2.2 Conteúdo
Qual é o conteúdo desta disciplina afinal? Em vinte séculos de teologia cristã, o que foi
produzido e escrito, em partes diversas do mundo, excede a qualquer possibilidade de ser
esgotado em um semestre letivo. Portanto, o tema central será uma pequena introdução aos
principais temas da teologia histórica e aos principais teólogos dos séculos passados. Seria
como visitar Ouro Preto em um dia e conhecer seus principais monumentos. Depois dessa
viagem, pode-se afirmar que se conhece a cidade. Porém, um morador de Ouro Preto que,
diariamente, trafega por suas ruas de pedra, sobe as ladeiras, visita as igrejas, faz compras no
mercado e na padaria, e se envolve com os problemas diários de uma cidade universitária, tem
um conhecimento mais acentuado do que um turista fugaz. Nossa proposta, portanto, é
turística, convidando cada um para se tornar, em algum momento, um morador da teologia
histórica.
Imagem 4 – Arquitetura colonial em Ouro Preto
Assim, para atingir tal finalidade, propomos que a presente História da Teologia seja dividida
em quatro grandes blocos:
Os pais apostólicos
Os apologistas cristãos
Irineu de Lião
Tertuliano de Cartago
Clemente de Alexandria
Orígenes de Alexandria
A controvérsia ariana e o Concílio de Niceia
As controvérsias cristológicas
Agostinho de Hipona
Anselmo de Cantuária
Tomás de Aquino
Nominalismo
John Wycliffe
Jan Hus
Humanismo
Martinho Lutero
Ulrico Zuínglio
João Calvino
Balthasar Hubmaier
Jacob Armínio
Philip Jacob Spener
Jonathan Edwards
John Wesley
Os deístas
Inicialmente, esses nomes podem significar muito pouco para a maioria de nós. Nomes
estranhos e desconhecidos, de outras épocas e nacionalidades. Porém, os temas e os
problemas que cada um deles discutiu em sua época tem muito a ver com a fé de muitos
cristãos contemporâneos. Rapidamente serão apontados alguns assuntos teológicos discutidos
por eles: governo da igreja após o falecimento dos apóstolos de Jesus; martírio e perseguição
das autoridades do Império Romano; relacionamento dos cristãos com outras religiões e
filosofias hostis ao Cristianismo; diálogo entre fé cristã e cultura; compreensões diferentes
dos próprios cristãos em relação a Deus e ao Cristo, ao mundo criado e à Encarnação; diálogo
com a filosofia platônica; Deus e o Ser; exegese bíblica; interpretação e alegorização;
divinização e imortalidade da alma; divindade e humanidade de Cristo; relacionamento entre
as duas naturezas de Jesus: a humana e a divina; origem do mal; natureza da igreja;
sacramentos; livre-arbítrio e graça de Deus; escatologia e Reino de Deus; expiação; razão e
fé; conhecimento de Deus; predestinação; relação com o Estado; questão dos universais;
Escrituras e o papel da tradição e do magistério da igreja; justificação pelos méritos e
justificação pela fé; centralidade de Cristo; soberania de Deus; dupla predestinação; batismo
de adultos; batismo e ceia como ordenação ou sacramentos; espiritualidade; importância da
crença e da devoção; missão junto aos pobres; fé versus razão, dentre outros.
A enormidade desta lista pode causar sentimentos contraditórios. Por um lado, pode-se
desenvolver um sentimento de perplexidade e medo ao pensar que o caminho é por demais
difícil e impossível de ser trilhado. Por outro lado, pode-se desenvolver um sentimento de
curiosidade e fascinação, pois o caminho é muito excitante. Independentemente da emoção
despertada, tudo será realizado passo a passo, de forma que a subida na escada seja lenta e
agradável.
Em segundo lugar, as condições de vida de seus habitantes são diversas: épocas de fome, de
pestes, de guerras, de conflitos étnicos, de sujeira, de fartura, de beleza, de alegrias, de
regozijos.
Em terceiro lugar, os próprios habitantes são diferentes uns dos outros. Uns são ricos, outros
pobres. Alguns expansivos e outros tímidos. Heróis e covardes. Pessoas bem-educadas e
outras grosseiras. Uns tratando bem esposas e filhos. Outros espancando ambos.
Portanto, a teologia que se formula hoje e que foi formulada ontem depende do ambiente
maior, por exemplo, a rua, o bairro, a cidade e a nação; do contexto em que se vive, épocas de
“vacas magras” ou de prosperidade; e também das próprias pessoas, da sua biologia, da sua
genética, do jeito que cada um relaciona-se consigo mesmo, com os outros e com Deus. Por
isso é que a teologia não é única, mas plural, fantasticamente e maravilhosamente diversa, e
deve ser apreendida por pessoas também totalmente heterogêneas.
Finalmente, um grande bem-vindo a todos que querem trilhar este caminho e a participar
individualmente e coletivamente desta fantástica tarefa da reflexão teológica.
GLOSSÁRIO
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
FERREIRA, Franklin, MYATT, Alan. Teologia sistemática: uma análise histórica, bíblica e
apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007.
______. História das controvérsias da teologia cristã. São Paulo: Vida, 2005.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
GONZÁLES, Justo L. Uma história do pensamento cristão. São Paulo: Cultura Cristã,
2004.
MATOS, Alderi Souza de. Fundamentos da teologia histórica. São Paulo: Mundo Cristão,
2008.
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São
Paulo: Companhia das Letras, 2007.
BÍBLIA. Português. BIBLIA SAGRADA: Nova Versão Internacional. São Paulo: Vida,
2000.
LIBÂNIO, João Batista; MURAD, Afonso. Introdução à teologia: perfil, enfoques, tarefas.
São Paulo: Loyola, 1996.
MCGRATH, Alister E. Teologia histórica. Uma introdução à história do pensamento cristão.
São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 2007.
PIPER, John. Pense. A vida da mente e o amor de Deus. São José dos Campos: Fiel, 2011.
RUSSELL, Bertrand. Por que não sou cristão. São Paulo: L&PM, 2011.