Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Contemporânea
e Ética
03
04 Teologia Contemporânea e Ética
teologia Contemporânea e Ética
Unidade - 01
Introdução à Teologia Contemporânea e Ética
Introdução
Objetivos
05
Introdução à Teologia Contemporânea e Ética
1. Teologia Contemporânea
Conforme já mencionamos, a teologia contemporânea abrange
um período recente do estudo teológico. Ela não representa uma
escola de pensamento nem uma abordagem específica. Na verdade,
há diversas “teologias” ou perspectivas teológicas desse período. É um
equívoco associar a teologia contemporânea à teologia liberal. Ainda
que a teologia liberal tenha se expandido nessa época, o período
é marcado também pela reação à teologia liberal. Não obstante, há
características comuns das diversas maneiras de pensar teológico
1.1 Surgimento
De acordo com Alister McGrath, até os anos 1700 da era cristã,
a teologia cristã era essencialmente um fenômeno
europeu ocidental. A partir de então, a teologia “se
torna um fenômeno global”. Isso se deve, em grande
parte, a colonização dos Estados Unidos e o início da
produção teológica naquele continente, à expansão
da igreja para outros continentes, particularmente
Oceania, Ásia e África, posteriormente a América
Latina, e ao estabelecimento de seminários e
Alister McGrath
escolas teológicas. Com o fortalecimento da igreja
Fonte: Wikimedia Commons e de suas escolas teológicas, começam a surgir as
“teologias locais” que foram tentativas de refletir teologicamente o
contexto histórico, geográfico, cultural da igreja (McGRATH, 2010, p.
123-124).
Na América Latina em particular, surgiu no século XX o
movimento da Teologia da Libertação caracterizado pela ênfase na
práxis, isto é, na ação da igreja em favor dos mais necessitados e da
compreensão teológica de uma libertação política.
O pensamento e método teológico da teologia contemporânea
está então associado a esse período histórico e aos seus movimentos
filosóficos, sociais, políticos e eclesiásticos.
1.2 Aspectos
A teologia contemporânea tem sido frequentemente identificada
como uma teologia “modernista”. McGrath explica:
A Idade Moderna possui uma enorme importância para a
teologia dos séculos XIX e XX. Esse período estabeleceu o
contexto em que se assentam muitos dos desdobramentos
e dos debates recentes, assim como deu origem a muitos
dos movimentos que ainda influenciam a igreja e o mundo
acadêmico de hoje (2010, p. 124).
07
Embora o termo “modernidade” ou “Idade Moderna” seja difícil
de conceituar e delimitar, a noção geral é que se
refere-se a um cenário bastante definido, típico de grande parte
do pensamento ocidental desde o começo do século dezoito,
que se caracteriza por uma confiança em relação à capacidade
do ser humano de pensar por si mesmo (McGRATH, 2010, p.
214).
No que tange à história do pensamento, esse período é conhecido
também por “Iluminismo”, pois este representa o principal movimento
filosófico da época. A principal característica desse movimento é que
abrange
um conjunto de ideias e atitudes características do período
de 1720 – 1780, como o uso livre e construtivo da razão, em
uma tentativa de destruir velhos mitos que, segundo a ótica
iluminista, mantinham indivíduos e sociedades presos à
opressão do passado. (McGRATH, 2010, p. 125).
O pensamento filosófico e teológico dessa época é marcado não
tanto pelo que pensavam, mas por como pensavam. Isto é, o Iluminismo
representa um movimento do método de se articular o pensamento.
Contudo, McGrath alerta ao fato de não confundir esse
movimento com o “racionalismo” nem de se referir a ele como “Idade
da Razão”, expressões tipicamente usadas para se referir ao Iluminismo
ou à Idade Moderna. Para McGrath, a ideia de “Idade da Razão” pode
dar a equivocada impressão de que o pensamento teológico antes disso
ignorava a razão. Pelo contrário, o período da escolástica protestante,
a Reforma e mesmo a Idade Medieval são também caracterizados
pelo uso da razão. A diferença está “na maneira como a razão era
utilizada e nos limites que lhe eram impostos” (2010, p. 125). Quanto
ao “racionalismo”, este representa os postulados de Descartes, Leibniz,
Espinosa, os quais foram objetos de intensas críticas ao final do século
XVIII. Embora o racionalismo tenha influenciado parte da filosofia
e do pensamento, inclusive teológico, do iluminismo, houve intenso
debate sobre a autonomia da razão.
Mas, há de se observar que a teologia protestante, mais do que
a católica romana e a ortodoxa, foi a que esteve mais aberta ou tenha
2. Ética
A ética é o estudo que fornece as bases filosóficas para
fundamentação moral de uma sociedade. Em termos gerais, ela
estabelece padrões de vida e conduta dos seres humanos. Como
veremos, ética vem do grego ethos que significa “costume”, “hábito”.
Sua conotação religiosa pode ter o sentido de “lei”. É neste sentido que
as leis judaicas são chamadas de ethos na tradução grega do Antigo
Testamento, a Septuaginta.
A ética cristã se ocupa em estudar o modo como a humanidade
deve viver tomando como princípio os ensinamentos da Bíblia e da
tradução cristã. Ela estabelece as convicções e ensinamentos básicos
que devem nortear a relação do ser humano com Deus.
A ética tem diversos desdobramentos e, de certo modo, pode-
se dizer que cada campo de atuação da humanidade tem seu próprio
código de ética. Contudo, essas expressões particulares da ética, são,
de alguma forma, identificadas com padrões éticos gerais de uma
sociedade ou cultura.
09
O estudo da ética é essencial para a teologia por pelo menos
duas razões: a primeira é pela necessidade de padrões e valores claros
para reger a sociedade humana. Toda sociedade estabelece padrões
aceitáveis e não aceitáveis de conduta. Nem todos esses padrões estão
formulados em termos de leis e códigos penais. Por exemplo, no Brasil,
apenas recentemente passou-se uma lei da “ficha limpa” que estabelece
que candidatos a cargos políticos não poderão ter sido condenados ou
estar respondendo por processos contra sua administração e outros
crimes. Embora, há muito tempo supõe-se que todo servidor público
deva ser honesto e correto, não havia lei específica para tratar desses
casos. O próprio clamor popular e a pressão de entidades de classes
fizeram com que essas leis fossem aprovadas. Naturalmente, quanto
mais explícita for a consciência das convicções e princípios éticos de
uma sociedade, maior será a possibilidade de manter os padrões.
A segunda razão para o estudo da ética, é a elaboração de
princípios que nortearão questões sensíveis e polêmicas, isto é,
quando há conflitos de valores e convicções. Hoje cresce o estudo da
bioética. Devido ao avanço do conhecimento científico e as novas
possibilidades de manipulação e controle da vida, a ética estabelece
os limites e possibilidades do controle do ser humano sobre a vida.
Questões como aborto, eutanásia, manipulação genética, clonagem
são algumas das questões polêmicas sobre o nível de controle sobre
a vida e morte. Por aí, se percebe que vida é a morte são conceitos
filosóficos, teológicos influenciados grandemente por condições
culturais, sociais, ideológicas e religiosas. Do ponto de vista científico
ou tecnológico, não há o que impeça a clonagem de células humanas.
Contudo, a sociedade ocidental, de maneira geral, ainda respeita a
vida como um absoluto e não está pronta a permitir tamanho controle
humano sobre a reprodução de indivíduos.
A ética, portanto, serve de ponte entre a teologia e a sociedade.
Como se observará, há diversos desdobramentos da ética.
Referências Bibliográficas
11
Anotações
__________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
Introdução
Objetivos
13
Fundamentos da Teologia
1. Fontes da Teologia
Alister McGrath apresenta essa discussão identificando quatro
fontes da teologia: as Escrituras, a Razão, a Tradição e a Experiência.
Vamos descrever em breve o que são essas fontes.
Em um certo sentido, a teologia é o estudo da revelação divina,
por meio da razão humana, levando-se em conta, de um lado, a
tradição da igreja e, de outro, a experiência. Essa percepção é necessária
para o estudo teológico em geral, não só para o estudo da teologia
contemporânea. Pois isso pressupõe que todo falar humano de Deus
se dá a partir de uma realidade e contexto próprio e também se dá
por meio da razão. Portanto, vamos descrever brevemente cada uma
dessas fontes.
1.1 Escrituras:
Naturalmente, a teologia tem como fonte de suas afirmações e
postulados teológicos e doutrinários a própria revelação de Deus. Na
teologia, particularmente na teologia contemporânea, o conceito de
revelação requer esclarecimento. Consideramos que a revelação de
Deus é natural e especial. A revelação natural consiste da manifestação
da pessoa e obra de Deus por meio da natureza, isto é, de sua obra
criada. A revelação especial ocorre particularmente por meio da obra
15
questão hermenêutica. Não basta simplesmente afirmar “está na Bíblia”,
“é bíblico”, mas é preciso entender como a Bíblia faz essa ou aquela
afirmação e qual a validade dela. A hermenêutica se ocupa da tarefa de
elaborar critérios para a análise do texto bíblico e, consequentemente,
da extração da mensagem bíblica.
Em síntese, a teologia encontra nas Escrituras a fonte das
afirmações a respeito de Deus e sua obra. Mesmo ao falar de teologia
contemporânea, devemos reconhecer que as Escrituras são a fonte da
teologia.
1.2 Razão
Os seres humanos são seres racionais, por isso a razão sempre
teve um papel importante na maneira do ser humano articular sua
compreensão a respeito de Deus. O ser humano não só vê, percebe e
sente Deus, como também é capaz de articular sua percepção de uma
maneira compreensiva e racional. Como afirma McGrath, “a segunda
grande fonte da teologia cristã
é a razão humana. Embora a Iluminismo: “Termo utilizado
importância da razão para a sobretudo em referência às
teologia cristã tenha sido sempre tendências filosóficas entre os
reconhecida, assumiu uma intelectuais ocidentais dos séculos
importância especial à época XVII e XVIII. [...] Os pensadores
do Iluminismo” (2010, p. 220). do Iluminismo rejeitavam as
Talvez justamente por causa autoridades externas como fonte
da influência do Iluminismo, de conhecimento; em vez disso,
consequentemente da visão elevaram a razão humana como
racionalista de compreender o melhor meio de chegar a um
a verdade, a teologia tenha entendimento do mundo” (Grenz,
procurado se distanciar do Guretzki, Nordling, 2005, p. 71)
estudo essencialmente racional
de Deus e das Escrituras. Alguns, inclusive, partem para o extremo do
anti-intelectualismo e a negação da razão. Contudo, a teologia como
disciplina racional não tem sua origem no período iluminista. Pelo
contrário, como observa McGrath, ao longo dos séculos da era cristã
houve diversas compreensões da relação entre teologia (ou fé) e razão:
17
1.3 Tradição
A terceira fonte da teologia é a tradição. Isso significa que a
teologia se fundamenta não somente na revelação e na razão, mas
há certo “consenso” teológico que estabelece as fronteiras entre o
verdadeiro ensino e o falso. No decorrer dos séculos, a igreja teve
inúmeras vezes de julgar a validade de um argumento teológico e ela
o fez não só evocando a revelação e a razão, mas também a aceitação
Deismo: “Crença segundo a qual Deus está distante, uma vez que
criou o universo, mas depois o deixou seguir seu curso sozinho, de
acordo com certas ‘leis naturais’ criadas igualmente por ele.” (Grenz,
Guretzki, Nordling, 2005, p. 36).
1.4 Experiência
A última fonte da teologia é a experiência. Pode parecer estranho
falar de experiência como fonte da teologia, principalmente quando se
considera o esforço da teologia racional em articular conceitos a partir
de um raciocínio objetivo. A experiência, por outro lado, tem caráter
subjetivo. Entretanto, a fé cristã não se resume a conceitos e verdades,
mas envolve também vivência e compreensão dessa vivência. A fé
cristã contém a dimensão existencial do ser humano. As experiências
do indivíduo e da comunidade contribuem para a formação do
pensamento teológico e das afirmações de fé.
De certo modo, o existencialismo procura resgatar esse
elemento da experiência humana para a compreensão sobre Deus, a
vida e o próprio ser humano. Pode se dizer que essa é uma preocupação
eminentemente da modernidade, contudo, não se limita a ela, pelo
contrário, pode ser percebida também nos tempos antigos e mesmo
na Bíblica. Como afirma McGrath,
O surgimento do existencialismo, no período moderno, reflete
a importância atribuída ao mundo interno da experiência
humana. No entanto, deve-se considerar que esse interesse
pela experiência humana não representa algo novo; é possível
sustentar que sua presença já era notada tanto no Antigo
quanto no Novo Testamentos, encontrando-se também nas
obras de Agostinho de Hipona. Martinho Lutero afirmou que
“a experiência faz o teólogo” e defendeu que era impossível
alguém ser um bom teólogo, sem que houvesse experimentado
o duro e terrível julgamento de Deus sobre o pecado humano
(2010, p. 234).
19
A teologia em muitos sentidos pode
ser uma forma de articular as experiências
religiosas dos indivíduos com Deus.
McGrath mostra, ainda, que há
duas compreensões básicas da relação entre
experiência e teologia. A primeira afirma
que a “experiência fornece um recurso
fundamental à teologia cristã” (2010, p.
234). Isso significa que há uma experiência
humana religiosa comum que é estrutura
fundamental à fé e teologia cristã. A segunda
afirma que a “teologia fornece uma estrutura
Alister McGrath
Fonte: Wikimedia Commons interpretativa na qual a experiência humana
pode ser interpretada”(ibid). Neste caso, a
teologia é referencial para interpretar a experiência.
O impacto do existencialismo na teologia, particularmente
na teologia contemporânea, se deve provavelmente como reação ao
racionalismo iluminista que enfatizou demasiadamente a razão sobre
a fé. Alguns teólogos contemporâneos viram no existencialismo uma
oportunidade para preservar aspectos da experiência religiosa da fé
cristã diante do racionalismo que negava todo o sobrenatural.
Referências Bibliográficas
21
Anotações
__________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
Introdução
Objetivos
23
História da Teologia do Período Bíblico e da
Patrística
O Senhor Deus me deu uma língua erudita, para que eu saiba
dizer a seu tempo uma boa palavra ao que está cansado. Ele
desperta-me todas as manhãs, desperta-me o ouvido para que
ouça, como aqueles que aprendem (Isaías 50.4).
Sabemos que o ser humano se esforça por conhecer a Deus desde
os tempos mais remotos de sua existência. As expressões desse esforço
podem ser encontradas na forma de desenhos, músicas, poesias,
narrativas e outras formas de produção de conhecimento. Embora a
teologia tenha recebido o seu nome da cultura grega no séc. II e sua
forma mais elaborada após essa época, não podemos considerar os
esforços anteriores como não teologia. É devido a isso que iniciamos
esta seção com a teologia produzida no período bíblico.
25
predominante em todo o NT era a obra salvadora de Jesus Cristo, o
seu evangelho.
Michael Green descreve a igreja neotestamentária como
“efervescente” e com um conteúdo
variado. Era a portadora do “anúncio
feliz da salvação messiânica longamente
esperada, a visitação de Deus para redimir
o mundo necessitado”.3 Em vista disso, a
nova mensagem passou a ser chamada de
“boas novas” ou to euaggelion. Era uma
mensagem dinâmica e contada por muitos
que se tornaram suas testemunhas diretas
ou indiretas.
Michael Green
Green acrescenta:
Fonte: Wikimedia Commons
Todos os cristãos tinham certeza de que Jesus
Cristo era a última palavra de Deus à humanidade, aquele
que trouxe tanto de Deus para nós quanto podemos absorver,
da única maneira em que podemos entendê-lo, que é a vida
humana. O único que teve suas afirmações e obras confirmadas
claramente pela morte e ressurreição. Nisto todos eles criam;
a maneira de expressá-lo dependia em grande parte do seu
próprio contexto intelectual e espiritual, e do de seus ouvintes.4
A mensagem da obra salvadora de Jesus Cristo era o conteúdo
prioritário daqueles cristãos, que somente poderia ser bem
compreendida tendo como base as Escrituras Sagradas. Uma expressão
recorrente entre os escritores neotestamentários era: “segundo
as escrituras”, significando que os escritos do Antigo Testamento
fundamentavam histórica e teologicamente os eventos que entre eles
ocorriam. Eram, de fato, as Escrituras em cumprimento diante dos
seus próprios olhos (ver Lucas 4.17-21).
A referência às Escrituras mostrou-se necessária na elaboração
teológica dessas primeiras comunidades cristãs, pois não estavam
iniciando uma nova religião, mas participando da ação histórica de
Deus em prol da salvação da humanidade e redenção da criação.
GREEN, Michael. Evangelização na Igreja Primitiva. São Paulo: Vida Nova, 1989,p. 56.
3
Idem, p. 70
4
27
3. A Teologia no Período da Patrística
Em resumo, o método teológico escriturístico era, ao mesmo
tempo, narrativo e retórico. Isto é visível nos dois exemplos a seguir:
O meu pai era uma arameu errante. Ele desceu ao Egito com
pouca gente e ali viveu e se tornou uma grande nação, poderosa
e numerosa. Mas os egípcios nos maltrataram e nos oprimiram,
sujeitando-nos a trabalhos forçados. Então, clamamos ao
Senhor, o Deus de nossos antepassados, e o Senhor ouviu a
nossa voz e viu o nosso sofrimento, a nossa fadiga e a opressão
que sofríamos. Por isso o Senhor nos tirou do Egito com mão
poderosa e braço forte, com feitos temíveis e com sinais e
maravilhas. Ele nos trouxe a este lugar e nos deu esta terra, terra
onde manam leite e mel. (Dt 26:5-9)
29
Senhor Jesus Cristo, conforme os profetas desde o princípio
acerca dele testemunharam, e o mesmo Senhor Jesus nos
ensinou, e o Credo dos santos Pais nos transmitiu.
De acordo com David Bosch, embora a mudança tenha sido
drástica, ela aconteceu dentro do processo histórico:
Naturalmente, a transição não foi abrupta. Ela tampouco
resultou em uma nova teologia homogênea... A passagem do
mundo hebraico para o grego representou apenas um elemento
(embora extremamente importante) do novo cenário... Em
primeiro lugar, o que principiara como um movimento tinha se
tornado, bem antes do fim do século I, irrevogavelmente uma
instituição.5
E, provavelmente, tenha sido um dos mais evidentes fenômenos
de contextualização da teologia cristã que temos conhecimento. No
esforço de enculturar-se para se fazer entender, teve origem uma
forma de teologia reconhecidamente filosófica, contextualizada. Bosch
esclarece:
O Deus do Antigo Testamento e do cristianismo primitivo
passou a ser identificado com a idéia geral de Deus da metafísica
grega; apresenta-se Deus como o Ser Supremo, a substância, o
princípio, o que move sem ser movido... Refletir sobre o que
Deus é em si passou a ser mais relevante do que pensar sobre a
relação das pessoas com Deus. Atrás de tudo isso, encontra-se a
noção de que a idéia abstrata é mais real que o histórico.6
IDEM, p. 243
6
ZABATIERO. Júlio T. Fundamentos da Teologia Prática. SP: Mundo Cristão, 2007, p. 20.
8
31
Conclusão
Anotações
__________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
Introdução
Objetivos
33
1. Teologia no Período Medieval
O período antigo serviu como transição para a grande época
de sistematização da teologia cristã no Ocidente: a teologia medieval.
Esta se construiu ao longo de, aproximadamente, mil anos. A principal
característica desta teologia foi o modo racional e especulativo de
pensar a fé. Essa prática se tornou comum nas universidades criadas
como locais para o desenvolvimento do conhecimento. Devido a isto,
o modo teológico deste período foi denominado escolástico. À sua
formalização contribuíram as obras de Agostinho de Hipona.
Ainda que tenha vivido no período antigo da Igreja, sua obra
serviu de base para a teologia medieval, havendo influenciado a
Anselmo de Cantuária, o verdadeiro iniciador do método. Se Anselmo
modelou o método escolástico com o recurso à razão, Tomás de Aquino
o aperfeiçoou recorrendo à apropriação da filosofia aristotélica em
lugar da metafísica platônica, prevalecente em todo o período antigo.
Para ele, a filosofia está na base da teologia, assim como o natural
forma a base do sobrenatural.
Outro fato que já mencionamos em capítulo anterior, relativo
ao período medieval, foi a distinção entre teologia e doutrina cristã.
Esta de domínio da Igreja e aquela mais circunscrita aos espaços das
escolas. Isto gerou uma doutrina enrijecida que se apresentou na forma
de postulados e, por outro lado, uma teologia especulativa, em muitos
casos, irrelevante.
2. A Reforma Protestante
A Reforma Protestante procurou romper com o modelo
medieval e tomista. Em todas as suas variações, caracterizou-se por
uma nova exigência metodológica e atribuiu novo caráter autoritativo
às Escrituras, que passaram a ser lidas não mais alegoricamente, como
nos períodos patrísticos e medieval, mas em seu sentido literal. Para os
reformadores, a fé é aquela que acolhe a palavra de Deus e, a Palavra,
existe em função de Jesus Cristo e seu anúncio. Ao acolhermos a
Palavra pela fé, encontramo-nos com Jesus Cristo e sua graça que nos
justifica. Ao sermos justificados, somos libertos para servir a Deus e ao
35
provinham dos reformadores. Quer dizer, o peso da nova
tradição necessitava consolidar-se diante dos embates da
contrareforma católica, organizada a partir do Concílio de
Trento, teve um efeito paralizante sobre a teologia protestante
desde o final do século XVI até o começo do século XVIII.9 1
Conclusão
1
SANTA ANA, Julio. Pelas Trilhas do Mundo, A caminho do Reino. São Paulo: Imprensa Metodista,
1985, p. 13.
Introdução
Objetivos
37
A Teologia do Protestantismo
Os reformadores não completaram sua obra. Eles iniciaram um
movimento que precisaria de muito mais tempo para ser completado,
do aquele que eles dispunham. Não incorreremos em erro se dissermos
que o movimento foi caracteristicamente fundante de uma nova
maneira de pensar, viver a fé e de ser Igreja.
Outro aspecto a ser mencionado é o eixo central da Reforma:
uma nova maneira de conceber as escrituras da autorevelação de Deus,
bem como sua autoridade e papel na dinâmica da fé. Outros aspectos
que se constituíram como fundamentais do movimento foram:
• a)A responsabilidade pessoal da fé, todavia, no conjunto da
vida da comunidade cristã.
• b) A liberdade de pensamento. Esse gérmen renascentista, do
qual a Reforma foi o braço religioso-cristão, melhor se desenvolveu
nas épocas posteriores a ela. Conforme Mackintosh essa é a novidade
da Reforma:
...a verdade revelada em Cristo não pode ser provada
externamente, pois vem a ser uma possessão interna da
mente, a qual crê pelo poder convincente do Espírito Santo”
– (Mackintosh, Teologia Moderna. SP: Novo Século, p. 17).
O desenvolvimento posterior da Reforma,
que podemos chamar de “protestantismo”,
foi caracterizado por esforços de organização
eclesiástica, divididos entre episcopais,
presbiterianos, congregacionais, etc., bem
como as definições de credos e confissões que
demarcariam o território teológico e eclesial de cada segmento. Do
séc. XVII e XVIII datam: a Confissões de Fé de Westminster (1643), I
Confissão de Fé dos Batistas (1646), II Confissão de Fé Batista (1677),
Declaração de Savoy – Congregacionalismo (1658). É comprovado
que a reflexão teológica nesse período serviu ao doutrinismo, ou seja,
à elaboração das doutrinas protestantes, inclusive demarcando as
diferenças e semelhanças entre as várias representações eclesiásticas
dentro do protestantismo.
Aspectos Negativos:
1. Concepção do valor absoluto às fórmulas dogmáticas;
2. A fé ou a concordância com um credo significavam praticamente
uma mesma coisa;
3. Insensibilidade para com a natureza simbólica do cristianismo;
4. Arrogância teológica, pois nenhuma pergunta parecia ficar
sem resposta;
5. Polêmica doutrinal e forte atividade apologética;
6. Tendência à ossificação do pensamento teológico;
7. Presença do aristotelismo no que diz respeito à ênfase no
homem natural (sujeição da mensagem do evangelho à razão natural);
8. Um certo estancamento na produção exegética e teológica;
9. Rigidez dogmática em lugar da criatividade teológica;
39
Aspectos Positivos:
1. Consolidação de muitas ideias teológicas da Reforma;
2. Organização eclesiástica do movimento protestante;
3. Construção de um “pano de fundo” teológico sobre o qual o
protestantismo se desenvolveu posteriormente;
4. Evidenciou a possibilidade da diversidade de pensamento no
seio do protestantismo, conquistada pela Reforma.
O Pietismo
Este movimento de espiritualidade demonstrou sua força no séc.
XVIII. Surgiu em resposta à rigidez e à frieza da Ortodoxia Protestante,
embora, sem abrir mão completamente das suas conquistas teológicas
e doutrinárias. Visava:
1. Despertar uma nova vida espiritual na Igreja da época que
consideravam apática e distanciada da verdadeira espiritualidade;
2. Destacar a necessidade de uma interpretação mais espontânea
e um conhecimento devocional mais profundo das Escrituras;
3. Desenvolver uma nova vida eclesial comunitária através de
círculos (pequenos grupos) de estudos devocionais da Bíblia (muitas
vezes mais valorizados por eles que a própria Igreja);
4. Pregar a separação do mundo e de seus valores;
5. Criar instituições missionárias e sociais duradouras.
Pietismo – Como principais características do movimento
podemos afirmar que:
1. Enfatizavam a experiência de conversão, seguida de outras
experiências de fé no decorrer da vida cristã. Em alguns casos, como
condição para a aceitação divina;
2. Enfatizavam o aspecto subjetivo da fé, mesmo em detrimento
da ênfase na graça imerecida, característica do protestantismo;
3. Partiam do pressuposto que o valor das doutrinas cristãs
somente pode ser medido em relação a sua importância para a vida
cristã prática e de fé;
O Racionalismo/Iluminismo
O racionalismo teológico surgiu também no séc. XVIII no
contexto cultural do Iluminismo. Por outro lado, não há como
desvinculá-lo do período anterior do Escolasticismo Protestante
que, com sua ênfase na razão doutrinária, preparou terreno para um
racionalismo teológico.
Nesse período, no ambiente das academias teológicas
protestantes, surgiu um modo de tratar a fé que fosse correspondente
aos esforços da época de tratar toda a realidade a partir da própria
razão. Na Inglaterra destacou-se nesse período o chamado Deísmo.
41
pelo crivo da razão deve ser aceito. A este racionalismo responderam
os novos filósofos (Kant, Fichte, Schelling e Hegel).
A essa forma racionalista de fazer teologia responderam alguns
teólogos modernos, entre eles Schleiermarcher e Kierkegaard:
43
sociais e busca de melhoria de suas condições de vida. Desgostou-se, no
entanto, da teologia liberal na qual foi formado quando 93 acadêmicos
alemães assinaram um documento apoiando o governo alemão e sua
política durante a 1a. Guerra mundial. Sua primeira obra de peso
“Carta aos Romanos” foi resultado das suas pregações e ensino. Com o
passar do tempo ele associou-se à chamada Igreja Confessante que se
opunha ao governo nazista e, devido a isso, foi expulso da Alemanha.
Barth se ocupou também em responder ao liberalismo teológico do
séc. XX com a sua Teologia da palavra de Deus ou Teologia Dialética.
Conclusão
45
Anotações
__________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
Introdução
Objetivos
47
A Teologia Contemporânea:
alguns esclarecimentos Periodização
Por “contemporâneo” entendemos aquilo que se refere ao tempo
atual. Na história geral a Idade Contemporânea refere-se ao período
que vai da Revolução Francesa (1.789 d.C.) aos dias atuais. Da mesma
forma, na História da Filosofia refere-se ao período que vai do final do
séc. XVIII aos dias atuais. Na História da Teologia, o período abarca as
teologias do séc. XIX aos dias atuais.
A formação da Bíblia se deu no período antigo, no contexto do
Oriente Médio. As teologias patrística, medieval e moderna se localizam
no período que vai do séc. II d.C. ao séc. XVIII, predominantemente
na Europa. A Teologia Contemporânea tem sido produzida tanto na
Europa, América do Norte como na Ásia, África, América Latina,
Caribe e Oceania.
A Teologia Contemporânea
A Teologia Contemporânea é, em suma, aquele saber sobre Deus
que se dá de forma ordenada desde o séc. XIX, e que busca corresponder
aos contextos históricos e sociais de cada tempo e lugar. Trata-se de
um período frutífero para a Teologia, que vê surgir várias formas de
pensamento teológico, em contextos históricos e geográficos-culturais
diversos. Uma dessas teologias é a chamada Teologia Natural, que
veremos à seguir, bem como seus desdobramentos.
Teologia Natural
A Teologia Natural é, por vezes, chamada também de “Religião
Natural”, pois se trata de uma forma de religião filosófica, de orientação
iluminista e caracteristicamente racional e natural. Sua análise sempre
é em relação ao mundo, seu curso e história, não considerando os
aspectos de transcendência e metafísicos.
Como um saber natural sobre Deus ela pretende ser comum a
todos os homens. Embora seja uma teologia do séc. XIX, sua origem
remonta à Tomás de Aquino (séc XIII) que estabeleceu a natureza
como base para o entendimento da revelação. Ainda que este teólogo
Teologia Relacional
O que muitos chamam de Teologia Relacional (representada
no Brasil pelo Pr. Ricardo Gondim), não é exatamente o que se possa
chamar de uma Teologia, não no sentido
ordenado e metodológico do termo. Conforme
o próprio Pr. Gondim, não era essa também
sua pretensão, mas sim a de desenvolver
algumas reflexões sobre como Deus se relaciona
conosco. Muitos a associam ao “Open Theism”
também chamado de “Teísmo Aberto”, ou
“Teologia Aberta” ou “Neoteísmo”, que é uma
forma de pensamento defendido pelos teólogos
norteamericanos Clark Pinnock, Gregory Boyd
Pr. Ricardo Gondim
Fonte: Wikimedia Commons e John Sanders e muito bem explicado no artigo:
49
http://www.monergismo.com/textos/presciencia/open_oque.
htm As inquietações de Gondim surgem de uma crítica ao modelo
calvinista ortodoxo da teologia que prevalece em nosso contexto
eclesial brasileiro:
Existem vários modelos teológicos de como se olha para a
realidade humana. Primeiro, o fechado. Neste modelo tudo
foi providencialmente criado por Deus e tudo cumpre um
desígnio seu; nada acontece sem que tenha sido decretado
eternamente por Deus. Todos os seres humanos que nascem,
todas as guerrras, todas as catástrofes, todos os gestos bons e
maus de todas as pessoas, simplesmente cumprem um plano
eternamente concebido por Deus. Já que Deus não pode
nunca ser frustrado, não houve percalços. O trem da criação
não descarrilhou em momento algum e a humanidade navega
como um navio que nunca saiu de rota.
Em relação e contra isto ele interroga:
Mas como explicar coisas ruins se multiplicando? Como
conciliar um Deus onipotente e a maldade constatada? No
determinismo teológico, conclui-se que cada mínimo evento,
bom ou mau, faz parte de um plano divino e que redundará em
honra e glória para Deus.
As reflexões chamadas de Teologia Relacional (desenvolvidas
pelo Pr. Gondim e por um membro de sua Igreja chamado Stanlei
Belan), chegam às seguintes conclusões:
1. Deus se relaciona conosco em amor, portanto, em liberdade
verdadeira.
2. Como prova de seu amor e para a liberdade da sua criação ele
se ausenta do mundo, não o abandona.
3. A história não está totalmente pronta e não há um futuro pré-
determinado por Deus.
4. Há a possibilidade da cooperação humana na construção do
futuro que está em aberto, conforme Gondim:”...Deus criou o universo,
mas livremente decidiu (porque não havia necessidade) que a história
seria construída, digamos, “a quatro mãos” – as nossas e as dele””
(GONDIM, Teologia relacional – que bicho é esse?).
Conclusão
1
GONDIM. Ricardo. Eu creio, mas tenho dúvidas. Viçosa: Ultimato, 2007. p. 50-55.
51
Anotações
__________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
Introdução
Objetivos
53
A Teologia Narrativa e da Cultura
A teologia que ainda prevalece no ocidente desde a helenização da
fé cristã é aquela filosófica e metafísica. Ela se ocupa predominantemente
da definição de conceitos dos elementos específicos da fé cristã e
procura compreender e explicar a partir da abstração, como é o caso:
das Escrituras (bibliologia), da salvação (soteriologia), do pecado
(hamartiologia), de Deus (teontologia), de Cristo (cristologia), do
Espírito Santo (pneumatologia), das últimas coisas (escatologia), dos
anjos (angelologia), etc.
O método a que recorremos costumeiramente é o sistemático, ou
seja, fundamentação bíblica e histórica e aplicação prática. Tendemos
a construir ideias acerca dos elementos que são comuns a nossa fé e
tentar privatizá-lo em alguns conceitos e teorias, na pretensão, muitas
vezes, de esgotar seu sentido. Para Paulo Brabo isso incorre no risco da
idolatria, pois tem a ver com a pretensão de reduzir Deus a uma teoria:
O judaísmo recusava-se e ainda recusa-se a permitir que
Deus fosse reduzido ao nível das conclusões, dos conceitos e
das ideias. A “teologia” judaica, epitomizada pelo Talmude, é
dialética e não dogmática. O problema de tentar-se definir Deus
através de ideias é que uma ideia, uma vez formulada, torna-
se imediatamente um monumento, um marco fixo a que se
pode voltar e diante do qual podemos nos dobrar. Um conceito
estanque a respeito de Deus é, essencialmente, um ídolo – e
emblema da nossa obsessão em tentar formulá-lo no espaço ao
invés de vislumbrá-lo no tempo. (BRABO, Paulo, 2009, p. 3)
Ao remeter para a tradição judaica, portanto, também para o
Antigo Testamento, ele argumenta que a fé bíblica é essencialmente
histórica e baseada muito mais no fator tempo do que no fator
espaço próprio do pensamento grego e ocidental. A linguagem
bíblica, conforme ele, remete para a temporalidade, como é o caso
do sábado, da ideia do kairós de Deus e outras simbologias. Devido
a isso, a cosmovisão judaica era linear, enquanto das religiões a sua
volta e mesmo a grega, era cíclica. Ainda, de acordo com ele, além da
helenização da fé, outra situação que contribuiu definitivamente para
a supressão da visão narrativa bíblica foi a emergência do racionalismo
A Teologia Narrativa
De acordo com Grenz e Olson citando Gabriel Fackre, uma
narrativa é “um relato dos personagens e acontecimentos dentro de
uma trama que se move ao longo do tempo e do espaço através de
conflitos rumo a um desfecho” (GRENZ E OLSON, 2003, p. 329).
Não se trata de um simples relato. Uma narrativa é uma história que
remete para um contexto e para uma ou mais comunidades. Ela é,
por natureza, integradora dos vários aspectos que formam nossa
realidade, pois normalmente não desmembramos as partes de um
evento ou história para analisá-los em separado, mas envolvemos um
conjunto de personagens, situações e seus respectivos cenários. Eles
ainda reforçam:
O ponto forte da teologia narrativa está em sua afirmação de
que a fé implica relacionar nossas histórias pessoais com a
história transcendente/imanente da comunidade religiosa e,
em sua expressão máxima, com a grande narrativa da ação
divina no mundo. A história divina, mediada pela comunidade
da fé, transcende nossas narrativas individuais e finitas; porém,
ela é imanente na história do mundo e, pela fé, no desenrolar da
vida do crente. (GRENZ E OLSON, p. 327).
55
tanto é a linguagem bíblica, como de boa parte das comunidades
cristãs históricas. Mas, para tais teólogos, a narrativa prevaleceu ante
a sistematização da fé, e passaram a se referir a esta (sistematização
teológica) como um instrumento daquela (a narrativa teológica).
As teologias da revelação de Karl Barth e Richard Niebuhr
contribuíram para a consolidação de uma forma de teologia narrativa,
a partir da ideia da presença da palavra de Deus no mundo e nossa
correspondência humana à ela por meio de sua narração e pregação.
A Teologia Narrativa ainda é objeto de vários interesses e estudos.
No Brasil ainda é muito pouco conhecida e pesquisada, embora, a
tradição narrativa seja um traço forte de nossa cultura. Mas, a prática
narrativa da fé é comum ao nosso meio e compõe inclusive nossa
liturgia. Interessantes contribuições essa teologia tem oferecido ao
estudo da Bíblia e à pregação.
Teologia da Cultura
A Teologia da Cultura está relacionada mais diretamente ao
teólogo Paulo Tillich, um professor de Teologia Sistemática do séc. XX,
que atuou na Alemanha e América do Norte. Como teólogo e filósofo
interessava-se muito pelos assuntos da religião e da cultura, a ponto de
tornar essa a temática central da sua teologia. Para tratamento de tais
assuntos Tillich se serviu dos estudos próprios de Filosofia da Religião,
que serviram de base para sua teologia.
Para Tillich a religião é uma dimensão da vida humana e não
apenas um acessório, a qual todos os demais aspectos estão relacionados
e possuem nela sua profundidade, de acordo com Gibellini “[...]
e, portanto, o âmbito religioso e o âmbito secular não podem ser
separados, pois a religião não é um âmbito, uma região particular, mas
a dimensão da profundidade”. De acordo com Gibellini “A dimensão
da profundidade é uma metáfora espacial e representa a instãncia das
interrogações fundamentais e do sentido último” (GIBELLINI, 1998,
p. 86).
Sobre a relação entre cultura e religião, Tillich possuía uma
célebre afirmação “a religião é a substância da cultura e a cultura a
forma da religião”, ou seja, em todos os aspectos da cultura (cultura
Conclusão
57
Anotações
__________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
Introdução
Objetivos
59
Teologia Pública: apontamentos
A Teologia Pública é uma das formas de teologia contemporânea.
Na América Latina ela surge no encalço da Teologia da Libertação e
como uma possibilidade de sua atualização. O termo “público” refere-
se àquilo que é manifesto, divulgado, é visto e ouvido por todos.
Significa que não é restrito a uma classe, grupo ou segmento, ou seja,
não é privado, é acessível.
No tocante à teologia como pública há diversos entendimentos e
possibilidades:
1. Aquela que se faz no espaço público e em relação a ele;
2. Aquela que não pertence a um grupo confessional específico,
mas democratiza o discurso sobre Deus e se faz para a coletividade.
O primeiro uso da expressão “Teologia Pública” que se tem
notícia foi em 1974, por Martin Marty em referência à Teologia de
Reinhold Niebuhr. Ele propunha que o conhecimento de Deus se
desse de modo atualizado pela Igreja e que servisse de referência
para a compreensão da vida atual dos povos. Já David Tracy, dando
continuidade à discussão, afirma que a publicidade da teologia deve se
dirigir a três públicos específicos: a sociedade, a academia e a Igreja:
Uma teologia pública deve estar atenta aos temas em pauta em
uma sociedade, buscando articular aquilo que lhe é específico
de maneira contextual1.
Em princípio, a Teologia Pública refere-se àquela forma de teologia
que não visa prioritariamente a formação do quadro eclesiástico das
igrejas cristãs. Mas, localizando-se no mundo acadêmico, propõe-se
a dialogar com as religiões e outras áreas do conhecimento científico,
para a construção do seu saber.
Roque Junges2 esclarece que ela, enquanto forma de expressão
da fé cristã na universidade, coloca-se propositalmente em duas
frentes:
___________
1
JACOBSEN, Eneida. O aborto publicizado. Rumo a uma teologia pública da libertação. In.: SCHAPER,
Valério Guilherme. A Teologia Contemporânea na América Latina e no Caribe. São Leopoldo: Oikos
e Est. 2008, p. 284-295.
2
O que a Teologia Pública traz de novo. In.: Cadernos IHU em formação – Teologia Pública, ano 2, nº
8, 2006. São Leopoldo: UNISINOS, p. 5-8.
61
Para os teólogos da Teologia Pública, ela, não abrindo mão de
seu conteúdo especificamente cristão, deve ser autocrítica, conforme
possibilita o círculo hermenêutico proposto por Juan Luís Segundo,
aberta a mudanças em vista do amplo diálogo.
Teologia e Religião
A discussão acerca da teologia e religião passa pela afirmação
abaixo de Michael Amaladoss (teólogo indiano):
Teologia é a busca por Deus. Deus está além de todas as nossas
imaginações e nossos raciocínios. Deus manifesta-se por
diferentes caminhos para diferentes povos. Um povo diferente
busca Deus por caminhos diferentes. A teologia das religiões
e a teologia na universidade devem reconhecer e aceitar essa
diversidade e envolver-se num diálogo, no contexto da busca
compartilhada por opinião e satisfação.
A relação entre fé e religião é um assunto que remonta ao povo de
Israel no Antigo Testamento. Desde sua estada no Egito e mesmo após
instalação em Canaã, Israel teve dificuldades em como lidar com as
religiões dos povos circunvizinhos. Vários relatos bíblicos são, muitas
vezes, localizados nesse confronto, por exemplo: os relatos da criação
e do dilúvio e sua relação com as cosmogonias mesopotâmicas.
No Novo Testamento o contexto não é tão diferente. Prova disso
é a influência judaizante nas comunidades da Galácia, influência pré-
gnóstica nas comunidades da Ásia Menor, etc. As cartas de Paulo e
João visam também orientar tais comunidades em relação a esses
movimentos religiosos.
Na modernidade o problema ressurgiu em sua forma
teóricocientífica. O problema em questão nesse período não eram
as religiões em si, mas a Religião e o seu lugar na nova mentalidade
do Ocidente racionalista. A Teologia do Sentimento de Friedrich
Schleiermarcher intencionou responder aos esforços de redução do
cristianismo à esfera dos valores morais e da filosofia metafísica.
Para ele, o que explica melhor a religião cristã é o sentimento da
própria comunidade em relação ao divino. Com isso, ele estabelece
um critério aplicável à toda experiência religiosa. A Teologia da
63
fato, são áreas distintas do conhecimento. Possuem não somente um
conteúdo, mas uma epistemologia diferente.
Conclusão
Introdução
Objetivos
65
Síntese da Teologia Contemporânea
Na primeira parte desta disciplina nos ocupamos com a
Teologia Contemporânea propriamente. Verificamos as diversas
fases do desenvolvimento da teologia até os desenvolvimentos mais
recentes, particularmente, os desdobramentos da teologia. Esse estudo
nos possibilita ter uma compreensão não só do desenvolvimento
dos diversos assuntos abordados pela Teologia Contemporânea
como também entender e apreciar as razões pelas quais surgiram
determinados temas e tendências metodológicas.
2. Fundamentos da teologia
Mencionamos a importância de se entender os fundamentos
ou fontes da teologia. De acordo com Alister McGrath, a fonte da
teologia é a Escritura, a Razão, a Tradição e a Experiência. Outros
autores se referem a fontes semelhantes com algumas variações. Mas
a questão é entender que por mais que afirmemos que toda teologia
67
o aperfeiçoou recorrendo à apropriação da filosofia aristotélica em
lugar da metafísica platônica, prevalecente em todo o período antigo.
Para ele, a filosofia está na base da teologia, assim como o natural
forma a base do sobrenatural.
3.2 Reforma
A Reforma Protestante procurou romper com o modelo
medieval e tomista. Em todas as suas variações, caracterizou-se por
uma nova exigência metodológica e atribuiu novo caráter autoritativo
às Escrituras, que passaram a ser lidas não mais alegoricamente, como
nos períodos patrísticos e medieval, mas em seu sentido literal. Para os
reformadores, a fé é aquela que acolhe a palavra de Deus e, a Palavra,
existe em função de Jesus Cristo e seu anúncio. Ao acolhermos a
Palavra pela fé, encontramo-nos com Jesus Cristo e sua graça que nos
justifica. Ao sermos justificados, somos libertos para servir a Deus e ao
mundo. É nesse sentido que a fé é o caminho, a palavra possui primazia
e Jesus Cristo é a razão do fazer teológico e da vida da Igreja. Qualquer
teologia que se afirme protestante deve passar por essas concepções,
independente da variação que representa.
3.4 Racionalismo
O racionalismo teológico surgiu também no séc. XVIII no
contexto cultural do Iluminismo. Por outro lado, não há como
desvinculá-lo do período anterior do Escolasticismo Protestante
que, com sua ênfase na razão doutrinária, preparou terreno para um
racionalismo teológico.
Nesse período, no ambiente das academias teológicas
protestantes, surgiu um modo de tratar a fé que fosse correspondente
aos esforços da época de tratar toda a realidade a partir da própria
razão. Na Inglaterra destacou-se nesse período o chamado Deísmo.
Os liberais pretendiam reconstruir a fé cristã à luz do
conhecimento moderno. Compreendiam que era necessário adaptar
a teologia cristã à configuração cultural da época e, assim, ajustar-se à
mentalidade científica e filosófica do momento. Baseiam-se também na
liberdade (característica do protestantismo) de repensar as crenças à
partir de seu momento histórico. Conforme Grenz e Olsen “Os liberais
não desprezavam a Bíblia e nem a consideravam completamente sem
valor. Na verdade, procuravam dentro dela “o evangelho” – o cerne e
referencial eterno da verdade que não podia ser corroído pelos ácidos
do conhecimento científico e filosófico moderno” – (Grenz e Olsen, p.
58).
Para os teólogos liberais:
1. Jesus Cristo era visto como o ser humano exemplar e não
como o salvador interventivo.
2. A mensagem bíblica estava envolta em toda uma série de
expressões e ideias culturais das quais precisava ser retirada.
3. Não negavam a transcendência de Deus, mas esta somente
poderia ser compreendida a partir da experiência humana no mundo,
pela via da moral, razão ou mesmo a intuição.
69
3.5 Expressões teológicas da Modernidade
Teologia Natural
A Teologia Natural é, por vezes, chamada também de “Religião
Natural”, pois se trata de uma forma de religião filosófica, de orientação
iluminista e caracteristicamente racional e natural. Sua análise sempre
é em relação ao mundo, seu curso e história, não considerando os
aspectos de transcendência e metafísicos.
Como um saber natural sobre Deus ela pretende ser comum a
todos os homens. Embora seja uma teologia do séc. XIX, sua origem
remonta à Tomás de Aquino (séc XIII) que estabeleceu a natureza
como base para o entendimento da revelação. Ainda que este teólogo
medieval não tenha negado os aspectos metafísicos da fé, ele estabeleceu
as bases filosóficas e metodológicas para a Teologia Natural. Surgiram
dessa preocupação seus famosos argumentos naturais para a existência
de Deus.
Teologia Relacional
O que muitos chamam de Teologia Relacional não é exatamente
o que se possa chamar de uma Teologia, não no sentido ordenado
e metodológico do termo. Conforme o próprio Pr. Gondim, não
era essa também sua pretensão, mas sim a de desenvolver algumas
reflexões sobre como Deus se relaciona conosco. Muitos a associam ao
“Open Theism” também chamado de “Teísmo Aberto”, ou “Teologia
Aberta” ou “Neoteísmo”, que é uma forma de pensamento defendido
pelos teólogos norteamericanos Clark Pinnock, Gregory Boyd e John
Sanders.
Teologia Narrativa
De acordo com Grenz e Olson citando Gabriel Fackre, uma
narrativa é “um relato dos personagens e acontecimentos dentro de
uma trama que se move ao longo do tempo e do espaço através de
conflitos rumo a um desfecho” (GRENZ E OLSON, 2003, p. 329).
Não se trata de um simples relato. Uma narrativa é uma história que
remete para um contexto e para uma ou mais comunidades. Ela é,
Teologia da Cultura
A Teologia da Cultura está relacionada mais diretamente ao
teólogo Paulo Tillich, um professor de Teologia Sistemática do séc. XX,
que atuou na Alemanha e América do Norte. Como teólogo e filósofo
interessava-se muito pelos assuntos da religião e da cultura, a ponto de
tornar essa a temática central da sua teologia. Para tratamento de tais
assuntos Tillich se serviu dos estudos próprios de Filosofia da Religião,
que serviram de base para sua teologia.
Teologia Pública
A Teologia Pública é uma das formas de teologia contemporânea.
Na América Latina ela surge no encalço da Teologia da Libertação e
como uma possibilidade de sua atualização.
O termo “público” refere-se àquilo que é manifesto, divulgado,
é visto e ouvido por todos. Significa que não é restrito a uma classe,
grupo ou segmento, ou seja, não é privado, é acessível.
71
No tocante à teologia como pública há diversos entendimentos e
possibilidades:
1. Aquela que se faz no espaço público e em relação a ele;
2. Aquela que não pertence a um grupo confessional específico,
mas democratiza o discurso sobre Deus e se faz para a coletividade.
Teologia e Religião
A relação entre fé e religião é um assunto que remonta ao povo de
Israel no Antigo Testamento. Desde sua estada no Egito e mesmo após
instalação em Canaã, Israel teve dificuldades em como lidar com as
religiões dos povos circunvizinhos. Vários relatos bíblicos são, muitas
vezes, localizados nesse confronto, por exemplo: os relatos da criação
e do dilúvio e sua relação com as cosmogonias mesopotâmicas.
No Novo Testamento o contexto não é tão diferente. Prova disso
é a influência judaizante nas comunidades da Galácia, influência pré-
gnóstica nas comunidades desde a Ásia Menor, etc. As cartas de Paulo
e João visam também orientar tais comunidades em relação a esses
movimentos religiosos.
Na modernidade o problema ressurgiu em sua forma teórico
científica. O problema em questão nesse período não eram as religiões
em si, mas a Religião e o seu lugar na nova mentalidade do Ocidente
racionalista. A Teologia do Sentimento de
Friedrich Schleiermarcher intencionou
responder aos esforços de redução do
cristianismo à esfera dos valores morais e da
filosofia metafísica. Para ele, o que explica
melhor a religião cristã é o sentimento da
própria comunidade em relação ao divino.
Com isso, ele estabelece um critério aplicável
a toda experiência religiosa. A Teologia
da Cultura de Paul Tillich, que enfatiza a
importância da sacralidade na vida religiosa,
Paul Tillich
como modo de se resistir ao secularismo,
procura estabelecer bases de possibilidade para o diálogo entre as
religiões e suas teologias.
73
Anotações
__________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
Introdução
Objetivos
75
Introdução à Ética
Pr. Sidney de Moraes Sanches
Um homem se tornou um empresário bem-sucedido e construiu
para sua esposa uma casa enorme à qual chamou Castelo Monalisa.
Durante esse tempo, ele foi eleito deputado federal. Algum tempo
depois, ele foi eleito para a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados e,
por força do cargo, ele deveria corrigir os demais colegas quando eles
agissem mal no uso do seu mandato. Ele achava muito difícil um colega
corrigir outro colega devido à amizade que eles cultivavam entre si.
Muitos dos seus colegas já haviam sido auxiliados por ele, quando houve
certa investigação para saber se haviam se beneficiado de um esquema
do partido no poder, para a compra de votos dos parlamentares para
a aprovação de projetos de interesse do governo federal. Contra ele,
existiam várias ações trabalhistas por não recolhimento de impostos,
até de ex-funcionários. Em uma entrevista coletiva, ele reagiu a uma
pergunta de um jornalista se renunciaria ao seu cargo. Ele respondeu
com outra pergunta: “em qual tribunal fui julgado e condenado?”
Veja como essa história real está cheia de questões morais.
Certamente, o tribunal que o nobre deputado se esqueceu de
mencionar é o tribunal ético. Certamente você também já teve que
lidar com algum problema moral. Infelizmente, para muitos, falar de
moral é associar-se com alguma posição conservadora, reacionária,
antiquada, cerceadora da liberdade individual. No entanto, as pessoas
falam naturalmente de ética, como algo atual, moderno, inteirado.
Nesta aula, você aprenderá que os problemas morais são o campo
da Ética e aprenderá a delimitar esse campo. Você aprenderá a distinção
entre o problema prático-moral e o teórico-moral e como ambos
contribuem para constituir o conteúdo próprio do conhecimento
ético. Perceberá que a ética se desdobra a partir da consciência de duas
entidades autônomas, mas dependentes entre si: o indivíduo que age e
a sociedade na qual atua. Por fim, daremos alguns exemplos simples,
mas cotidianos, que ilustram toda a questão moral que nos preocupará
daqui em diante. Eles serão importantes para que você comece a se
situar no conteúdo do nosso curso.
77
Assim, é parte do estudo da ética:
• a ação humana que contribui para uma finalidade boa;
• os motivos, desejos e aspirações que move a ação humana
enquanto justa, correta e conveniente;
• a ação humana de um indivíduo que deve ser acompanhada
de responsabilidade, liberdade, intenção e vontade, diante de duas ou
mais alternativas;
• a ação humana em uma sociedade que deve refletir a
obrigatoriedade de agir ou não conforme suas normas e códigos, a fim
de contribuir para o bem-estar desta sociedade;
• a forma como esses códigos e normas são elaborados pela
sociedade, na forma de frases que determinam o comportamento
moral, e como cada frase se organiza, funciona e se justifica naquela
sociedade;
• as sociedades, diferentes uma das outras, com diferentes
códigos e normas reguladoras, definindo o que é válido para todos
os seres humanos, em qualquer sociedade, e o que é restrito a uma
determinada sociedade, e como agir para com esta sociedade
particular, se o comportamento moral que ela aprova é muito diferente
do aceitável em outras sociedades.
79
vontade antes de agir, tem consideração pelos outros sem subordinar-
se nem submeter-se cegamente a eles, responde pelo que faz, julga suas
próprias intenções e recusa a violência contra si e contra os outros.
E a Bíblia diz assim:
Meu filho, tenha sempre estas duas coisas em vista: a verdadeira
sabedoria é a capacidade de tomar decisões certas. Se você
possuir essas duas qualidades, terá sempre forças renovadas.
Elas são como uma medalha de honra. Elas o levarão por
caminhos seguros, onde você não tropeçará. Elas lhe darão um
sono tranquilo à noite. Não precisará ter medo de problemas
inesperados nem dos planos de homens maus, porque o Senhor
mesmo vai proteger você. Ele não deixará que você caia em
qualquer armadilha. (Provérbios 3:21-26, Bíblia Viva).
Conclusão
Introdução
Objetivos
81
A Ação humana na Sociedade e a Ética
As questões que a Ética levanta surgem da observação do agir
moral dos seres humanos, e são as seguintes:
1. De onde vêm o senso moral e a consciência moral dos seres
humanos?
2. Como surgem, se mantém e se modificam os valores morais em
uma sociedade humana com a passagem do tempo?
3. Por que e sob quais condições as sociedades humanas diferem
quando prescrevem suas normas para o agir moral dos seus indivíduos?
4. O que é permanente e universal e o que é transitório e local no
agir moral proposto pelas sociedades humanas aos seus componentes?
5. O que são juízos morais e como avaliar os critérios que
fundamentam e justificam esses juízos?
6. O que é o agir moral e o que ele tem a ver com as ideias de
intenção, vontade, liberdade, responsabilidade e consequências que o
acompanham?
7. Como compatibilizar o objetivo de um ato moral e os meios
para alcançar esse objetivo?
83
3. Entendendo melhor o agir moral do ser
humano
Agora, entendamos um pouco melhor a questão do agir moral
dos seres humanos. A Moral se realiza em dois planos: o normativo,
que reúne normas e princípios que procuram regular a conduta dos
seres humanos; e o fatual, constituído pelo agir humano concreto em
condições reais em obediência àquelas normas e princípios.
Podemos chamar esse plano fatual de agir moral humano. Só se
pode considerar ato moral aquele agir humano consciente e capaz de
ser moralmente reconhecido e aprovado por uma sociedade. Portanto,
o agir moral humano imprevisível e inconsequente não pode ser
colocado dentro desta compreensão.
Como se organiza o agir moral humano, quais são suas
características capazes de permitir que o reconheçamos?
Primeiro: todo agir moral deve ser precedido de um motivo
moral, um impulso para agir ou procurar alcançar determinado fim
moral. Os motivos para alguém agir são muitos, e nem todos são
morais. Motivos morais devem corresponder a virtudes igualmente
morais. Por exemplo: O motivo não é o mesmo quando alguém
denuncia um ato de corrupção, só porque o denunciante não pôde
tirar também proveito dele ou para receber uma pena menor. Aqui é
fundamental o interesse e vontade de que a justiça se faça, independente
do denunciante ser beneficiado ou não. O agir moral humano deve ser
capaz de oferecer um motivo moral para sua ação.
Segundo: o agir moral é voluntário. Isto quer dizer que o agir
moral é realizado em função de um resultado moral a se alcançar.
A visão do resultado moral deve estimular o ser humano a tomar as
decisões concretas que permitirão alcançar aquele resultado. A tomada
de decisões requer que o ser humano faça uma ou mais escolhas que
permitirão que o resultado seja alcançado. Ora, o agir moral humano
pode resultar em várias coisas, e, por isso, é necessário escolher uma
ou algumas delas e seguir o caminho proposto para alcançá-lo. Esse
caminho proposto diz respeito aos meios para que o resultado seja
alcançado. Conhecer os meios e saber escolher entre eles também faz
85
antecipar o agir moral mais adequado. Provavelmente, este ser humano
e esta sociedade deverão lançar mão das normas já conhecidas, olhar
a novidade da situação e escolher qual o melhor curso de ação moral
a seguir.
Isto nos leva a rejeitar a ideia de que o agir moral humano pode
ser prescrito em seus mínimos detalhes, retirando do ser humano toda
a possibilidade de tomar decisões, por si mesmo, diminuindo-o quanto
à sua capacidade e liberdade moral. Neste caso, a norma não deve ser
normativa enquanto inibidora, mas normativa enquanto orientadora.
Simplesmente, uma comunidade de seres humanos não deve tomar
decisões antecipadas pelos seus indivíduos, mas deve orientá-los para
que sejam capazes de decidir bem em toda e qualquer situação.
Conclusão
Introdução
Objetivos
87
Concepções de Ética I
Texto do Pr. Sidney M. Sanches
Com certeza, você já percebeu que o comportamento moral
dos seres humanos está estreitamente vinculado ao modo como suas
sociedades se organizam ao longo da história e como eles se relacionam
com estas sociedades.
Pode-se dizer que a forma como os seres humanos compreendem
a Ética também possui uma história, seja porque sua matéria de
trabalho é esse comportamento moral em sociedade, seja porque a
Ética organiza seu conhecimento que tende a se ampliar em relação ao
passado e ao futuro.
Épocas de mudanças radicais como esta que estamos vivendo
trazem consigo profundos questionamentos dos valores, princípios
e normas morais considerados válidos até aqui em uma e em todas
as sociedades. Essa crise de valores ou de ética, como muitos estão
falando, requer que os seres humanos repensem o que é importante
para eles, seja justificando o que já conhecem, seja propondo a sua
substituição. Neste último caso, fica uma pergunta incisiva: substituir
pelo quê?
Em uma época de tantas dúvidas, é preciso refazer o caminho
histórico que a Ética percorreu até aqui em busca de alguma clareza. É
por isso que, nesta e nas próximas lições, seremos iniciados nas diversas
concepções da conduta moral dos seres humanos que os historiadores
da Ética recolheram para nós.
Começaremos pelos antigos gregos, de certo modo, fundadores
do nosso pensamento acerca da moral, pois foram os primeiros a
deixarem registros dessa preocupação com a
conduta humana na e em função da pólis/cidade.
Pessoas como Sócrates, Platão, Aristóteles,
e grupos como os Sofistas, os Epicureus e os
Estóicos, nos guiarão nesse estudo. Ao final
desse estudo, você terá uma boa introdução ao
Busto de Sócrates pensamento ético que será capaz de colocá-lo em
Fonte: Wikimédia Commons
conversação com seus próprios desafios éticos.
A Ética, como a conhecemos, nasce com a democratização da
1. Os sofistas
Antes deles, porém, havia os Sofistas, mestres que andavam pelas
cidades gregas, preocupados em saber o que é o ser humano enquanto
participante de uma sociedade humana. Esta participação era vista
como política e jurídica. A participação na sociedade requeria saber
impor as idéias próprias de modo a convencer os demais de que
elas eram as melhores para todos. Claro que isso dependia de como
o discurso se adaptava às próprias situações que cada sociedade
vivenciava, isto é, os critérios para avaliar o que era melhor variavam
segundo as necessidades e comportamentos de cada sociedade. Não
havendo um critério baseado em um valor maior que a própria
situação, Protágoras, um desses sofistas fundadores do pensamento
ético grego, dizia: “O homem é a medida de todas as coisas!” Nem a
natureza, nem a tradição, nem os deuses podem dizer exatamente ao
ser humano o que ele devia ou não ser e fazer em sociedade.
2. Sócrates (470-399)
Sócrates não gostava muito desse relativismo e subjetivismo dos
Sofistas. Ele também achava que a Ética começava com o ser humano,
mas como este compartilhava a mesma natureza humana com todos
os seus semelhantes, um conhecimento válido para um ser humano
também dizia respeito a todos os demais, desde que seu ponto de
partida fosse racional. Para Sócrates, a racionalidade humana deveria
buscar o conhecimento do que é bom para praticá-lo na cidade/pólis.
Adquirido esse conhecimento racional, caberia a esta cidade ensinar
cada ser humano a cultivar a virtude (capacidade de agir bem) e a
rejeitar o vício (capacidade de agir mal). Agindo assim, o ser humano
teria todas as condições para ser feliz em sociedade, alvo final de sua
existência no mundo.
89
3. Platão (427-347)
Platão foi discípulo de Sócrates e repetiu duas ideias queridas a
seu mestre: o ser humano aprende o
que é bom na cidade/pólis quando por
ela ensinado. A partir dessas idéias,
Platão ensinou que a cidade/pólis deve
se organizar como um estado político
para cumprir aquele fim. Portanto,
apenas os seres humanos que faziam
parte da cidade, que se submetiam às
suas normas, praticavam suas regras
e partilhavam seus valores poderiam
ser eticamente educados.
Porém, Platão entendia que não Platão, em detalhe da Escola de Atenas,
de Rafael Sanzio (c. 1510)
cabia à cidade dizer ao ser humano o Fonte: Wikimédia Commons
que era bom. O que era bom estava
mais além e só poderia ser encontrado em um mundo ideal, perfeito,
imutável, a verdadeira realidade só alcançada pela alma humana
orientada pela sua racionalidade. O que é bom deveria, antes de
ser praticado, ser contemplado e compreendido pela alma humana.
Por meio dessa ação racional, o ser humano estaria preparado para
funcionar virtuosamente.
Esta compreensão platônica da moral é explicada em termos do
seu dualismo, isto é, a diferenciação que Platão fazia entre corpo e
alma. Como lugar das paixões, emoções e sentimentos, o corpo servia
pouco para educar o ser humano em sua conduta moral. O mundo
é outro lugar pernicioso para a educação moral do ser humano, pois
ele apelava aos instintos do corpo, não à racionalidade da alma. O ser
humano, precisava mesmo era da alma, o lugar da racionalidade no ser
humano. Esta lhe poderia ensinar a virtude e conhecimento. Assim,
quanto mais ele renunciasse a ser dirigido pelo corpo, e se submetesse
à direção da alma, mais moralmente educado seria.
A alma racional ensinaria ao ser humano a prudência, virtude
da alma; a fortaleza, virtude da vontade; a temperança, virtude dos
apetites do corpo. O equilíbrio e harmonia entre essas virtudes, em
4. Aristóteles (384-322)
Aristóteles foi discípulo de Platão, mas se afastou dele para formar
um modo próprio de pensar. Ele concorda com Platão, e vai mais além,
ao dizer que o ser humano só é humano em uma vida política, nesse
caso, social. É a cidade/pólis que pode lhe prover esta vida social que é
a fonte da sua felicidade, ao lhe dar a condição de realizá-la.
Como isso acontece? Bem, Aristóteles ensinou que todo ser
humano carrega consigo uma compreensão do que é bom, sem
precisar buscar esse conhecimento em algo fora dele mesmo. Porém,
o ser humano precisa transformar esse conhecimento em uma ação
prática ou ética. Ele faz isso, primeiro, procurando conhecer mais
sobre o que é bom, e para isso deve se dedicar ao desenvolvimento
da sua racionalidade por meio do estudo. Quanto mais ele conhece e
pratica o que é bom, mais feliz será, isto é, mais plenamente humano
ele será.
O ser humano saberia que encontrou a sua realização ao praticar
a virtude, isto é, ao se conduzir por um caminho intermediário entre
duas condutas extremas. Um exemplo: Entre ser um alcóolatra e não
beber álcool nenhum, a virtude estaria em saber beber moderadamente,
pensando que essa conduta moral é a melhor para toda a pólis/
sociedade. Se o ser humano conseguisse se guiar completamente pela
91
virtude, realizaria sua vida na pólis/sociedade e alcançaria a felicidade,
objetivo para o qual tende toda a existência humana.
No final das contas, a moral é uma questão de o ser humano
entender o fim da sua existência, por Aristóteles chamado felicidade.
É claro que esta palavra pode dizer muitas coisas para pessoas e
sociedades diferentes. De acordo com Aristóteles, não se trata de uma
satisfação corporal ou física, uma sensação de prazer e gozo, porque
ela escraviza as pessoas. Nem de honra ou prestígio ou fama, porque
é algo dependente de condições sob as quais o ser humano não tem
controle. Nem o acúmulo de riquezas, porque elas não são um fim,
mas meios para adquirir outras coisas que seriam fins. Nem mesmo
a contemplação das coisas mais elevadas, porque se encontram
fora da experiência do ser humano. A perfeita felicidade, conforme
Aristóteles, consiste primeiro, na atividade racional ou intelectual da
alma humana, em que, pelo estudo, o ser humano pode alcançar e
reter para si mesmo a plenitude de suas potencialidades, ou a Verdade,
ou o mais próximo possível que se pode chegar de Deus. Segundo,
consiste em viver a vida conforme as virtudes éticas, as quais serão
tratadas em uma lição posterior.
Até então, para a concepção clássica de ética, a cidade/pólis e,
nela, a sociedade, é o lugar da realização da conduta moral dos seres
humanos. No entanto, com o passar do tempo, as cidades gregas
perderam sua autonomia ao serem submetidas por dois grandes
impérios: o macedônio e o romano. Ao perder a referência da cidade
e como habitante de um império, o ser humano ficou sozinho no
mundo, o que levou o pensamento ético a sofrer duas profundas e
importantes modificações a partir de duas novas formas de pensar a
conduta moral humana sob estas novas condições.
5. Zenão
A primeira nova forma de pensar a Moral foi proposta pelos
Estóicos. Seu grande representante foi Zenão. Eles entenderam que o ser
humano é apenas ele mesmo, um indivíduo, preso de forças cósmicas,
divinas e racionais, que iam além da sua capacidade de resistência.
Ele não pode votar contra elas, como os antigos gregos. Ele não pode
6. Epicuro
A segunda nova forma de pensar a Moral foi proposta pelos
Epicureus. Seu grande representante foi Epicuro. Segundo eles, tudo
o que existe é matéria, é átomo, é indivíduo, inclusive o ser humano.
Não há uma cidade/pólis, uma sociedade, uma tradição, um império,
forças cósmicas, um destino ou um deus, nem mesmo uma felicidade,
para guiá-lo. De fato, sua conduta deve guiar-se ao máximo pela fuga
daquilo que lhe traz perturbação, seja uma lembrança do passado, seja
um instinto do corpo, um sentimento da alma ou uma ambição futura.
O seu alvo é a ataraxia, isto é, a quietude, a apatia, a insensibilidade,
algo parecido com o sono ou a morte.
Por vezes, a conduta dos Epicureus é chamada de hedonista,
devido à sua insistência na busca do prazer. Deve-se, porém, fugir
da ideia vulgar de prazer ou gozo, a qualquer preço, pois se trata
justamente o contrário disso. O prazer que trará dor ou sofrimento,
mesmo que gozoso no momento deve ser evitado ao extremo. Ao
contrário, o ser humano deve olhar para dentro de si e, guiado pela
sua racionalidade, perguntar o que quer, o que lhe faz bem, o que
lhe dá sentido e propósito, e perseguir isso até o fim da vida. Ele não
está preso a nada, nem ao passado nem ao presente, e deve seguir
apaixonadamente o caminho que lhe parece mais prazeroso quando
se trata de praticar o que é bom. Nisso estará a sua felicidade pessoal.
93
Conclusão
Anotações
__________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
Introdução
Objetivos
95
Concepções de Ética II
Nesta aula, você terá acesso à concepção cristã da Ética. Este
estudo será muito importante porque situará você na maneira como
nossas sociedades ocidentais foram impregnadas com os princípios,
valores e normas reunidas sob o nome Moral cristã. Você verá como
ela se tornou necessária na construção de um novo mundo que segue
ao fim do Império Romano. Terá acesso ao pensamento ético de um
dos principais cristãos da época, o qual determinou muito a Moral
cristã, Agostinho de Hipona, e perceberá porque a Ética cristã é uma
ética da redenção. Por fim, também perceberá porque a Ética cristã
é uma ética do amor, analisando um belíssimo texto de Basílio de
Cesaréia.
Ao final, você perceberá que sendo herdeira, em alguns pontos
da concepção greco-romana de Ética, a Ética cristã a modificou
profunda e definitivamente ao inserir a novidade do Cristianismo na
sua compreensão de como deveriam ser as relações humanas no novo
mundo que surgiu.
97
Outra modificação importante que o Cristianismo produziu
sobre as ideias gregas foi a identificação do mal com o pecado e
a culpa. Para o Cristianismo, o pecado é a opção da alma humana
pelo mal. Por que ela escolhe pecar? Os pensadores cristãos daqueles
tempos tiveram dificuldades para responder a essa pergunta. Elas
variaram, desde a responsabilização dos demônios que tentam o ser
humano até um ambiente que favorece ou determina essa opção.
Cedo, a explicação retorna ao Jardim do Éden, onde o primeiro casal
humano cede às instigações malignas, desobedece a Deus e atrai sobre
si e a humanidade todas as consequências do seu ato irresponsável.
Veja que, agora, a questão moral não se trata apenas das condições
presentes, mas de lidar com uma herança de pecado e culpa que aflige
e determina boa parte da conduta humana atual.
Entretanto, permanece fundamental para esses pensadores
cristãos a ideia de que o ser humano traz consigo uma disposição para
realizar o que é bom, nele colocada pelo
próprio Deus quando da sua criação.
A questão é como fazer prevalecer
essa boa disposição. A resposta cristã
é que, por sua encarnação, Jesus Cristo
possibilitou a retomada do projeto
adâmico iniciado por Deus, que criou
macho e fêmea bons, permitindo
recuperar em Cristo o que se perdeu em
Adão, tornando-se ele o iniciador de
uma nova humanidade, por ele redimida
da condição adâmica. Por sua morte na
cruz, Jesus Cristo levou sua obediência
a Deus às últimas consequências e
resgatou os seres humanos da escravidão
Fonte: Depositphotos
aos maus desejos, capacitando-os a
obedecerem a Deus. Ao aceitar a obra de Cristo em seu favor, cada ser
humano pode acumular mérito diante de Deus por suas boas ações, e
oferecer reparação ou satisfação a Deus por suas más ações. Assim o
Cristianismo elaborou o fundamento de sua moral cristã e preparou o
mundo ocidental para viver sob essa orientação por mil anos.
99
humanos, chegando a condenar o casamento e a procriação, e a cantar
a maravilha do celibato. O homem precisa se livrar das paixões, e por
paixões entende-se tudo aquilo que move (ou comove) a alma para
longe do seu objetivo: conhecer a Verdade que está em Deus. Estando
a alma purificada, está preparado o terreno para conhecer o Bem que
é conhecer a Deus.
Para Agostinho, todos os seres humanos querem ser alegres
e felizes, mas a verdadeira alegria só vem de Deus. A carne e seus
apelos, a matéria, podem levar o homem a confundir-se e fazer aquilo
que deseja fazer, mas não aquilo que realmente quer fazer. Deus é a
felicidade porque é a Verdade. E a alegria reside na Verdade. Esta é
uma só, e Deus a sua fonte. Como estímulo ao ser humano, Agostinho
aponta o exemplo de Jesus Cristo, que foi ao mesmo tempo Deus e
homem, verbo imortal e carne perecível. Ele dedicou a sua vida à busca
da vontade de Deus, renunciando a tudo aquilo que pudesse afastá-lo
desta busca, inclusive a própria vida.
Para o Cristianismo, todo esse exercício de autoconhecimento
em busca do conhecimento de Deus, uma vez alcançado, redireciona o
ser humano para uma ação amorosa no mundo, entendida como fazer
da prática do bem a razão e propósito maior da existência humana. É
assim que o Cristianismo introduz nas relações humanas na sociedade
ocidental o ideal do agir caridosamente de modo que todos tenham
suas carências mínimas atendidas.
Veja o que diz um desses cristãos, chamado Basílio, bispo da
cidade de Cesaréia, que viveu entre 330 e 379.
Reconhece, ó homem, o teu doador. Recorda-te de ti mesmo:
quem sou, que coisa administra, de quem recebeste, porque
foste preferido entre muitos. És servidor da bondade de Deus,
administrador dos teus companheiros de servidão. Não creias
que tudo seja destinado a teu ventre. Considera os bens que
estão nas tuas mãos como coisa de outros: por breve tempo
alegram-te, depois deslizam e desaparecem rapidamente; deles
deverás prestar contas pormenorizadas. Embora tenhas tudo
bem fechado com portas trancadas, amarrado e selado, todavia,
as preocupações te impedem o sono. Ruminas dentro de ti,
estulto conselheiro de ti mesmo: “Que farei?”. Seria, ao invés,
Conclusão
101
Anotações
__________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
Introdução
Objetivos
103
Ética Cristã: Desafios da Modernidade
Pr. Sidney de Moraes Sanches
Nesta aula, você será introduzido à Ética moderna. Você
compreenderá porque ela recebe esse nome, devido a mais um conjunto
de profundas transformações que a humanidade, no Ocidente, veio
a experimentar a partir do Século XVI. Nós, neste início do Século
XXI, somos herdeiros de todas aquelas transformações e, portanto,
das concepções morais que serão o conteúdo da Ética desse tempo.
Dentre as muitas éticas, pois é assim que se começa a falar desde então,
no plural, destacaremos aquela de um importante filósofo prussiano,
chamado Immanuel Kant. Você perceberá como seu pensamento sobre
a Moral se tornou a base, a origem, das éticas que ainda pensamos
hoje. A seguir, veremos como outros filósofos, em diálogo com o
pensamento ético de Kant, questionarão e até proporão revisões em
seu pensamento ético.
105
do objeto (fora do homem) para o sujeito (dentro do homem), obrigou
a refazer toda a concepção de ética, justificando chamá-la de moderna.
Tudo passa, portanto, pelo ser humano. Quem é ele? Sua
identidade e valor são medidos em relação a ele mesmo, e não mais
em relação a Deus, como antigamente. Ele é dotado de razão, de um
corpo, de uma vontade. Ele não apenas busca a Deus, mas pode atuar
no mundo à sua volta provocando profundas transformações. Para
isso, ele mesmo desenvolve recursos pela denominada ciência, cujo
conhecimento lhe é mais necessário que o próprio conhecimento de
Deus.
O ser humano se torna tão importante na ordem como as coisas
se organizam, que sua vida, seus interesses, suas necessidades, sua
existência, se colocam no centro de suas atividades. Se ele pode e deve
intervir em todas as coisas para a melhoria e progresso da própria
vida, também deve fazê-lo para estabelecer quais princípios, valores e
condutas são mais adequadas às suas mesmas necessidades, interesses
e existência. Sua ética partirá dele mesmo, sendo ele mesmo o próprio
fim da ética.
É claro que o Cristianismo não acabou e nem sua concepção de
ética. Porém, doravante, ele estará separado da razão, da sociedade, do
ser humano, devido à sua preocupação primeira com Deus. Quando o
ser humano tiver que tomar alguma decisão moral, não é a vontade de
Deus que ele vai procurar, mas a sua própria razão.
107
que queira fazer de bom.
Há, porém, uma grande dificuldade em se compreender essa
ética racional. Pense na situação de uma pessoa que sabe que precisa
comer para preservar a própria vida. Ela está fazendo bem a si mesma
ao cumprir a finalidade da sua existência, comendo. Que há de moral
nisso? Agora, pense em uma pessoa que não tem a mínima vontade
de comer, mas se alimenta porque precisa estar viva para cuidar dos
próprios filhos. Agora, sim, trata-se de uma decisão moral, que custou
agir conforme a vontade racional, não de acordo com algum instinto
natural de sobrevivência. Pense, ainda, em uma mãe ou pai que sabe que
precisa se alimentar para continuar vivendo. No entanto, sua família
tem pouco alimento, e não será possível que todos comam. Não é
verdade que eles terão que decidir entre comer e deixar de comer, para
que os filhos comam, mesmo que contrariando os próprios instintos
de sobrevivência? Em ambos os exemplos, não foi o instinto que
resolveu, mas a vontade racional fazendo com que a pessoa tomasse
uma decisão contrária ao próprio desejo e profunda necessidade? E
porque os pais fariam isso? Kant lembra uma palavra que será muito
importante para sua ética: dever.
Há muitas situações, porém, em que a palavra dever não se aplica.
Por exemplo, quando um guarda de trânsito está em um semáforo
apagado, controlando o trânsito para que não haja batidas entre os
carros, não se trata de um dever ou obrigação moral, mas apenas
um cumprimento da função na sociedade para o qual é remunerado
por ela, mesmo que mal remunerado. Quando um verdureiro decide
vender pelo mesmo preço o tomate, ainda que pudesse fazer preços
mais altos para clientes mais ricos, ou enganar os compradores que
não sabem fazer contas, ele está pensando em não perder a clientela
em troca de um lucro rápido, mas prejuízo certo mais à frente, pois
esses clientes não retornarão para comprar de novo, quando souberem
que foram enganados por ele. Quando alguém resolve ajudar outra
pessoa financeiramente porque tem dinheiro para isso, porque é
Natal, porque é religioso, porque é político, porque é dirigente de
ONG, porque é assistente social, padre, pastor, etc, não há nenhum
valor moral nesta conduta, pois ela é parte da própria condição que se
espera dessas pessoas em tais circunstâncias.
Ao contrário, é cumpridor do dever moral aquela pessoa
que, mesmo sem encontrar nenhum sentido para viver, continua a
109
falsa promessa para conseguir se livrar de um problema momentâneo,
esse comportamento pode trazer problemas maiores depois, e, assim,
ele prefere não fazer a falsa promessa. A este comportamento moral,
Kant chama prudência ou esperteza.
Karl Marx
Para Karl Marx, as sociedades industrializadas dividiram os
seres humanos em classes, e ele reflete sobre esse ser humano que
deve conduzir-se moralmente em meio às relações sociais concretas
das sociedades divididas em classes. Para ele, a conduta moral de um
indivíduo depende das condições materiais nas quais vive e trabalha
e do grupo ao qual ele pertence. Esta conduta se opõe à conduta
moral dos outros grupos da mesma sociedade. Em sociedades
divididas pelas relações de produção e trabalho, o grupo que tiver o
domínio da produção governará os demais, impondo a sua conduta
moral a estes, pois detém os meios econômicos e sociais para isso. A
solução apontada por Marx são as sociedades sem classes, nas quais a
convivência comum promoveria uma espécie de superestrutura moral
na qual o tratamento seria igual para todos. Sua ideia é que não há
como requerer a mesma conduta moral para todos, enquanto uma
sociedade não disponibiliza a justiça social e econômica para todos.
Nietzsche
Para Nietzsche, a conduta moral não se trata de um dever, mas
de um poder. O poder de realizar a própria vontade e instintos e de,
efetivamente, realizá-los. Aqueles dentre os seres humanos, temerosos
da conduta de alguém que agisse conforme seu poder, trataram de
colocar freios à sua conduta por meio da norma moral. Desse modo,
Freud
Para Freud, a conduta moral de um sujeito racional e autônomo
guiada pela norma moral não leva em consideração todo um universo
de desejos que subjazem no interior do ser humano. Ao lhe impor a
norma moral, a sociedade faz com que ele reprima seus desejos, ela
se torna controladora deles, contradizendo a própria ideia de sujeito
racional e autônomo. Por outro lado, não há apenas uma vida racional
no ser humano, mas também uma vida de paixões. A plena realização
moral não consistiria somente na realização da vida racional, mas
também da vida passional. O grande desafio moral das sociedades é
equilibrar as duas vivências humanas de modo que a conduta moral
traga felicidade e realização ao ser humano.
Kierkegaard
Uma outra reflexão, a partir da noção de norma moral de Kant,
foi elaborada por Kierkegaard. Ele foi um homem muito preocupado
com as escolhas morais que fez durante a vida e com as angústias que
elas lhe provocaram. Por exemplo: em certo momento da vida ele ficou
muito angustiado entre casar ou não casar, pois já estava noivo. E por
quê? Porque ele tinha receios de que, casando, talvez o casamento lhe
impusesse obrigações morais que ele não quisesse sustentar ao longo
da vida, ou, pior ainda, ao ter que conviver com essas obrigações,
imporia um grande sofrimento à sua futura esposa. Bem, ele decidiu
terminar o noivado, deixando a ex-futura esposa bastante magoada
com ele. Assim, Kierkegaard e os futuros Existencialistas, ensinaram
que o ser humano, enquanto possuidor de uma razão que o torna livre
e autônomo nas suas decisões morais vive à beira de uma angústia
infinita, pois é sempre difícil dizer qual seria a melhor escolha. Portanto,
a norma moral se torna uma questão a ser resolvida livremente no
111
interior de cada ser humano, e é relativa a cada situação em que ele
se encontra, ficando à mercê de sua própria decisão em cada situação.
Conclusão
Referências Bibliográficas
Introdução
Objetivos
113
Concepções Contemporâneas e a Ética das Virtudes
Pr. Sidney de Moraes Sanches
As tentativas de dar um nome à experiência humana ocidental
e globalizada atual ainda não obtiveram unanimidade. O nome pós-
modernidade tem-se mostrado o mais promissor, embora ele se pareça
como um guarda-chuva ou um armário sob ou dentro do qual se
colocam muitos objetos diferentes entre si.
Usa-se, ainda, outros nomes tais como: segunda modernidade,
modernidade tardia, alta modernidade, hiper-modernidade, ultra-
modernidade, modernidade contemporânea ou modernidade radical.
Diferencia-se, ainda, entre pós-modernidade como um modo de estar
no mundo, que produz uma forma de pensar o mundo e a si mesmo
enquanto parte dele; e pós-modernismo, como a diferenciação histórica
que a pessoa faz desse modo de estar no mundo em comparação com
outros períodos, por exemplo: pré-moderno e moderno.1
115
convivência humana em nossa sociedade global tão diversificada.
Existe um livro interessante, escrito por Jacqueline Russ,
chamado Pensamento Ético Contemporâneo.5 Nesse pequeno livro,
ela constata um renascimento do debate ético e a multiplicação das
discussões sobre ética nos dias atuais. As pessoas falam de bioética,
ética dos negócios, moralização da política e do uso dos bens públicos;
elas discutem sobre o uso ético do dinheiro, ou que ética permite que
uma sociedade deixe milhões de brasileiros à margem dos benefícios
que ela está produzindo, e assim por diante.
Russ percebe, porém, que existe um problema com essa demanda
por ética: ninguém saberia, exatamente, quais os parâmetros para
fundamentar uma nova ética para um mundo globalizado, onde as
sociedades socializam seus problemas e suas oportunidades, onde a
tecnologia e a economia afetam a todas as sociedades, no qual não vale
a ética de uma sociedade particular.
Russ explica quais são os desafios morais para propor uma Ética
contemporânea:
O vazio ético
Não existe um lugar comum, hoje, de onde se partir para falar
se uma lei é justa ou não, o que tem valor moral e o que não tem,
se existe um princípio organizador do agir moral, e mesmo se o ser
humano é dotado de um senso ou uma consciência moral inerente
a ele. A palavra para descrever essa característica presente se chama
niilismo. Quer dizer: como julgar algo no mundo se não existe uma
base comum, um sentido comum, um propósito comum, uma razão
comum para as ações humanas?
O individualismo
As narrativas totais tendiam a formar e modelar tradições que
governavam a conduta moral humana. Com o seu fim, é possível
imaginar o que ocupa o seu lugar: o indivíduo. Esta é a senha para
a discussão da emergência do individualismo contemporâneo, uma
conduta humana que privilegia o indivíduo em relação à coletividade.
Certamente o indivíduo sempre esteve nas preocupações da Moral
ocidental, pois é a partir dele que se pode falar de um sujeito com
obrigações morais em uma sociedade. Na Modernidade, a ética
acentuou a individualidade ao libertar o ser humano ocidental de toda
forma de poder ou participação social constrangedora imposta de fora
para dentro sobre ele. Nesta idade contemporânea, porém, trata-se da
própria recusa do ser humano ocidental em conviver com qualquer
regra, disciplina ou norma moral que o sujeite à uniformidade coletiva.
Descrita por Russ assim,
As delícias do narcisismo, bem mais que o acesso a uma
autonomia, a explosão hedonista, mais que a conquista da
liberdade. Promoção dos valores hedonistas, permissivos,
psicologistas, culto da “descontração”, vinculação às
particularidades idiossincráticas, eis o que se esboça na idade
pós-moderna. Assim, entramos nessa do narcisismo.6
117
A questão que Russ levanta é a seguinte: como a Ética pode falar
de uma moral válida em uma era dos homens vazios de valores, senso
e consciência moral comum?
As novas tecnologias
A Ciência, e a sua face mais visível, a tecnologia, acabou por
constituir mundos à parte dos seres humanos, conduzindo-se por suas
próprias regras. Assim, ciência e
tecnologia passaram a representar
não apenas oportunidades e
benefícios para os seres humanos,
mas, também, ameaças e perigos.
Isto parece piorar quando a
ciência e a tecnologia começam
a entrar no próprio território da Fonte: Depositphotos
natureza humana, coisa antes
reservada para ciências como a Teologia e a Filosofia, levantando a
possibilidade da alteração desta natureza, colocando em cheque tudo
o que até agora se conhece como humanidade. O que fazer quando a
ciência e a tecnologia querem dizer e determinar a natureza e conduta
dos seres humanos, em uma espécie de desmoralização da moral,
isto é, removendo todos os valores, senso e consciência moral cuja
referência sempre foi o próprio ser humano? Russ conclui afirmando
a falência de toda moral conhecida pelos seres humanos até os dias
atuais, porque os seus fundamentos, Deus, razão, natureza humana,
sociedade humana e outros mais, nada dizem em termos de orientar
moralmente a conduta humana em uma sociedade científica e
tecnológica. Ela insiste na necessidade de uma nova Ética, com outro
tipo de fundamento, ao invés de permitir que a humanidade caia em
uma espécie de vazio moral destruidor. Mas que fundamento poderia
ser esse?
Assim, entramos na segunda parte do nosso estudo.
É muito importante entender a palavra fundamento. Trata-se
de um princípio que orienta, organiza todas as demais coisas. No
caso da Moral, sempre há a necessidade de um princípio orientador,
O princípio do religioso
Não se trata aqui de tornar a religião cristã o princípio dominante
na conduta dos seres humanos. E, sim, de perceber como ela pode
fornecer elementos para se constituir uma nova ética. Há um filósofo
da ética, chamado Emannuel Lévinas, que se utiliza do Talmude
judaico e da Bíblia cristã como inspiração para falar de uma ética da
alteridade. Esta leva cada ser humano a olhar para o outro ser humano
que está diante de si como a sua própria face. Desse modo, esse outro ser
humano é elevado a uma proximidade que vai além daquele encontro
momentâneo. Verdadeiramente, ao próprio Deus. É essa conclusão
que o levará a perguntar pelo tipo de responsabilidade moral que ele
119
tem para com o seu próximo, proverbial naquela famosa resposta de
Caim a Deus, quando este lhe pergunta: “Onde está seu irmão?” E
Caim responde: “sou eu cuidador do meu irmão?”
O princípio da realidade
Não é verdade que a vida realmente vivida tem mais momentos
de desânimo, dificuldades e tristezas, do que
alegrias e satisfação? Os seres humanos sempre
tentaram disfarçar essa realidade introduzindo
ideias que a revestiam de otimismo. Por que
não encarar as coisas como são e, a partir disso,
não pensar o que é possível fazer moralmente?
Um importante filósofo para essa proposta
ética é Arthur Schopenhauer, chamado de
o grande desilusionista da realidade. Ele tira
Arthur Shopenhauer nossas ilusões, para que possamos encarar, de
Fonte: Wikimédia Commons
frente, as duras condições da realidade e agir
corretamente nela.
O princípio da responsabilidade
O tema da responsabilidade é comum na Ética clássica. Por ela se
entender cada indivíduo como responsável pelas ações que cometeu
ou comete, pois estas são resultado
de sua própria escolha. Conforme
a Ética clássica, não se pode pedir
responsabilidade quanto a qualquer
ação futura, pela simples lógica de
que elas ainda não foram cometidas. É
exatamente aqui que a responsabilidade
adquire novo uso. O filósofo Hans
Jonas trata a responsabilidade como a
guarda que temos de fazer do futuro da
própria humanidade. Sendo ela frágil e
perecível, que compromissos devemos assumir hoje para garantir que
a humanidade tenha um futuro amanhã? Isto significa conciliar os
121
O princípio das virtudes
Desde Aristóteles, a formação moral do caráter virtuoso fez
um percurso consistente e reconhecido. Entretanto, o Iluminismo
e sua recusa da tradição e do coletivo a relegou, como preocupação
secundária da moral. Na segunda metade do século 20, ela tem
experimentado uma espécie de refundação, a partir do reavivamento
do interesse acerca da sua contribuição para a moral contemporânea.
Isto se relaciona com a relação entre o indivíduo, agente moral, e
acerca de como seu agir moral tem o poder de afetar o meio no qual
vive, para o bem ou para o mal.
Este reavivamento neo-aristotélico tem seu principal proponente
em Alasdair MacIntyre, filósofo escocês radicado nos Estados Unidos.
Para ele, há um caos instalado no tratamento da moral. Isto se deve
às teorias morais rivais, e a incapacidade de estabelecer, em meio à
multiplicidade superficial, um terreno teórico comum que permita
a discussão de cada moral proposta. Esta discussão somente é
possível quando se recupera a tradição histórica de cada teoria moral,
percebendo seus movimentos dentro da própria tradição e como cada
uma recoloca a questão moral nos dias de hoje. MacIntyre, então,
assume que a tradição aristotélica, abandonada pelo Iluminismo e
Modernidade, seja uma destas, levadas em consideração, sobretudo a
sua formação moral do caráter humano pela educação nas virtudes.7
Conclusão
5
RUSS, Jacqueline. Pensamento Ético Contemporâneo. São Paulo: Paulus,
1999.
RUSS, Idem, p. 15.
6
7
A obra principal foi: After Virtue (1981), seguida de outras, entre 1988
e 1999, nas quais procura fundamentar a sua proposta. Veja o comentário
em: DE CARVALHO Helder Bueno Aires. Alasdair Macintyre e o retorno
às tradições morais de pesquisa racional. In: DE OLIVEIRA Manfredo A.
(Org.) Correntes Fundamentais da Ética Contemporânea. 2ª. Ed. Petrópolis:
Vozes, 2000, pp. 31-64.
123
Anotações
__________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
Introdução
Objetivos
125
Visões sobre a Ética
Até agora discutimos aspectos da ética em geral. Mas uma
questão que se impõe, naturalmente, é qual é o referencial da ética.
Isto é, como uma sociedade estabelece o referencial do bem e do
mal ou do correto e do incorreto, do justo e do injusto. Em geral,
esses valores e princípios de moral são construídos pela sociedade
com uma série de fatores históricos, culturais, religiosos e sociais.
Com o decorrer do tempo algumas convicções e valores vão sendo
abandonados ou substituídos por outros. Além disso, nem sempre o
que é considerado errado em uma sociedade é necessariamente errado
em outra. Contudo, muitas vezes as diferenças estão na ordem dos
costumes e práticas ou etiquetas sociais. Talvez a grande questão é se
podemos falar de uma ética universal, isto é, se há princípios absolutos
que regem a vida humana em geral independentemente da cultura e
da época. Nesta aula vamos ver alguns princípios que estão por trás
das diversas visões da ética.
1.1 Antinomismo
A expressão antinomismo vem do grego anti, “contra”, e nomia,
“lei”. Significa literalmente “sem lei” ou “contra lei”. Reflete a convicção
de que não há lei moral absoluta ou princípios normativos para reger
as pessoas. O antinomismo assumiu diversas formas ao longo dos
séculos e, às vezes, é conhecido por outros termos derivados dele. Por
exemplo, o hedonismo, o utilitarismo, o existencialismo, o niilismo, o
situacionismo são algumas expressões do antinomismo.
Em linhas gerais, o antinomismo entende que não há lei moral
normativa ou obrigatória. Ele é uma forma de relativismo ético, isto é,
o que é certo para uma pessoa ou sociedade não é obrigatoriamente
certo para outra. Cada indivíduo tem o seu próprio critério sobre o
que é certo e errado. Consequentemente, não se pode julgar o outro
127
por seus atos, pois quando ao julgar estamos, em geral, julgando a
partir de nossos próprios conceitos e valores.
O antinomismo não nega que as pessoas adotem princípios
morais e éticos, contudo, reconhece que esses princípios não passam
de escolhas individuais e subjetivas. Não significa que devam ser
transferidas para os outros. Ainda que o antinomismo aceite que a
sociedade precise de leis que rejam a conduta humana, entende que às
leis não estão fundamentadas em nenhum princípio absoluto, natural
ou divino. São leis que visam unicamente estabelecer uma ordem para
uma sociedade específica.
1.2 Situacionismo
O situacionismo, ou ética da situação, representa a forma de
pensamento que para todas as situações
há um único princípio ético: o amor. O
situacionismo se coloca entre o antinomismo
e o legalismo. O primeiro entende que não
há lei absoluta, o segundo tem lei para todas
as coisas. Um dos principais defensores do
situacionismo foi Joseph Fletcher. Para
Fletcher, o amor é o único imperativo ético.
Em certo sentido, o situacionismo pode ser
entendido como uma forma de absolutismo,
Joseph Fletcher pois entende que a lei do amor está acima
Fonte: Wikimédia Commons
de toda regra. Por meio do amor busca-se o
bem do próximo.
Derivam do situacionismo o pragmatismo, o relativismo, o
positivismo e o personalismo. Essas formas de ética da situação
são modos diferentes de aplicar a lei do amor. Para o pragmatismo,
tudo que “funciona” para colocar o amor em prática é que importa.
O relativismo supõe que o único absoluto é o amor, tudo o mais é
relativo, por isso, regras e leis são relativas. O positivismo defende
“que os valores são derivados de forma voluntária e não racional”
(Geisler, 2010, p. 43). Os valores de uma pessoa são mais o reflexo
de seus próprios sentimentos e experiências do que normas gerais da
1.3 Generalismo
O generalismo é a visão ética que reconhece que há regras éticas
de obrigatoriedade geral. Não significa que as regras sejam absolutas
e universais. As regras tem seu valor uma vez que produzem bons
resultados. Por isso, uma das principais formas de generalismo é o
utilitarismo. Significa dizer que não há algo intrinsecamente bom ou
ruim nos atos das pessoas. Os atos, ações e atitudes das pessoas são
julgadas a partir de seus efeitos.
Para ilustrar, imaginemos uma empresa que adota certo código
de ética para seus executivos que os impeça de receber vantagens
pessoais nas transações comerciais da empresa. A empresa não quer
que sua marca esteja associada com práticas comerciais corruptas
ou, de alguma forma, incorretas. A empresa não entra no mérito da
moral da prática comercial, simplesmente, adota um código para
que seu nome não esteja envolvido com escândalos. Essa é uma ética
utilitarista, uma vez que se importa mais com o efeito do ato ou ação
do que do fato em si.
No generalismo, não são as normas que são absolutas, mas os
resultados. Para se viver em uma sociedade justa, é preciso que as
pessoas pratiquem a justiça, não que a justiça seja um absoluto do qual
leis justas devem emanar, mas para que a sociedade possa se manter de
forma justa. De certo modo, há um reconhecimento de que as normas e
regras são necessárias não por serem absolutas, mas porque as normas
são boas para o bem viver das pessoas e da sociedade (Geisler, 2010,
p. 60-61).
129
1.4 Absolutismo não qualificado
As três visões anteriores podem ser consideradas como
relativismo ético por não reconhecer a existência de regras ou
princípios absolutos. Estas próximas visões partem da noção de que
há absolutos. Significa dizer que há valores morais e éticos objetivos
para julgar algo como certo ou errado. Em outras palavras, o certo
e o errado não são só questão subjetiva (o que o indivíduo acha) ou
utilitarista (o que dá certo). Existe um absoluto a partir do qual ações
e atitudes são julgadas.
O absolutismo não qualificado sustenta que há regras invioláveis.
Significa que quando há duas regras em conflito, esse conflito é
apenas aparente. Não há possibilidade de quebrar uma regra menos
importante a favor de outra. Um exemplo típico é o que envolve mentir
e salvar a vida de alguém. É legítimo mentir quando a vida de alguém
está em risco. Agostinho de Hipona, considerado um absolutista não
qualificado, dizia que
“a mentira destrói o respeito pela verdade, porque a mentira
destrói toda a certeza. Quando o respeito pela verdade
é quebrado ou até mesmo enfraquecido, todas as coisas
permanecerão duvidosas. Em resumo, sem a verdade não há
integridade, e sem integridade não pode haver certeza. Uma
vez que a falsidade é admitida na comunicação, o indivíduo
não mais pode ter certeza de que o interlocutor está falando a
verdade” (Geisler, 2010, p. 78).
Em certo sentido, para o absolutismo não qualificado não há
concessões. O que é errado sempre será errado mesmo que estiver
a serviço de uma boa causa. Não há espaço para admitir diferentes
situações.
131
em absolutos, embora entenda que há diferentes graus de valor nas
virtudes.
Geisler resume graficamente as seis visões da seguinte maneira:
2. Importância da discussão
Por que toda essa discussão é importante?
A sociedade sempre teve de lidar com isso. Como vimos, a Bíblia
trata disso, a filosofia grega lidou com a questão e a modernidade
trata disso. No entanto, a sociedade moderna tem um discurso
essencialmente antinomista, isto é, quer nos fazer crer que não há
normas absolutas, tudo é uma questão situacional. Além disso, há
uma tendência fortemente hedonista na sociedade. O hedonismo (do
grego hedone – prazer) é uma forma de antinomismo que entende que
aquilo que traz prazer e satisfaz o indivíduo é correto. Vemos isso na
Conclusão
Referências Bibliográficas
133
Anotações
__________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
Introdução
Objetivos
135
Princípios da Ética Cristã
É importante observar que boa parte da nossa discussão anterior
sobre a ética gira em torno de uma questão fundamental: há valores
morais absolutos para a humanidade?
De um lado, há aqueles que sustentam
que os valores morais não são absolutos,
isto é, não são objetivos, permanentes e
válidos para toda a humanidade em todas
as épocas e contextos. Do outro lado, há
quem entenda que os preceitos morais e
éticas se fundamentam além do próprio
ser humano, de sua realidade histórica
e social, e de seus interesses e objetivos
particulares. A isso chamamos de valor
Norman L. Geisler
absoluto. No entanto, entre os que aceitam
Fonte: Wikimedia Commons o caráter absoluto dos valores morais,
nem todos admitem que esses valores se
originam ou se estabelecem a partir da pessoa de Deus. Isto é, nem
todo absolutista necessariamente confessa a existência de Deus. A
ética cristã, porém, além de ser absolutista, entende que os preceitos
morais se estabelecem a partir do ser de Deus.
Nessa perspectiva, desejamos descrever aqui alguns princípios
que norteiam a ética cristã. Para isso, nos baseamos na proposta de
Norman L. Geisler.
1.2 Absoluta
O segundo aspecto importante da ética cristã é que ela tem
caráter absoluto. Como já vimos, há maneiras diferentes de entender
o absolutismo da ética. Mas de maneira geral, pelo fato da ética se
fundamentar na pessoa e caráter de Deus, e uma vez que Deus não
muda, isso significa que valores e preceitos morais não mudam. Eles
são obrigatórios “a todas as pessoas e em todos os lugares” (Geisler,
2010, p. 16).
Por outro lado, um dos desafios da ética cristã é estabelecer quais
são os preceitos morais que procedem do caráter de Deus, portanto
são imutáveis, e quais são aqueles que procedem de sua vontade e que,
apesar de serem obrigatórios, não se aplicam necessariamente a todas
as pessoas em todas as épocas e lugares.
137
leis que são praticadas mesmo pelos incrédulos. No entanto, a ética
cristã pressupõe que a vontade de Deus é revelada por ele em Cristo
por meio das Escrituras.
Acredito que a grande questão ética em torno da compreensão
da revelação de Deus não é tanto a aceitação ou não de que Deus revela
sua vontade moral nas Escrituras. Muito do debate contemporâneo
da igreja sobre preceitos morais envolve mais uma questão
hermenêutica de como entender certos ensinamentos das Escrituras
e aplicá-los à realidade contemporânea. Aqueles que argumentam que
determinados preceitos não se aplicam à igreja hoje não representam
necessariamente o abandono do absolutismo, apenas consideram
aspectos hermenêuticos para negar a validade de certos ensinamentos.
1.4 Prescritiva
A ética cristã também é prescritiva. Isso significa que determina
ou estabelece o que deve ser, não o que é. Ela não é descritiva das
práticas correntes dos cristãos. A implicação disso é que a ética deve
seguir a prescrição divina conforme se encontra nas Escrituras e
não simplesmente adotar a prática atual da comunidade cristã como
padrão. Não é o fato de “todo mundo fazer assim” que torna uma
prática verdadeira ou justa.
O caráter prescritivo da ética cristã supõe entende que por mais
que a realidade não esteja em total harmonia com o que é prescrito ela
não invalida o preceito moral nem autentica a realidade como padrão
moral.
No entanto, isso sugere também que nem sempre a comunidade
cristã está vivendo o ideal ou padrão prescrito. Pelo contrário, em
geral, justamente por causa do pecado humano, a prática estará muito
aquém do que Deus prescreveu como norma para o seu povo.
1.5 Deontológica
Como afirma Geisler, os “sistemas éticos podem ser divididos
em duas grandes categorias: a deontológica (centrado no dever) e a
teleológica (centrado nos meios e nos fins)” (2010, p. 17). Em outras
palavras, a diferença está entre os sistemas que consideram que
2. Implicações
Esses princípios norteiam a ética cristã. Naturalmente que há
divergências de como esses princípios podem e devem ser aplicados.
Como vimos anteriormente, há modos diferentes de enxergar como a
ética se aplica. No entanto, esses princípios servem de referência para
nossa compreensão sobre a ética cristã.
A implicação dessa discussão para a prática cristã é que de uma
maneira ou outra é preciso que se tenha consciência sobre a razão pela
qual aprovamos certas práticas e condenamos outras. Apesar de muitas
vezes alegarmos que fazemos tal coisa porque está na Bìblia ou porque
Deus ordena, na prática o fazemos porque estamos acostumados e
porque é o que a comunidade aceita.
Qual é o critério para sermos mais tolerântes com alguns pecados
e menos com outros. Temos a tendência de sermos muito rígidos com
pecados relacionados à sexualidade (adultério, fornicação, etc) e mais
tolerantes com pecados de ganância, cobiça, inveja etc.
Às vezes ocorre o contrário. Devida às mudanças sociais, somos
muito tolerantes com mudanças de padrões de comportamento das
pessoas e mais rígidos com pecados de engano, mentira etc.
Embora não descrevemos situações práticas e específicas, esses
princípios servirão de referência para tratarmos das diversas situações.
139
Conclusão
Introdução
Objetivos
141
Síntese das aulas 10 a 17
O estudo da ética é essencial para a teologia por pelo menos
duas razões: a primeira é pela necessidade de padrões e valores
claros para reger a sociedade humana. Toda sociedade estabelece
padrões aceitáveis e não aceitáveis de
conduta. Nem todos esses padrões estão
formulados em termos de leis e códigos
penais. Por exemplo, no Brasil, apenas
recentemente passou-se uma lei da “ficha
limpa” que estabelece que candidatos a
cargos políticos não poderão ter sido
condenados ou estar respondendo por
processos contra sua administração e
outros crimes. Embora, há muito tempo supõe-se que todo servidor
público deva ser honesto e correto, não havia lei específica para tratar
desses casos. O próprio clamor popular e a pressão de entidades de
classes fizeram com que essas leis fossem aprovadas. Naturalmente,
quanto mais explícita for a consciência das convicções e princípios
éticos de uma sociedade, maior será a possibilidade de manter os
padrões.
A segunda razão para o estudo da ética, é a elaboração de
princípios que nortearão questões sensíveis e polêmicas, isto é,
quando há conflitos de valores e convicções. Hoje cresce o estudo da
bioética. Devido ao avanço do conhecimento científico e as novas
possibilidades de manipulação e controle da vida, a ética estabelece
os limites e possibilidades do controle do ser humano sobre a vida.
Questões como aborto, eutanásia, manipulação genética e clonagem
são algumas das questões polêmicas sobre o nível de controle sobre
a vida e morte. Por ai, se percebe que vida é morte são conceitos
filosóficos, teológicos influenciados grandemente por condições
culturais, sociais, ideológicas e religiosas. Do ponto de vista científico
ou tecnológico, não há o que impeça a clonagem de células humanas.
Contudo, a sociedade ocidental, de maneira geral, ainda respeita a
vida como um absoluto e não está pronta a permitir tamanho controle
humano sobre a reprodução de indivíduos.
143
2. O Cristianismo constitui a nova moral do
mundo ocidental
É preciso entender como o Cristianismo ocidental chegou a
elaborar uma nova moral religiosa para as relações humanas no
novo mundo que surgia. A preocupação inicial do Cristianismo era
anunciar a esse mundo a salvação disponibilizada por Deus a partir
da encarnação de Jesus Cristo. Esta salvação significava a redenção
da humanidade por meio de Jesus Cristo. Sob essa ótica, a condição
humana passou a ser descrita como carente de redenção, isto é,
pecadora, ignorante e necessitada de vida. Jesus Cristo se tornou o
mediador entre a humanidade nessa condição e o conhecimento, vida,
fé e imortalidade de que ela precisava. Isso queria dizer que somente
por meio da fé em Jesus Cristo e do seu exemplo de vida o ser humano
seria capaz de viver uma vida moral agradável a Deus.
A partir desta concentração cristológica, o Cristianismo
desenvolveu certas definições gregas básicas sobre a natureza do ser
humano. Segundo ele, este não é mais um ser de relações sociais na
cidade ou no Estado ou na natureza, mas consigo mesmo e com Deus.
O Cristianismo acentua a visão grega da divisão da natureza humana
entre alma e corpo. Para ele, a alma é dotada de livre arbítrio e capaz
de decidir entre o bem e o mal, desde que esclarecida pela sua razão.
Agora, porém, o ser humano não presta contas à sua razão, mas a Deus
que lhe deu a capacidade racional de julgar.
Outra modificação importante que o Cristianismo produziu
sobre as ideias gregas foi a identificação do mal com o pecado e
a culpa. Para o Cristianismo, o pecado é a opção da alma humana
pelo mal. Por que ela escolhe pecar? Os pensadores cristãos daqueles
tempos tiveram dificuldades para responder a essa pergunta. Elas
variam, desde a responsabilização dos demônios que tentam o ser
humano até um ambiente que favorece ou determina essa opção.
Cedo, a explicação retorna ao Jardim do Éden, onde o primeiro casal
humano cede às instigações malignas, desobedece a Deus e atrai sobre
si e a humanidade todas as consequências do seu ato irresponsável.
Veja que, agora, a questão moral não se trata apenas das condições
presentes, mas de lidar com uma herança de pecado e culpa que aflige
e determina boa parte da conduta humana atual.
145
Russ explica quais são os desafios morais para propor uma Ética
contemporânea:
O vazio ético
Não existe um lugar comum, hoje, de onde se partir para falar
se uma lei é justa ou não, o que tem valor moral e o que não tem,
se existe um princípio organizador do agir moral, e mesmo se o ser
humano é dotado de um senso ou uma consciência moral inerente
a ele. A palavra para descrever essa característica presente se chama
niilismo. Quer dizer: como julgar algo no mundo se não existe uma
base comum, um sentido comum, um propósito comum, uma razão
comum para as ações humanas?
Conclusão
147
Anotações
__________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________