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FISCALIZAÇÃO DE PROJETOS

E OBRAS DE ENGENHARIA

ESAF
Escola de Administração Fazendária
Ficha técnica

Coordenador Técnico e Conteudista - Secretaria da Receita Federal do Brasil


Athos André do Amaral Rocha

Coordenação de Produção
Equipe de produção DIEAD/ESAF
Sumário

Obra – Módulo 4....................................................................................................... 4

4.1 A obra: as primeiras providências para um bom resultado..................................... 4

4.1.1 Cuidados na exigência de habilitação nos editais de obras de


edificações..............................................................................................................4

4.1.2 O controle da documentação na obra .............................................................9

4.1.3 Usando softwares de gerenciamento de projetos........................................13

4.1.4 A importância da assessoria à fiscalização..................................................17

4.2 A atuação do Fiscal de Obras.................................................................................. 21

4.2.1 A fiscalização da obra (controle de materiais e procedimentos,


fiscalização de atendimento às normas legais etc.)..........................................21

4.2.2 A troca das especificações: o conceito do “similar-semelhante” e do


“similar-equivalente”............................................................................................24

4.2.3 Os critérios de medição nas obras (contrato com regime de empreitada por
preço global e contrato com regime de empreitada por preços unitários).......28

4.3 Os aditivos de obra: o que deve ser observado?..................................................... 32

4.3.1 Aditivos de obra: o que diz o Acórdão nº 1.977/2013 – TCU – Plenário?...32

4.3.2 O uso da curva ABC como ferramenta de análise para a concessão


de aditivos de obras de edificações....................................................................35

4.4 Acompanhando e recebendo a obra: a gestão de documentos............................. 39

4.4.1 A apresentação da documentação técnica da obra: o Projeto Executivo....39

4.4.2 A apresentação dos documentos de registro da obra: o projeto em


as built, ou “como construído”.............................................................................42

Encerramento......................................................................................................... 46
OBRA
MÓDULO 4

4.1 A obra: as primeiras providências para um bom resultado

4.1.1 Cuidados na exigência de habilitação nos editais de obras de edificações

Ao final deste tópico, o aluno será capaz de:

§§ Identificar quais são as exigências possíveis – e aquelas necessárias – na


habilitação das licitantes quando da montagem do edital de licitações de obras.
Estamos chegando ao final do nosso curso. Neste último módulo abordaremos a ati-
vidade de obra, o objetivo quando da contratação de um projeto pela Administração
Pública. Essa atividade requer cuidados já na licitação, com a habilitação das propo-
nentes.

A habilitação em uma licitação está regrada pela Lei nº 8.666/1993, no seu art. 27. Um
dos seus itens, bastante importante em uma licitação de obra, refere-se à qualificação
técnica (item II do art. 27).

Essa exigência é um dos aspectos que geralmente trazem dúvidas aos servidores
responsáveis pela elaboração do edital, quanto à capacitação técnico-profissional e à
capacidade técnico-operacional. Embora não exista na Lei nº 8.666/1993 abordagem
comparativa entre essas duas exigências, recente jurisprudência do TCU debateu
esse entendimento.

O art. 30 da Lei nº 8.666/1993 reconhece a qualificação técnica da proponente por


meio do seu registro na entidade profissional competente (conselho profissional) e
da comprovação da aptidão para o desempenho da atividade ou do serviço que será
contratado, com regras definidas no edital. A aptidão deverá ser comprovada também
para os membros da equipe técnica da proponente.

A comprovação da aptidão, no caso das licitações pertinentes a obras e serviços, será


feita por atestados fornecidos por pessoas jurídicas de direito público ou privado,
devidamente registrados nas entidades profissionais competentes (BRASIL, 1993,
art. 30, § 1º).

Esse artigo, no entanto, limita as exigências, no caso da capacitação técnico-


profissional, conforme o inciso I do seu parágrafo 1º, transcrito a seguir:

4
I - capacitação técnico-profissional: comprovação do licitante de possuir em
seu quadro permanente, na data prevista para entrega da proposta, profissio-
nal de nível superior ou outro devidamente reconhecido pela entidade com-
petente, detentor de atestado de responsabilidade técnica por execução de
obra ou serviço de características semelhantes, limitadas estas exclusiva-
mente às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto da licita-
ção, vedadas as exigências de quantidades mínimas ou prazos máximos;
(BRASIL, 1993, grifo nosso).

Saiba Mais

No Acórdão nº 534/2016 – TCU – Plenário, no entanto, analisou-se


essa questão e o entendimento formado por aquela corte foi pela per-
tinência da exigência de quantidades mínimas em linha de análise
iniciada no Acórdão nº 3.070/2013 – TCU – Plenário.

A possibilidade de exigência de quantidade mínima, porém, vincula-se ao servi-


ço objeto dos atestados fornecidos, e não ao número de atestados. Do Acórdão nº
534/2016 – TCU – Plenário, extrai-se, do seu item 8, a confirmação da possibilidade
de exigência de quantidades mínimas para o objeto, desde que esse tenha caracte-
rísticas de maior relevância e valor significativo, conforme o parágrafo 2º do art. 30
da Lei nº 8.666/2013, e que o serviço tenha maior complexidade técnica. Vejamos o
item:

5
8. Por isso, sou de opinião que a interpretação mais adequada do art. 30, § 1º,
inc. I, in fine, da Lei nº 8.666/93, é a de que é possível, e até mesmo impres-
cindível à garantia do cumprimento da obrigação, delimitar as características
que devem estar presentes na experiência anterior a ser comprovada pelas
licitantes – compatíveis com o objeto pactuado –, aí se inserindo a exigência
de quantitativos mínimos concernentes ao objeto que se pretende contratar.
(BRASIL, 2016, voto da relatora Ana Arraes).1

Perceba que, no voto acima, a delimitação das características que devem estar pre-
sentes na experiência anterior a ser comprovada configura-se de extrema importância
para que se atinja o objetivo da exigência de qualificação técnica. Esse procedimento
evita a possibilidade de comprovação de qualificação por parte da licitante por expe-
riência não exigida no edital, ou mesmo por apresentação de experiência insuficiente.

É o caso de certame de licitação de obra que exigia comprovação de capacitação


técnico-profissional na instalação de sistema VRF2 de ar-condicionado, em que
a proponente limitou-se à apresentação de comprovação de capacitação técnico-
profissional para instalações de sistemas do tipo minisplit3. Obviamente, por se
tratarem de tecnologias diferentes, caso não estivesse delimitada a característica da
instalação no edital (experiência em instalação de sistema VRF), a Administração teria
de aceitar a comprovação de experiência na tecnologia menos complexa (minisplit),
certamente com prejuízo na qualidade do sistema construtivo objeto da licitação.

1
BRASIL. Acórdão nº 534/2016 – TCU – Plenário. Brasília: TCU, 2016.
2
Variable Refrigerant Flow, ou Fluxo de Refrigeração Variável: é um sistema de ar condicionado que tal qual dito no nome,
utiliza variação no fluxo do gás refrigerante no processo de climatização do ambiente condicionado. Esse sistema tem
maior eficiência e maior complexidade tecnológica se comparado com sistemas mais tradicionais.
3
É um sistema de ar condicionado de pequena capacidade composto de unidades separadas para condicionamento in-
terno (evaporadoras) e troca de calor (condensadoras), daí o seu nome (split, na língua inglesa significa “dividido”), que é
indicado para pequenos ou médios ambientes e com controle de acionamento localizado, muito utilizado em instalações
residenciais, exigindo, portanto, menor conhecimento técnico na sua instalação, se comparado a um sistema VRF, ou
sistemas mais complexos.

6
Observe

Importante salientar que a exigência de quantidade mínima para a


capacidade técnico-profissional (comprovação da capacidade téc-
nica do profissional contratado pela empresa), à luz do voto da rela-
tora, não se refere às quantidades exigidas para a capacitação téc-
nico-operacional (comprovação da capacidade técnica da empre-
sa), visto que essa última não é determinante, e sim a primeira.
Enfatiza-se também que a exigência de atestados com registro nos
conselhos profissionais (Certidão de Acervo Técnico, ou CAT)
sempre é feita para o profissional – e não para pessoa jurídica –
razão pela qual essa possibilidade apenas para a capacitação técni-
co-profissional, e não para a capacitação técnico-operacional (Re-
solução nº 1.025/2009 – Confea/Crea e Resolução nº 24/2012 –
CAU/BR). Esse entendimento é confirmado por jurisprudência do
TCU (Acórdão de Relação nº 3.028/2016 – TCU – Plenário).

Outro ponto que merece destaque em relação à capacitação técnico-profissional é


a apresentação dos atestados pelo profissional. Conforme o art. 30, parágrafo 1º,
inciso I, esse deve pertencer ao quadro permanente da licitante. No entendimento do
TCU (Acórdão 2016/2016 – TCU – Plenário), essa comprovação pode se dar por meio
de contrato de prestação de serviço entre a empresa e o profissional, ainda que este
não seja empregado registrado da empresa ou seu sócio. Vejamos o que diz o item
139 do referido acórdão:

7
139. No Acórdão 2.297/2005 – Plenário, da relatoria do E. Ministro Benjamin
Zymler, foi exposto acurado exame da matéria, do qual destacamos, em sín-
tese, os seguintes aspectos:

- O artigo 30, § 1º, inciso I, da Lei 8.666/1993 utiliza a expressão “qualificação


técnico-profissional” para indicar a existência, nos quadros permanentes de
uma empresa, de profissionais em cujo acervo técnico conste a responsabili-
dade pela execução de obras ou serviços similares àqueles aspirados pelo
órgão licitante. Há que se atentar, todavia, para o fato de que a referida lei não
define o que seja “quadro permanente”. Assim, essa expressão poderia ser
compreendida como o conjunto de pessoas ligadas à empresa de modo per-
manente, sem natureza eventual, por meio de vínculos de natureza trabalhista
e/ou societária. Esse conceito, entretanto, reclama certa ampliação nas hipó-
teses em que a autonomia no exercício da profissão descaracteriza o vínculo
empregatício sem afastar a qualificação do sujeito como integrante do quadro
permanente, como é o caso dos profissionais da área de engenharia;

- A exigência de que as empresas concorrentes possuam vínculo empregatí-


cio com o profissional técnico qualificado mostra-se excessiva e limitadora à
participação de eventuais interessados no certame, uma vez que o essencial,
para a Administração, é que o profissional esteja em condições de efetiva-
mente desempenhar seus serviços no momento da execução de um possível
contrato.

- Se o profissional assume os deveres de desempenhar suas atividades de


modo a assegurar a execução satisfatória do objeto licitado, o correto é
entender que os requisitos de qualificação profissional foram atendidos. Não
se pode conceber que as empresas licitantes sejam obrigadas a manter pro-
fissionais de alta qualificação, sob vínculo empregatício, apenas para partici-
par da licitação (BRASIL, 2016).4

4
BRASIL. Acórdão 2016/2016 – TCU – Plenário. Brasília: TCU, 2016.

8
4.1.2 O controle da documentação na obra

Ao final deste tópico, o aluno será capaz de:

§§ Observar a importância da lista-mestra no controle da documentação técnica


da obra.
Os elementos gráficos finalizados, que integram o conjunto impresso da documen-
tação de um Projeto Executivo, resultam em centenas de pranchas de desenho, Ca-
dernos de Detalhamento, além do Caderno de Encargos, Memoriais Descritivos ou
memórias de cálculo.

Você sabia que o número de pranchas de desenho chega facilmente


a 500, nos formatos A1 ou A0 (ABNT NBR 10068:1987 – Folha de
desenho – Leiaute e dimensões – Padronização), para edifícios de
médio porte (dez pavimentos, com área construída entre 20.000 e
30.000 m²), sendo que os Cadernos de Detalhamento e o Caderno
de Encargos podem atingir número de páginas dessa igual ordem de
grandeza?

Na fase de licitação da obra, se esta for considerada a partir de um Projeto Básico,


essa relação de documentos é sensivelmente menor, o que torna o controle da
documentação muito mais fácil. No entanto, essa documentação deve constar do
edital da licitação, na forma de uma lista, em anexo próprio, para que seja possível a
identificação precisa de quais documentos integram o projeto.

9
Fique Ligado
Na legislação atual que rege os procedimentos de licitação e contratação
de serviços e compras pela Administração Pública Federal, Estadual e Mu-
nicipal, o processo licitatório para uma obra – e a sua consequente contra-
tação – pode ser feito tendo-se apenas o Projeto Básico do objeto a ser
construído (edificação ou demais obras da construção civil ou de infraes-
trutura viária). Em alguns casos, o conjunto de documentos desse projeto
será pequeno. Em outros, no entanto, como é o caso de projetos de gran-
des pontes ou viadutos, mesmo no Projeto Básico, em fase anterior ao
desenvolvimento do Projeto Executivo pela futura contratada, o conjunto
de documentos será extenso.

Para esse tipo de projeto, quando se atinge a fase do Projeto Executivo, a lista
de documentos cresce exponencialmente, atingindo milhares de páginas entre
memoriais, laudos, estudos e detalhamento construtivo, e centenas de pranchas
de desenho, incluindo projetos ambientais, de drenagem, geométricos, estruturais,
viários, de sinalização viária e sinalização náutica, para citar alguns (Edital DNIT nº
046/14-00).5

No decorrer da obra, com as sucessivas complementações de projetos, muitas vezes


com modificações nas pranchas de desenho e demais documentos, novas emissões
(revisões) são geradas, iniciativas essas que requerem rígido controle, principalmente
das cópias impressas que estarão circulando na obra, para que se evite a adoção de
documentos ultrapassados, a partir de revisões que não estão mais válidas. Esse
procedimento é o sistema de gestão de documentos, que integra o sistema de gestão
da qualidade.

5
Disponível em: http://www1.dnit.gov.br/ editais/consulta/resumo.asp?NUMIDEdital=4487. Acesso em: 26 abr. 2018.

10
Uma das formas de controle da documentação da obra é a emissão de uma lista-
mestra, documento que traz ordenadamente, por tipo de projeto ou disciplina, a
relação dos elementos gráficos do projeto, sejam eles pranchas de desenho, sejam
memoriais, laudos ou Cadernos de Especificações e Detalhamento. Essa lista-mestra
pode tanto ser gerada em softwares mais acessíveis, tais como editores de texto
ou planilhas eletrônicas, de forma manual, quanto em softwares mais complexos e
dedicados, como gerenciadores de workflow.

Fique Ligado
Workflow é a modelização e a gestão informática do conjunto de tarefas a
realizar e dos diferentes atores envolvidos na realização de um processo
de negócio (também chamado de processo operacional). O termo work-
flow poderia, por isso, ser traduzido por “gestão eletrônica dos processos
de negócio”. Um processo operacional representa as interações sob a
forma de troca de informações entre diversos atores, como: indivíduos,
aplicações ou serviços e processo de terceiros.

De maneira prática, um workflow pode descrever:

O circuito de validação;

As tarefas a realizar entre os diferentes atores de um processo;

Os prazos a respeitar;

Os modos de validação (BRASIL, [s.d.]).6

6
BRASIL. (Poder Judiciário. Justiça Federal. Seção Judiciária do Rio de Janeiro. Workflow.) [s.l.]: [s.d.]. Disponível em:
http://www.cnj.jus.br/siga/apostila_sigawf.pdf. Acesso em: 27 abr. 2018.

11
A norma ABNT ISO 9001:2015 – Sistemas de Gestão da Qualidade – Requisitos, traz,
no seu item 7.5.3, importantes informações e roteiro sobre o controle de documenta-
ção que prioriza a sua integridade, fidelidade, disponibilidade, proteção, distribuição,
validação e controle de alterações.

O controle da documentação na obra e a sua validação é uma das tarefas precípuas


do engenheiro ou arquiteto residente, e, pelas razões expostas, uma das mais impor-
tantes.

Na figura abaixo é representado exemplo de uma lista-mestra:


73 Armaduras das vigas (V301A, V301B, V309 a V313, V324 a V328) 1/50 A 05/07/2013
74 Armaduras das vigas (V329 a V332), Det.1 e Det.2 1/50 A 05/07/2013
Obs.: A prancha 62 do projeto estrutural de concreto armado não sofreu revisão. Houve apenas correção da descrição do campo “Conteúdo” no selo,
alterando o “4º pavimento” para “2º pavimento”.
RELAÇÃO DE PRANCHAS DO PROJETO DE AR CONDICIONADO
N.º CONTEÚDO ESCALA REVISÃO DATA DO ENVIO À OBRA
Memorial Descritivo * A 17/06/2013
01 Rede de dutos, hidráulica, AG/AQ, casas de máquinas - pavto. térreo 1/50 C 26/06/2013
02 Rede de dutos, hidráulica, AG/AQ, casas de máquinas - 3º pavto. 1/50 C 26/06/2013
03 Rede de dutos, hidráulica, AG/AQ, casas de máquinas - 4º pavto. 1/50 B 17/06/2013
04 Rede de dutos, hidráulica, AG/AQ, casas de máquinas - 5º pavto. 1/50 B 17/06/2013
05 Rede de dutos, hidráulica, AG/AQ, casas de máquinas - 6º pavto. 1/50 B 17/06/2013
06 Rede de dutos, hidráulica, AG/AQ, casas de máquinas - 7º pavto. 1/50 B 17/06/2013
07 Rede de dutos, hidráulica, AG/AQ, casas de máquinas - Pavimento técnico 1/50 C 26/06/2013
08 Fluxogramas de ar e hidráulico, lógicas de controle SEM ESCALA C 26/06/2013
09 Corte AA’ 1/50 C 26/06/2013
10 Corte DD’ 1/50 A 26/06/2013
RELAÇÃO DE PRANCHAS DO PROJETO DE EFICIÊNCIA ENERGÉTICA/PAISAGISMO DAS LAJES DE COBERTURA
N.º CONTEÚDO ESCALA REVISÃO DATA DO ENVIO À OBRA
01 Implantação, cortes e paisagismo 1/50 B 17/06/2013
02 Planta baixa, corte, detalhe e imagens INDICADA C 17/06/2013
03 Drenagem, cortes e iluminação INDICADA A 17/06/2013
Arquivo ZIP com imagens da prancha 02 * B 17/06/2013

O exemplo demonstrado, gerado por meio de um arquivo de edição de textos, de


forma simplificada, é poderosa ferramenta no controle da documentação da obra.
Os campos (colunas) mostrados evidenciam as informações atualizadas e dão ao
gestor da obra e aos demais parceiros envolvidos informação única, consolidada e
acessível.

Softwares dedicados ao controle do fluxo de trabalho (workflow) podem ser ainda


mais eficientes, ao trazerem maiores ganhos e aumentarem as possibilidades de
controle e atuação do gestor.

12
4.1.3 Usando softwares de gerenciamento de projetos

Ao final deste tópico, o aluno será capaz de:

§§ Identificar a importância do uso de aplicativos para gerenciamento de projetos


e cronograma de obras.
Assim como o controle da documentação na obra, o controle do seu desenvolvimento
é igualmente importante, sendo vital para que sejam atingidos os objetivos de prazo
e custo previstos. Uma das formas de controle dessas duas variáveis é a elaboração
de um cronograma de atividades.

No art. 40, item XIV, alínea “b”, da Lei nº 8.666/1993, é determinada a obrigatoriedade
de que constem do edital da licitação as condições de pagamento da obra ou serviço,
prevendo cronograma de desembolso, conforme abaixo:

Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o


nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de
execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta lei, o
local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como
para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguin-
te:

(...)

XIV – condições de pagamento, prevendo:

(...)

b) cronograma de desembolso máximo por período, em conformidade


com a disponibilidade de recursos financeiros (BRASIL, 1993).

13
O referido cronograma de desembolso citado na lei é o cronograma físico-financeiro
da obra ou do serviço, especificado no edital e que integrará a minuta do contrato da
obra, servindo àquele propósito de controle.

O Decreto nº 7.983/2013, no seu art. 12, traz também tal obrigatoriedade:

“Art. 12. A minuta de contrato deverá conter cronograma físico-financeiro


com a especificação física completa das etapas necessárias à medição, ao
monitoramento e ao controle das obras” (BRASIL, 2013).

Note que, ainda que esteja previsto na legislação que trata das licitações e orçamen-
tos de referência no âmbito da Administração Pública, o cronograma é abordado com
ênfase no controle do fluxo de recursos financeiros, e não no controle das atividades
da obra. Nesse ponto há falha na legislação, em que seria necessária a previsão de
instrumento que pudesse efetivamente conferir o controle do andamento físico da
obra ou do serviço, a sua evolução por atividades.

Dentro do campo da construção civil, e do seu gerenciamento e controle, há inúmeras


ferramentas consagradas para a aplicação nessa ação. É comum observarmos a
adoção de cronogramas de barras, gerados por meio de softwares de criação de
planilhas eletrônicas para o controle das atividades da obra.

Essa forma, ainda largamente utilizada pelas construtoras, infelizmente nenhum


controle traz sobre o andamento das atividades, servindo apenas à visualização
instantânea do estágio de desenvolvimento das atividades ou da sua previsão no
tempo.

Assim, um cronograma de atividades elaborado nesse ambiente fornecerá a infor-


mação correta apenas em dois momentos: no início da sua elaboração, coincidindo
com o início das atividades da obra, ou quando atualizado, manualmente, e de forma
onerosa, ao longo da execução da obra.

14
O controle efetivo das atividades na obra dá-se por meio do método do caminho
crítico, ou método PERT/CPM (Program Evaluation and Review Technique/Critical
Path Method). Esse método prevê o encadeamento das atividades em rede e nós,
com pré-requisitos a serem atendidos para que cada atividade seja realizada. Esses
pré-requisitos tanto podem ser a realização inicial de uma outra atividade (atividade
predecessora) quanto a necessidade de compra de um determinado material ou a
contratação de um determinado serviço para que a atividade seja possível.

Diferentemente do cronograma físico-financeiro da obra, o cronograma por atividades


baseado no método PERT/CPM promove o efetivo controle da obra, por apresentar as
suas atividades por meio do conceito chamado “Estrutura Analítica do Projeto”, no qual
as atividades são apresentadas por ocorrência e interdependência. Não obrigatório,
à luz da legislação aplicada às licitações na Administração Pública, essa forma de
controle deve ser recomendada à contratada e acompanhada pelo fiscal do contrato.

Atualmente, estão disponíveis no mercado alguns softwares que possibilitam esse


controle. O mais adotado é o MS Project®, que permite o controle das atividades e
dos recursos (mão de obra e materiais) empregados na obra, adotando o método do
caminho crítico. Esse software é licenciado pela Microsoft®. Outros, no entanto, são
gratuitos; podemos citar como exemplos o ProjectLibre e o GanttProject.

Observe

Mas, afinal, o que é o método do caminho crítico? Conforme o guia


PMBOK® (Project Management Body of Knowledge, do Project Ma-
nagement Institute (PMI), ou Guia de Conhecimento de Gerencia-
mento de Projetos, do Instituto de Gerenciamento de Projetos), o
caminho crítico é “a sequência de atividades que representa o cami-
nho mais longo de um projeto, que determina a menor duração pos-
sível de um projeto”.7

7
PMI – PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE. PMBOK. 5th ed. Philadelphia: PMI, 2013. p. 176.

15
A figura8 a seguir mostra graficamente o caminho crítico de uma sequência de
atividades:

2 3 7
3 6 9

3 5 4 5 2
1 2 4 7 11

7 3 2
5 8 10

As atividades com a sequência em vermelho são aquelas que compõem o caminho


crítico do encadeamento. São as que não têm folga na sua execução, ou seja, se há
a previsão de um determinado período na execução de cada tarefa, ao aumentar-se
tal período, todo o cronograma é alterado, empurrando-se para a frente a sua data de
fim, atrasando, dessa forma, a conclusão do processo, obra ou serviço.

Com os softwares de gerenciamento de projeto citados, os cronogramas gerados,


ao contrário daqueles cronogramas gerados em planilhas de cálculo, permitem
o efetivo controle das atividades, pela identificação do seu caminho crítico. Dessa
forma, o gestor do projeto (arquiteto ou engenheiro residente), ou mesmo o fiscal
de obra, tem a possibilidade de identificar quais são as tarefas que potencialmente
podem atrasar a obra. O cronograma, ao ser atualizado, automaticamente redefine as
datas de execução de todas as atividades interligadas, permitindo, assim, a imediata
identificação da nova data de fim da obra. Definindo-se tal data como um marco,
pode-se planejar as atividades para que se atinja tal objetivo.

Como você pode perceber, embora não obrigatório, o cronograma de atividades


baseado no caminho crítico é o único instrumento que dá o efetivo controle dos prazos
de uma obra ou serviço, sendo uma iniciativa saudável para a sua administração, e
deveria sempre ser exigido das contratadas pelo gestor do contrato.

8
Disponível em: http://www.pmknowledgecenter.com/dynamic_scheduling/baseline/critical-path-or-critical-chain-diffe-
rence-caused-resources. Acesso em: 7 maio 2018.

16
4.1.4 A importância da assessoria à fiscalização

Ao final deste tópico, o aluno será capaz de:

§§ Identificar as vantagens de incluir assessoria à fiscalização em diferentes


casos.
A fiscalização de um contrato deve ser feita sempre por um servidor do quadro do
órgão, integrante da Administração Pública, que o acompanhará durante todo o
período da sua execução. Essa prerrogativa está determinada na Lei nº 8.666/1993,
no seu art. 67:

“Art. 67. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por


um representante da Administração especialmente designado, permitida a
contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações perti-
nentes a essa atribuição” (BRASIL, 1993).

O próprio art. 67, no entanto, abre a possibilidade de contratação de assessoria


ao fiscal do contrato para a sua fiscalização. Essa contratação é permitida, e até
mesmo necessária, sempre que o fiscal administrativo do contrato não detenha o
conhecimento técnico necessário para a sua completa execução. Dessa forma, a
contratação de um profissional legalmente habilitado complementa as condições
para a eficiente fiscalização da execução do objeto em questão, seja uma obra, seja
um serviço de engenharia ou um projeto.

Ainda que o órgão da Administração Pública conte nos seus quadros com servidores
que também sejam profissionais legalmente habilitados, dada a característica da
maioria dos órgãos da Administração – salvo aqueles que têm como atividade-
fim a construção civil ou obras de infraestrutura viária, é raro que constem dos
seus quadros profissionais (engenheiros e arquitetos) que contemplem todas as
disciplinas envolvidas na elaboração de projetos ou da execução de obras e serviços

17
de engenharia. Isso somente ocorreria se houvesse servidores habilitados nas áreas
de engenharia estrutural, mecânica, elétrica, hidrossanitária etc.

Perceba que, mesmo que profissionais habilitados nas áreas específicas de engenha-
ria e arquitetura façam parte dos quadros do órgão, em muitos casos a sua função
não está vinculada à sua formação técnica, por atuarem em área-fim do órgão, diver-
sa daquela formação. A despeito de considerações sobre as capacidades técnicas e
as competências de tais servidores, esses, muitas vezes, por não terem maior contato
com as áreas de atuação oriundas das suas formações técnicas, declaram-se não
capacitados para o exercício daquela atividade específica, ou mesmo, assumindo tal
exercício, o fazem com a condição de serem assessorados por profissional habilitado
e atuante na atividade técnica.

Importante
Servidores legalmente habilitados atuando como fiscais de con-
trato e assessorados por profissional tecnicamente capacitado
só trazem vantagens ao órgão.

No projeto de uma grande obra, edificação ou infraestrutura de obras viárias, muitas


são as disciplinas envolvidas. O projeto de climatização e ventilação mecânica de um
edifício deveria ser analisado e recebido por engenheiro mecânico, cuja formação é
em tal área. O mesmo vale para um projeto de instalações elétricas, que deveria ser
analisado e recebido por engenheiro eletricista. A maioria dos órgãos da Administra-
ção Pública, porém, não dispõe de tais profissionais, quando a sua atividade-fim não
é a contratação de projetos ou obras.

É nessa situação que é altamente recomendável a contratação de pessoa jurídica


com profissionais legalmente habilitados, com capacidades técnicas específicas e
que auxiliarão o fiscal administrativo do contrato. Essa contratação, longe de ser um
gasto a mais para a Administração, é, na verdade, iniciativa que poderá evitar grandes
prejuízos e possibilitará o recebimento de serviço de melhor qualidade.

18
Uma das grandes vantagens da contratação de uma assessoria à fiscalização, no
caso de uma obra da construção civil, é o fato de o fiscal do contrato poder contar
com representante no local da obra em tempo integral. Muitas obras contratadas
pela Administração Pública estão em local distante daquele de lotação do fiscal do
contrato, o que impede a sua permanência ou mesmo contato direto com a obra. Há
situações, inclusive, em que a lotação do servidor, normalmente em centros regionais,
está distante centenas de quilômetros do local de execução da obra, dificultando
até mesmo suas visitas periódicas. Nesses casos a contratação de assessoria à
fiscalização, com previsão de alocação de profissional residente, será de grande ajuda
técnica ao fiscal do contrato.

Importante
Há ainda outras tantas vantagens para a Administração Pública
quando da contratação de assessoria à fiscalização, normal-
mente para ações mais específicas, em que o servidor não tenha
pleno conhecimento, ou o tendo, teria prejuízo na sua atuação
principal pelo tempo demandado por tais atividades.

A assessoria à fiscalização, nesses casos, teria resposta adequada para cada uma
das atividades, ao contar nos seus quadros com profissionais com capacitações
específicas para cada fim. Assim, engenheiros mecânicos, eletricistas, estruturais,
além de contadores e profissionais de Segurança do Trabalho dariam o suporte ao
fiscal do contrato. Obviamente tal previsão deve sempre constar do edital da licitação
que contratará a assessoria.

19
As atividades específicas, possíveis de serem executadas por uma assessoria à
fiscalização, estão na relação abaixo, não exaustiva:
1. Exame de todos os elementos técnicos fornecidos pela contratante para a execução da obra, de modo a apontar as eventuais omissões ou
falhas que venham a ser observadas, para que essas sejam sanadas a tempo;
2. Manifestação quanto à qualidade e à rigorosa adequação dos materiais e serviços a serem empregados na obra às especificações técnicas
e à regulamentação aplicável a cada caso;
3. Medições mensais dos serviços, apresentando ao fiscal do contrato; para cada medição, uma planilha discriminativa indicando o
percentual de execução de cada serviço da planilha orçamentária da obra e o total acumulado;
4. Elaboração de planilha orçamentária para eventuais serviços não previstos ou alterações do Projeto Básico, a fim de subsidiar a
contratante no caso de aditamentos ao contrato da obra;
5. Verificação da anotação, registro, aprovação, licenças, Cadastro Específico do INSS (CEI) matrícula CEI da obra e outras exigências dos
órgãos competentes com relação ao Projeto Executivo e à obra;
6. Análise e apresentação de parecer relativo à documentação comprobatória do cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias
que acompanha as faturas da empresa executora da obra;
7. Averiguação e manifestação quanto à qualificação técnica de empresas que a executora da obra pretenda subcontratar, referente aos
serviços permitidos;
8. Proposição da retirada do local da obra do material rejeitado pela fiscalização, bem como a demolição e a imediata reconstrução do que
for impugnado, quer em razão de material, quer da mão de obra;
9. Verificação da entrega pela empresa executora da obra dos documentos exigidos nos prazos fixados pelo fiscal do contrato;
10. Alerta ao fiscal do contrato da transferência, no todo ou em parte, da execução da obra sem prévia e expressa anuência da contratante,
ressalvadas pequenas subempreitadas ou tarefas que não exijam responsabilidade técnica;
11. Verificação diária quanto às anotações efetuadas pela empresa executora da obra no “Diário de Obras”, anotando os eventos ocorridos e
registrando as observações relativas ao desenvolvimento dos trabalhos;
12. Proposição da retirada do local da obra de qualquer empregado que não corresponda à confiança, ou que perturbe a ação da
fiscalização;
13. Conferência da documentação contábil, previdenciária e trabalhista para possibilitar o ateste dos serviços executados, situação em que a
comprovação daquela documentação é requisito.

20
4.2 A atuação do Fiscal de Obras

4.2.1 A fiscalização da obra (controle de materiais e procedimentos, fiscalização de


atendimento às normas legais etc.)

Ao final deste tópico, o aluno será capaz de:

§§ Enfatizar a responsabilidade técnica e ético-profissional, civil, penal, trabalhis-


ta, além das responsabilidades objetivas e subjetivas do fiscal de obra e da
Administração Pública.

No Módulo 2, tópico 2.2.2, falamos sobre a responsabilidade do gestor de contrato


no âmbito da Administração Pública. Conforme comentado naquele tópico, na
Administração Pública o gestor de contrato responde solidariamente pelos danos
causados à Fazenda Pública (arts. 25, 50 e 71 da Lei n° 8.666/1993) ou por atos
praticados no exercício das suas funções (arts. 121 e 122 da Lei nº 8.112/1990).

Todo e qualquer ato do servidor público deve ser motivado e sobre eles responde civil,
penal e administrativamente.

Na fiscalização de um projeto, ou de uma obra,


concorrem ainda outras responsabilidades, tais
como a trabalhista ou a previdenciária, além da
ético-profissional. A Administração Pública tem
responsabilidade solidária quanto aos encargos
previdenciários resultantes da execução do
contrato (BRASIL, 1993, art. 71, § 2º), e, conforme
recentes interpretações das cortes superiores
de julgamento de contas, responsabilidade solidária nos encargos trabalhistas na
eventualidade de esses serem frustrados pela contratada. O fiscal do contrato, sendo
também profissional legalmente habilitado na área de engenharia ou arquitetura, tem
responsabilidade ético-profissional extensiva às questões do exercício profissional, e
soma-se ainda a essas a responsabilidade técnica.

21
Importante
Note que a função de fiscal de contrato exercida por servidor
com habilitação legal nas áreas específicas (arquitetura ou enge-
nharia) é complexa e com responsabilidades bem abrangentes.

O apoio de uma assessoria à fiscalização é vital, o que possibilita ao


gestor do contrato maior segurança na sua atuação e tomada de
decisões.

Isso porque, dada a condição de formação específica quando da


habilitação legal, o profissional certamente não dominará todos os
campos do conhecimento técnico, o que poderá ser suprido com a
contratação do profissional qualificado nas áreas de não atuação do
servidor, por meio da assessoria à fiscalização.

Essa iniciativa, no entanto, embora altamente recomendável, pelas


razões já expostas, não afasta a responsabilidade do servidor fiscal do
contrato, visto que, além de solidária, é inicial. No caso do ateste dos
serviços executados, o fiscal deve ter controle cuidadoso.

O Acórdão nº 2.672/ 2016 – TCU – Plenário, nesse sentido, condenou


fiscal de obra a ressarcir valores à Fazenda Pública por ateste
indevido de serviços executados, com deficiência aparente em obra
pública executada com recursos oriundos do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE).

22
No que diz respeito à responsabilidade técnica, o fiscal de contrato (projetos
e obras) que detenha habilitação legal nas áreas específicas – engenharia
ou arquitetura – sobre elas deve responder quanto ao controle das boas
práticas construtivas, amparadas em normativas técnicas, ou ainda em
normas legais a elas aplicadas.

Como fiscal, o profissional deve ter o controle da qualidade do serviço pres-


tado (ou do objeto recebido), avaliando, por exemplo, a correta especificação
dos materiais empregados em uma obra ou a correta aplicação de norma
técnica balizadora de um projeto.

Para o primeiro caso, deve-se atentar para que as especificações dadas no


projeto estejam de acordo com as especificações dos materiais aplicados
na obra. Muitas vezes, por questão de economia, e em alguns casos por
má-fé, a contratada oferta insumo de qualidade inferior àquele definido no
projeto, iniciativa que, além de ferir a relação contratual estabelecida, pode
condenar a durabilidade ou o desempenho do objeto construído.

No segundo caso, a não observância de uma determinada normativa técnica


ou legal pode comprometer futuramente a contratante, trazendo prejuízos à
Administração Pública.

O não atendimento às normativas legais pode acarretar ações judiciais,


movidas por aqueles que presumirem ter seus direitos ofendidos, passíveis
de indenizações no caso de condenação da ré.

Isso porque, em relação às normas técnicas, desde o advento do Código


de Defesa do Consumidor, essas passaram a ter força de lei, embora não
tenham tal caráter jurídico (BRASIL, 1990, art. 39. Inciso VIII).

23
Como esclarecimento à questão relativa às normas técnicas, tomemos por
exemplo um determinado projeto, de um prédio de uso público, em que não
foi previsto o conforto acústico determinado para um dado ambiente na
ABNT NBR 10152:2017 – Acústica – Níveis de pressão sonora em ambientes
internos a edificações.

O usuário do prédio, seja servidor, seja pessoa do público externo, que se


sentir ofendido no seu direito quanto à ausência de condição prevista na-
quela norma, poderá ajuizar ação exigindo reparação de direitos, amparado
na determinação do art. 39, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor,
lei que legitima juridicamente as normas técnicas da ABNT e outras normas,
tais como as Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho, resolu-
ções de agências reguladoras etc.

A responsabilidade do gestor de contrato, portanto, não se restringe às


questões de ordem administrativa, estendendo-se às questões de ordem
legal e técnica, com responsabilidade objetiva da Administração Pública.

4.2.2 A troca das especificações: o conceito do “similar-semelhante” e do “similar-


equivalente”

Ao final deste tópico, o aluno será capaz de:

§§ Identificar quando é possível a alteração das especificações dadas em projeto


e como isso é feito, de acordo com as normativas legais.
Uma das questões mais importantes a serem observadas pelo fiscal de uma obra
é a característica técnica dos materiais empregados na sua execução. Essas
características devem estar perfeitamente definidas no seu projeto, especialmente
no seu Caderno de Encargos.

A correta especificação técnica de um determinado material (ou mesmo de um ser-


viço) que será empregado na obra definirá os aspectos da sua durabilidade, desem-

24
penho, atendimento às normativas técnicas e boas práticas da construção. Respei-
tará também o direito autoral e a responsabilidade técnica do projetista. Essa última
condição será a que irá trazer segurança à contratante quanto à garantia intrínseca
conferida ao objeto construído, a partir do autor do seu projeto.

Pelas razões descritas, a aceitação dos materiais pelo fiscal da obra deve ser feita
somente após criteriosa análise, que traga a certeza do correto atendimento às
especificações do projetista.

O mercado da construção civil traz uma variedade de alternativas para a maioria dos
insumos de obra. Como em qualquer outra atividade econômica, esses materiais
podem apresentar grande qualidade, a partir de marcas consagradas, ou de técnicas
de fabricação certificadas, como podem ter qualidade baixa, a partir de métodos não
normatizados de fabricação, ou mesmo pelo emprego de insumos inadequados.
Na construção civil, notadamente em função do seu baixo avanço tecnológico e
especialização, se comparada a outros campos do conhecimento humano, tais como
a medicina ou a informática, é comum pequenas indústrias, com pouca ou nenhuma
qualidade, serem os seus fornecedores.

Assim, um dado material, que deveria apresentar uma boa qualidade, garantindo, com
isso, a integridade da obra, poderá ser insumo de baixa qualidade, que terá reflexos
imprevisíveis no seu resultado final. Situações como essa podem ser encontradas
tanto em um simples bloco cerâmico (tijolo) quanto em um complexo sistema de
vedação de fachadas por pele de vidro ou mesmo em um sistema de automação para
controle lógico do sistema de ar-condicionado instalado em uma edificação.

A combinação da boa especificação dada no projeto com a correta execução na


obra, com a observância das especificações técnicas nos materiais empregados –
e, consequentemente, do processo construtivo empregado para a sua aplicação –,
não somente trará a garantia à contratada quanto àquilo que foi contratado, como
possibilitará o correto atendimento às normativas legais ou técnicas, incluindo a
normativa de desempenho das edificações da ABNT, definindo, assim, a vida útil da
obra.

25
Para que sejam atendidas essas questões, o fiscal e a contratada devem ter claro
conceito quanto à similaridade dos materiais. Esse critério de similaridade deve estar
precisamente definido no edital de contratação da obra, para que seja possível a
legitimidade na sua cobrança quando da sua execução. Tem-se dessa condição a
similaridade por semelhança e a similaridade por equivalência.

A legislação de licitações proíbe a exigência de marcas dos insumos nos editais


(BRASIL, 1993, art. 7º), não impedindo, porém, que essas sejam citadas como
referência, sendo necessária, no entanto, a sua complementação com os termos “ou
similar”, “ou equivalente” ou “ou de melhor qualidade” (BRASIL, 2007).9

O insumo “similar-semelhante” é aquele de marca diferente daquelas


citadas como referência no edital, que desempenha idêntica função dos
insumos daquelas, mas que não apresenta as mesmas características
exigidas no projeto. Embora tal insumo possa ser aceito, desde que
atenda ao requisito de qualidade técnica e normatização, exigirá aditivo,
com compensação financeira, adequando o valor que será pago ao seu
preço (BRASIL, 1992, art. 70, inciso II).10

O insumo “similar-equivalente” é aquele de marca diferente daquelas


citadas como referência no edital, que desempenha idêntica função
e apresenta as mesmas características exigidas no projeto. Esse
insumo pode ter seu uso autorizado diretamente pelo fiscal da obra,
não exigindo a celebração de termo aditivo ou compensação financeira
(BRASIL, 1992, art. 70, inciso I).

10

9
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 644/2007 – TCU – Plenário. Brasília: TCU, 2007.
10
BRASIL. Instrução Normativa Coseg/SAG/MF n° 01, de 21 de julho de 1992. Brasília: MF, 1992.

26
Mas como saber se um insumo de marca alternativa àquelas cita-
das no edital é “similar-semelhante” ou “similar-equivalente”?

Essa resposta inicialmente deve ser dada pelo critério de similaridade definido no
edital da contratação da obra. Em um segundo momento, deverá ter a sua comparação
feita com as características dos insumos das marcas tomadas como referência e das
especificações do projeto.

Observe

Para esclarecer a questão, tomemos como exemplo o insumo


torneira de bancada para lavatório de sanitários, com acionamento
por pressão, cuja referência no edital remete a um determinado
modelo da marca Docol®, com acionamento por sistema Pressma-
tic® após completa especificação. A oferta de insumo alternativo,
de outra marca e modelo, a partir da construtora, deve possibilitar
que esse insumo apresente as mesmas características técnicas da
marca e modelo referenciados no edital e especificados no projeto.
Somente assim este poderá ser considerado como “similar-equiva-
lente”.

Os produtos com qualidade reconhecida trazem nas suas especificações uma série
de requisitos. Esses requisitos devem, então, ser também atendidos pelo insumo
alternativo. A falta de apenas um deles definirá o insumo como “similar-semelhante”,
com a necessidade das iniciativas de ajuste do fiscal, já descritas.

27
Fique Ligado
Um dos itens que pode ser o definidor de questões controversas é a garan-
tia oferecida pelo fabricante. Uma torneira com acionamento por pressão
que apresente todos os requisitos da marca Docol®, com acionamento por
sistema Pressmatic®, apresentada como referência no edital, mas que
não ofereça a mesma garantia dada por aquele fabricante, será considera-
do um insumo “similar-semelhante”, por interferir diretamente no desem-
penho daquele material, e terá a necessária compensação financeira por
meio de termo aditivo.

4.2.3 Os critérios de medição nas obras (contrato com regime de empreitada por
preço global e contrato com regime de empreitada por preços unitários)

Ao final deste tópico, o aluno será capaz de:

§§ Identificar quais os possíveis contratos em relação aos tipos de obra e serviços


e a sua forma de medição.

As obras ou os serviços de engenharia contratados pela Administração


e executados indiretamente, ou seja, quando o órgão ou a entidade
contrata serviços de terceiros, podem ser feitos por quatro regimes
distintos: empreitada por preço global, empreitada por preço unitário,
tarefa e empreitada integral (BRASIL, 1993, art. 6º, inciso VIII, alíneas
“a”, “b”, “d” e “e” ).

O regime por tarefa normalmente é destinado àqueles serviços de pequena monta,


ajustados por preço certo, com fornecimento de materiais ou não. Esse regime é
indicado, por exemplo, para a contratação da limpeza de um terreno.

28
A empreitada integral é o regime de contratação em que o empreendimento é
integralmente contratado, envolvendo obras, serviços, instalações, licenças, alvarás,
treinamento e demais ações até a sua entrada em operação. Conhecido no mercado
da construção civil como turn key (ou, em tradução livre, “chave na mão”), é um
regime em que a contratada fica obrigada a entregar a obra em condições de pleno
funcionamento. Esse regime é utilizado quando o objeto contratado tem grau de
complexidade elevado ou necessite que sua entrega seja feita com equipamentos
específicos instalados e em funcionamento, tais como hospitais, laboratórios ou
fábricas.

Bastante corrente nas contratações da Administração Pública são os regimes de


empreitada por preço global e de empreitada por preços unitários.

A empreitada por preços unitários, conforme a definição dada na alínea “b” do inciso
VIII, art. 6º, da Lei nº 8.666/1993, é aquela em que a contratação da obra ou do serviço
dá-se por preço certo de unidades determinadas. Esse regime de contratação é
adotado quando não é possível definir com precisão a quantidade dos insumos ou
dos serviços, devendo estabelecer-se um padrão ou uma unidade de medida para fins
de aferição, sendo o seu recebimento feito pelo fiscal por meio de uma “contagem”.

A contratação da realização de um acompanhamento técnico por visitas, por exemplo,


pode ser contada pelo número de visitas, permitindo, assim, o regime de empreitada
por preços unitários. A unidade de medida “visitas técnicas”, nesse caso, deve estar
definida no instrumento convocatório, e a aferição, o pagamento e o recebimento do
serviço serão pelo número de visitas.

Mesmo em uma obra, como, por exemplo, uma reforma, esse regime é possível. Tome-
se a situação de instalação de novas esquadrias (janelas) em um prédio existente para
substituição das suas esquadrias. Se for possível definir com precisão um padrão
(características) e uma unidade de medida para essas esquadrias, tal regime poderá
ser adotado, não importando quantas esquadrias serão efetivamente substituídas,
bastando que, para isso, sejam aferidas em contagem pelo fiscal para o recebimento
e o pagamento. Entretanto, a empreitada por preços unitários onera a ação do fiscal,
e, por essa razão, não é recomendada para contratações mais complexas.

29
É o caso das grandes obras. A adoção desse regi-
me tornaria a ação do fiscal extremamente one-
rosa, exigindo a sua presença (ou a da sua asses-
soria) quase que ininterrupta na obra, dedicando
boa parte do seu tempo à aferição de quantida-
des (mapeamento, controles, registros etc.). Essa
condição não traz vantagem à Administração,
fazendo com que o fiscal deixe de dedicar-se a
questões mais importantes envolvidas na execu-
ção do contrato. A empreitada por preço global
nessa situação é a mais adequada e a definição
do objeto, com boa margem de precisão para as quantidades que serão executadas,
deve ser feita previamente. Esse regime exige que o projeto tenha nível de informação
suficiente para que o objeto seja claramente definido.

A conveniência de adoção do regime de empreitada por preço global diminui à


medida que se eleva o nível de incerteza sobre o objeto a ser contratado, pela eventual
deficiência no projeto. O critério de medição, para esse regime, será pelo percentual
de cada serviço integrante das subetapas, etapas e parcelas, e que formarão o preço
da fase,11 devendo tal critério estar claramente previsto no edital.

11
Serviço: é a identificação de cada uma das atividades construtivas necessárias à execução da obra, representado por
linhas do orçamento sintético.
Etapa: é o grupo de serviços de características afins, representada por linhas do orçamento sintético e do cronograma
físico-financeiro.
Subetapa: é a subdivisão de uma etapa em grupos menores de serviços, com maior semelhança.
Parcela: é a fração de uma etapa ou subetapa executada no período de um mês.
Fase: é o conjunto de diversas parcelas do cronograma físico-financeiro da obra, previstas para execução em um deter-
minado mês, representada por colunas do cronograma.

30
Em relação a esses dois regimes de contratação (empreitada por
preços unitários e empreitada por preço global), deve-se ter o cuidado
de, adotando-se o segundo, não tornar a sua medição tão criteriosa a
ponto de esse assemelhar-se ao regime do primeiro. Assim, quando
for demasiado o controle das quantidades feito pelo fiscal, com a
sua contagem – e não pela aferição por parâmetros percentuais –, o
resultado é o surgimento da possibilidade de a contratada questionar
todo e qualquer quantitativo, além da desnecessária oneração da ação
de controle do fiscal, com as consequências já descritas.

Esse questionamento não é impedido à contratada, devendo, porém, seguir determi-


nadas regras, que são pacificadas pelas cortes de controle de contas, e que serão
objeto de estudo nos tópicos 4.3.1 e 4.3.2, a seguir.

31
4.3 Os aditivos de obra: o que deve ser observado?

4.3.1 Aditivos de obra: o que diz o Acórdão nº 1.977/2013 – TCU – Plenário?

Ao final deste tópico, o aluno será capaz de:

§§ Identificar as premissas necessárias para a concessão de aditivos;


§§ Entender os critérios para supressões e inclusões de itens ou escopos nos
aditivos de obras.

Nas contratações da Administração Pública sob o regime de empreitada por preço


global, mesmo sendo esse o regime em que o objeto é perfeitamente definido, as
solicitações de aditivos de quantitativos são prática corrente. É comum os contratos
para execução de obras no serviço público, nesse regime de contratação, chegarem
ao seu final com a celebração de mais do que dois aditivos para quantitativos,
respeitando-se os limites indicados no parágrafo 1º do art. 65 da Lei nº 8.666/1993.
Mas, se o regime de contratação de empreitada por preço global pressupõe a precisa
definição do objeto, por que são necessários os aditivos?

Essa é uma das questões discutidas nas cortes de julgamento de contas. O


Acórdão nº 1.977/2013 – TCU – Plenário lança luz sobre tal tema, trazendo
já na sua abertura o entendimento de que “o empreiteiro não teria o direito a
solicitar aditivos contratuais de quantidades nos casos de quantitativos
subestimados por erros que pudessem ter sido detectados ainda durante o
processo licitatório” (BRASIL, 2013, p. 5).12

O mesmo acórdão, no entanto, faz uma ressalva de que, “como regra geral,
mas sempre de modo justificado, admite-se aditivo em contratos regidos por
qualquer regime de execução contratual, haja vista que a Lei 8.666/1993 não
fez nenhuma distinção ou ressalva sobre o assunto” (BRASIL, 2013, p. 19).

12

12
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1.977/2013 – TCU – Plenário. Brasília: TCU, 2013.

32
A sequência do referido acórdão classifica os dois motivos pelos quais há a
possibilidade de celebração de aditivos em uma empreitada por preço global: as
alterações de projeto propostas pela Administração e as alterações de contrato
decorrentes de erros no projeto, orçamento ou quantitativos. Para esse último, há
casos em que tais erros são de pequena monta, enquanto há outros em que os erros
são relevantes. Dessa forma, o entendimento do TCU para o primeiro caso está
descrito abaixo:

9.1.7. quando constatados, após a assinatura do contrato, erros ou omissões


no orçamento relativos a pequenas variações quantitativas nos serviços
contratados, em regra, pelo fato de o objeto ter sido contratado por “preço
certo e total”, não se mostra adequada a prolação de aditivo, nos termos do
ideal estabelecido no art. 6º, inciso VIII, alínea “a”, da Lei 8.666/1993, como
ainda na cláusula de expressa concordância do contratado com o Projeto
Básico, prevista no art. 143, inciso II, do Decreto 7.983/2013 (BRASIL, 2013,
p. 2).

A título de esclarecimento, os citados artigo, inciso e alínea da Lei n° 8.666/1993


tratam da contratação sob regime de empreitada por preço global. O acórdão passa,
então, a definir as possibilidades de celebração de aditivos para tal regime e a sua
forma. Nessa condição, uma das regras citadas é que a eventual imprecisão em algum
quantitativo, alegada pela contratada, seja relevante dentro do empreendimento,
devendo ser avaliada de acordo com a metodologia da curva ABC, que será tratada
no tópico seguinte.

A celebração do termo aditivo somente é possível se for mantido o desconto original


ofertado sobre o orçamento-base da Administração pela vencedora da licitação, e
se o resultado da licitação não seja alterado caso os novos quantitativos fossem
aplicados às demais propostas do certame licitatório.

33
Quanto às supressões e aos acréscimos, é importante destacar que não pode haver
compensação entre as duas iniciativas. Vejamos o que diz o Acórdão nº 749/2010 –
TCU – Plenário:

(...) as reduções ou supressões de quantitativos devem ser consideradas de


forma isolada, ou seja, o conjunto de reduções e o conjunto de acréscimos
devem ser sempre calculados sobre o valor original do contrato, aplicando-
-se a cada um desses conjuntos, individualmente e sem nenhum tipo de
compensação entre eles, os limites de alteração estabelecidos no dispositivo
legal (BRASIL, 2010).13

13

Assim, para esclarecer o entendimento do acórdão, tomemos como exemplo um con-


trato cujo valor original é R$ 100.000,00 e que teve supressões de 40% e acréscimos
de 25% (limite máximo permitido, em se tratado de uma obra). Embora o limite de 25%
para acréscimo seja calculado sobre o valor original do contrato (R$ 100.000,00), o
que totaliza R$ 25.000,00, o novo valor do contrato não resulta em R$ 125.000,00, e
sim em R$ 85.000,00, pois o acréscimo será computado somente após a supressão
pretendida.

O quadro abaixo resume a forma de cálculo:

JURISPRUDÊNCIA TCU (Acórdão 749/2010 - TCU - Plenário)


Valor inicial atualizado 100.000,00
Supressão (40.000,00)
Saldo 60.000,00
Aplicação do limite legal (25%x 100.000,00) 25.000,00
Valor final máximo do contrato (c/aditivos) 85.000,00

Fonte: Portaria Segecex nº 33, de 7 de dezembro de 2012 (BRASIL, 2012, p. 91).

13
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 749/2010 – TCU – Plenário. Brasília: TCU, 2010.

34
Essa regra consolida, portanto, a forma correta do cálculo do limite para aditivos,
definindo que as supressões não devem ser consideradas no cálculo do limite de
25%, no caso de uma obra.

4.3.2 O uso da curva ABC como ferramenta de análise para a concessão de aditivos
de obras de edificações

Ao final deste tópico, o aluno será capaz de:

§§ Reconhecer a importância da elaboração da curva ABC para a análise da


concessão de aditivos;
§§ Reconhecer a importância da elaboração da curva ABC para que se evite o
“jogo de planilha”.
É de entendimento pacificado pelo TCU que a concessão de aditivos por alteração
de quantitativos nas obras da construção civil seja precedida pela análise da sua
pertinência amparada no uso do método da curva ABC.

Para iniciar, é necessário compreendermos o conceito de curva ABC.

O método baseia-se no Princípio de Pareto, economista italiano do século XIX que


observou que havia uma distribuição desigual da riqueza da Itália, em que 80%
dessa riqueza estava nas mãos de apenas 20% da população. Também chamado de
Princípio 80/20, sintetiza a ocorrência de um determinado fator frente ao seu universo
de amostras.

Exemplificando, o método observou que 80% de um dado problema é causado por


apenas 20% de fatores. Atacando-se esse pequeno universo, resolve-se grande parte
das consequências.

Na década de 1940 esse princípio foi desenvolvido por Joseph Moses Juran, um
economista romeno-americano, por meio da criação da curva ABC. Segundo Carvalho
(2002), a curva ABC é um método de classificação de informações, para que se
separem os itens de maior importância ou impacto, os quais são normalmente em
menor número14. O mesmo princípio pode ser aplicado às planilhas orçamentárias
de obras, nas quais, teoricamente, 20% dos serviços são responsáveis por 80% dos
custos da obra.
14
CARVALHO, J. M. C. Logística. 3. ed. Lisboa: Edições Silabo, 2002.

35
A curva ABC ganha esse nome porque divide-se nas faixas A, B e C, em que a faixa
A, com 20% dos itens de uma amostra, representa 80% do seu valor ou importância.
Abaixo a representação gráfica de uma curva ABC:

100
95

80
C
% Valor

20 50 100
% Quantidade de itens

Entendimentos do TCU15 apontam para o uso dessa metodologia para a identificação


dos itens para os quais se deve aprofundar a análise para a concessão de aditivos
para quantitativos. Conforme Campelo e Cavalcante (2014),

os itens mais relevantes do orçamento tendem a seguir a regra de Pareto: 20%


dos serviços (ou insumos) correspondem a 80% dos custos. Por isso, o método
também é conhecido como “Curva 80-20”. Como se extrai de dezenas de julgados
do TCU, as equipes de fiscalização, como técnica de auditoria, em vez de avaliar
toda a gama de serviços e insumos contratados, concentram seus esforços em
20% dos itens mais relevantes da empreitada (CAMPELO; CAVALCANTE, 2014).16
16

15
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 394/2007 – TCU – Plenário. Brasília: TCU, 2007.
16
CAMPELO, V.; CAVALCANTE, R; J. Obras públicas: comentários à jurisprudência do TCU. 3. ed. Belo Horizonte: Editora
Fórum, 2014.

36
Dessa forma, a solicitação de aditivos por imprecisão de quantitativos pela contrata-
da (por erro de quantitativos na planilha orçamentária) somente será admitida para
subestimativas ou superestimavas relevantes, assim consideradas aquelas impre-
cisões que ultrapassarem a margem de tolerância de 10%17 para cada item do orça-
mento que esteja situado na faixa A da metodologia ABC. Entende-se por faixa A da
metodologia ABC a lista de serviços ordenados de forma decrescente de valor, do
maior para o menor, que, somados, representem 50% do valor total da obra, conforme
orientações do TCU (BRASIL, 2012, p. 33, item I.2.3.1, subitem 113). Assim, a con-
cessão de aditivos por imprecisão de quantitativos justifica-se apenas para aqueles
itens que estejam na faixa A da curva ABC e que tenham variação de quantitativo
acima de 10%.

Importante aplicação da metodologia da curva ABC recai também sobre a eventual


prática do “jogo de planilha”. Assim definido pelo TCU, o jogo de planilha é a ocor-
rência de alterações quantitativas na planilha contratual, modificando o equilíbrio
econômico-financeiro do contrato em desfavor da Administração, com perda do des-
conto original (BRASIL, 2012, p. 126).

17
As alterações contratuais sob alegação de falhas ou omissões em qualquer das peças, orçamentos, pranchas de dese-
nho, especificações, memoriais e estudos técnicos preliminares do projeto não poderão ultrapassar, no seu conjunto, 10%
do valor total do contrato, computando-se esse percentual para verificação do limite do art. 65, parágrafo 1º, da Lei nº
8.666/1993.

37
Observe

Para elucidar a questão, pode-se admitir que o jogo de planilha é a


prática que consiste em oferecer o menor preço global na licitação,
com a expectativa de futuros aditivos. Dessa forma, a licitante per-
cebe que há, no orçamento de referência da Administração, itens
com quantitativos subestimados e superestimados, deixando de
fazer o devido alerta e questionamento à comissão de licitação, e,
assim, oferta valores maiores para os itens subestimados e valores
menores para os itens superestimados. Celebrado o contrato, a
vencedora da licitação propõe aditamento com aumento do quanti-
tativo dos itens subestimados e diminuição do quantitativo dos
itens superestimados. Essa prática possibilita à contratada ganhos
indevidos, além de alterar o desconto oferecido no momento da
licitação, configurando prática ilegal.

A curva ABC, nesse caso, elaborada quando da análise da proposição do aditivo, pode
detectar itens que venham a sofrer alteração de faixa (comparada ao resultado da
curva ABC do orçamento de referência da Administração elaborada previamente à li-
citação). Item que estivesse originalmente na faixa C, antes da proposição do aditivo,
que passou à faixa A após a sua proposição, configurará a possibilidade da ocorrên-
cia do jogo de planilha e deve ser tratado com cautela.

38
4.4 Acompanhando e recebendo a obra: a gestão de
documentos

4.4.1 A apresentação da documentação técnica da obra: o Projeto Executivo

Ao final deste tópico, o aluno será capaz de:

§§ Reconhecer o papel do Projeto Executivo concomitante à obra;


§§ Identificar a responsabilidade técnica pelo Projeto Executivo e o limite da sua
interferência no Projeto Básico.

Lembre-se de que, no Módulo 1 deste curso, no tópico 1.1.4, foi feita a conceituação
de Projeto Básico e Projeto Executivo, indicando as suas diferenças e particularidades
à luz da legislação de licitações, normas técnicas e resoluções dos conselhos
profissionais relacionados ao tema.

Na Lei nº 8.666/1993, o Projeto Executivo é descrito no certame licitatório para a


contratação de uma obra como uma das etapas integrantes do processo (BRASIL,
1993, art. 7º, § 1º). O parágrafo 1º do art. 7º da referida lei determina cada uma das
etapas que devem ser seguidas para a contratação de execução de obras ou prestação
de serviços, algumas dentro da fase licitatória. A ordenação das etapas está assim
definida:

§§ I. Projeto Básico;
§§ II. Projeto Executivo;
§§ III. Execução das obras e serviços.
Naquele parágrafo é determinado também que a execução de cada uma das etapas
deve ser feita após a conclusão da etapa anterior, exceto a etapa de Projeto Executivo,
que pode ser executada concomitantemente com a etapa de obras ou serviços. Dessa
condição extrai-se a conclusão à qual chegou Pereira Jr. (2012):

39
Deduz-se que a Lei nº 8.666/93 não atribui ao Projeto Executivo a mesma obriga-
toriedade com que trata o Projeto Básico [para a licitação], tanto que admite,
possa ser deixada a sua elaboração a cargo da contratada, no curso da execução
do contrato. Vale dizer que a Administração está obrigada a elaborar o Projeto
Básico para instaurar a licitação ou para contratar diretamente obra ou serviço,
mas não está obrigada a elaborar o respectivo Projeto Executivo. O que não
significa que a Lei Geral a este o tenha por prescindível (PEREIRA JR., 2012, p.
168-169, grifo nosso).

Do conceito do Projeto Executivo, tomado a partir da Lei nº 8.666/1993, é possível


inferir que esse não representa nada mais do que uma mera complementação do
Projeto Básico, possível de ser feita para o esclarecimento, em nível de detalhe téc-
nico peculiar para algum elemento daquele Projeto Básico para o qual ainda reste
pequena dúvida. Por essa razão há a possibilidade de que o Projeto Executivo seja
“desenvolvido” concomitantemente à obra. Ora, veja que essas condições permitem a
conclusão de que o Projeto Executivo, embora obrigatório, será desenvolvido somen-
te com o intuito de trazer esclarecimento para aqueles pontos pouco esclarecidos no
Projeto Básico. Essa ao menos era a condição esperada para tal iniciativa.

O que se observa, no entanto, não é isso. Em grande parte dos processos licitatórios,
os Projetos Básicos apresentados são elementos deficientes, com informações in-
completas e com grande falta de definições técnicas, muito embora a determinação
da Lei das Licitações é de que o Projeto Básico é:

conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado,


para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da
licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares,
que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambi-
ental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a
definição dos métodos e do prazo de execução (...) (BRASIL, 1993).

40
Essa condição decorre de uma soma de fatores: a incapacidade técnica da licitante,
o desconhecimento ou a pouca qualificação técnica dos integrantes da comissão de
licitação dentro do tema específico, o exíguo prazo do processo licitatório e, por fim,
a crença de que, no Projeto Executivo, o processo será completado, pela construtora,
quando da execução da obra ou do serviço.

Essa situação desvaloriza o trabalho do projetista, remetendo à ideia de que as


eventuais falhas de projeto serão resolvidas pela construtora, na execução do objeto.
Intensa atuação dos conselhos profissionais – CAU e Crea – tem sido feita para a
valorização do projeto e, consequentemente, dos seus profissionais.

É importante lembrar que o Projeto Executivo concomitante à obra não pode alterar a
intenção conceitual do Projeto Básico, o que, em última análise, poderia ferir o direito
autoral do projetista, podendo também trazer responsabilização ao gestor do contrato.
Lembra-se também de que o Projeto Executivo desenvolvido no momento da execução
da obra deve vir acompanhado de ART (sistema Confea/Crea) ou de RRT (CAU/BR).

O que se vê em muitos casos, no entanto, é a in-


devida busca de soluções técnicas de projeto, pelo
engenheiro ou arquiteto residente, no decorrer da
execução da obra, muitas vezes com a alteração da
solução dada no Projeto Básico, embora essa solu-
ção realmente não seja a mais adequada. A alter-
nativa de exigência, por parte da Administração, de
que a construtora intensifique a atuação no Projeto
Executivo, sendo pela manutenção de profissional de
projeto no canteiro de obras ou pela contratação de
profissionais ou empresas de projeto para o seu de-
senvolvimento, tem se mostrado insuficiente.

Ainda que tal exigência esteja refletida inclusive na planilha orçamentária, com
destaque de item específico para Projetos Executivos, com valor significativo, boa
parte das contratadas prefere seguir o método errado, com a solução apressada, por
meio das definições do profissional residente, ou o que é pior, do mestre de obras, no
momento da execução.

41
Para que se evitem situações como essas, algumas ações, já enfatizadas ao longo
deste curso, podem ser tomadas:

1. Correta escolha da modalidade e do tipo de licitação para as licitações de


contratação de projetos. Certamente, a modalidade pregão, do tipo menor
preço, não é a adequada.

2. Contínua qualificação dos servidores que atuam na área, integrantes das


comissões de licitação que contratarão serviços de projeto.

3. Inclusão, nos quadros de servidores, de profissionais com habilitação legal nas


áreas de arquitetura e engenharia.

4. Licitação para a execução das obras somente a partir de um Projeto Executivo,


alinhando-se às orientações dos conselhos profissionais.

Atualmente está em discussão no Congresso Nacional a alteração da Lei das Lici-


tações, com forte atuação dos conselhos profissionais de engenharia e arquitetura
para que a nova lei exija licitações amparadas somente em Projetos Executivos. Essa
condição, se confirmada, atenderia a um dos itens da lista acima. É necessário, no
entanto, mais do que isso. Deve-se tomar consciência, pela sociedade como um todo,
da importância dos profissionais de projeto para o avanço da construção civil e para
o desenvolvimento da nação.

4.4.2 A apresentação dos documentos de registro da obra: o projeto em as built, ou


“como construído”

Ao final deste tópico, o aluno será capaz de:

§§ Reconhecer a importância do registro da obra em projeto as built e o momento


certo de solicitá-lo;
§§ Reconhecer as diferenças existentes entre o Projeto Executivo e o projeto de
registro em as built.

Na execução de uma obra da construção civil, seja ela uma edificação, seja obra viária
ou obra de infraestrutura, é situação comum, quando da sua execução, a alteração
de partes do projeto ou a sua complementação. No primeiro caso, as razões mais

42
comuns são situações imprevistas que requeiram a troca da solução definida pelo
projetista. Como exemplo, pode-se citar a identificação de rocha no subsolo de uma
escavação para fundações, obrigando a troca do seu tipo.

Em outros casos, pode-se citar a alteração na legislação e nas normativas técnicas


que exijam a modificação de partes do projeto no momento da execução da obra. As
complementações ocorrem quando o Projeto Básico não traz nível de informações
suficientes para uma determinada instalação, por conta da sua tecnologia ou
do modelo de equipamentos que serão adotados na obra e definidos somente no
momento da compra.

É situação comum quando são definidos os modelos dos equipamentos de um


sistema de condicionamento de ar do tipo VRF18, de acordo com a marca escolhida
pela contratada, em que cada uma tem a sua especificidade. Nessas situações a
instaladora fornecerá o Projeto Executivo baseado na marca específica, com a sua
forma de arranjo, sua tecnologia e seus pré-requisitos.

Observe

Como se pode perceber, esses são casos especiais em que não há


como elaborar o Projeto Executivo previamente à obra, por uma
simples razão: o impedimento legal de especificação de marcas no
momento da licitação, para que o procedimento não resulte em res-
trição à competitividade no certame licitatório. Na esfera pública,
portanto, salvo se houver alterações nesse quesito legal, o Projeto
Executivo continuará sendo uma prática comum no decorrer da
obra.

18
Variable Refrigerant Flow, ou Fluxo de Refrigeração Variável: é um sistema de ar condicionado que tal qual dito no nome,
utiliza variação no fluxo do gás refrigerante no processo de climatização do ambiente condicionado. Esse sistema tem
maior eficiência e maior complexidade tecnológica se comparado com sistemas mais tradicionais.

43
Há de se ter em mente, no entanto, que o Projeto Execu-
tivo concomitante à obra é instrumento para avaliação
de alternativa específica e instrumento de tomada de de-
cisão quando da necessidade de esclarecimento de dú-
vida técnica. Por essa razão, a sua elaboração deve ser
feita com razoável antecedência ao prazo previsto para a
execução do seu objeto. Assim, essa iniciativa deve ser
feita em momento tal que permita a sua confortável fi-
nalização, o encaminhamento ao fiscal e a sua análise
e avaliação antes mesmo da programação do serviço de que trata o referido projeto.

O que se vê na prática, porém, é situação bem diferente. No ímpeto de executar os


serviços, muitas vezes a contratada idealiza a solução com algum registro em nível
de Projeto Executivo, entregando-o no final da obra na condição de “as built”19. Essa
prática, nociva ao andamento do processo, tem duas consequências não aceitáveis:
prescinde-se da boa elaboração – e em momento oportuno – do Projeto Executivo,
como instrumento da boa prática de construção, e define-o como “as built” em
momento extemporâneo, com os prejuízos daí advindos.

Importante
A possibilidade legal de elaboração de Projeto Executivo no
curso do contrato não deve ser utilizada como pretexto para ela-
boração aligeirada do Projeto Básico, como, infelizmente, tem
sido. Tal atitude dá azo a que, no lugar de Projetos Executivos –
idealmente, elaborados antes da execução –, sejam elaborados
projetos do tipo as built (como construído), ou seja, projetos que
visam a justificar impropriedades que, por falta de projetos pré-
vios, claros e precisos, se perpetraram na execução e se incorpo-
raram ao objeto realizado, sem planejamento, especificações e
custos adequados (PEREIRA JR., 2012, p. 168-169).

19
Expressão da língua inglesa que significa “como construído”. Forma final da apresentação de uma obra da construção
civil, tal como executado, através do registro em documentos técnicos.

44
O registro da execução da obra em nível de “as built”, ou projeto as built, como é
conhecido, tem a função de registrar a modificação sofrida pelo objeto construído
no momento da sua execução. Por essa razão, o registro deve ser feito tão logo a
modificação se efetive, por meio de levantamento fotográfico, croquis, esquemas
gráficos etc., sempre com o acompanhamento do executor (mestre de obras ou
instaladora) e sob a supervisão e a responsabilidade do profissional residente da
obra, engenheiro ou arquiteto.

Dada a sequência da obra, com um grande número de atividades por determinado


período de tempo, é temerário confiar na memória do executor para que se registre de
forma definitiva a alteração, posteriormente à sua execução, ainda que se arquivem
levantamentos fotográficos ou croquis e esquemas gráficos.

Por essa razão, o registro em “as built” deve ser feito ao longo de todo o período
da obra, para cada uma das atividades, desde a primeira movimentação de terra,
desde que haja, logicamente, alterações em relação ao que fora previsto no projeto. O
registro em “as built”, então, nada mais é do que um processo normal de geração de
documentação durante a obra, para o qual deve ser dada a mesma atenção que tem
o controle da documentação de projeto. Instrumentos para esse controle já foram
descritos no tópico 4.1.2 deste módulo.

Adotando-se tal prática, o profissional residente consegue ter o controle total das
alterações, em tempo real, sem depender da (falível) memória do mestre de obras, da
instaladora ou mesmo da sua, e chegará ao final da obra com a fiel documentação de
registro das alterações. Essa documentação, somada ao necessário Manual de Uso e
Operação, cuja apresentação é obrigatória pelo executor, conforme determina a ABNT
NBR 14037:2014 para o caso de edificações, garante a completa e confiável fonte de
consultas futuras para o usuário quando das necessárias manutenções ao longo da
vida útil da edificação.

45
Encerramento
Neste Módulo 4, o tema tratado – a obra e a sua execução – foi abordado com enfoque
na atuação do fiscal. Muito embora a construtora, como contratada, deva apresentar
uma série de garantias e comprovações de capacidade técnica no momento da
licitação que a contratou, a intensa e contínua atuação do fiscal é que garantirá a
correta execução do objeto contratado e o seu recebimento nas condições pactuadas.

Dessa forma, desempenhada por profissional habilitado integrante do quadro do


órgão, ou por fiscal não habilitado nas áreas específicas, com assessoramento, a
fiscalização será responsável pela qualidade final do objeto.

46

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