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GERAL E
JURÍDICA
Introdução
A história da filosofia medieval foi um período marcado pela ascensão da
religião católica e dos dogmas do cristianismo na Europa. Nesse contexto,
o ponto de partida da reflexão filosófica do período é dado pelas pala-
vras bíblicas. Em função disso, além da adoção de uma visão de mundo
fundada na fé, intensifica-se o debate acerca da relação entre a fé e a
razão. Tal período é geralmente distinguido em duas fases, a patrística
e a escolástica. O principal nome da fase patrística foi Santo Agostinho.
Já no período escolástico, o principal nome foi São Tomás de Aquino.
Neste capítulo, você vai estudar a história da filosofia medieval, um
período marcado pela ascensão da religião católica e dos dogmas do
cristianismo na Europa.
viva a chama do aristotelismo no oriente. Quanto a isso, entre outras coisas, atribui-
-se a São Tomás de Aquino, principal nome da escolástica, o mérito não apenas
por traduzir os escritos aristotélicos do grego antigo para o latim como, também,
por ter sido o grande responsável pela cristianização das ideias aristotélicas.
Tão significativo quanto a filosofia e a teologia desenvolvidas na época foi
o método de investigação empregado pelos escolásticos. Com relação a isso,
é possível dizer que eles se valiam, de um lado, do raciocínio dialético e, de
outro lado, de argumentos de autoridade. Isto é, dado um assunto qualquer,
eles formulavam a questão com base na ideia de tese e antítese, e valiam-se de
autoridades renomadas para fundamentar ambas. Assim, por exemplo, fulano
apresentava uma questão x para debate e alegava que o cânone A defendia tal
e tal posição; o seu opositor tentava refutá-lo com base em um cânone B. O
debate seguia até que se chegasse a novas conclusões sobre a questão debatida.
Santo Agostinho
Agostinho de Hipona (354 d.C.–430 d.C.), mais conhecido pela alcunha de Santo
Agostinho (Figura 1), nascido em Tagate, uma província romana na África, é
considerado o filósofo mais relevante da patrística. O valor das suas ideias é
inestimável não apenas para a teologia cristã, como também para a filosofia
ocidental como um todo. As suas obras mais importantes são Confissões e
Cidade de Deus, cujas ideias seguem sendo estudadas até hoje.
6 Filosofia do Direito na Idade Média e escolástica
Está escrito: o justo vive da fé, porque, como ainda não vemos nosso bem,
é preciso que o busquemos pela fé. O próprio bem-viver não o obtemos com
nossas próprias forças, se quem nos deu a fé, que nos leva a crer em nossa
debilidade, não nos auxilia a crer em nossa debilidade, não nos auxilia a
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Assim, diferentemente dos antigos, que entendiam que a justiça estava nas
ações e a felicidade consistia em uma atividade racional conforme a virtude,
para Agostinho, a questão passa por Deus e pela fé. Nesse contexto, há um
completo esvaziamento da noção de virtude moral advinda da razão. Na prá-
tica, o critério para o estabelecimento do que é justo deixa de se fundamentar
na razão e passa a estar nas revelações garantidas pela fé, que, por sua vez,
são geridas e controladas pela Igreja, ao passo que o Estado é visto como
um mero instrumento de realização da lei divina. Além disso, das próprias
características divinas surge a ideia de que a lei emanada de Deus é imutável.
Quanto a isso, Agostinho escreve:
Nesse caso, torna-se possível compreender a ideia de que todas as leis que
não estão em conformidade com as escrituras sagradas são fruto da imperfei-
ção humana, que, no limite, remonta ao pecado original que tirou o homem
do reino dos céus. E mais: há uma clara distinção entre lei dos homens (lex
temporalem) e lei divina (lex aeterna).
Perceba que, quanto a isso, embora haja alguma similaridade com a distinção
grega entre justo natural e justo legal, enquanto a distinção grega nos leva a
crer que a justiça está na ação realizada no mundo, a distinção agostiniana
coloca a justiça em um plano transcendental além do alcance da ação racio-
nal. A propósito da noção de Direito natural agostiniana, Alysson Mascaro,
afirma que “o Direito natural — se é que assim se pode chamá-lo na visão
agostiniana — é um rol de regras inflexíveis, não naturais no sentido de que
não se veem na natureza nem na sociedade, mas que são oriundas do desígnio
divino” (MASCARO, 2016, p. 100).
Ora, mas se isso é assim, dado que não dispomos das leis divinas para
organizar a sociedade, tampouco podemos viver em sociedade sem leis, surge
a necessidade de que leis humanas sejam instituídas. Além do mais, para que
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tais leis possam ser efetivamente chamadas de Direito, devem estar de algum
modo subordinadas à lei eterna. Quanto a isso, nas palavras de Eduardo Bittar:
Assim, embora essa linha de argumentação não abra espaço para que as
leis humanas possam vir a ser efetivamente justas, ela nos induz a crer que,
quanto mais próximas da justiça divina e das revelações da fé, melhores
elas serão. Em última análise, o fundamento de validade do Direito Positivo
repousaria na lei eterna.
Embora a posição agostiniana esteja sujeita a inúmeras críticas, perceba
que isso não significa que é incompreensível ou deselegante. Aliás, justo em
função da sua coerência e capacidade explicativa ela constituiu as bases daquilo
que podemos chamar de filosofia cristã. Tais bases se tornaram um dogma
absoluto que reinou sem maiores problemas até a redescoberta da Europa
ocidental dos textos aristotélicos, via mundo árabe-judaico, depois do séc. VIII.
Embasados nos textos aristotélicos, os árabes foram capazes de desenvolver
uma filosofia muito mais racional e sofisticada. Isso constituiu um grande
problema para a tradição católica da época, pois, incapazes de compatibilizar
os seus dogmas com as bases do aristotelismo, restou-lhes um infrutífero,
ingrato e insustentável esforço de persegui-lo e condená-lo ao descrédito. Até
que tudo mudou quando São Tomás de Aquino surgiu na história.
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Leituras recomendadas
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