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O Direito romano pode ser visto, sob esse aspecto, como a expressão
prática de uma racionalidade par excellence, desenvolvida pela
própria atuação concreta e histórica das classes políticas de Roma e
que, após longo período de maturação, consolidou um conjunto de
institutos jurídicos rigorosamente testados e pensados, constituintes
de um modelo de vida pública radicado na ordem civil, ou melhor, na
noção clássica de que a cidade é uma república, composta por
práticas e instituições deliberativas dotadas de legitimidade e
con ança. A conjuntura das instituições passou a ser tomada, durante
o período republicano e notoriamente mais tarde, com o Império e
especialmente no tempo de Iustiniano, como sua matriz teórica e
prática mais sólida, se comparada com outras fontes jurídicas dos
povos bárbaros. O caráter perene das instituições jurídicas atravessou
os tempos, adaptou-se às diferentes civilizações e, relativamente às
tradições religiosas adaptou-se aos postulados teológicos próprios
das sociedades absorvidas ao território romano. No que diz respeito
ao cristianismo, o legado jurídico dos romanos foi incorporado e
alocado à rigidez dos cânones teológicos, constituindo com eles as
bases do direito da Igreja e dos povos convertidos.
Diz Santo Ambrósio que “a lei moral natural não se escreve, senão que
nasce conosco, e não chegamos à ela pelo estudo, senão que a
conhecemos pelo fato de que tal lei procede do interior da natureza
mesma e se torna pública para todos”.14 Com tal proposição,
Ambrósio deixa claro que a lei é encontrada dentro do ser humano,
mais propriamente no interior de sua natureza racional.
O que é, portanto, a Lei para São Paulo? Diz o Apóstolo que “a Lei é
santa, e santo, justo e bom é o preceito”.25 Ora, a resposta nos aponta
três direções: primeiro, de que a lei é santa; segundo, de que a partir
dela temos um preceito; e, por m, que este preceito é, porque a lei é
santa, santo, justo e bom.
“nos vos deixeis enganar por doutrinas heterodoxas nem por velhas
fábulas que são inúteis. Com efeito, se ainda vivemos segundo a lei,
admitimos que não recebemos a graça. De fato, os diviníssimos
profetas viveram segundo Jesus Cristo. Por essa razão foram
perseguidos, pois eram inspirados pela graça dele, a m de que os
incrédulos cassem plenamente convencidos de que existe um só
Deus, que se manifestou por meio de Jesus Cristo seu Filho, que é seu
Verbo saído do silêncio, e que em todas as coisas se tornou agradável
àquele que o tinha enviado”.29
6. Conclusão
Ainda assim, uma sólida teologia moral emerge para lançar luzes
sobre o que vira a ser, séculos mais tarde, as concepções de lei
natural e eterna que se desenvolverão nas obras de autores
escolásticos como Alberto Magno e Tomás de Aquino e juristas
canonistas como Bartolo e Graciano, quando então os institutos do
direito e as concepções de lei e justiça serão rigorosamente mais
consistentes e terão maior autonomia frente aos cânones da ciência
teológica.
Notas
1
Soteriologia é a parte da teologia católica que se propõe a investigar
a doutrina da salvação, tópico genuinamente presente na tradição
cristã.
2
Na tradição cristã, os chamados “livros inspirados” pelo Espírito
Santo formam o Novo Testamento. Sobre os textos inspirados
escritos por São Paulo, por exemplo, diz CLEMENTE que “são
verdadeiramente sagrados os textos que santi cam e divinizam; são
suas letras e suas sílabas santas que compõem os escritos, as obras
que o mesmo Apóstolo ... chama de inspiradas, porque elas servem
para a aprendizagem, para a persuasão, para a correção, para a
formação na justiça, a m de que o homem de Deus seja perfeito e
preso a toda a obra boa”. CLEMENTE DE ALEXANDRIA. Exortação aos
gregos, p. 161.
3
Sobre as previsões proféticas sobre o Messias no Antigo
Testamento, cânones constituintes da escatologia judaica, ver
CORNELY S.I. Introductions in S. Scripturae Libros; HADRIANO SIMON
C.SS.R. Praelectiones biblicae ad usum scholarum; MAURITIO DE LA
TAILLE S.I. Mysterium dei – De augustisimo corporis et sangguinis
Christi sacri cio atque sacramento; Bíblia: La sagrada escritura.
Nuovo Testamento – Evangelios. Texto e comentário por professores
da Companhia de Jesus.
4
Corpus Apologetarum saeculi secundi. Ver também MIGNE:
Patrologia latina 1 e ss.
5
YOUNG AYRES; LOUTH (eds.). The Cambridge history of early
christian literature.
7
Nesse sentido, ver ATANÁSIO DE ALEXANDRIA. Apologia ao
imperador Constâncio, p. 206 e ss.
8
IRINEU DE LYON. Adversus Haereses libri quinque, p. 7.
10
ULPIANO. Digesto 1, §3º (1.1).
12
ISIDORO DE SEVILHA. Etymologiarum sive Originum libri XX. “Quid
sit ius naturale. Ius autem naturale est, aut civile, aut gentium. Ius
naturale est commune omnium nationum, et quod ubique instinctu
naturae, non constitutione aliqua habetur; ut viri et feminae coniunctio,
liberorum successio et educatio, communis omnium possessio, et
omnium uma libertas, adquisitio eorum quae caelo, terra, marique
capiuntur. Item depositae rei vel commendatae pecuniae restitutio,
violentiae per vim repulsio. Nam hoc, aut si quid huic símile est,
numquam iniustum [est], sed naturale aequumque habetur. Quid sit
ius civile. Ius civile est quod quisque populus vel civitas sibi proprium
humana divinaque causa constituit. Quid sit ius gentium. Ius gentium
est sedium occupatio, aedi catio, munitio, bella, captivitates,
servitutes, postliminia, foedera pacis, indutiae, legatorum non
violadorum religio, conubia inter alienígenas prohibita. Et inde ius
gentium, quia eo iure omnes fere gentes utuntur”.
13
DAMASCENUS, Iohannes. De de orthodoxa: 1, 4, cap. 22.
BASILIUM. In Hexaemeron: homilia 7.
14
AMBROSIUS. Epistolae 41. “Ea lex (naturalis) non scribitur, sed
innascitur, noc aliqua percipitur lectione, sed pro uo quodam naturae
fonte in singulis exprimitur”.
16
No Evangelho de São João, se lê as palavras de Jesus: “Dou-vos um
mandamento novo: que vos ameis uns aos outros; como Eu vos amei,
amai-vos também uns aos outros”. Também se lê no Evangelho de
São Mateus 22, 37-40: “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu
coração, de toda a tua alma e de todo o teu espírito. Esse é o maior e
o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: amarás o
teu próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos dependem
toda a Lei e os Profetas”.
17
Embora posterior ao período dos padres primitivos, interessante
notar o que diz Bernardo de Claraval sobre os graus do amor em seu
De Diligendo Deo: “muito embora sejamos carnais e nasçamos da
concupiscência da carne, é inevitável que a cobiça ou o nosso amor
comece pela carne, que, se for dirigida para uma boa ordem e se,
guiada pela graça, progredir nos graus que lhe dizem respeito, será
nalmente aperfeiçoada pelo espírito, porque primeiro não foi feito o
que é espiritual, mas o que é animal, e o que é espiritual vem depois
(1Co 15, 46). Por isso, é inevitável que carreguemos primeiro a
aparência terrestre e depois a celestial. Em primeiro lugar, então, o
homem ama si mesmo por causa de si mesmo; sendo que é carne,
não há nada que mereça ser conhecido além de si mesmo. Quando
dá-se conta que não pode subsistir por si só, começa a procurar pela
fé a amar a Deus coimo necessário para si. Ama a Deus, portanto, em
um segundo grau, mas por si e não por Ele. Mas, quando pela própria
necessidade, se apresentar a ocasião de cultuá-lo e honrá-lo em
pessoa, pensando, lendo, rezando e obedecendo, haverá paulatina e
gradativamente certa familiaridade com Deus, que torna-se mais
conhecido e, por conseguinte, mais doce; assim o homem,
saboreando quão suave é o Senhor, passa para o terceiro grau,
quando ama a Deus não mais por causa de si, mas por Ele mesmo.
Deveras, nesse grau permanece-se por longo tempo: eu não sei se,
nessa vida, o quarto grau consiga ser abraçado perfeitamente por
alguém entre os homens, ou seja, se o homem consiga amar a Deus
somente por Ele mesmo. Asseverem isso, se houver, aqueles que o
experimentaram: a mim, confesso, parece impossível. Ao contrário,
isso sem dúvida acontecerá quando o servo bom e el for introduzido
na alegria do seu Senhor (Mt 25, 21), e for inebriado pela abundância
da casa de Deus (Sl 35, 9). Como por um milagre, em algum modo
olvidado de si e desprendido profundamente de si mesmo, dirigir-se-á
todo para Deus: em seguida, tornando-se intimamente unido a Ele,
formará com Ele um só espírito (1 Co 6, 17). Creio que o Profeta
percebesse isso quando dizia: ‘Entrarei nos poderes do Senhor; ó
Senhor, recordarei somente a tua justiça (Sl 70, 16). Certamente, ele
sabia que, uma vez que entrasse nas potências espirituais do Senhor,
ter-se-ia despido de todas as enfermidades da carne, de tal forma que
nada mais tivesse que pensar em relação a ela, mas, todo no espírito,
se lembrasse somente da justiça do Senhor”. BERNARDO DE
CLARAVAL. De Diligendo Deo (Deus há de ser amado), pp. 57-58.
19
Bíblia de Jerusalém. Carta de São Paulo aos Gálatas, cap. III, vv. 19-
22.
20
Bíblia de Jerusalém. Carta de São Paulo aos Gálatas, cap. III, vv. 23-
24.
21
CLEMENTE DE ALEXANDRIA. Exortação aos gregos, p. 173.
23
Bíblia de Jerusalém. Carta de São Paulo aos Gálatas, cap. XIII, vv.
10.
24
Bíblia de Jerusalém. Carta de São Paulo aos Romanos, cap. III, vv.
31.
25
Bíblia de Jerusalém. Carta de São Paulo aos Romanos, cap. VII, vv.
12.
27
Um exemplo característico dessa concepção de verdade como
aquilo que é mostrado pelo Criador é comum no período analisado e
jaz implícita no estilo narrativo dos primeiros padres da Igreja.
Exemplo disso pode ser visto em um dos raros relatos de São Papias
legados pela tradição antiga. Papias de Hierápolis foi discípulo direto
do apóstolo João. Diz ele que “quando também a criação, renovada e
liberta, fruti car profusamente todo tipo de comida, graças ao orvalho
do céu e à fertilidade da terra, do modo como recordam os anciãos
que viram João, discípulo do Senhor, ouvindo-o da maneira como o
Senhor ensinava a respeito desses tempos (...). Essas coisas
merecem fé para os que acreditam”. PAPIAS DE HIERÁPOLIS.
Explicação de sentenças do Senhor, p. 327.
29
IGNÁCIO DE ANTIOQUIA. Carta aos Magnésios, p. 93.
30
POLICARPO DE ESMIRNA. Carta aos Filipenses, p. 144.
32
JUSTINO DE ROMA. Diálogo com Trifão, pp. 127-128.
33 Idem, p. 142.
34
ISIDORO DE SEVILHA. Los Tres libros de las sentencias
(Sententiarum libri tres): libro I, c. 18, vv. 10-12, p. 39.
35
AGOSTINHO (Bispo de Hipona). De spiritu et littera: cap. II, nº 4.
36 Ibidem.
37
Bíblia de Jerusalém. 2ª Carta de São Paulo aos Coríntios, cap. III,
vv. 6.
38
Diz São Paulo que “a Lei do Espírito da vida em Cristo Jesus te
libertou da lei do pecado e da morte. De fato – coisa impossível à Lei,
porque enfraquecida pela carne- Deus, enviando o seu próprio Filho
em carne semelhante à do pecado e em vista do pecado, condenou o
pecado na carne, a m de que o preceito da Lei se cumprisse em nós
que não vivemos segundo a carne, mas segundo o espírito”. Bíblia de
Jerusalém. Carta de São Paulo aos Romanos, cap. VIII, vv. 1-4.
Referências
Citação