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Lei e direito no período dos primeiros padres


da Igreja: concepções jurídicas na patrística

Tomo Teoria Geral e Filoso a do Direito, Edição 1, Junho


de 2017

A patrística corresponde ao período compreendido entre os primeiros


séculos da religião cristã. Abarca uma longa geração de teólogos e
lósofos, os chamados Padres da Igreja, cuja produção intelectual
legou ao mundo ocidental um vastíssimo arcabouço documental e
doutrinário. O alicerce dessa produção orbitava em torno às verdades
da fé católica e sua defesa contra os ataques movidos por
comunidades sectárias e losó cas pagãs e gnósticas. Em meio a
isso, os institutos do direito e as concepções de lei e justiça foram
amplamente aperfeiçoados por pensadores e intelectuais
pertencentes ao corpo institucional da Igreja católica primitiva, não
sem o valiosíssimo apreço pela herança grega, romana e hebraica. A
recepção da loso a grega e estoica, do direito romano e de suas
instituições, bem como da concepção de lei contida na tradição de
Israel foram fundamentais para o desenvolvimento das concepções
jurídicas durante a era dos Padres da Igreja.

1. A Teologia patrística e suas conexões com o Direito

No interior do legado teológico formulado ao longo dos primeiros


séculos do cristianismo pelos Padres da Igreja, diversos temas
conectados aos dilemas teológicos apareciam em meio a
investigações crescentemente profícuas, ampliando e re nando o
próprio cabedal doutrinário em construção. A prática dos exercícios
contemplativos, comum nos primeiros tempos do cristianismo, não
ofertou qualquer empecilho à produção doutrinária. Pelo contrário.
Forneceu-lhe subsídios para a consagração de formas ascéticas e
intelectuais de vida, provocando a expansão dos escritos do período
para além das fronteiras da teologia. Essa nova produção em campos
não originalmente estranhos- já implícitos na tradição anterior, a
saber, na herança judaica- tornou a teologia cristã um acervo de
notável profundidade losó ca, mediante a delidade ao princípio
metodológico de que a teologia constitui o ponto de partida para a
investigação de qualquer outro campo do conhecimento, como o
direito, a estética e a moral. A perquisição nesses âmbitos não só
resultou na crescente divisão dos saberes dentro da própria teologia
– tornando-a mais cientí ca –, como também ampliou o objeto
material da ciência teológica para novos horizontes re exivos, o que
propiciou um número cada vez maior de ferramentas metodológicas
para a defesa do patrimônio apostólico. 

Dentro disso, o postulado central da teologia patrística, a saber, o de


que Deus constitui o m último ao qual tendem as criaturas racionais
e que n´Ele residem os meios de felicidade terrena e salvação eterna,
lançou sobre os campos pertencentes ao objeto de estudo dos
teólogos do período um in exível princípio ontológico. A partir de
então, as temáticas da verdade, do bem, da beleza, da retidão dos
atos humanos e do conhecimento dos conceitos transcendentais
tomou o postulado em questão para então perscrutar o amplo espaço
dos conceitos e de nições em cada uma das ciências nascidas como
dependentes das temáticas aludidas. Da verdade, nasce a loso a.
Do bem, a moral. Da beleza da criação, a estética. Da retidão dos atos
humanos, a moral e o direito. Do conhecimento dos conceitos
transcendentais, a lógica, a física e a metafísica. Em suma, os
campos do saber sofrem ininterrupto aprofundamento na medida em
que a teologia se expande para além de si mesma. 

Nesse sentido, as relações entre a teologia e o direito durante o


período em questão são razoavelmente intensas, embora estejam
mais afeiçoadas às requisições doutrinárias da teologia do que às da
ciência jurídica propriamente, mesmo diante do fato de que a tradição
e o conhecimento de certas instituições do direito romano estivessem
entre os padres da Igreja de algum modo, sobretudo entre os da
assim chamada patrística latina.   

As concepções de lei e direito que se assentaram na tradição clássica


não podem ser analisadas sem um olhar profundo sobre as bases da
civilização ocidental. De fato, é notório que a tradição cristã
incorporou em sua teologia moral muitos dos ensinamentos
presentes nas culturas grega, romana e hebraica. Atenas, Roma e
Jerusalém constituem as bases sob as quais o cristianismo emergiu,
não só como religião universal senão como civilização. De Atenas,
herdou a loso a e as virtudes políticas. De Roma, o direito romano e
as instituições sociais. De Jerusalém, a antiga aliança.

A loso a grega, o direito romano e a tradição judaica fornecem os


pilares para a edi cação da civilização católica. Da primeira,
perscrutam-se as noções de verdade alcançadas pela razão natural.
Da segunda, as instituições que moldaram a vida civil, como também
as bases jurídicas sob as quais a sociedade erigiu-se. Por m, dos
antigos patriarcas recebeu-se o patrimônio da fé e as primícias da
revelação.  

O coração da fé cristã, a saber, a convicção de que Jesus Cristo é


Deus encarnado e que veio ao mundo para propiciar a salvação a
todos os seres humanos pavimentou o caminho para que os
Apóstolos sedimentassem o caminho soteriológico,1 legando ao
mundo os primeiros escritos considerados inspirados.2  Nos livros do
Novo Testamento constatamos que um tipo particularíssimo de lei, a
lei da graça, emerge como condição para que o Reino de Deus
estenda-se para todos, judeus e gentios, ampliando progressivamente
o alcance da lei eterna na história da sociedade humana. O
conhecimento natural da lei de Deus, como aduz São Paulo na Carta
aos Romanos estabelece uma nova condição de relacionamento
pessoal dos homens com Deus por intermédio da ação direta de
Cristo e do Espírito Santo. Uma única e mesma lei infundindo sobre as
inteligências o conhecimento da autêntica estrada da graça, em vista
da salvação. Esse é o padrão gnosiológico sobre o qual os primeiros
cristãos fundaram as primeiras comunidades cristãs e, assim, as
Igrejas primitivas. 

A recepção da tradição judaica, da loso a grega e estoica e do


direito romano forneceu aos pais da Igreja os primeiros ingredientes
para a formulação de uma teologia robusta e organizada
racionalmente, uni cada em certos pilares fundamentais e exposta
sinteticamente no Credo, symbolum da fé católica. A Patrística é o
nome atribuído ao conjunto da produção teológica e losó ca dos
primeiros séculos do cristianismo. Os padres da Igreja, sacerdotes e
lideranças espirituais das primeiras comunidades cristãs elaboraram
documentos, dentre os quais cartas, relatos, diálogos e obras que, no
todo, formam o primeiro arcabouço da tradição escrita da Igreja.  

No período posterior aos apóstolos, as comunidades cristãs


cresceram vertiginosamente, mesmo ante terríveis perseguições.
Incontáveis relatos de conversão são comuns nesse contexto. Em
meio a isso, forças culturais contrárias ofereceram resistência,
elaborando ataques tanto no campo intelectual como nos círculos
políticos. Em reação, surge um novo estilo de defesa mais robusta da
fé: a apologia. A pluralidade de escritos apologéticos durante os
primeiros séculos da era cristã é notável. Os apologetas de então
eram, em grande medida, ex-participantes de escolas losó cas,
motivo pelo qual elaboraram meios so sticados de argumentação,
retórica e dialeticamente capazes de sustentar a veracidade da
tradição recebida frente aos ataques gnósticos típicos do período. 

A diversidade de culturas presente no Império Romano parecia


contrastar com a emergência de uma religião inteiramente
monoteísta, descendente do judaísmo e exclusivamente radicada na
convicção de que uma pessoa de carne e osso reunia em si duas
naturezas, a humana e a divina, e desempenhara papel absoluto como
norma irrepetível da história e pedra angular na salvação de todos os
seres humanos. Uma nova escatologia, amplamente embasada nos
livros proféticos do antigo testamento,3 agora se manifestara a um
povo, o novo povo de Deus, tendo como centro a pessoa de Cristo,
razão de ser de sua fé e de suas formas de vida. 

Apologetas como Cuadrato e Aristídes, São Justino e seu discípulo


Taciano, Atenagoras, Teó lo, Hermias, Apolinário, dentre
outros,4 formam o corpus apologetarum, o organon doutrinário dos
primeiros séculos da tradição cristã, que reúne cartas, documentos,
obras e diálogos escritos pelos autores dos primeiros séculos,
pavimentando o primeiro degrau da literatura cristã na história
ocidental. É possível a rmar que o corpus é não só uma extensão das
Sagradas Escrituras, senão que oferece às gerações posteriores
inúmeras interpretações autênticas de passagens do novo
testamento.5 É um arcabouço de exegese altamente signi cativo para
a expansão e o desenvolvimento ulterior do patrimônio cristão.
Simbolizam, portanto, o “primeiro contato de exposição mais
ordenada das doutrinas católicas”.6  

Três são os objetivos da literatura apologética em geral: o primeiro e


mais evidente, consiste em defender a fé cristã contra as acusações
gnósticas ou tentativas de conciliação entre o cristianismo e outras
fontes pagas e religiosas, ao que os apologistas chamavam escritos
heréticos; em segundo lugar, dirigir, com fortes bases dialéticas,
cartas aos imperadores, tendo em vista convertê-los ou, ao menos,
mostrar a verdadeira face do cristianismo,7 em oposição ao que se
propagava entre os intelectuais aderentes às Cortes reais e imperiais
do momento. Por m, expor as injustiças cometidas contra os
cristãos, perseguições e injúrias, assim como calúnias e difamações.
As modalidades de ofensa eram diversi cadas. Por isso, boa parte do
material apologético dos primeiros séculos visava contrapor as
ilações que embasavam as ações injustas, desvelando o sentido
civilizatório da caridade cristã em meio às injúrias e injustiças
cometidas. 

A ampliação exponencial das conversões foi sopesada pelo


crescimento vertiginoso de escolas pagãs. Escolas neopitagóricas
como a de Filóstrato, que erigiu a Apolonio de Tiana como um
semideus, e neoplatônicas, como a de Porfírio, Plotino e Jâmblico,
dentre outras, centravam suas investiduras no ideal de sabedoria, na
unidade entre práticas ascéticas, resgate de mitos e deuses antigos,
bem como exercícios contemplativos e espirituais. Algumas dessas
escolas tinham, inclusive, o tento de reintroduzir o cristianismo dentro
de seus escopos esotéricos. 

A prática do gnosticismo entre os séculos I e IV foi intensa. Partia de


uma combinação entre exercícios espirituais e ascéticos de origem
oriental e pitagórica com a realização de culto à deuses variados,
tendo em vista a harmonia existencial e a busca por contemplação.
As três descendências mais notáveis da gnosis, a saber, religiões
orientais, platonismo e pitagorismo constituíam, cada qual ao seu
modo, as bases losó cas do gnosticismo como cultura. 

Frente a isso, a Igreja primitiva desenvolve, além da apologética, outro


tipo de literatura voltada para a conservação dos postulados da fé
cristã: as polêmicas. Os primeiros polemistas são contemporâneos
aos apologistas, embora com eles guardem distância de estilo, como
é o caso de Milcíades, Melito de Sardes e Teó lo de Antioquía. Ainda
assim, os mais destacados polemistas são Irineu de Lion, Hipólito e
Tertuliano.  

Irineu, por exemplo, em seu Adversus Haereses8 expõe as


comunidades contemplativas de seu tempo (às quais designa como
seitas) e suas respectivas doutrinas heréticas, comparando e
demonstrando a superioridade racional da fé católica sobre as
construções gnósticas. Sua importância para a formulação posterior
dos cânones e das normas canônicas é indubitável. O mesmo se
pode dizer de Tertuliano, embora suas posições contenham pontos
amplamente discutíveis com resguardo à tradição. Mesmo assim,
suas obras deixaram um legado preciosíssimo para a formação do
patrimônio da fé católica, tanto do ponto de vista teológico como
losó co. 

Em suma, o Canon da Sagrada Escritura, ou seja, o conjunto dos livros


inspirados, bem como a herança dos primeiros escritos formam os
primeiros documentos da patrística. Os primeiros padres, cada um ao
seu modo, legaram ao futuro da Igreja uma sólida base ancorada nos
ensinamentos dos Apóstolos e resistente aos ataques externos
propiciados pelos adversários religiosos, culturais e políticos. 

Duas patrísticas se formaram pouco a pouco: a patrística grega, mais


aberta ao substrato oferecido pela loso a grega e oriental; e a
patrística latina, cujo maior suporte era o próprio texto inspirado. Os
chamados Padres gregos formularam um estilo teológico muito
próximo ao legado da loso a grega, sobretudo aliando as noções
metafísicas e gnosiológicas da loso a de Platão com as verdades
reveladas no novo testamento. Um estilo, por assim dizer, mais
re exivo e aberto ao casamento entre a revelação e a contemplação.
Os Padres latinos, por outro lado, partiam do Canon inspirado para
empreender uma exegese quase literal, ancorada nos relatos e
construída a partir da literalidade do texto. Dois estilos que, embora
distintos pela forma de composição, conservam a unidade de fé e de
exegese sobre os cânones teológicos até então incorporados ao
patrimônio cultural do cristianismo. 

Com a conversão do Imperador Constantino e a assunção do


cristianismo ao patamar de religião o cial do Império em 325, um
novo horizonte se abriu para a Igreja histórica. O envolvimento com o
poder político, em ato de cooperação e conservação da jurisdição da
Igreja e do Poder político sobre os âmbitos espiritual e temporal,
relativamente à ingerência devida de cada instituição sobre cada qual
desses âmbitos, tornaram a Igreja de Roma cada vez mais presente
na formação civilizatória da Europa. O m do Império Romano cedeu
passo ao crescimento e expansão da Igreja para fora das fronteiras
originárias, atingindo os con ns da terra, modulando novas formas de
interação social e fornecendo novos fundamentos para as instituições
sociais emergentes no mundo bárbaro e oriental.

2. Contributos históricos e losó cos para a de nição de Lei

Muitas são as contribuições da loso a clássica para a de nição de


lei. Autores como Platão, Cícero e Aristóteles são fundamentais para
tal formulação, apresentando modos diversos de de nir a lei e a
justiça. As noções platônica e aristotélica da virtude da justiça e o
signi cado de nomos são indiscutivelmente relevantes para o
aprimoramento desses postulados em período posterior. 

No mundo latino, a relevância de Cícero para a compreensão da lei e


da justiça também é indubitável. E isso por dois motivos: primeiro, por
sua cosmologia; segundo, por sua compreensão da lei e da justiça,
postulados encerrados dentro do que entende por cosmos. 

Para o autor, o cosmos é uma totalidade com suas próprias leis,


articulado em níveis coordenados, como a natureza, a humanidade e
o plano divino. Um mundo assim concebido, como uma grande
comunidade ampliada, não poderia ser bem entendido sem de nições
que lhe fossem predicadas. Com base nisso, a concepção de lei é
universal para todos os seres racionais, imperiosa para todos os atos
humanos independentemente da sociedade política. A lei é
determinante para todos e prescreve deveres e obrigações para toda a
espécie humana. Como salienta MacIntyre, “justiça e injustiça devem
ser de nidas em termos de obediência e desobediência a essa lei
suprema que vigorou durante todos os séculos antes que qualquer lei
escrita ou cidade existisse”.9

Essa posição está presente no De Legibus I, 6, 19, obra em que Cicero


justi ca esse postulado universal da lei natural. Para o autor, a reta
razão é o coração da lei, um traço distintivo de todos os deuses e
seres humanos. Na perspectiva estoica como um todo, e na do autor
romano em particular, a extensão da lei para além dos limites da
comunidade política oferece sólidos fundamentos para uma
compreensão de lei e justiça que não se reduz às fronteiras políticas
da cidade. O domínio político é estendido aos limites da humanidade
indistintamente considerada, o que permite inferir, da doutrina estoica
do cosmos, a tese inexorável de que o mundo é uma grande
comunidade humana, e que a relação entre cidadãos e estrangeiros
não se reduz ao ius gentium, senão ao compartilhamento de uma e
mesma lei para todos. 

Esse caráter universalista da lei natural contrasta com a concepção


grega de justiça. Embora se extraiam das obras de Platão e
Aristóteles considerações sobre o justo que se ampliam para além
dos territórios políticos das cidades helênicas e mesmo
interpretações universalistas decorrentes das obras de Homero e
Hesíodo, bem como dos poetas trágicos e posteriores, o fato é que as
noções de nomos e logos são atributos do animal racional, do tipo de
ser vivente que encarna um modo de vida determinado, realizado
apenas e tão somente na pólis. A diké e a razão prática correspondem
ao ser político, ao tipo humano cuja existência é medida pela
participação na comunidade e por sua autocompreensão histórica. 

Em Aristóteles, por exemplo, a justiça é tomada como o tipo de


relação em que alguém dá a outrem o que é devido, relação essa
sucedida entre dois ou mais membros de uma comunidade política.
Há, assim, uma noção de justiça que embora possa ser tomada como
universal, é atribuída aos cidadãos da cidade. 

Ainda que em Aristóteles e mesmo na obra de Platão se possa


veri car uma noção mais bem acabada de justiça e amizade se os
compararmos com o desenvolvimento desses conceitos em Cicero e
nos demais escritores estoicos, sobretudo quando tencionamos a
concepção geral de justiça e racionalidade prática com seu âmbito de
aplicação prática e realização institucional, o fato é que os últimos
não reduzem o escopo fundamental do direito e das relações
humanas ao homem romano, tendência amplamente presente dentre
os pensadores gregos. Estendem, mutatis mutandis, as ilações do
justo e do devido ao cosmo inteiro, tomando a totalidade do universo
como uma ordem sem fronteiras internas, articulada em relações e
atribuições regidas por leis e harmonicamente presentes em graus
hierárquicos distintos, como a natureza e a sociedade. 

Em ambas as civilizações, mesmo frente as diferenças salientadas,


notamos um apreço pela lei suprema. A lei natural é tomada como
imprescindível nos dois contextos, no geral e no particular, em
conexão imediata com o modo racional de vida e a prática dos atos
de justiça. 

Na história de Israel, a cosmovisão de um Deus criador que dá a lei ao


povo escolhido já era um componente fortemente presente não só
para o povo eleito, senão também para os povos adversários de sua
civilização. Há inúmeras passagens na Torá de onde se podem extrair
noções universais de justiça e lei, noções tais compartilhadas pelas
tribos decorrentes de Jacó e que, ao longo da história da antiga
aliança, acompanharam o trânsito de Israel entre o exílio e a
permanência na terra prometida. A força da lei para o povo hebreu
não se estendia apenas aos seus membros. A destinação da lei
mosaica era universal, e seu signi cado compartilhado por todos os
seres humanos. A lei judaica não restringia seu espectro de
efetividade tão somente à comunidade dos eleitos, embora a eles se
tornasse mais explícita. Pelo contrário. A lei era tomada como
universal, como um conjunto de determinações que formavam a lei
divina, entendida como a vontade e a ordem do Criador do universo
para a humanidade. A generalidade da lei não era contrastada pela
singularidade da civilização hebraica, pois a e cácia da lei era
estendida, o quanto possível, para as relações entre Israel e os povos
vizinhos, ainda que alguns preceitos cerimoniais dos livros do
pentateuco sejam dirigidos apenas à comunidade judaica. De
qualquer modo, a lei era – e ainda é, para o povo de Israel - norma
geral para todas as gentes, para todas as civilizações. Tanto assim
que a recepção da lei mosaica pela tradição cristã é matéria de
canon. 

Portanto, é perceptível que a loso a grega, a doutrina estoica e a


noção hebraica de lei constituem heranças importantes para a
formulação dos princípios do direito na obra dos Padres da Igreja,
sobretudo no que diz respeito a tese de que a lei tem pretensão de
universalidade e que seus preceitos são dirigidos a todos os seres
humanos indistintamente.

3. Relevância do direito romano para a tradição patrística

Outra fonte importantíssima para as noções de lei e direito na obra


dos Padres da Igreja é a iurisprudentia, a ciência jurídica e as
instituições concebidas na formação do direito romano. A
contribuição romanista para o patrimônio da teologia cristã está
assentada no fato de que o desenvolvimento das instituições do
direito ofereceu à civilização uma notável arquitetura social e política,
construída sob a guarda dos princípios da razão natural e oriunda das
exigências próprias da realidade republicana para, mediante a
atuação dos jurisconsultos e pretores, formar o conjunto das
de nições e dos institutos da ordem social. 

Durante um longo período que se estende desde as primícias do


período republicano em Roma até a alta idade média, o direito romano
privado constituiu, sob a ótica dos juristas romanos, a autêntica ratio
scripta da ciência jurídica como tal, o miolo do direito enquanto
campo cientí co próprio dos atos humanos. O ius gentium, de valor
histórico inestimável, teve no direito romano sua fonte, para então se
expandir por toda a Europa posterior. 

O Direito romano pode ser visto, sob esse aspecto, como a expressão
prática de uma racionalidade par excellence, desenvolvida pela
própria atuação concreta e histórica das classes políticas de Roma e
que, após longo período de maturação, consolidou um conjunto de
institutos jurídicos rigorosamente testados e pensados, constituintes
de um modelo de vida pública radicado na ordem civil, ou melhor, na
noção clássica de que a cidade é uma república, composta por
práticas e instituições deliberativas dotadas de legitimidade e
con ança. A conjuntura das instituições passou a ser tomada, durante
o período republicano e notoriamente mais tarde, com o Império e
especialmente no tempo de Iustiniano, como sua matriz teórica e
prática mais sólida, se comparada com outras fontes jurídicas dos
povos bárbaros. O caráter perene das instituições jurídicas atravessou
os tempos, adaptou-se às diferentes civilizações e, relativamente às
tradições religiosas adaptou-se aos postulados teológicos próprios
das sociedades absorvidas ao território romano. No que diz respeito
ao cristianismo, o legado jurídico dos romanos foi incorporado e
alocado à rigidez dos cânones teológicos, constituindo com eles as
bases do direito da Igreja e dos povos convertidos. 

Enquanto o patrimônio teológico dos padres desenvolveu a noção de


lei natural e de suas reminiscências, a saber, lei eterna, lei divina, lei
canônica e lei positiva humana, a iurisprudentia ampliou o
conhecimento prático das instituições humanas, entendidas como
edi cações voltadas para solver os con itos sociais e oferecer
padrões objetivos de justiça legal às relações humanas. A articulação
entre os cânones teológicos e os princípios diretores da vida social
encontrou na teologia e no direito romano seus porta-vozes mais éis.
Disso, o aperfeiçoamento da teologia se deu por ocasião do
riquíssimo legado das instituições advindas pelo esforço da razão
natural dos juristas romanos. Por outro lado, os conteúdos jurídicos
foram amplamente ornados pelos contributos da teologia, em
particular pelas concepções evangélicas de lei e justiça. 

Dentro disso, a noção de lei natural, embora incipiente e de de nição


conceitual precária em comparação com o desenvolvimento
escolástico posterior, já gurava dentre os princípios da ciência
jurídica romana. Havia a convicção de que o direito natural era, como
as demais fontes do direito – o civil e o das gentes – uma derivação
da razão natural e de suas causas antropológicas. O direito natural e
as demais fontes do direito já estavam presentes no coração da
ciência jurídica romana, como se pode ver nas palavras de Ulpiano:
“Ius naturale é aquele que a natureza ensinou a todos os animais,
quod natura omnia animalia docuit; Ius gentium é aquele de que usam
todos os povos, quo gentes humanae utuntur”.10

Nota-se claramente nas palavras de Ulpiano que a distinção entre o


direito natural e o direito das gentes resulta não na convicção moral
do primeiro e na origem convencional do segundo, como seguirá mais
tarde a classi cação ora proposta, mas na crença de que o ius
naturale é de autoria natural, enquanto o ius gentium é próprio do ser
humano. Assim, embora a de nição de ius naturale entre os romanos
resida em uma compreensão naturalista dessa modalidade de direito,
ou seja, na tese de que o direito natural pertence ao âmbito do gênero
animal como direito da natureza que é e que o direito das gentes
corresponde apenas ao campo da espécie humana, as rami cações
de seu postulado permitiram, no mundo latino clássico, o
desenvolvimento de inúmeros outros institutos do direito, como é o
caso do direito civil e de família. 

O ius civile, tomado aqui como a parte do direito comum relativo à


cidade, ou seja, como àquilo que corresponde às particularidades da
própria república no entender de Gaio, não se afasta dos dois tipos
anteriores.11 Com o direito natural, guarda íntima relação, na medida
em que é a partir dele que os seres humanos nascem livres e capazes
de constituir seus modos de vida. A dicotomia entre liberdade e
escravidão pode ser vista, nesse diapasão, como fruto de uma
distinção anterior, entre o direito natural que produz a liberdade, e o
direito das gentes que faz surgir a escravidão. 

Como se vê, as modalidades de direito natural, direito das gentes e


direito civil já aparecem na iurisprudentia. Do ponto de vista interno
dos postulados aí postos, os institutos em questão sofrerão
alterações substanciais em seus respectivos signi cados. Com o
desenvolvimento da teologia cristã, novos aditivos semânticos
comprometerão a raiz basilar das de nições clássicas. 

Com a teologia patrística, a noção de lei natural teve um tratamento


mais profundamente articulado com a metafísica herdada dos gregos,
se contraposta à concepção romanista de direito natural. É dizer, as
de nições de direito natural e de lei natural levadas a cabo por
teólogos e canonistas medievais serão distintas das noções latinas,
ainda que com elas guardem certos pontos de contato. 

Veja-se, por exemplo, que a classi cação de Ulpiano sobre o direito


privado em três modalidades, a saber, ius naturale, ius gentium, ius
civile, terá dimensão diferente de signi cado na abordagem ofertada
por Isidoro de Sevilha, embora o patriarca das Etimologias preserve as
mesmas expressões e certos pontos de convergência com o
entendimento do próprio Ulpiano e de outros juristas clássicos. 

Para Isidoro, a classi cação reside no seguinte: o direito natural


condiz com o direito comum a todas as nações e vale em todas as
partes, não tanto por sua declaração em lei positiva, senão pela
natureza mesma; o direito civil é diferente em todos os povos, já que
atinente às coisas da cidade; o direito das gentes é comum a quase
todos os povos, por convenção.12 

Nota-se que as noções de direito foram desenvolvidas pela


iurisprudentia e mais tarde, com as primícias do direito da Igreja no
período da patrística ganharam enorme in uência dos pilares da
ciência teológica, podendo-se enquadrar o direito como ciência aliada
à teologia moral. 

Enquanto os padres da Igreja se dedicaram mais ao trato da lei,


sobretudo da lei eterna e natural, os juristas romanos lidaram com o
conceito de direito e suas rami cações nas instituições sociais e
humanas. Como se pode ver, lex e ius, lei e direito eram vocábulos
utilizados indistintamente pela semelhança temática com a qual
lidavam, mesmo com diferenças radicais de signi cado. 

É necessário, assim, distinguir os conceitos de direito e lei. Lei não é


essencialmente o mesmo que direito. Lei é atributo da razão, é
originada na mente racional. Trata-se da “lei de nosso intelecto” (lex
intellectus nostri), como dizem São Basílio e São João
Damasceno.13 A lei é uma regra que existe na mente, no intelecto,
destinada a ordenar os atos humanos em consonância com as
exigências da justiça e das demais virtudes necessárias para a vida
em sociedade. O direito, mutatis mutandis, é objeto da justiça.
Corresponde ao que é adequado em razão da própria justiça e, por
isso, devido em virtude da lei. 

A lei, aqui compreendida como gênero de retidão dos atos humanos


segundo ordenação do intelecto, do qual fazem parte a lei divina, a lei
eterna, a lei natural e a lei humana positiva, é causa do direito, ou seja,
do justo objetivo concreto nas relações humanas. Agir conforme a lei
é realizar a justiça, dando o direito devido a outrem. Embora ius e lex
possam ser empregados indistintamente, em razão do caráter
analógico dos dois conceitos, é importante destacar que a lei é causa
radical do direito, por cuja justiça as relações humanas se ordenam.
Há, nesse ponto, clara articulação entre os princípios exteriores e
interiores dos atos humanos. A lei que é conformada ao conjunto dos
atos humanos, tem como m o bem comum, bem que só pode ser
realizado quando a virtude da justiça impera nas relações humanas. 

Diz Santo Ambrósio que “a lei moral natural não se escreve, senão que
nasce conosco, e não chegamos à ela pelo estudo, senão que a
conhecemos pelo fato de que tal lei procede do interior da natureza
mesma e se torna pública para todos”.14 Com tal proposição,
Ambrósio deixa claro que a lei é encontrada dentro do ser humano,
mais propriamente no interior de sua natureza racional. 

Como se vê, as distinções entre lei e direito constituem pontos


basilares da ciência jurídica e durante a patrística, sofreram a
distinção analítica e o aperfeiçoamento conceitual típicos de uma
ciência em constante aprimoramento. A evolução dos institutos do
direito nesse período é de fundamental relevância para o
entendimento do que será, séculos mais tarde, a progressão do direito
ocidental em suas duas grandes famílias, a saber, a tradição do
common law e o sistema romano-germânico continental.

4. Noções bíblicas de lei: entre a lei mosaica e a lei da graça

A forte articulação entre a lei e a caritas, foco central da nova


concepção de lei advinda com o cristianismo e presente nos
Evangelhos traz a ideia de que a lei é iluminada pelo amor por
Deus15 e fundada no amor ao próximo e por si mesmo.16 Essa
mudança, contudo, não simbolizou uma transformação radical no
entendimento sobre a lei. Na verdade apenas transferiu o ângulo de
observação desde o aspecto externo e deontológico da lei mosaica
para o seu âmago interior, ou seja, desvelou seu signi cado mais
profundo, radicado no amor. As três dimensões da caridade presentes
na lei antiga se tornaram mais claras e evidentes com a assim
chamada “lei da graça”. Os graus de realização da lei e dos preceitos
cerimoniais e morais do antigo testamento já manifestavam a
inexorável proposição de que o ponto fulcral da lei está no amor.
Ainda assim, com a nova aliança, o amor tomado como centro do
pacto da humanidade com Deus tornou-se mais evidente, sobretudo
pela ostensiva visibilidade do princípio de que não é a lei como tal,
senão a graça que conduz o ser humano a viver existencialmente os
antigos preceitos, sobretudo os mandamentos vinculados ao
amor.17 Tal noção “renovada” da lei18 fez com que as noções de
direito e justiça ganhassem um signi cado ainda mais vertical se
cotejados às concepções anteriores. O aperfeiçoamento crescente da
teologia durante os primeiros séculos da era cristã teve, dentre suas
inúmeras contribuições ao pensamento ocidental, o condão de
atribuir uma razão comum e axiomática para os dilemas losó cos
enfrentados pelos pensadores gregos e latinos anteriores. 

As lições clássicas de Cícero sobre o direito e a amizade, os


apontamentos de Marco Aurélio sobre a lei e a moral, as lições
perenes de Platão sobre o justo e a forma do bem, como também as
ilações de Aristóteles sobre a justiça e a racionalidade prática
serviram de esteio fundamental para a gestação da teologia moral
cristã, como vimos. A concepção de justiça pretendida pelos Padres
da Igreja, todavia, não reduzia o escopo semântico do justo ao campo
dos atos objetivos levados a cabo nas relações sociais. Tinha em
vista a conexão do justo com a caridade, em continência ao plano da
graça e da misericórdia. 

A tese central dessa particularíssima concepção de justiça tinha


como proposição fundamental a exigência de que, para realizar a
justiça, é mister percorrermos o caminho da caridade, centralizando o
conjunto de nossas ações no amor, na convicção de que somente a
graça pode conduzir a justiça para sua forma de plenitude. A defesa
desse princípio situa-se em um argumento cristológico, a saber, o de
que o ato mesmo do amor encarnado, Jesus Cristo, representa a
encarnação total do amor em todas as suas dimensões possíveis,
bem como de todas as manifestações visíveis da graça divina na
história. Cristo é, assim, a presença real do bem enquanto tal, do amor
pessoal em todas as suas possibilidades. 

A relação entre a lei e o Evangelho na tradição cristã dos primeiros


padres é de total consonância soteriológica. Ambas visam à salvação
por meio de funções complementares: a lei antiga, presente no Antigo
Testamento e de descendência mosaica, tem a função pedagógica de
preparar e conduzir a humanidade ao reino de Deus, cuja imagem se
torna visível para o povo de Israel através do cumprimento pleno dos
mandamentos; o Evangelho, por sua vez, apresenta o Querigma, a
vida, paixão, morte e ressurreição de Cristo, em quem se realizam
todos os postulados da lei. A imagem de uma sociedade ideal, na qual
a lei judaica prevalece sobre o pecado, constitui a tensão original que
se instala na cultura hebraica, de maneira a desempenhar um papel
salutar na história e preparar o advento do messias prometido. O
Evangelho, assim, serve de fonte narrativa para a lei nova, a chamada
lei da graça, em que a ótica normativa sobre o agir moral se dirige ao
interior dos seres humanos, xando-se assim a conexão entre os
mandamentos e a existência humana através do papel fundamental
desempenhado pela consciência e pelo intelecto prático. 

Nesse sentido, a lei passa a ser tomada como um preceito moral


interior que conduz os indivíduos a discernir o bem e evitar o mal,
agindo em conformidade com os bens básicos inteligíveis pela razão.
A lei nova, cuja natureza gnosiológica é a mesma que possuía na
antiga aliança, adquire um aditivo: passa a ser imagem externa de
algo mais profundo, entranhado na interioridade dos indivíduos e
absolutamente relevante para a nova modalidade de vida professada
pelo cristianismo. Por isso, os teólogos e padres da Igreja, com apoio
em São Paulo, designam a nova lei como lei da Graça, em razão do
ato de Deus sobre a criatura que a torna apta ao Reino instituído pela
nova aliança. 

Na Carta aos Gálatas, São Paulo insiste na importância pedagógica


da lei, ao dizer que a lei 

“foi acrescentada para que se manifestassem as transgressões – até


que viesse a descendência, a quem fora feita a promessa –
promulgada por anjos, pela mão de um mediador. Ora, não existe
mediador quando se trata de um só, e Deus é um só. Então a Lei é
contra as promessas de Deus? De modo algum! Se tivesse sido dada
uma lei capaz de comunicar a vida, então sim, realmente a justiça viria
da Lei. Mas a Escritura encerrou tudo debaixo do pecado, a m de que
a promessa, pela fé em Jesus Cristo, fosse concedida aos que
creem”.19

Ora, como dito, a Lei não comunica a vida, senão a transgressão. É,


assim, tabula externa, capaz de lançar o contraste entre o plano divino
e a história humana. A comunicação da Lei é, portanto, preceptiva, já
que designa – como signo que é – uma realidade cuja atualidade se
transpõe ao terreno dos assuntos humanos. 

Se a lei designa algo que a transcende, então ela desempenha função


intermediária entre o mundo das aptidões humanas e o reino de Deus,
qual atualidade é inatingível para os seres humanos segundo a
condição original. Por isso, o próprio São Paulo continua para dizer
que “antes que chegasse a fé, nós éramos guardados sob a tutela da
Lei para a fé que haveria de se revelar. Assim a Lei se tornou nosso
pedagogo até Cristo, para que fôssemos justi cados pela fé.
Chegada, porém, a fé, não estamos mais sob o pedagogo (...)”.20 É
notável que a Lei possui, portanto, papel fundamental. A centralidade
de sua natureza consiste na solicitude que ela apresenta para um tipo
especí co de vida humana que, embora expresso em sua letra, não se
resume nela, exigindo postulados que dela se diferenciam, embora
com ela guardem modos conjuntos de operação em favor de um
mesmo m. 

A Lei não desaparece após o tempo da pedagogia. Persiste mesmo


depois de ter atingido o tempo messiânico, segundo a tradição
católica. Não é invalidada nem padece de decadência ou prescrição.
Antes, adquire um signi cado mais profundo, vivo, cuja explicitação
só pode ser bem compreendida a partir de sondagens gnosiológicas.  

Vê-se que a noção de lei está amplamente mesclada com argumentos


teológicos, o que torna impossível qualquer análise descolada desse
postulado. As relações entre os conteúdos deontológicos da lei e da
Graça entram em consonância quando, por exemplo, passa a ser
tomada em consideração a máxima de Clemente de Alexandria de
que a salvação advém por duas vias, conduzindo os seres humanos
pelo medo (lei) ou pela Graça.21

5. As concepções de lei na Patrística

Embora existam diferentes sentenças sobre a lei e a justiça entre os


pais da fé católica, a tradição não conheceu concepções rivais a
respeito. A convicção de que a lei apresenta uma realidade
pre gurativa, que se torna visível na vida concreta daqueles que
sofreram profunda transformação pelos efeitos da Graça, constitui o
cerne do que se entende no período como a nova lei, ou a lei da nova
aliança. Sobre a lei da Graça, Santo Agostinho nos diz que “assim
como a lei das obras foi escrita em tábuas de pedra, assim a lei da fé
foi escrita nos corações dos éis”.22 E o próprio São Paulo dirá que “a
caridade não pratica o mal contra o próximo. Portanto, a caridade é a
plenitude da Lei”;23 “eliminamos a Lei através da fé? De modo algum!
Pelo contrário, a consolidamos”.24  

O que é, portanto, a Lei para São Paulo? Diz o Apóstolo que “a Lei é
santa, e santo, justo e bom é o preceito”.25 Ora, a resposta nos aponta
três direções: primeiro, de que a lei é santa; segundo, de que a partir
dela temos um preceito; e, por m, que este preceito é, porque a lei é
santa, santo, justo e bom.  

Primeiramente, inferir que a Lei é santa signi ca dizer que é pura e


incorruptível. A palavra santo tem origem na expressão latina
“sanctus”: consagrado, inviolável, puro, inocente, virtuoso, de bons
costumes, piedoso.26 Então, se a lei é santa, isto se deve ao fato de
que seu âmbito de signi cado alude a um conjunto de atos humanos
virtuosamente engajados na realização de um m, cuja natureza é o
bem. 

Em segundo lugar, a lei é preceptiva. Institui um preceito, cuja ordem


se dirige ao atuar em conformidade com o bem devido à
circunstância abarcada pelo horizonte da própria lei. É uma ordem,
cuja sanção tem em vista a restituição de uma justiça legal, devida
em razão do descumprimento preceptivo. No latim, a palavra
“sanctio”, isto é, a pena estabelecida pela transgressão da lei, tem
origem em “sanctus”, de onde se deriva o sentido original de restituir
um bem devido a alguém em virtude de justiça, ou seja, o retorno ao
estado de pureza original na relação estabelecida. 

Por m, o preceito é santo, justo e bom. Santo, porque visa conduzir


as partes envolvidas à situação originária, perdida por algum ato
posterior que violou a equidade presente no status quo ante bellum.
Justo, pois o padrão de medida adstrito à letra da lei é adequado,
proporcional e expressivo das virtudes objetivamente exigidas para a
correta realização do que é devido nas relações humanas predicadas
da sentença legal. Bom, porque aprazível à vontade racional dos seres
humanos e determinado segundo uma razão de m, isto é, por uma
nalidade que torna plena e aperfeiçoa o conjunto das relações nas
quais a regra incide. 

A concepção paulina de Lei é completa em si e tornou-se canon para


a tradição posterior, de maneira que as posições ulteriores lhe
aperfeiçoaram o conceito e a justi cação. 

Durante o início da patrística, a herança teológica da noção paulina de


Lei foi acompanhada pelo grande apreço que os padres tinham pelas
obras das civilizações grega e romana. O cristianismo também
aceitou como verdade, em complemento ao patrimônio da revelação,
as descobertas do espírito humano pela razão natural. As verdades
conquistadas pela razão não se opõem, segundo a tradição canônica,
às fontes consideradas reveladas. Antes, se somam a elas como
parte de um riquíssimo horizonte, aberto e solidamente
intercambiável, que é o que se entendia como a verdade,
compreendida aqui como àquilo que foi desvelado pelo intelecto
humano e o que foi mostrado pelo Criador para a humanidade.27

O próprio São Paulo, anteriormente referido, dizia que os gentios, que


não possuíam a lei mosaica, tinham uma lei inscrita no coração pelo
próprio Deus e que, por ela, seriam julgados. Trata-se da lei natural,
cuja doutrina foi amplamente desenvolvida pelos Padres da Igreja e
explicada em seus postulados fundamentais.

Clemente Romano, a quem Orígenes designa como um dos


colaboradores do Apóstolo São Paulo e o quarto sucessor de Pedro
na Cátedra Pontifícia, dirigindo-se aos moradores da cidade de
Corinto a rma que “os preceitos e decisões do Senhor estavam
inscritos na largueza do vosso coração”.28 A ideia de que os preceitos
são “inscritos” leva o leitor a constatar que desde o início da Igreja a
concepção interior de lei como o postulado central da moral era tema
pací co, pois entendido dentro do escopo da teologia moral, isto é, da
fundamentação principal das virtudes humanas necessárias para agir
secundum legem e em acordo ao plano de salvação. 

No mesmo sentido, a rma Ignácio de Antioquia sobre as diferenças


entre a antiga lei e a Graça: 

“nos vos deixeis enganar por doutrinas heterodoxas nem por velhas
fábulas que são inúteis. Com efeito, se ainda vivemos segundo a lei,
admitimos que não recebemos a graça. De fato, os diviníssimos
profetas viveram segundo Jesus Cristo. Por essa razão foram
perseguidos, pois eram inspirados pela graça dele, a m de que os
incrédulos cassem plenamente convencidos de que existe um só
Deus, que se manifestou por meio de Jesus Cristo seu Filho, que é seu
Verbo saído do silêncio, e que em todas as coisas se tornou agradável
àquele que o tinha enviado”.29  

Também Policarpo de Esmirna assevera sobre a distinção entre a


antiga e a nova concepção de lei e justiça, exortando a todos “para
que obedeçais à palavra da justiça e sejais constantes em toda
perseverança que vistes com os próprios olhos, não só nos bem-
aventurados Inácio, Zózimo e Rufo, mas ainda em outros que são do
vosso meio, no próprio Paulo e nos demais apóstolos. Estejam
persuadidos de que nenhum desses correu em vão, mas na fé e na
justiça, e que eles estão no lugar que lhes é devido...”.30  

Barnabé, antigo colaborador do Apóstolo São Paulo, em uma de suas


Cartas também pontua que “a aliança deles – os judeus – foi
rompida, para que a de Jesus, o Amado, fosse selada em nossos
corações pela esperança da fé que nele temos”.31  

Justino de Roma, lósofo convertido ao cristianismo, em seu Diálogo


com Trifão aduz ter ciência de que 

“deveria vir uma lei perfeita e uma aliança soberana em relação às


outras, que agora devem ser guardadas por todos os homens que
desejam a herança de Deus. A Lei dada sobre o monte Horeb já está
velha e pertence apenas a vós – Trifão era de origem judaica. A outra,
porém, pertence a todos. Uma lei colocada contra outra lei anula a
primeira; uma aliança feita posteriormente também deixa sem efeito a
primeira. Cristo nos foi dado como lei eterna e de nitiva e como
aliança el, depois da qual não há mais nem lei, nem ordem, nem
mandamento. Ou não leste o que diz Isaias? ‘Escutai-me, escutai-me
povo meu; e os reis deem-me ouvidos. Porque de mim sairá uma lei e
o meu julgamento para iluminar as nações (...). Todos podem
compreender que esta é a lei nova e a nova Aliança, assim como a
expectativa daqueles que, de todas as nações, esperam os bens de
Deus. Com efeito, nós somos o povo de Israel verdadeiro e espiritual,
a descendência de Judá e Jacó (...)”.32  

E mais adiante no mesmo diálogo completa: “o Direito correrá como


água e a justiça como torrente que inunda”.33 Como se vê, em Justino
Romano há uma concepção mais clara e profunda do signi cado da
lei nova em comparação com os padres anteriores. Ainda assim,
apesar da herança fortemente platônica em toda sua obra, as noções
de lei e justiça pouco saem do esquadro teológico básico, ancoradas
nos relatos e cartas herdados pela primeira geração de discípulos dos
apóstolos. Somente com Isidoro de Sevilha se terá uma análise mais
profícua e rigorosa das noções em questão, como já vimos
anteriormente. 

O próprio Isidoro nos diz sobre a lei: 

“(...) o fato de repetir-se nas Sagradas Escrituras uma mesma


sentença duas vezes é, ou bem para con rmá-la, ou bem para
signi car um mistério, como lei e graça, como início e consumação,
como bom e melhor. Em três partes se divide a lei divina: histórica,
preceptiva e profética. A histórica se ocupa dos fatos ocorridos; a
preceptiva, das ordens dadas; a profética, dos acontecimentos futuros
anunciados de antemão. De três maneiras devemos considerar a lei
divina para interpretá-la: primeiro historicamente; segundo,
metaforicamente; terceiro, misticamente. De modo histórico signi ca
segundo o sentido literal; o metafórico, conforme à aplicação moral; o
místico, de acordo com o sentido espiritual. Assim, pois, de tal sorte é
preciso que mantenhamos a fé no plano histórico, que saibamos
interpretá-la moralmente e querê-la espiritualmente”34 (grifos
nossos). 

Vê-se, aqui, sobretudo no aspecto cognoscível, que a linguagem da lei


na tradição patrística é esmiuçada em conceitos e de nições. Isidoro
é cirúrgico ao analisar as propriedades da lei divina, os atributos que
lhe formam o aspecto comunicativo, de uma ordem dirigida à
inteligência dos seres humanos para que, em conformidade com a
vontade, possam perseguir os ns estabelecidos para a felicidade e
salvação. O núcleo teleológico pavimenta o preceito da lei. Assim, no
que tange ao plano existencial dos seres humanos, a lei é preceptiva e
metaforicamente interpretada para dar vazão à moralidade dos atos
humanos, em consonância com as demais partes e modos de
exegese. Há uma noção completa de lei em Isidoro: a lei é histórica,
atual e profética, ou seja, pedagógica, ordenadora da vida humana e
alusiva ao que virá. Na centralidade da lei, orbitam as três grandes
ciências teológicas da tradição patrística: a história do povo de Deus,
a imitação de Cristo e a teologia da história (revelação do escathon). 

Em Isidoro, assim, o conceito de lei é aperfeiçoado e desenvolvido em


relação à noção paulina, embora com ele guarde total concordância
nos princípios primeiros, por pertencerem ambas as noções ao
patrimônio comum da tradição. Notamos o mesmo em Agostinho de
Hipona.

Em De Spiritu et littera, Agostinho estabelece logo no início da obra a


tese bíblica de que “Deus criou o homem com o livre-arbítrio da
vontade e, mediante os preceitos, ensina-lhe como deve viver”.35 Vê-
se aqui, novamente, que os preceitos da lei comunicam ao homem
uma ordem, uma regra de medida para seus atos. Possui um caráter
pedagógico de fundo, destinado a varrer a ignorância e preparar o ser
humano para a inteligência dos bens humanos. A lei coloca a medida
limítrofe para que, pela liberdade, o ser humano possa adquirir as
virtudes necessárias para o aperfeiçoamento de sua natural
condição. 

A Lei é, portanto, exterior. Em Agostinho,36 como também em São


Paulo37 e toda a tradição, o contraste entre a letra que mata e o
Espírito que vivi ca é latente. A antiga aliança cede à Nova porque, no
âmbito jurídico, a lei não pode comunicar vida e, por isso, sua
comunicação se reduz ao aspecto externo do ser humano, expressivo
e designativo, que aponta a transgressão (pecado) e os meios de
expiação (rito sacri cial), mas sem ofertar os meios e cazes de
conquistar a verdadeira liberdade.38 Por isso, no que condiz com a lei,
cabe ao indivíduo guardá-la com todo o esforço moral possível,
embora se saiba que a autêntica força interior capaz de vencer à
transgressão venha não da letra legal, mas do Espírito. A lei é posta
como prelúdio da vida nesse diapasão, mas também como causa da
transgressão. 

Para Agostinho, em suma, aqui tomado como o ponto culminante da


patrística, ou seja, como o maior pensador dos primeiros séculos de
tradição cristã, a lei natural é a própria lei que Deus insere no coração
dos seres humanos racionais, iluminando-lhes a consciência e
tornando possível um plano de vida consoante ao plano de salvação.
A lei natural, assim, desempenha dois papéis: o de pedra de salvação
e o de felicidade na vida terrena, na cidade dos homens,39 pois oferta
a cada ser humano a possibilidade de perseguir diferentes formas
virtuosas de vida capazes de aperfeiçoá-lo e garantir-lhe a retidão e a
prudência na condução da própria existência histórica concreta.

6. Conclusão

Como se vê, não há no período patrístico ainda uma articulação rme


e consistente entre as noções de lei e direito, pois tais de nições
aparecem atreladas fortemente às exigências e determinações da
ciência teológica. A teologia ocupa um lugar central no campo de
justi cação do que seja cada um dos postulados jurídicos, tornando-
os dependentes de alguma maneira dos princípios e causas que a
constituem. 

Ainda assim, uma sólida teologia moral emerge para lançar luzes
sobre o que vira a ser, séculos mais tarde, as concepções de lei
natural e eterna que se desenvolverão nas obras de autores
escolásticos como Alberto Magno e Tomás de Aquino e juristas
canonistas como Bartolo e Graciano, quando então os institutos do
direito e as concepções de lei e justiça serão rigorosamente mais
consistentes e terão maior autonomia frente aos cânones da ciência
teológica.

Notas
1
 Soteriologia é a parte da teologia católica que se propõe a investigar
a doutrina da salvação, tópico genuinamente presente na tradição
cristã. 

2
 Na tradição cristã, os chamados “livros inspirados” pelo Espírito
Santo formam o Novo Testamento. Sobre os textos inspirados
escritos por São Paulo, por exemplo, diz CLEMENTE que “são
verdadeiramente sagrados os textos que santi cam e divinizam; são
suas letras e suas sílabas santas que compõem os escritos, as obras
que o mesmo Apóstolo ... chama de inspiradas, porque elas servem
para a aprendizagem, para a persuasão, para a correção, para a
formação na justiça, a m de que o homem de Deus seja perfeito e
preso a toda a obra boa”. CLEMENTE DE ALEXANDRIA. Exortação aos
gregos, p. 161. 

3
 Sobre as previsões proféticas sobre o Messias no Antigo
Testamento, cânones constituintes da escatologia judaica, ver
CORNELY S.I. Introductions in S. Scripturae Libros; HADRIANO SIMON
C.SS.R. Praelectiones biblicae ad usum scholarum; MAURITIO DE LA
TAILLE S.I. Mysterium dei – De augustisimo corporis et sangguinis
Christi sacri cio atque sacramento; Bíblia: La sagrada escritura.
Nuovo Testamento – Evangelios. Texto e comentário por professores
da Companhia de Jesus.

4
 Corpus Apologetarum saeculi secundi. Ver também MIGNE:
Patrologia latina 1 e ss. 

5
 YOUNG AYRES; LOUTH (eds.). The Cambridge history of early
christian literature.

6 LLORCA, Bernardino. História de la Iglesia Católica: tomo I, p. 187. 

7
 Nesse sentido, ver ATANÁSIO DE ALEXANDRIA. Apologia ao
imperador Constâncio, p. 206 e ss. 

8
 IRINEU DE LYON. Adversus Haereses libri quinque, p. 7.  

9 MACINTYRE, Alasdair. Whose justice? Which rationality?, p. 50 e ss. 

10
 ULPIANO. Digesto 1, §3º (1.1). 

11 GAIO. Digesto 9 (1.1).

12
 ISIDORO DE SEVILHA. Etymologiarum sive Originum libri XX. “Quid
sit ius naturale. Ius autem naturale est, aut civile, aut gentium. Ius
naturale est commune omnium nationum, et quod ubique instinctu
naturae, non constitutione aliqua habetur; ut viri et feminae coniunctio,
liberorum successio et educatio, communis omnium possessio, et
omnium uma libertas, adquisitio eorum quae caelo, terra, marique
capiuntur. Item depositae rei vel commendatae pecuniae restitutio,
violentiae per vim repulsio. Nam hoc, aut si quid huic símile est,
numquam iniustum [est], sed naturale aequumque habetur. Quid sit
ius civile. Ius civile est quod quisque populus vel civitas sibi proprium
humana divinaque causa constituit. Quid sit ius gentium. Ius gentium
est sedium occupatio, aedi catio, munitio, bella, captivitates,
servitutes, postliminia, foedera pacis, indutiae, legatorum non
violadorum religio, conubia inter alienígenas prohibita. Et inde ius
gentium, quia eo iure omnes fere gentes utuntur”.  

13
 DAMASCENUS, Iohannes. De de orthodoxa: 1, 4, cap. 22.
BASILIUM. In Hexaemeron: homilia 7. 

14
 AMBROSIUS. Epistolae 41. “Ea lex (naturalis) non scribitur, sed
innascitur, noc aliqua percipitur lectione, sed pro uo quodam naturae
fonte in singulis exprimitur”. 

15 No livro de Deuteronômio 6, 5 se lê: “(...) amarás a Ihaweh teu Deus


com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua força”. 

16
 No Evangelho de São João, se lê as palavras de Jesus: “Dou-vos um
mandamento novo: que vos ameis uns aos outros; como Eu vos amei,
amai-vos também uns aos outros”. Também se lê no Evangelho de
São Mateus 22, 37-40: “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu
coração, de toda a tua alma e de todo o teu espírito. Esse é o maior e
o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: amarás o
teu próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos dependem
toda a Lei e os Profetas”.

17
 Embora posterior ao período dos padres primitivos, interessante
notar o que diz Bernardo de Claraval sobre os graus do amor em seu
De Diligendo Deo: “muito embora sejamos carnais e nasçamos da
concupiscência da carne, é inevitável que a cobiça ou o nosso amor
comece pela carne, que, se for dirigida para uma boa ordem e se,
guiada pela graça, progredir nos graus que lhe dizem respeito, será
nalmente aperfeiçoada pelo espírito, porque primeiro não foi feito o
que é espiritual, mas o que é animal, e o que é espiritual vem depois
(1Co 15, 46). Por isso, é inevitável que carreguemos primeiro a
aparência terrestre e depois a celestial. Em primeiro lugar, então, o
homem ama si mesmo por causa de si mesmo; sendo que é carne,
não há nada que mereça ser conhecido além de si mesmo. Quando
dá-se conta que não pode subsistir por si só, começa a procurar pela
fé a amar a Deus coimo necessário para si. Ama a Deus, portanto, em
um segundo grau, mas por si e não por Ele. Mas, quando pela própria
necessidade, se apresentar a ocasião de cultuá-lo e honrá-lo em
pessoa, pensando, lendo, rezando e obedecendo, haverá paulatina e
gradativamente certa familiaridade com Deus, que torna-se mais
conhecido e, por conseguinte, mais doce; assim o homem,
saboreando quão suave é o Senhor, passa para o terceiro grau,
quando ama a Deus não mais por causa de si, mas por Ele mesmo.
Deveras, nesse grau permanece-se por longo tempo: eu não sei se,
nessa vida, o quarto grau consiga ser abraçado perfeitamente por
alguém entre os homens, ou seja, se o homem consiga amar a Deus
somente por Ele mesmo. Asseverem isso, se houver, aqueles que o
experimentaram: a mim, confesso, parece impossível. Ao contrário,
isso sem dúvida acontecerá quando o servo bom e el for introduzido
na alegria do seu Senhor (Mt 25, 21), e for inebriado pela abundância
da casa de Deus (Sl 35, 9). Como por um milagre, em algum modo
olvidado de si e desprendido profundamente de si mesmo, dirigir-se-á
todo para Deus: em seguida, tornando-se intimamente unido a Ele,
formará com Ele um só espírito (1 Co 6, 17). Creio que o Profeta
percebesse isso quando dizia: ‘Entrarei nos poderes do Senhor; ó
Senhor, recordarei somente a tua justiça (Sl 70, 16). Certamente, ele
sabia que, uma vez que entrasse nas potências espirituais do Senhor,
ter-se-ia despido de todas as enfermidades da carne, de tal forma que
nada mais tivesse que pensar em relação a ela, mas, todo no espírito,
se lembrasse somente da justiça do Senhor”. BERNARDO DE
CLARAVAL. De Diligendo Deo (Deus há de ser amado), pp. 57-58.    

18 Ver a parte nal da nota 17: “Desses dois mandamentos dependem


toda a Lei...”.

19
 Bíblia de Jerusalém. Carta de São Paulo aos Gálatas, cap. III, vv. 19-
22. 

20
 Bíblia de Jerusalém. Carta de São Paulo aos Gálatas, cap. III, vv. 23-
24.

21
 CLEMENTE DE ALEXANDRIA. Exortação aos gregos, p. 173.

22 AGOSTINHO (Bispo de Hipona). De spiritu et littera: cap. XXIV, nº


41.   

23
 Bíblia de Jerusalém. Carta de São Paulo aos Gálatas, cap. XIII, vv.
10.

24
 Bíblia de Jerusalém. Carta de São Paulo aos Romanos, cap. III, vv.
31.

25
 Bíblia de Jerusalém. Carta de São Paulo aos Romanos, cap. VII, vv.
12.

26 H. KOEHLER S.J. Pequeno dicionário escolar latino-português, p.


287. 

27
 Um exemplo característico dessa concepção de verdade como
aquilo que é mostrado pelo Criador é comum no período analisado e
jaz implícita no estilo narrativo dos primeiros padres da Igreja.
Exemplo disso pode ser visto em um dos raros relatos de São Papias
legados pela tradição antiga. Papias de Hierápolis foi discípulo direto
do apóstolo João. Diz ele que “quando também a criação, renovada e
liberta, fruti car profusamente todo tipo de comida, graças ao orvalho
do céu e à fertilidade da terra, do modo como recordam os anciãos
que viram João, discípulo do Senhor, ouvindo-o da maneira como o
Senhor ensinava a respeito desses tempos (...). Essas coisas
merecem fé para os que acreditam”. PAPIAS DE HIERÁPOLIS.
Explicação de sentenças do Senhor, p. 327. 

28 CLEMENTE ROMANO. Primeira carta de Clemente aos Coríntios, p.


25.

29
 IGNÁCIO DE ANTIOQUIA. Carta aos Magnésios, p. 93. 

30
 POLICARPO DE ESMIRNA. Carta aos Filipenses, p. 144. 

31 BARNABÉ. Cartas, p. 290.

32 
JUSTINO DE ROMA. Diálogo com Trifão, pp. 127-128.

33 Idem, p. 142. 

34
 ISIDORO DE SEVILHA. Los Tres libros de las sentencias
(Sententiarum libri tres): libro I, c. 18, vv. 10-12, p. 39. 

35
 AGOSTINHO (Bispo de Hipona). De spiritu et littera: cap. II, nº 4.   

36 Ibidem.

37
 Bíblia de Jerusalém. 2ª Carta de São Paulo aos Coríntios, cap. III,
vv. 6.

38
 Diz São Paulo que “a Lei do Espírito da vida em Cristo Jesus te
libertou da lei do pecado e da morte. De fato – coisa impossível à Lei,
porque enfraquecida pela carne- Deus, enviando o seu próprio Filho
em carne semelhante à do pecado e em vista do pecado, condenou o
pecado na carne, a m de que o preceito da Lei se cumprisse em nós
que não vivemos segundo a carne, mas segundo o espírito”. Bíblia de
Jerusalém. Carta de São Paulo aos Romanos, cap. VIII, vv. 1-4.

39 AGOSTINHO, Santo. De Civitate Dei. 

Referências

AGOSTINHO (Bispo de Hipona). De spiritu et littera. Migne Latina 44,


225.   

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Citação

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https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/158/edicao-1/lei-e-
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