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Introdução

Uma série de “hermenêuticas” surgiu a partir de meados do século 20. Embora diferentes,
elas têm um ponto em comum: são sincrônicas. O intérprete sincrônico concentra-se na
presença literária do texto como um todo, no mundo construído pela narrativa. No entanto,
uma coisa é certa: as hermenêuticas que valorizam apenas o aspecto sincrônico têm em
comum o fato de que todas elas se referem ao “sentido” como sendo múltiplo e além do
gramático-histórico.

ESTRUTURALISMO COMO HERMENÊUTICA

Como metodologia, o estruturalismo aborda práticas culturais, linguagens humanas, lendas e


textos literários examinando as relações e funções entre as menores partes desses conjuntos
ou sistemas.

É comum em linguística se traçar uma ampla distinção entre o estruturalismo europeu, que
tem início com Saussure, e o americano. Aqui em nosso estudo enfocaremos basicamente o
estruturalismo oriundo de Saussure.

Estruturalismo bíblico

O estruturalismo foi um dos primeiros métodos sincrônicos de exegese a causar impacto nos
estudos bíblicos acadêmicos. Porém, o estruturalismo bíblico teve vida curta.

O estruturalismo, como método de interpretação bíblica, segue os mesmos princípios do


estruturalismo secular. Ele confunde bastante o leitor normal, e mesmo os estudiosos.

A morte do estruturalismo

O estruturalismo provocou muitas reações contrárias, e como movimento em si, já tem sido
declarado como ultrapassado ou morto, dando lugar a um sistema que tem sido chamado de
pós-estruturalismo, baseado primeiramente na semiologia e depois na semiótica. Eis algumas
das críticas feitas ao estruturalismo: 1) Negação da liberdade do indivíduo; 2) Negação da
História.

CRÍTICA DA NARRATIVA, OU NOVA CRÍTICA LITERÁRIA

A crítica da narrativa é essencialmente sincrônica. Preocupa-se principalmente com os


aspectos literários da narrativa bíblica. Focaliza-se não no contexto ou na história do texto,
mas na forma como os autores bíblicos narram a história. Abordam os relatos bíblicos como
histórias, sem com isto, necessariamente, entrar na questão se os fatos ali narrados
aconteceram ou não.

PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS

Autossuficiência do texto

O texto é considerado como autônomo e independente do seu autor. O seu sentido está
contido nele mesmo, e não deve ser buscado fora dele.

Negação da intenção autoral

A intenção do autor e o contexto histórico são considerados como não tendo qualquer
importância para o intérprete.

O autor como narrador

O autor bíblico é visto como narrador, alguém que escreveu visando produzir algum tipo de
reação no leitor por meio da forma literária que utilizou-se.

Busca da forma como efeito

Esses efeitos são obtidos mediante artifícios retóricos. Portanto, a tarefa do intérprete é
estudar as formas literárias do texto cuidadosamente.

Como em todas as hermenêuticas, existem aspectos positivos na crítica literária. O mais


importante, na nossa avaliação, é o que destaca os efeitos literários que realmente aparecem
nos textos bíblicos, como a ironia.

HERMENÊUTICA reader response

Ela foi uma reação à nova crítica literária e ao estruturalismo, que ensinavam a autonomia do
texto. Ao contrário delas, a hermenêutica reader response enfatiza a relação recíproca entre o
leitor e o texto. Existem diversas variações da reader response, mas todas leem o texto a partir
de uma agenda definida, via de regra, ideológica ou política. Intérpretes que seguem essa
linha são chamados de “leitores ideológicos”, pois leem o texto deliberadamente a partir de
sua agenda ideológica. Os principais tipos são: teólogos da libertação, estudiosos feministas e
teólogos afro-americanos.

A hermenêutica da “teologia da libertação”


Os teólogos da libertação defendem que o texto bíblico deve ser lido a partir das necessidades
socioeconômicas do mundo em que os leitores vivem. Muitos utilizam as categorias da
filosofia política do marxismo nessa leitura. A ideia fundamental é que os pobres e oprimidos
trazem ao texto o horizonte da sua experiência de opressão e pobreza, a qual determinará sua
compreensão do texto sempre da ótica da libertação social. “Redenção” não é um conceito
espiritual e ético, mas a libertação dessas estruturas opressoras e a liberdade para o
desenvolvimento social e financeiro. Jesus é o libertador da condição humana de opressão e
miséria. Pecado é entendido em termos coletivos e sociais e não algo moral e individual.

Hermenêuticas feministas

O termo é empregado no plural porque existem ramificações dentro do feminismo, que


empregam diferentes aspectos das ideias feministas em sua abordagem ao texto bíblico.

Dentre os diferentes modelos feministas, destacamos aqui aquele que procura ler as
Escrituras a fim de expor o mito patriarcal e o preconceito implícito contra as mulheres que
há nelas, e denunciá-las como instrumento da opressão machista. Para esse tipo de
hermenêutica feminista, a Bíblia tem sido veículo da dominação machista ao longo dos
séculos, oprimindo as mulheres.

Os intérpretes feministas da Bíblia se aproximam do texto, portanto, com um objetivo social


bem definido: libertar as mulheres da opressão causada e perpetuada pelos homens, em nome
da religião, ao longo dos séculos. Argumentam que as referências masculinas a Deus é parte
de uma tentativa de oprimir as mulheres por uma hierarquia masculina que se perpetua por
meio da linguagem e facilita a exploração das mulheres.

DESCONSTRUCIONISMO

O desconstrucionismo é uma prática de leitura que parte da suspeita e do princípio de que


todo texto, teoricamente, se autodestrói, pois ele representa os interesses de dominação de
determinados grupos. Rejeita e busca desconstruir qualquer noção de verdade que se
proponha unitária, absoluta, universal, ou mesmo coerente. É uma forma de subjetivismo ou
mesmo niilismo.

O desconstrucionismo propõe, explicitamente, a pluralidade da verdade.


O método de leitura desconstrucionista

Basicamente, o desconstrucionismo busca peneirar o texto para denunciar sua arrogante


pretensão de referir-se à realidade. A mensagem básica de todo texto é que não pode haver
mensagem alguma. Os desconstrucionistas consideram o sentido uma construção social.
Assim, cabe ao intérprete analisar a lógica da linguagem do texto, com o objetivo de revelar
como ele se destrói a si mesmo, visto conter traços das posições contrárias àquelas que
procura estabelecer.

A influência na hermenêutica bíblica

O desconstrucionismo tem exercido alguma influência nos estudos bíblicos desde a década de
1980. O desconstrucionismo, portanto, traz resultados destrutivos para a exegese bíblica. Seu
projeto é relativizar o sentido do texto bíblico mostrando que as Escrituras têm muito mais
interpretações válidas do que aquelas que aparecem na superfície. O desconstrucionismo se
tornou a ferramenta hermenêutica de grupos minoritários que denunciam a Bíblia e o
Cristianismo como propagadores e mantenedores do sexismo, da homofobia e da opressão
econômica. Como hermenêutica, o desconstrucionismo é radicalmente irreconciliável com o
conceito de verdade divina absoluta.

A HERMENÊUTICA DA SUSPEITA

Os mestres da suspeita

Ricoeur admite abertamente a influência que Marx, Nietzche e Freud tiveram em seu
pensamento. Ele os considera “mestres da suspeita”, pois cada um deles, em sua área,
procurou desmascarar, desmistificar e expor a realidade, partindo do fato de que a religião era
uma máscara para ocultar outros interesses não declarados nos seus textos sagrados.

Para Ricoeur, esses mestres conseguiram, “suspeitando”, descobrir a realidade por detrás da
máscara textual religiosa. A suspeita, portanto, é requisito fundamental para podermos chegar
à compreensão do verdadeiro propósito do texto. Quando fazemos isso, descobrimos um
“mundo em frente ao texto”, o qual abre novas possibilidades do ser. Em linhas gerais,
podemos concordar com Ricoeur que devemos sempre “suspeitar” se estamos impondo
nossas convicções ao texto e se nossa interpretação faz realmente justiça ao texto.

Características da sua hermenêutica

Separação entre texto e autor

Ricoeur acredita que, uma vez escrito, o texto se divorcia irremediavelmente do seu autor.
Isso o leva a procurar o sentido do texto no “mundo defronte do texto”, onde ocorre a
interação entre leitor e texto.

“Abertura” na interação com o texto

Ricoeur defende que a interação do leitor com o texto deve permanecer basicamente “aberta”.

Suspeita e ideologia

Podemos aprender com Ricoeur a ter extremo cuidado para não impor ao texto bíblico
convicções nossas que não têm fundamento bíblico. Por outro lado, seu desejo de encontrar o
sentido do texto bíblico no “mundo defronte do texto” acaba por relativizar radicalmente a
mensagem das Escrituras. O leitor não está livre para estabelecer novos sentidos com base em
sua interação dinâmica “em frente do texto”.

Conclusão

Seguindo as características das hermenêuticas pósmodernas, os modelos aqui apresentados


compartilham da rejeição autoral, da pluralidade de sentidos em um texto, da participação
decisiva das pressuposições e do ambiente do leitor na produção de sentidos de um texto.

Existem aspectos positivos nas hermenêuticas nascidas na pósmodernidade e que podem ser
reconhecidos e utilizados. Por exemplo, essas hermenêuticas representam um corretivo
necessário, embora somente em parte, para as pretensões da exegese racionalista de chegar à
verdade mediante a análise racional “neutra” do texto bíblico. Outro aspecto positivo é a
sensibilidade que as hermenêuticas pósmodernas demonstram para com o ambiente e a
situação do leitor e a influência que os mesmos têm em sua compreensão do texto bíblico.

Em nossos labores como professores, pastores e crentes, devemos manter juntas estas três
coisas que vão nos guiar no caminho de uma hermenêutica sadia: compromisso e fidelidade à
Palavra de Deus, conhecimento da história da igreja, disposição para aprender com a nossa
geração.

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