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Como Estamos De Marxismo?

O Marxismo Cultural De Uma Perspetiva Cristã


© Crist’óCentro, 2021
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Citações da Bíblia Sagrada extraídas de A Bíblia Para Todos,
Tradução Interconfessional exceto se houver outra indicação.
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permissão.
Todos os direitos reservados.
Todas as citações com fontes em língua inglesa traduzidas para
português pelo autor.
Autor: Joel Oliveira
Revisão, capa, paginação: Joel Oliveira
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO
AS IDEIAS MARXISTAS
A implementação do marxismo: dois exemplos
O CAPITALISMO LIBERAL
O exemplo dos EUA
MARXISMO VS LIBERALISMO
Direitos humanos
Natureza humana
Filosofia social
O equilíbrio
O MARXISMO CULTURAL E A TEORIA CRÍTICA
Os pressupostos da Teoria Crítica
Uma crítica da Teoria Crítica
Uma ideologia totalitária
COMO CONVIVER COM O MARXISMO CULTURAL?
INTRODUÇÃO

Quando me pediram para falar sobre o tema do marxismo cultural,


hesitei por um momento em aceitar. Hesitei porque estas palavras
são atiradas muitas vezes para muitos lados nos nossos dias de
política polarizada entre direita e esquerda - no Brasil, nos EUA, na
Europa, em Portugal - e embora não tenhamos de fugir de certas
expressões só porque são polémicas, fica difícil usá-las sem ser
associado a determinados grupos a quem eu honestamente não me
quero associar. Não que não respeite as pessoas que fazem parte
desses grupos, ou que não concorde até com algumas ideias que
esses grupos defendem - é só que não me identifico com um certo
tipo de retórica agressiva e um certo tipo de comunicação que esses
grupos têm, e quero manter uma posição mais moderada ao nível
da interação com a cultura e comunicação com pessoas que
pensam radicalmente diferente de mim. E na Bíblia leio que
devemos ter sempre palavras agradáveis e temperadas com sal
(Colossenses 4:6), e, como seguidor de Jesus, quero esforçar-me
para ter esse tempero no meu discurso.
Por essa razão hesitei. Mas decidi aceitar falar, e resolvi também
escrever sobre o tema, porque me parece que é importante
esclarecer o significado desta expressão, que polariza e cria
confusão, e lembrar que temos responsabilidade, como cidadãos e
principalmente como cristãos, de saber do que estamos a falar
quando falamos de alguma coisa, e não sermos apenas
metralhadoras de palavras de ordem vazias. Aceitei o desafio e
abracei-o de tal maneira que acabei por escrever este pequeno livro,
tendo percebido a complexidade de tudo o que está envolvido no
tratamento deste tema.
É que se vamos falar de marxismo cultural, não podemos não falar
de marxismo; e se vamos falar de marxismo não podemos não falar
de Karl Marx, o pai do marxismo, e do sistema político que ele
propôs, o comunismo. Aqui é importante fazer um parêntesis:
mesmo sendo este livro sobre marxismo, quando falarmos de
comunismo vamos sempre ter uma abordagem superficial, porque
não é propósito deste livro ser exaustivo. Não vamos ver em
pormenor, por exemplo, as ramificações do marxismo em leninismo,
estalinismo, trotskismo, maoismo, eurocomunismo, e outras
variantes que o marxismo inevitavelmente tem. Aliás, todo este livro
é um arranhar da superfície que nos dá algumas luzes sobre o
marxismo na sua origem e nos nossos dias, mas muito mais haveria
a dizer e a investigar.
Temos também de desfazer a confusão entre o que diferencia
comunismo e socialismo. E também não podemos não falar do
capitalismo, que é o sistema contra o qual o marxismo reage, e da
sua génese no liberalismo.
E quanto ao marxismo hoje? Que formas toma? Aqui é imperativo
falar da Teoria Crítica e da Escola de Frankfurt, a génese ideológica
do neo-marxismo ou marxismo cultural.
Por fim, também não podemos não falar de cristianismo e da
cosmovisão judaico-cristã, que é o fundamento da sociedade
ocidental na qual tanto o capitalismo liberal como o comunismo e o
neo-marxismo ou marxismo cultural emergiram.
Já percebemos a carga que esta expressão traz consigo, e
durante este livro vamos então explorar todos esses “ismos” de
forma breve mas tão precisa quanto possível, e tentar ficar com uma
ideia clara do que está envolvido quando usamos esta expressão.
A expressão em si é desde logo polémica: o termo é visto por
vários grupos como nada mais que uma teoria da conspiração.
Como primeiro resultado de pesquisa que aparece no Google, ao
pesquisarmos em inglês por “marxismo cultural”, aparece-nos uma
entrada na Wikipedia deste termo, que tem como título “Teoria da
conspiração do marxismo cultural” e o seguinte texto no primeiro
parágrafo:

“O marxismo cultural é uma teoria da conspiração de extrema


direita e anti-semita que afirma o marxismo ocidental como a base
dos esforços académicos e intelectuais contínuos para subverter a
cultura ocidental.” 1

Esta citação mostra-nos claramente como é que as pessoas que


usam esta expressão para denunciar movimentos sociaI Ve políticos
de esquerda são classificadas: perigosos racistas conspiracionistas,
ao nível dos grupos anti-vacinas ou terra-planistas. Mas vamos
perceber durante esta viagem pela raiz e evolução do marxismo que
o termo “marxismo cultural” tem afinal alguma razão de existir,
apesar de ser atirado um pouco como palavra de ordem na arena
política e de guerra cultural, o que não ajuda absolutamente nada à
compreensão por parte do público do que as palavras realmente
significam. Comecemos então a viagem pelo seu ponto de partida,
ou seja, Marx e o marxismo.
AS IDEIAS MARXISTAS

Marx era antes de tudo um filósofo. Cresceu na Alemanha, e no


seu percurso académico esteve sempre ligado a grupos onde
exercitava o pensamento crítico, particularmente sobre a forma
como a filosofia podia e devia transformar o mundo para que este se
tornasse mais justo.
Sem surpresas, tendo nascido em 1818, no rescaldo da
Revolução Francesa, Marx era influenciado pelas ideias do
iluminismo, que tinha a razão humana como a base e a medida de
todas as coisas. Seguindo a influência do iluminismo, Marx queria
libertar a consciência humana de todas as irracionalidades, de todas
as submissões, de todas as cadeias, de todas as formas de
alienação e desumanização. Daí o combate feroz que Marx e todos
os que seguiam o modelo da Revolução Francesa travavam contra
a religião, que viam como apenas uma fonte de opressão (e não
estavam totalmente errados, porque a religião e o cristianismo
foram, durante a história, também uma força de opressão e
instrumento de dominação dos fracos pelos poderosos). Para Marx
a religião não era tanto um mal em si, mas era mais um sintoma: as
pessoas em sofrimento viravam-se para a religião como uma fuga
da sua miséria, consumiam religião como uma droga para
anestesiar o seu desespero. Como Marx escreveu em “A crítica da
filosofia do direito de Hegel”:

A religião é o soluço da criatura oprimida, o coração de um mundo


sem coração, o espírito de uma situação carente de espirito. É o
ópio do povo.2

Mas não era apenas a religião que Marx criticava na sua filosofia;
o próprio estado para Marx, era também historicamente um sintoma
da necessidade do homem se refugiar numa entidade
transcendente, e ao mesmo tempo um instrumento dos poderosos
para dominar. Para Marx, e o seu companheiro de luta e
pensamento, Friedrich Engels, o Estado iria eventualmente deixar
de ser necessário e desaparecer, à medida que as massas
produtivas tomassem o poder e se organizassem numa sociedade
comunista. Engels não tinha dúvidas em escrever que “O Estado
desaparecerá inevitavelmente, juntamente com as classes.”3 Então
o que era necessário para as massas se libertarem da opressão era
um estado verdadeiramente universal, sem classes, religião oficial
ou propriedade privada, um estado não dominado pelos poderosos -
a burguesia - mas composto por representantes da classe
trabalhadora - aquilo a que Marx chamava o proletariado.
Mas para Marx e Engels os males do homem começavam numa
instituição ainda mais basilar do que a igreja ou o estado: a raiz de
toda a servidão era a família. Era na família que para Engels
começava toda a opressão. Por isso ele escreveu na sua obra “A
origem da família da propriedade privada e do Estado”:

A família moderna contém, em germe, não apenas a escravidão


(servitus) como também a servidão, pois, desde o início, está
relacionada com os serviços da agricultura. Encerra, em miniatura,
todos os antagonismos que se desenvolvem, mais adiante, na
sociedade e no Estado.4

Na visão de Engels, a família não apenas encerra todos os


antagonismos sociais; a família, especificamente a família
monogâmica, é irremediavelmente antagónica, um espaço de
escravidão de um sexo pelo outro. A monogamia não aparece na
história, portanto, absolutamente, como uma reconciliação entre o
homem e a mulher e, menos ainda, como a forma mais elevada de
matrimónio. Ao contrário, ela surge sob a forma de escravização de
um sexo pelo outro, como proclamação de um conflito entre os
sexos, ignorado, até então, na pré-história. Engels chega a ser
insultuoso nos adjetivos que usa para os cônjuges num casamento
monogâmico: são prostitutos da mais baixa categoria,
principalmente a mulher.

[…] o matrimónio baseia-se na posição social dos contraentes e,


portanto, é sempre um matrimónio de conveniência. […]
matrimónio de conveniência converte-se, com frequência, na mais
vil das prostituições, às vezes por parte de ambos os cônjuges,
porém, muito mais habitualmente, por parte da mulher; esta só se
diferencia da cortesã habitual pelo fato de que não aluga o seu
corpo por hora, como uma assalariada, e sim que o vende de uma
vez, para sempre, como uma escrava. E a todos os matrimónios
de conveniência cai como uma luva a frase de Fourier: “Assim
como em gramática duas negações equivalem a uma afirmação,
de igual maneira na moral conjugal duas prostituições equivalem a
uma virtude” 5

Esta citação dá-nos uma ideia do quão profundas e radicais eram


as ideias de Marx e Engels: a visão marxista do casamento é a de
uma relação de prostituição, e a visão marxista da mulher casada é
a de uma prostituta que vende o seu corpo
Em suma, Marx tinha um objetivo: transformar a estrutura
fundamental da sociedade, mudar o mundo. A sociedade estaria
toda estruturada de forma injusta, com uma minoria poderosa a
oprimir uma maioria miserável, e essa injustiça tinha de ser corrigida
por quaisquer meios necessários. O primeiro instrumento de Marx
para mudar o mundo era nada menos que a filosofia. Mas esta não
devia ficar apenas pelas discussões e teorizações intelectuais, mas
deveria irromper pelo mundo como ação, ser a arma da
emancipação dos povos. Claro que Marx sabia que a filosofia não
era suficiente para transformar a base material da sociedade, por
isso eram necessários outros instrumentos. Em mais uma citação
célebre ele escreve:

A arma da crítica não pode substituir a crítica da arma; a violência


material não pode ser derrubada senão com violência material.6

Com mais este instrumento declarado, vemos então claramente


quais eram os dois meios de luta que Marx considerava adequados
para levar a cabo a revolução, o único meio de combater a violência
da opressão: a filosofia e as armas. Mas para Marx, qual era o ponto
nevrálgico onde a luta tinha de ser travada e onde era preciso
atacar?
Para Marx, como ele escreveu no Manifesto do Partido
Comunista, toda a história se resumia à luta entre classes. A lógica
é a seguinte: o homem precisa de sobreviver e desenvolve
instrumentos de trabalho para com eles tirar da natureza a sua
subsistência. Nesse processo vai criando relações com outros na
base da produção, dos instrumentos que desenvolve e do produto
do trabalho. Quem detém os meios para produzir (uma minoria, que
no tempo de Marx era a burguesia, que comandava a indústria, a
agricultura e o comércio) domina sobre quem não os tem, que não
pode senão subordinar-se a produzir por um salário - uma maioria a
que Marx chamou o proletariado. Esta visão da história chama se
materialismo histórico, porque vê o desenvolvimento de tudo o que é
humano (instituições políticas e jurídicas, formas de consciência
como a literatura, a arte, a ética, a religião…) como tendo uma
origem material, ou seja, as forças produtivas e as relações de
produção. O mundo sempre tinha sido dominado por uma elite de
poderosos que detinha os recursos materiais, e sujeitava as massas
à servidão, e essa era até agora a base da civilização.
Este pensamento vê então nas forças produtivas a raiz de tudo o
que é humano, o que é bastante problemático, mas em sintonia com
a cosmovisão materialista de Marx, segundo a qual o universo tem
uma origem apenas material. Semelhantemente, o homem é apenas
um ser material que não é movido nem moldado pela sua
consciência ou ideais, mas um produto das forças de produção. E
se tudo o que é humano é apenas uma função da produção, então o
homem não tem liberdade, é apenas um produto dessas forças e
uma vítima delas. Mesmo se o proletariado fizer a revolução e
chegar ao poder, abolir a propriedade privada, e tomar posse dos
meios de produção, se seguirmos a lógica de Marx, o homem
continua a ser subordinado a essas mesmas forças históricas. Até a
revolução acontece por força da produção, e mais: nesta lógica o
homem não tem quaisquer direitos inatos, visto não haver nenhuns
ideais que conduzam a humanidade e moldem a história, nem
nenhuma origem não material do universo. Para Marx, nem o
comunismo era sequer um ideal, mas apenas uma evolução natural
das forças de produção, como escreveu em ”A ideologia alemã”:

O comunismo não é para nós um estado de coisas que deva ser


estabelecido, um ideal pelo qual a realidade [terá] de se regular.
Chamamos comunismo ao movimento real que supera o actual
estado de coisas. As condições deste movimento resultam da
premissa actualmente existente.7

Marx acreditava que tinha encontrado nada menos que o motor de


toda a história da humanidade, e que só havia uma maneira de
transformar a história: progredir através da revolução para uma
sociedade comunista, em que se retira pela força toda a propriedade
à burguesia, se colocam nas mãos do proletariado todos os meios
de produção, e se institui uma sociedade onde tudo o que é
produzido é distribuído gratuitamente segundo a necessidade de
cada um. O lema de Marx, que sumariza a filosofia comunista era,
segundo escreveu na sua “Crítica ao programa de Gotha”:

“De cada qual, segundo a sua capacidade; a cada qual, segundo


as suas necessidades”.8

Importa introduzir aqui a diferenciação entre o comunismo e o


socialismo. Ambos são uma reação a um mundo de desigualdades
e injustiças, mas o socialismo é anterior a Marx (o socialismo
moderno começou na segunda metade do século XVIII), e não tinha
como meio de transformação a revolução pelas armas. Os
proponentes do socialismo também não defendiam a abolição total
da propriedade privada, e apesar de quererem uma sociedade em
que o estado controlava os meios de produção para assegurar a
justiça, eram, em geral mais moderados do que Marx e Engels (que
acusaram os socialistas de serem utópicos e terem falta de realismo
nas suas propostas).9 Marx e Engels foram inspirados pelo
socialismo, tendo levado as ideias socialistas até às suas últimas
consequências, e isso é o comunismo (Marx dizia efetivamente que
o socialismo era apenas um passo ou um estágio no caminho para o
comunismo).
Em conclusão, é fácil de ver que algumas ideias que o marxismo
propõe são extremamente controversas: o materialismo histórico
que vê as forças produtivas como motor último de tudo o que é
humano, reduzindo a humanidade a um produto dessas forças, por
exemplo, e de uma forma flagrante, a apologia aberta da violência
como forma de chegar à transformação social. Mas isso não
impediu que o marxismo fosse um extraordinário sucesso na sua
difusão e encontrasse eco a nível global (as tentativas de
implementação são claramente uma história bem diferente do
sucesso da propagação). E foi um sucesso porque capitalizou
(trocadilho intencional) politicamente as aspirações de uma massa
imensa de pessoas oprimidas, sem esperança de melhorar a sua
condição, e escravas de um sistema impiedoso, que era o sistema
capitalista saído da revolução industrial do fim do século XVIII e
cujas raízes exploraremos mais adiante. Como refere Vladimir
Tismăneanu, um professor crítico de Marx da Universidade de
Maryland, “Karl Marx opôs-se à injustiça, Karl Marx opôs-se à
exploração, Karl Marx opôs-se à humilhação dos seres humanos.”10
As preocupações de Marx eram genuínas e válidas, portanto. Mas
o que dizer da receita marxista para resolver os problemas
causados pelo capitalismo? E como correram as tentativas mais
sérias e sistemáticas de implementar a receita de Marx? Nenhum
exemplo é mais emblemático do que a Rússia, que se tornou o
primeiro estado comunista da história, e nenhum é mais sangrento
do que a China, a única superpotência comunista que se mantém
até hoje.

A implementação do marxismo: dois exemplos


A transformação do império russo em União Soviética foi
protagonizada por Vladimir Lenine e começou em 1917, aquando da
iminente derrota russa na primeira guerra mundial, e de um povo
massacrado pela guerra iniciar uma revolução, a revolução de
outubro. Lenine fundou o Exército Vermelho, composto por
camponeses e trabalhadores, e tomou o poder, ao que se seguiu
uma guerra civil de três anos. Conforme as prescrições de Marx, a
propriedade privada foi abolida, e para sustentar o seu exército,
Lenine ordenou a requisição forçada de cereais e outros produtos
aos produtores agrícolas, o que levou a uma rotura na produção e
distribuição de produtos agrícolas e pecuários, resultando numa
fome generalizada em que se estima que tenham morrido mais de 5
milhões de pessoas e que tenha levado muitos soviéticos em
desespero ao canibalismo.11 Mas a tragédia não ficou por aí. Com
os mortos da guerra civil, as execuções pela mão da polícia secreta
que Lenine fundou, e todos os horrores que vieram a seguir com
Estaline (que sucedeu a Lenine na liderança do partido comunista e
enviou milhões para os gulags, os campos de concentração e morte
soviéticos, além de ter provocado mais uma fome generalizada na
Ucrânia no período de 1932-34), estima-se que a contagem de
mortos resultantes da experiência marxista na União Soviética
ascenda a cerca de 60 milhões de pessoas.12
Apesar destes números trágicos da União Soviética, o comunismo
não deixou de ser implementado em muitos outros países de todos
os continentes, desde a América Latina (Nicarágua, Cuba,
Venezuela) Ásia (Vietnam, Coreia do Norte, China), África (Angola
Moçambique, Congo), e praticamente toda a Europa de Leste -
sendo que em apenas 5 países se mantém até hoje um governo
comunista. De entre todos esses exemplos, não há nenhum mais
sangrento do que a ditadura comunista na China de Mao Tse Tung.
Desde que fundou o Partido Comunista Chinês em 1949, Mao foi
responsável pela morte de entre 40 a 80 milhões de pessoas13,
mortes divididas entre o Grande Salto em Frente (iniciativa para
industrializar em tempo recorde um país maioritariamente baseado
na agricultura familiar, e que obrigou milhões de camponeses a
deixar a produção agrícola e virarem-se para a indústria, resultando
numa fome generalizada) e a revolução cultural, uma iniciativa de
execução massiva de dissidentes do regime que durou de 1966 até
1976 - isto além de muitas outras campanhas genocidas, incluindo a
perseguição e morte de cristãos e a ocupação do Tibete.14
Poderíamos falar de vários outros exemplos, mas podemos dizer
que comum a todas as tentativas de implementação das ideias
marxistas, é o facto de nenhuma ter sido bem sucedida, e nenhuma
ter chegado a obter uma sociedade comunista pura, como Marx
almejava. Em todos os exemplos de governo marxista, os estadistas
viram-se obrigados a fazer concessões e a reinterpretar a própria
teoria marxista para justificar um modelo que era tudo menos
comunismo puro. Isto é gritante no caso da China atual, que,
continuando a afirmar-se comunista, é basicamente uma economia
liberal e capitalista (enquanto mantém um apertado controlo à
religião e se revela muito eficaz a silenciar vozes dissidentes).
Atualmente temos ainda uma vasta disseminação de partidos
comunistas de inspiração marxista-leninista em todos os
continentes15, sendo que em vários países fazem no mínimo parte
de uma coligação governativa de esquerda (em Portugal o Partido
Comunista Português (PCP) é uma força política presente e com
influência, tendo formado governo de coligação com forças de
esquerda de 2015 a 2019). Apenas em cinco países o partido
comunista é o partido único no governo, sendo quatro deles
asiáticos e um americano, em Cuba. O socialismo que se mistura
inevitavelmente com o comunismo (dada a proximidade ideológica e
a dificuldade comunista em defender abertamente a revolução
armada) está presente também em todo o mundo. Estes dados
dizem-nos que as ideias socialistas e as de Marx e Engels estão
ainda bem difundidas no mundo, e não dão sinais de desaparecer
no futuro próximo, continuando a ter peso na política nacional de
inúmeros países.
Haveria muito mais a dizer sobre o marxismo, mas não podemos
aqui fazer mais do que um breve resumo da filosofia marxista. No
entanto não podemos avançar para uma análise das formas atuais
de marxismo sem lembrar que este, tanto na sua raiz socialista
como na sua construção comunista, foi essencialmente uma reação
a um sistema que, embora não fosse propriamente uma novidade,
estava plenamente implantado nos dias de Marx, fruto da revolução
industrial: o capitalismo liberal.
O CAPITALISMO LIBERAL

Como já sublinhamos, Marx viu nada menos que uma realidade: o


mundo sempre foi de facto historicamente como ele observou,
organizado por classes em que poucos poderosos oprimiam e
dominavam sobre muitos miseráveis. Sempre foi assim desde que o
homem é homem, e Marx teve uma visão de um mundo diferente.
O sistema capitalista no tempo de Marx estava no auge, com a
revolução industrial a reduzir o homem a um instrumento de
produção - sem direitos, sem defesa, sem voz. Um texto sobre as
leis do trabalho e a revolução industrial apresenta este relato:

Não havia muitas leis do trabalho em vigor para proteger os


trabalhadores, que geralmente eram mulheres, e crianças de
apenas cinco anos, de serem expostos ao ambiente de trabalho
perigoso. Muitas vezes, essas condições levavam trabalhadores a
doenças ou lesões, o que para muitos resultava em morte. O
ambiente de trabalho era difícil e os trabalhadores tinham que
trabalhar longas horas por salários extremamente baixos. As
pessoas trabalhavam cerca de dez a quinze horas por dia,
estimando-se o salário de 5,5 a 7 libras por semana.16

Esta era a realidade do mundo capitalista na revolução industrial.


Não era uma novidade a ausência de direitos dos trabalhadores (no
sistema feudal anterior à revolução industrial era em alguns aspetos
ainda pior, quando a escravatura ainda era legal e as condições
mínimas de higiene e salubridade eram praticamente inexistentes).
Mas com a revolução industrial, veio a massificação do trabalho e
da produção, e as exigências de produtividade eram muito maiores
do que no tempo da manufatura (o trabalho manual era muito mais
simples e de âmbito normalmente familiar). Esse foi o sistema
capitalista contra o qual Marx se insurgiu. E se durante o século XIX
foram sendo passadas leis que protegiam os trabalhadores da
exploração, muito se deveu ao socialismo e ao marxismo, que deu
aos trabalhadores uma consciência de classe que não existia nos
tempos feudais.
O capitalismo, segundo a Enciclopaedia Brittanica,

“é também chamado “economia de mercado livre” ou “economia


de livre iniciativa”, e é o sistema económico dominante no mundo
ocidental desde a dissolução do feudalismo, no qual a maioria dos
meios de produção são de propriedade privada e a produção é
orientada e o capital distribuído em grande parte pela operação
dos mercados.”17

Nesta definição encontramos duas condições essenciais do sistema


capitalista: 1) os meios de produção são privados, isto é, estão nas
mãos dos ricos - e estes na filosofia capitalista, são tradicionalmente
vistos como mais virtuosos, dado que é assumido que chegaram ao
nível socioeconómico em que se encontram devido ao seu esforço
abnegado e dedicação - e 2) a operação dos mercados distribui o
capital, isto é, a interferência do governo quer-se mínima. Desta
forma, permite-se que o investimento flua e crie emprego, o que
aumenta o nível de vida das massas, o que, por sua vez aumenta o
poder de compra e impulsiona a economia, gerando mais
investimento e perpetuando o ciclo de crescimento económico.
Filosoficamente, o capitalismo está intimamente associado ao
liberalismo, doutrina económica que enfatiza a autonomia individual,
igualdade de oportunidades e a proteção dos direitos individuais
(principalmente a vida, liberdade e propriedade).18 O liberalismo tem
como precursores os filósofos John Locke (1632–1704) e Adam
Smith (1723–90), que defenderam que as sociedades prosperam
quando os indivíduos são livres para perseguir os seus próprios
interesses dentro de um sistema económico baseado na
propriedade privada dos meios de produção e em mercados
competitivos, não controlados pelo estado ou monopólios privados.
Adam Smith, numa citação famosa na sua obra “A riqueza das
nações” escreveu o seguinte:

Proibir um grande povo, porém, de fazer tudo o que ele tiver


condições de fazer com qualquer item de sua produção própria,
ou de empregar seu capital e seu trabalho da maneira que ele
considerar mais vantajosa para ele próprio, constitui uma violação
manifesta dos direitos mais sagrados da humanidade.19

Vemos, portanto, a ênfase liberalista nos direitos do homem, em


particular o de aplicar a sua riqueza e trabalho de forma livre, sem
que isso lhe possa ser vedado sem contrariar algo sagrado.

O exemplo dos EUA


O auge da filosofia capitalista para muitos, e talvez a prova maior
do sucesso deste sistema é o exemplo dos Estados Unidos da
América, popularmente tida como a nação mais próspera
economicamente da história. E, à semelhança das falhas
desastrosas que vimos de forma breve relativamente aos dois
exemplos históricos de marxismo, é interessante analisar as queixas
de muitos relativamente ao sistema americano, talvez o sistema
económico mais liberal do planeta. Essas queixas manifestam uma
reação de contestação ao liberalismo extremo muito popularizado
por Ronald Reagan, que no seu discurso inaugural como presidente
disse que “O governo não é a solução para o nosso problema, o
governo é o problema.” Ora, para muitos, não é saudável ver o
governo como um problema em si mesmo, e que o governo se
demita de regular os mercados ou se abstenha de providenciar
garantias e direitos básicos a todos os cidadãos.
No caso dos mercados, em teoria parece fazer sentido deixar a
competitividade e a concorrência orientar a economia. O raciocínio
é: se a empresa quiser singrar é obrigada a ter um produto melhor e
mais barato do que o das demais empresas, e para ter um produto
melhor, é obrigada a incentivar os seus funcionários a produzir mais
e melhor através de melhores salários e condições de trabalho, o
que irá aumentar o poder de compra desses assalariados, e
impulsionar a economia. No entanto, vemos na crise financeira de
2008 um exemplo gritante de que o fraco controlo governamental
sobre os bancos, principalmente ao nível da regulamentação do
crédito imobiliário, provocou uma crise à escala global. Aqui o
governo não interferiu e “não foi um problema” - e o resultado foi
uma recessão de proporções catastróficas que teve como
consequências a perda para milhões de pessoas de emprego,
poupanças e poder de compra.
No filme “A Queda de Wall Street”, o personagem Ben Rickert,
interpretado por Brad Pitt, repreende dois colegas de Wall Street
que tinham apostado os seus investimentos na ruína do sistema
financeiro, por se regozijarem ao ganharem a aposta: na reprimenda
afirmou que por cada 1% que o desemprego sobe, 40 mil pessoas
morrem20. Este número refere-se aos EUA, e vem de um livro
escrito por quatro economistas em 198121 - e é verdade que esses
números têm sido postos em causa - mas é inegável que quando o
desemprego aumenta, aumentam os problemas cardiovasculares, o
abuso de drogas e álcool, os homicídios, a violência doméstica, as
perturbações mentais e o suicídio (isto é também extremamente
variável de acordo com o tipo de segurança social que cada país
possui). Então, é verdade que estes números são extremamente
difíceis de quantificar, mas também é verdade que é tão legítimo
fazer estimativas sobre as consequências negativas da filosofia
capitalista quanto fazê-las sobre as consequências da filosofia
marxista (embora as ordens de magnitude sejam, tanto quanto se
percebe, muito diferentes, e esmagadoramente superiores no caso
do comunismo).
Há de facto uma chamada de atenção muito importante a fazer
aqui: não estamos a defender que são comparáveis os genocídios
perpetrados pelos regimes marxistas com as consequências
negativas do ultraliberalismo. Mas ainda assim, a lição legítima a
tirar do exemplo da crise financeira de 2008 é clara: quando o
estado se demite de intervir na economia por causa da sua filosofia
ultraliberal, as economias colapsam e a mortalidade aumenta fruto
do desemprego e da pobreza. E não parece ter havido uma
aprendizagem profunda com os erros desse período: no fim do
referido filme, somos informados de que o sistema continua hoje a
permitir aos agentes explorar os mesmos mecanismos e lacunas
regulatórias que conduziram à crise imobiliária e bancária.
Na realidade portuguesa continuamos a ver bancos a pedirem
injeções de capital astronómicas ao estado, depois de, sem
interferência do estado (à boa maneira liberal), terem tido uma
gestão desastrosa, fazendo disparar o défice e privando outros
setores da economia de fundos vitais (entre 2007 e 2018, o valor
das ajudas do Estado à banca portuguesa (23.8 mil milhões)
correspondeu à soma do Orçamento de Estado de 2020 para a
Saúde, Educação, Ciência e Ensino Superior, Planeamento e
Infraestruturas e Cultura).22
Além do estado ultra-liberal americano se demitir de regular o
sistema financeiro, é também acusado por muitos de falhar em
garantir a todos os cidadãos direitos básicos como a saúde (na
discussão coloca-se mesmo em questão os cuidados de saúde
enquanto direito básico). O sistema de saúde americano funciona
basicamente como um sistema privado a cargo das seguradoras,
que vendem seguros de saúde cujas coberturas dependem do
poder de compra dos cidadãos e do tipo de seguro que o seu
emprego específico inclua. A administração Obama adotou como
bandeira a expansão das coberturas do sistema de seguros públicos
(Medicare e Medicaid), mas ainda assim é perfeitamente possível no
sistema de saúde americano não ter cuidados básicos de saúde e
acesso a medicamentos por não poder pagar um seguro, sendo o
seguro mínimo garantido pelo estado manifestamente insuficiente
nas suas coberturas. Aliás, atualmente, em contexto de pandemia,
estima-se que haja 27 milhões de americanos sem seguro de
saúde, ainda assim bem menos do que os 48,6 milhões em 2010,
antes da expansão do sistema de saúde pela administração
Obama.23,24
A discussão deste tema assenta muito na questão de o acesso a
cuidados de saúde ser um direito ou um produto comercial, e é uma
conclusão claramente ultraliberal dizer, como o jornalista Ben
Shapiro, que “eu não devo ser obrigado a pagar pelas despesas de
saúde dos outros”.25
No documentário da Netflix “Salvar o capitalismo” (baseado no
livro com o mesmo nome de Robert Reich, ex-ministro da
administração Clinton), é-nos dada a conhecer a história de Victoria
Dzorka, estudante e empregada de mesa nos EUA, e como ela,
diagnosticada com cancro e em tratamento, é informada pela sua
seguradora de que esta já não cobria certos tratamentos de
quimioterapia e que poderia receber uma conta de milhares de
dólares todos os meses. Com um salário de $1000/mês, deparava-
se com uma conta de $3000 mensais, algo obviamente impossível
para as suas possibilidades.26
Como vemos, quando o estado não garante uma distribuição
equitativa de serviços vitais, pessoas morrem. O resultado do
capitalismo ultraliberal nos EUA são mais 45 mil mortes estimadas
por ano entre pessoas sem seguro do que entre pessoas seguradas
(segundo um estudo de 2009)27. Estes e outros problemas,
consequência da filosofia capitalista liberal, são potenciados pela
promiscuidade entre o capital e o estado. No documentário acima
referido é-nos ainda apresentado o exemplo dos preços dos
medicamentos nos EUA, que são os mais elevados das nações
industrializadas e dos mecanismos que as grandes corporações
usam para se protegerem da regulação governamental e fazerem
avançar a sua agenda.
Nos EUA não é ilegal as empresas fazerem doações para as
campanhas eleitorais de candidatos, e também não é ilegal esses
candidatos, quando eleitos, participarem em decisões que envolvem
essas empresas - e também não é ilegal esses candidatos eleitos,
depois do seu período de governação terminar, trabalharem nessas
empresas. No documentário somos informados de que em 2017,
50% do total dos senadores em cessação de funções tornaram-se
lobistas (agentes de defesa de interesses, neste caso, corporativos)
na arena política e legislativa. O poder dos lobbies corporativos é
imenso: por cada dólar gasto por sindicatos e grupos de interesse
público, as corporações gastam 34 dólares em lobbying.
Vemos assim que as grandes empresas facilmente controlam as
leis e o sistema político através do seu capital, e que o estado, ao
não regular essas transações, fica completamente vulnerável à
influência de grupos que não têm o melhor interesse da nação e das
pessoas em mente, mas sim o lucro. No caso do preço dos
medicamentos - relativamente aos quais nos EUA o estado decidiu
não ter qualquer poder regulatório para não interferir com o mercado
livre - o impacto negativo direto na saúde das pessoas é indiscutível.
Haveria muitos outros exemplos de áreas com impacto profundo
na saúde e vida das pessoas, nas quais os interesses económicos a
influenciar os decisores pesam mais do que o bem-estar das
populações, incluindo a área do ambiente e combustíveis fósseis,
tecnologia e proteção de dados, tráfico de drogas, indústria da
pornografia, prostituição e tráfico humano, aborto, e muitas outras.
Mas não é este o espaço para as discutir em pormenor.
MARXISMO VS LIBERALISMO

Vimos os modelos marxista e liberal, e tocamos ao de leve nas


filosofias subjacentes. E parece claro que o marxismo na sua forma
pura, além de ser utópico e impraticável, tem consequências
dramáticas quando é mesmo que imperfeitamente implementado.
Mas parece também claro que o ultraliberalismo, apesar de muito
menos nocivo do que o marxismo (os incontornáveis genocídios nos
regimes marxistas comprovam-no), também fica longe do modelo
ideal de uma sociedade justa e que exerce compaixão para com os
seus membros mais fracos, menos produtivos e mais incapazes.
Mas porque falham exatamente estes modelos? Falham porque
estão assentes em pressupostos filosóficos errados sobre a
natureza humana que não podem senão resultar em filosofias
deficientes. Esses pressupostos são ideias sobre a transcendência
dos direitos humanos, a natureza humana e a consequente natureza
da sociedade, e vamos vê-los em oposição nessas duas filosofias.

Direitos humanos
O primeiro pressuposto que iremos considerar, e um que falha na
filosofia marxista, ao contrário do que acontece na filosofia liberal, é
a visão do homem como tendo direitos inalienáveis e inerentes.
Para John Locke, o pai do liberalismo, e sem dúvida por causa das
suas raízes cristãs, todas as pessoas são dotadas de direitos
naturais à vida, liberdade e propriedade, e esses direitos não lhes
podem ser negados por nenhuma autoridade, porque lhe são
conferidos por Deus28. É uma visão teísta, que coloca um Criador
como legislador moral e o homem como uma criatura que encontra
a sua identidade por referência a um Deus Todo-Poderoso. Foi esta
visão que esteve na origem da constituição dos Estados Unidos da
América e das declarações dos direitos humanos, e é esta ideia de
direitos humanos inalienáveis e transcendentes que fundamenta o
liberalismo.
Marx opunha-se ferozmente a esta ideia. Em linha com a sua
visão do materialismo histórico, não apenas a história era movida
apenas por fatores materiais, como a religião e a ideia de Deus
eram causa e consequência da alienação do homem. Para ser livre
o homem, segundo Marx, não apenas não precisava da religião,
como se devia livrar dela como factor de opressão. É fácil então
perceber como para Marx os fins justificavam os meios, como para
obter liberdade, era legítimo usar violência para matar e silenciar os
opositores burgueses, sem qualquer peso na consciência: sem uma
lei superior e transcendente, a vida humana não tem valor objetivo,
e o poder torna-se o valor absoluto (era precisamente esta a tese
central de uma das filosofias emergente no tempo de Marx,
nomeadamente a do filósofo Nietszche). Esta ideia da revolução
violenta sai diretamente da Revolução Francesa e inspira o
marxismo, que por seu turno serve de base às revoluções
sangrentas e genocidas dos regimes comunistas do século XX.
Esta é uma implicação das filosofias de base ateísta que é
extremamente difícil de aceitar pelos humanistas seculares
modernos, que querem ter uma filosofia sem espaço para Deus e
para a religião, e ao mesmo tempo advogar uma moralidade objetiva
e transcendente a culturas e tempos. Mas isso é impossível: como
escreveu Fyodor Dostoievski, no seu romance “Os irmãos
Karamazov”, numa frase que se tornou célebre, “sem Deus, tudo é
permitido”. Sem uma moralidade que transcenda o homem, que lhe
venha de cima, do Criador e supremo Legislador, todos os valores
morais se tornam relativos a épocas e culturas, e nenhum está
imune a ser posto em causa e abolido. O século XX é disso prova
irrefutável.
Natureza humana
O segundo pressuposto filosófico que está em causa na
comparação destas visões é a natureza humana. Marx tinha uma
visão da natureza humana como algo equivalente aos instintos e
necessidades do ser humano, tendo classificado cada individuo em
sociedade como “uma totalidade de necessidades” 29. Por outro
lado, Marx aliava esta visão naturalista do homem como um ser tão
condicionado pelas suas necessidades como qualquer outro animal
(embora para Marx o homem fosse distinto destes por virtude da
sua evolução particular) a uma crença (fé?) na capacidade do
homem viver pacificamente numa sociedade sem classes e sem
propriedade privada, onde todas as necessidades de todos os
membros estejam supridas. Parece uma visão contraditória, do
homem ao mesmo tempo como um ser inerentemente escravizado
pelas suas necessidades, enquanto pode chegar a um estado social
de pureza - uma conjugação no mínimo estranha entre uma visão
pessimista e determinista e uma visão otimista desligada da
realidade (por alguma razão o comunismo é acusado de ser utópico
e de aspirar a algo irrealizável).
Esta contradição pode ser explicada pela visão do homem
essencialmente sociológica de Marx, de que a humanidade é
basicamente um conjunto de relações sociais, e que a mudança no
modelo social opera necessariamente uma mudança no nível da
natureza humana. O caráter distorcido desta visão da natureza
humana fica patente nas diversas experiências sociais e políticas do
marxismo: nunca foi alcançada a utopia porque o homem não é feito
apenas de relações sociais, nem são estas que o determinam; o
homem é feito essencialmente de vontades e instintos básicos e
profundos, que dão origem a realidades incontornáveis, tanto
biologicamente como socialmente: o espírito competitivo variável
que dá origem a diferentes graus de ambição e diferentes classes
sociais, a propriedade privada que vem como prémio do esforço
individual, e a resistência natural em se anular individualmente em
prol do coletivo, tornam o marxismo impraticável e as
contrarrevoluções quase inevitáveis.
No mínimo haverá sempre um braço de ferro imensamente tenso
entre o estado comunista com o modelo que não pode senão impor
pela força, e uma sociedade composta por indivíduos que
naturalmente resistem a essa imposição por causa da sua própria
natureza. Esse braço de ferro pode muito raramente ser vencido
pelo estado, como no caso da China e da Coreia do Norte, que
silenciam com muito sucesso as vozes dissidentes. Mas vemos que
na esmagadora maioria dos exemplos, o modelo comunista, no final,
não pode resistir a uma massa de indivíduos que vêm a sua própria
natureza violada e que nunca vão de livre vontade abdicar do que
lhes é mais querido.
A filosofia liberal parece também padecer de uma contradição. Por
um lado, temos um realismo sobre a natureza humana que dá
origem a constituições (já demos o exemplo da dos EUA) e a
declarações dos direitos humanos, que pressupõem uma natureza
transgressora e que precisa de limites (esses documentos servem
para estabelecer precisamente esses limites). O homem é então
visto como essencialmente egoísta, e, se deixado entregue aos
seus instintos naturais, irá naturalmente transgredir - e, portanto,
precisa de salvaguardas para os seus direitos fundamentais. Essa é
claramente a visão de Locke, e até aí tudo bem.
E também não há nenhum problema no argumento de que impor
um regime que elimine as liberdades fundamentais é tirânico e
inaceitável. A contradição aparece no argumento capitalista muito
comum, de que não apenas não se pode impor um regime tirânico,
mas que os instintos que decorrem da natureza humana devem ser
respeitados e até celebrados - e que o capitalismo é o melhor
sistema económico, porque é o sistema que celebra esses instintos.
A seguinte citação dum artigo do jornal The Guardian expressa-o de
forma brilhante:

Muito daquilo que eram consideradas falhas humanas, foram


transformadas em virtudes económicas. A cobiça tornou-se
ambição, a inveja agora reaparece como uma manifestação de um
espírito competitivo saudável, a gula é apenas um desejo natural
por mais, e a luxúria uma expressão necessária da nossa
realidade humana mais profunda. A tentação já não é um impulso
a resistir: é nosso dever ceder a ela (...)30

É muito provavelmente esta inversão de valores que as pessoas


sentem que existe, e que as faz usar expressões como “selva
capitalista”. É que um mundo assim, ainda que afirme respeitar os
direitos e liberdades mais fundamentais do ser humano, torna-se de
facto uma selva, em que os mais cobiçosos/ambiciosos, os mais
invejosos/competitivos, os mais gulosos/gananciosos, são os
vencedores, enquanto os mais fracos e incapazes se veem
inexoravelmente esmagados. Este facto é brilhantemente
demonstrado por Jordan Peterson no seu célebre livro “12 regras
para a vida”: usando um exemplo do mundo natural (as lagostas),
ele mostra que o que favorece a ascensão social é a postura
combativa e a agressividade (ou o “ser desagradável” e não
agradável ou compassivo).31
Então, por um lado, no ocidente capitalista, queremos, através de
mecanismos de validade universal (como as constituições das
repúblicas), prevenir os estragos causados pela natureza humana,
que admitimos que é egoísta e tirânica; por outro, adotamos os
traços dessa mesma natureza como inevitabilidades e construímos
um sistema baseado neles. Por muito que os defensores da cultural
ocidental (que hoje levantam o estandarte do capitalismo em reação
contra o revivalismo neomarxista e que exploraremos de seguida)
queiram abafar esta contradição para proteger o mundo da
alternativa socialista, ela é bem patente e põe a nu as fragilidades
deste sistema.

Filosofia social
O terceiro pressuposto filosófico que está em causa na
comparação destas visões é o tipo de filosofia social que advogam.
Ao passo que o marxismo é uma filosofia coletivista, isto é, o
homem é totalmente condicionado pelas forças produtivas e
essencialmente apenas um elemento numa massa de classes que
guerreiam entre si pelo poder, o capitalismo é uma filosofia assente
no individualismo: isto é, o homem, enquanto indivíduo, tem o direito
de perseguir a felicidade, e o dever moral de trabalhar para
prosperar (a acumulação de riqueza é virtuosa porque implica
trabalho e sacrifício, e a pobreza em geral denota falta de garra,
conformismo e preguiça).
É preciso dizer que o coletivismo não é exclusivo do marxismo -
antes, é uma característica de todas as filosofias totalitárias, como o
fascismo e o nazismo - mas não pode haver marxismo sem
coletivismo. Este pode ser definido como a primazia do grupo em
relação ao indivíduo, e todos os pressupostos filosóficos do
marxismo acima referidos apontam nesta mesma direção: é o
coletivismo que está na base da ideia de que os fins de uma
sociedade mais justa justificam os meios da supressão de
liberdades e direitos individuais, como a liberdade de religião e
expressão, e é também o coletivismo que está na base da visão de
que o ser humano não é mais do que o produto das relações sociais
e de que se pode mudar a natureza humana “de cima para baixo”,
por uma intervenção ao nível do coletivo.
Obviamente que não existe coletivismo puro (embora os regimes
marxistas se tenham aproximado bastante de um regime coletivista
sem qualquer respeito pelos direitos fundamentais do indivíduo –
aliás, sem sequer o reconhecimento de que esses direitos existem),
assim como não existe um individualismo puro. Mesmo numa
sociedade liberal onde os direitos do indivíduo são tidos como
sagrados, há necessidade de viver numa tensão entre esses direitos
e o bem-estar do coletivo (as restrições impostas pelos governos
liberais durante a pandemia do Covid-19 são disso exemplo). Mas
quando olhamos para as evidências, vemos claramente que a
história demonstra que se a primazia não for dada ao indivíduo,
abre-se a porta para todo o tipo de abusos.
O individualismo vem da tradição do iluminismo, de onde se
origina, por sua vez, o liberalismo. A herança liberal de John Locke
dos direitos humanos inalienáveis coloca a integridade do indivíduo
em primazia sobre o coletivo - e desta forma, como se vê nas
repúblicas ocidentais, não só não prejudica o coletivo, como
beneficia o coletivo: o pressuposto é que uma sociedade composta
por indivíduos prósperos e felizes, dá origem a uma sociedade
próspera e feliz. É esta diferença de base entre o individualismo e o
coletivismo que distingue de facto o marxismo do liberalismo: no
liberalismo, transforma-se a sociedade começando pelo indivíduo,
de baixo para cima; no marxismo, a receita para a transformação da
sociedade começa pelo coletivo, visando a transformação do
indivíduo de cima para baixo.
Não seria justo não contemplar na análise os abusos do
individualismo nas sociedades liberais - que ainda que não se
comparem em termos de consequências imediatas às atrocidades
provocadas pela filosofia coletivista, são também muito reais e
extremamente nocivas. A conveniência de um individualismo levado
ao extremo para uma natureza humana egoísta é por demais
evidente, e mostra-se em várias áreas da sociedade e cultura nos
países ocidentais, por exemplo: na área ambiental, onde claramente
a comodidade do indivíduo se sobrepõe ao interesse do coletivo (a
crise dos resíduos plásticos, muito por causa da conveniência dos
produtos descartáveis é disso um exemplo gritante)32; os
movimentos anti vacinação, que a pretexto da liberdade do indivíduo
colocam em perigo a saúde do coletivo e provocam crises sanitárias
como o recente ressurgimento do sarampo nos EUA em 201933; e o
respeito pelo direito de alguns indivíduos prosperarem
financeiramente que se sobrepõe facilmente ao direito de uma
massa de trabalhadores receber um salário condigno para a sua
subsistência, obrigando o estado a ativar proteções sociais que têm
de ser suportadas pelo coletivo.

O equilíbrio
Haverá uma forma de harmonizar a preocupação do comunismo
marxista com os mais vulneráveis com a meritocracia do capitalismo
liberal? Há pelo menos tentativas, mas é importante dizer logo à
partida que não parece razoável sequer pensarmos na China como
uma dessas tentativas. A China, que como referimos se liberalizou
economicamente enquanto se mantém firmemente implacável na
violência que exerce sobre os detratores do regime (à boa maneira
tradicionalmente comunista), não procura harmonizar o que quer
que seja, apenas crescer economicamente enquanto se mantém fiel
ao seu modelo marxista de pensamento único e reprimir todos os
pontos de vista dissidentes.
Os modelos mistos que procuram realmente harmonizar o cuidado
com os oprimidos com o liberalismo económico são essencialmente
de matriz socialista - e lembremos que uma das principais
diferenças entre o socialismo e o comunismo é o apelo deste último
para a violência, essencialmente quaisquer meios para atingir os
seus fins. Conforme já foi abordado, o socialismo é anterior ao
comunismo e, conforme idealizado por teóricos como Charles
Fourier, Robert Owen e Claude-Henry de Saint Simon, não estava
necessariamente vinculado a um regime político (para Fourier, o
modelo socialista poderia ser implementado em qualquer regime
político, desde a monarquia até à democracia).34
As propostas destes primeiros teóricos do socialismo tinham em
comum a conceção de um sistema de organização social onde a
liderança seria fluida ou rotativa, a riqueza seria distribuída por
todos equitativamente, e a propriedade privada seria permitida,
ainda que com maiores ou menores limitações, estabelecidas por
um governo central de forma a garantir a justiça social.
Ora para Marx, estes socialistas eram fundamentalmente utópicos,
já que viam a transformação da sociedade como algo possível sem
a revolução violenta e sem uma ditadura do proletariado, algo de
que Marx não abdicava. Mas estas primeiras propostas socialistas
são a base dos modelos atuais da social democracia dos países da
generalidade da Europa, onde aparentemente se consegue um
equilíbrio.
Na social democracia que emergiu na Europa depois da Segunda
Guerra Mundial, muito influenciada pela social democracia alemã da
qual Eduard Bernstein (séc. XIX) foi o autor mais proeminente35, foi
liminarmente rejeitada a via da revolução e do totalitarismo, e a
regulamentação estatal dos negócios e da indústria dentro de um
sistema liberal, considerada suficiente para promover o crescimento
económico e justiça social. Nos sistemas social democratas, a
proteção social ocupa um lugar de destaque, dando origem a
sistemas de segurança social e sistemas públicos de educação e
saúde, onde a todos é garantido o acesso.
É um equilíbrio sempre tenso e muito imperfeito, com os
desequilíbrios para o lado do liberalismo a produzirem, como no
exemplo que vimos nos EUA, crises financeiras e promiscuidade
entre o poder político e o grande capital, e os desequilíbrios para o
lado do socialismo a encorajarem por exemplo a dependência de
subsídios do estado e a falta de empreendedorismo e
responsabilização do indivíduo. Mas no fim de contas, estes
exemplos parecem aproximar-se bastante de um modelo saudável,
onde, de forma geral, se pratica uma meritocracia que incentiva o
trabalho árduo, mas que é limitada pela recusa em desamparar
quem, por várias razões - mesmo que por inércia ou preguiça - não
está à altura de merecer os benefícios do sistema.
É inegável que o capitalismo produziu uma sociedade mais
equilibrada, com mais liberdade e proteção de direitos dos
indivíduos. Mas vemos também claramente que sem um contrapeso
mais socialista, com uma regulação efetiva dos mercados pelo
governo e a garantia dada pelo estado de que as necessidades
básicas dos indivíduos serão supridas através, por exemplo, do
estabelecimento de um salário mínimo, ou prestações sociais em
situações de fragilidade social, o sistema capitalista torna-se uma
selva, à mercê da lei do mais forte, e em que os mais vulneráveis
são triturados na luta desalmada pela ascensão social.
Já mencionamos o modelo ideológico social democrata, que
defende a regulação do estado dentro de um sistema capitalista, e
que parece então garantir o equilíbrio possível necessário, apesar
de envolver sempre uma tensão ou um braço de ferro entre a
proteção de direitos individuais e a importância do coletivo, entre a
regulação estatal e o mercado livre, e entre o esforço de justiça e a
consciência da natureza humana egoísta. É uma filosofia de
compromisso, que rejeita a violência da revolução armada, mas que
exalta a dignidade humana, e advoga a justiça social por via do
consenso democrático. Que percebe a necessidade de uma
regulação assertiva do estado, mas que exalta o mercado livre e a
economia liberal. Que se preocupa com o interesse do coletivo, mas
que tem como bandeiras os direitos, liberdades e garantias do
indivíduo.
Mas ainda que pareça ser o melhor sistema que a história
produziu, e tenha sido indiscutível enquanto solução governativa no
mundo ocidental desde a segunda guerra mundial (tendo desde a
queda da ex-URSS conhecido uma ampla implementação também
na Europa do Leste), há hoje na Europa um descontentamento
generalizado com o sistema. Prova disso é a ascensão dos
chamados partidos populistas de extrema direita (acompanhados
por análogos movimentos de direita nos EUA e Brasil), que reagem
contra as ideias socialistas e contra aquilo que entendem ser um
revivalismo das ideias marxistas. Estes grupos alertam, entre outras
coisas, para a emergência de um movimento cultural que visa
transformar a sociedade destruindo as fundações da sociedade
ocidental, como a liberdade de expressão, a ciência, a biologia
humana, a família, a sexualidade e a masculinidade, entre outras. O
termo usado por estes movimentos de direita para se referirem a
esta ideologia é “marxismo cultural”, e a sua base teórica, que
vamos também examinar, chama-se Teoria Crítica.
O MARXISMO CULTURAL E A TEORIA
CRÍTICA

Como referimos no início, para muitos, o marxismo cultural é uma


teoria da conspiração. Allen Mendenhall fala do caso de Samuel
Moyn, professor de direito de Yale, que fez a pergunta: “O que é
“marxismo cultural”?” a sua resposta: “Na verdade, nada do género
existe”. Mendenhall refere que Moyn atribui o termo marxismo
cultural à “imaginação da alt-right [extrema direita]”, alegando que
implica teorias de conspiração malucas e tem “se infiltrado durante
anos em esgotos globais de ódio”.36 Na entrada da Wikipedia sobre
marxismo cultural, além do texto já citado no início, encontramos o
seguinte:

Marxismo cultural é uma teoria da conspiração difundida nos


círculos conservadores e da extrema-direita dos EUA desde a
década de 1990. Refere-se a uma suposta forma de marxismo,
alegadamente adaptada de termos económicos para termos
culturais pela Escola de Frankfurt, que se teria supostamente
infiltrado nas sociedades ocidentais com o objetivo final de destruir
suas instituições e valores tradicionais através do estabelecimento
de uma sociedade global, igualitária e multicultural.37

Não parece haver dúvidas da parte de alguns sectores da sociedade


de que o marxismo cultural é uma invenção. Mas há uma pergunta
que tem de se colocar: o que aconteceu ao marxismo? Depois de
sete décadas de experimentalismo revolucionário, e das sangrentas
tragédias que daí resultaram - além do quase esvaziamento do
problema da luta entre classes com a emergência da classe média
nos países ocidentais - será que as ideias marxistas são apenas
uma curiosidade histórica sobrevivendo apenas como um
remanescente nos poucos regimes comunistas que ainda resistem?
Para termos noção da forma como as ideias marxistas ainda
subsistem, temos de estudar o seu desenvolvimento a partir daquilo
que é chamada a “Escola de Frankfurt”.38
Em 1923, Felix Weil, académico marxista, fundou um instituto
especificamente dedicado ao estudo da sociedade alemã à luz de
uma abordagem marxista. Depois da sua incorporação na
universidade de Frankfurt (que nos anos 60 viria a ser chamada
Universidade Karl Marx), o instituto interpretou a sua missão como
sendo mais direcionada para uma integração interdisciplinar das
ciências sociais.
Sempre numa relação próxima com a União Soviética, os
investigadores foram capazes de abordar uma ampla variedade de
tópicos económicos, sociais, políticos e estéticos, desde a análise
empírica até a teorização filosófica, desenvolvendo diferentes
interpretações e aplicações históricas do marxismo. Por exemplo,
com o psicanalista Erich Fromm como precursor, estabeleceu-se
uma relação próxima entre a filosofia marxista e a Psicologia, sendo
o objetivo central de Fromm trabalhar com base numa síntese do
marxismo e da psicanálise.
A evolução histórica da Escola de Frankfurt mostra-nos então
claramente uma íntima associação que os marxistas da segunda
metade do século XX se esforçaram por estabelecer entre as ideias
marxistas e as ciências sociais. E a sua história recente continua a
evidenciar inequivocamente essa associação, principalmente a partir
do que é chamada a Teoria Crítica, um corpo de conhecimento e
investigação do qual alguns argumentam que Marx foi o precursor
(não as suas ideias sobre economia per se, mas as suas
teorizações sobre como o poder flui numa sociedade para produzir e
reproduzir desigualdades e exploração) e que resulta dos estudos e
perspetivas teóricas da Escola de Frankfurt.
Na Encyclopaedia Britannica, lemos que os adeptos da Teoria
Crítica afirmam que o objetivo principal da filosofia é compreender e
ajudar a superar as estruturas sociais por meio das quais as
pessoas são dominadas e oprimidas39. Esta forma de ver o mundo
que podemos dizer que é inaugurada por Marx (de ver todas as
relações sociais humanas como relações de luta pelo poder numa
perspetiva de crítica social) permeia assim todos os estudos da
Escola de Frankfurt, e lança as bases da Teoria Crítica, que por sua
vez dá origem ou está intimamente associada com uma panóplia de
teorizações e ideologias que marcam toda a cultura ocidental do
século XX.
No livro Introducing Critical Theory40, os autores Sim e Van Loon
apresentam um diagrama visual precisamente a mostrar esta
relação, chamado taxonomia da Teoria Crítica, no qual traçam as
origens de muitas das ideologias que nos são crescentemente
familiares hoje no mundo ocidental, particularmente na Academia.

Figura 1 A taxonomia da Teoria Crítica


Neste complexo diagrama é colocada em Marx a origem
(particularmente no marxismo ocidental), de movimentos como o
Feminismo - cujo estudo dá origem às áreas académicas de
Estudos de Género, Estudos sobre as mulheres e Teoria Queer; o
Pós-Colonialismo, que juntamente com o Feminismo Negro dá
origem à chamada Teoria Crítica Racial, e a área académica de
Estudos Culturais; isto além de envolver muitos outros movimentos,
autores e áreas de estudo de relevo no pensamento ocidental, que
são percursores e/ou produtos da Teoria Crítica. Todos estes
campos têm então como base uma crítica social marxista, que
problematiza o ser humano e a sociedade em termos de relações de
poder. Podíamos examinar cada um destes campos à luz das suas
raízes marxistas, mas seria um exercício demasiado longo para o
propósito desta publicação. Em vez disso, vamos olhar para o
modelo de Neil Shenvi, académico cristão, que fala de quatro ideias
ou pressupostos filosóficos que estão na base da Teoria Crítica e de
todas estas novas áreas de estudo que dela se ramificam.41

Os pressupostos da Teoria Crítica


Shenvi fala de quatro pressupostos, e vamos abordá-los um a um.
São eles o binário social, a opressão através da ideologia, a
experiência vivida e a justiça social.

1. O binário social
Na Teoria Crítica, como no marxismo, a sociedade está dividida
em duas classes: a dos opressores e a dos oprimidos. As áreas de
opressão são não tanto já o fator económico (ou pelo menos não
está na economia o foco principal, como em Marx), mas além do
factor económico a raça, nacionalidade, sexo, género, religião, etc
Para cada grupo oprimido (pessoas de cor, imigrantes, grupos
LGBT, mulheres, qualquer religião não cristã) há uma forma de
opressão (racismo, nacionalismo, heterosexismo, sexismo,
opressão religiosa), e um grupo opressor (brancos, homens,
heterossexuais, cristãos). No quadro seguinte ficam bem claras
estas associações.

Figura 2 Identidades de grupo através de relações de poder42

O quadro mostra-nos claramente como as relações sociais são


percebidas numa lógica de poder na mente dos ideólogos da Teoria
Crítica. Mas tudo se torna mais complexo quando entra a ideia de
interseccionalidade, que diz que a posição social de uma vítima não
pode ser compreendida apenas com referência à pertença a um só
grupo. Por exemplo, alguém pode pertencer simultaneamente a um
grupo oprimido e a um grupo opressor: uma mulher branca é
oprimida enquanto mulher, mas opressora enquanto branca.
Há então na Teoria Crítica uma complexificação das dinâmicas de
opressão relativamente ao marxismo, que lidava principalmente com
a luta entre classes sociais. A enorme variedade de novos grupos
oprimidos e opressores, com as correspondentes formas de
opressão, e a rede de interseccionalidade que cria sobreposições de
vitimização entre diferentes grupos, introduzem um elemento de
grande complexidade e divisões muito mais finas do que aquelas
que Marx preconizava.
Podemos também detetar nesta questão da divisão entre
oprimidos e opressores o conceito cada vez mais popular de identity
politics ou “política identitária”, uma expressão muito presente,
principalmente nos países anglo-saxónicos, nas discussões sobre
estas dinâmicas sociais de oprimidos e opressores, e que significa
que se alguém fizer parte de um grupo oprimido tem
obrigatoriamente de adoptar uma certa orientação política que se
coloca como defensora das minorias. Se não o fizer, significa que
internalizou a opressão e aliou-se aos opressores, traindo a causa
do seu próprio grupo. A política identitária é então uma causa e uma
consequência da divisão das pessoas e do mundo em grupos que
se opõem entre si e lutam pelo poder, uma ideia incontornavelmente
marxista, patrocinada pela Teoria Crítica.

2. Opressão através da ideologia


A Teoria Crítica entende que os grupos dominantes detêm o poder
através da imposição da sua ideologia às massas, aquilo a que se
dá o nome de poder hegemónico. Este conceito de poder
hegemónico relaciona-se com o conceito marxista de opressão, que
os movimentos da esquerda política ampliaram para não apenas
significar a injustiça que algumas pessoas sofrem por causa de um
poder tirânico (a burguesia), mas para designar também, como diz
Iris Young (cit in Shenvi), “as práticas do dia-a-dia de uma sociedade
liberal bem-intencionada”. É uma opressão abstrata e estrutural,
baseada em normas, hábitos e símbolos de uma sociedade.
Na sociedade ocidental, é o grupo dos homens brancos (e já não
a burguesia), que é visto como o grupo opressor, que impõe a sua
ideologia, as suas normas, os seus hábitos, e os seus símbolos a
todo um conjunto de minorias oprimidas - e aquilo que é assumido
por todos como algo natural e benéfico, segundo a Teoria Crítica, é
na realidade uma forma de opressão do homem branco sobre as
minorias. Na imagem abaixo a circular na internet, vemos a
imensidão de coisas que na mente de alguns grupos podem
constituir supremacia branca, desde iniciativas apenas em língua
inglesa até tratar crianças de cor como adultos ou ter fetiches com
pessoas de cor.

Figura 3 Supremacia branca implícita e explícita


Além desta classificação radical de algumas coisas perfeitamente
corriqueiras e aparentemente inofensivas como as que vemos na
figura 3, outro bom exemplo da cruzada contra o poder hegemónico
são os ataques que a própria ciência moderna está a sofrer por
parte dos defensores das minorias com o argumento de que é um
instrumento colonialista de opressão.
Atualmente vemos argumentos para “descolonizar a ciência”, e
isto significa não apenas manter a ciência íntegra e não permitir que
seja usada para promover preconceitos (o que é obviamente algo
consensual), mas questionar a própria validade dos valores e
métodos científicos empregues no ocidente (considerados
imperialistas) para, por exemplo, “reumanizar a matemática”, como
a cidade de Seattle nos EUA, está a fazer.43 O objetivo é introduzir
estudos étnicos no currículo de matemática, de forma a denunciar
uma panóplia de crimes graves cometidos pela ciência colonialista:
imperialismo, desumanização e opressão de pessoas
marginalizadas.
Num artigo da Nature, lemos por exemplo o seguinte:

A descolonização é um movimento para eliminar, ou pelo menos


mitigar, o legado desproporcional do pensamento e da cultura
europeus brancos na educação. De acordo com os defensores,
não se trata apenas de aumentar o número de cientistas negros,
embora essa “transformação” racial seja uma parte importante do
processo. Significa também desmontar a hegemonia dos valores
europeus e abrir caminho para a filosofia e tradições locais que os
colonos deixaram de lado.44

Esta citação mostra-nos claramente uma luta contra a hegemonia


de um tipo de valores, o que pode parecer sensato e desejável. Mas
há que colocar a questão: e se os valores locais que os colonos
europeus rejeitaram forem objetivamente nocivos? Devemos
substituir o valor da inviolabilidade do corpo humano pela mutilação
genital apenas porque o valor da inviolabilidade é europeu? O
sensato não será examinar os valores independentemente da sua
proveniência colocando de lado o que é nocivo e adotando o que é
bom?
Temos também presente na citação a ideia da priorização da
diversidade racial dentro dos departamentos de investigação
científica, em detrimento das próprias qualificações dos
investigadores – sendo dessa forma que agências governamentais
da área da educação nos EUA atuam. Além das preferências
frequentes por negros, hispânicos e mulheres, o NIH (Instituto
Nacional de Saúde) atribui incentivos de financiamento a estudantes
investigadores que eram ou foram sem-abrigo, que estavam ou
estiveram em orfanatos, que foram elegíveis para refeições
escolares gratuitas ou que receberam subsídios WIC (um programa
alimentar para mães com baixo rendimento) enquanto crianças ou
mães. É evidente que o atrativo que representa o aumento do
financiamento é um encorajamento para os departamentos
relegarem as qualificações para segundo plano e preferirem
candidatos de grupos considerados oprimidos.45

3. Experiência vivida
Este pressuposto explora a ideia de que grupos oprimidos, por
causa da experiência vivida que vão acumulando, têm acesso a
perceções mais adequadas da realidade, e por isso são mais fiáveis
nas suas conclusões. Shenvi cita Charles Lawrence, autor de um
ensaio em Pedagogia Crítica, no qual este diz basicamente que os
membros dos grupos oprimidos devem libertar-se da ideologia
dominante que afirma verdades objetivas, e que devem aprender a
confiar nas suas próprias experiências, sentimentos e sentidos,
atribuindo-lhes autoridade, mesmo (ou especialmente) face às
narrativas dominantes da realidade social. Noutra citação de outras
duas autoras, somos informados de que “a ideia de que a
objetividade deve ser alcançada através do pensamento racional é
especificamente ocidental e masculina”.
Esta forma de pensar baseia-se na perspetiva de que os grupos
privilegiados estão cegos pelo seu próprio privilégio, e têm razões
tanto conscientes como inconscientes para ignorar a realidade da
opressão. Por outro lado, por causa da sua posição social, os
grupos oprimidos podem alcançar uma “consciência desperta para
questões políticas ou sociais” (aquilo a que no mundo anglo-
saxónico se tem chamado woke conscience) e perceber que as
normas sociais em vigor são apenas formas de perpetuar a
opressão. Entretanto, se membros dos grupos oprimidos concordam
com a ideologia dominante, à luz deste pensamento ainda não
atingiram esse estado superior de consciência, e apresentam algo
chamado opressão “internalizada”, isto é, ainda estão dominados de
forma inconsciente pela própria ideologia que os oprime.
Vemos aqui uma ampliação das ideias de Marx sobre o caráter e o
alcance da opressão através dos conceitos da Psicologia como o de
internalização (o processo mental inconsciente pelo qual as
características, crenças, sentimentos ou atitudes de outros
indivíduos ou grupos são assimilados pelo self e adotados como
seus próprios). Isto é um produto direto do desenvolvimento da
teoria Crítica na escola de Frankfurt, e alia as ideias marxistas à
perceção do mundo interior do sujeito como definidor da realidade,
algo próprio da filosofia pós-moderna.
O pós-modernismo é um movimento filosófico, artístico e cultural
que diz basicamente que não há uma interpretação suprema da
realidade. Aquele que é considerado o pai do pós-modernismo,
Jean François Lyotard, escreve na sua obra de referência, A
condição pós-moderna: “Simplificando ao extremo, eu definiria pós-
modernismo como incredulidade relativamente às meta-
narrativas”.46 Se não há uma metanarrativa verdadeira e portanto
superior a outras falsas, significa que não há uma verdade absoluta
ou um ponto de referência privilegiado para analisar a realidade,
mas que todas as interpretações são igualmente válidas, mesmo
que contraditórias entre si. Como discutimos em mais pormenor
noutra publicação, parece não fazer sentido que as ideias pós-
modernistas apareçam ligadas às marxistas, porque o pós-
modernismo não admite a existência de narrativas supremas da
realidade, como o marxismo pretende ser. Mas essas duas filosofias
aparentemente incompatíveis entre si ligam-se na Escola de
Frankfurt - a figura 1 que vimos atrás mostra as origens dessa
ligação, que acontece na integração do marxismo com as ciências
sociais, a literatura e as artes, que o pós-modernismo permeia.
O mundo interior e a perceção subjetiva do sujeito assumem
assim na Teoria Crítica uma proeminência relativamente à realidade
objetiva e mensurável, algo que é bem evidente na forma como são
entendidas as agressões e a violência. Hoje fala-se de micro-
agressões, que nos meandros culturais sob influência da Teoria
Crítica constituem formas de violência impercetíveis, formas de
discriminação, ofensa pessoal e racismo que são extremamente
subtis mas que são consideradas reais e nocivas.47 Constituem
micro-agressões coisas como perguntar a alguém de cor negra “de
onde és?” (assumindo que a pessoa possui naturalidade estrangeira
só por ser de cor diferente) ou “assumir o género” de alguém,
atribuindo-lhe por exemplo o género feminino só porque a pessoa se
veste como uma mulher. Hoje em muitos círculos equipara-se este
tipo de “violência” subjetiva com a violência física objetiva, o que por
um lado dá azo a que qualquer pessoa possa ser acusada de
agredir outra, e por outro legitima a violência física em resposta à
psicológica. Para proteger as pessoas deste tipo de violência, criam-
se os chamados safe spaces ou “espaços seguros”, isto é,
contextos, principalmente na academia dos EUA, em que pessoas
podem estar protegidas de discursos que as ofendam e magoem.48
Um problema óbvio com esta prática é que se colocarmos um grupo
vulnerável num espaço seguro à parte do resto da comunidade,
estamos efetivamente a praticar segregação, ao mesmo tempo que
tornamos essas pessoas ainda mais vulneráveis aos discursos das
quais as queremos proteger. O resultado dessa prática são os
chamados snowflakes, ou “flocos de neve” expressão usada
principalmente no discurso conservador para designar pessoas que
se ofendem com extrema facilidade por não tolerarem ser expostas
a discursos que as desafiem ou coloquem a causa as suas ideias.49
Também com o argumento de que se deseja assegurar a proteção
dos vulneráveis, aparece a chamada cancel culture, a “cultura do
cancelamento”.50 Esta tendência cultural extremamente reminiscente
das práticas de censura de regimes totalitários consiste em eliminar
a presença de pessoas na esfera pública, seja cancelando palestras
em universidades, aparições públicas ou presenças nas redes
sociais. Afeta não apenas aqueles que são classificados como
extremistas, mas todos os que se considera que “ofendem”
determinados grupos (sendo que o mais comum tem sido o
cancelamento de pessoas da esfera conservadora e do espectro
político de direita. Além desses, um grupo que obviamente é
também afetado pela cancel culture são os humoristas, classe que
se tem insurgido publicamente contra esta prática (Rowan
Atkinson51 - o célebre Mr Bean - e Ricky Gervais no Reino Unido52,
Bill Burr nos EUA53, e em Portugal Ricardo Araúdo Pereira54 são
disso exemplos).
Além desta abordagem desastrosa do conceito de violência verbal
e psicológica e a sua equiparação à violência física, a ideia de que a
perceção subjetiva dos grupos oprimidos é mais fiável do que o
pensamento lógico e racional que está na base da ciência moderna,
leva a ideologias que até há bem pouco tempo seriam material para
romances distópicos. Noutra publicação tratamos em profundidade o
tema da ideologia de género, e as tendências já muito bem
estabelecidas no mundo ocidental que defendem que na questão de
identidade de género, a perceção do sujeito sobre o seu género se
sobrepõe a qualquer verificação externa, nomeadamente do âmbito
da biologia. Esta ideia tem tomado conta da mente e sociedade
ocidental, e as suas origens podem ser claramente atribuídas ao
foco da Teoria Crítica na experiência vivida.

4. Justiça social
A propósito deste pressuposto da justiça social, Shenvi cita Mary
McClintock (uma citação tirada do seu livro intitulado “Readings for
diversity”, Leituras para a diversidade – tradução livre) quando esta
escreve que,

“(…) antes de celebrar a diversidade, devemos primeiro eliminar a


intolerância (...). E para isso é preciso trabalhar para alcançar
justiça social, a eliminação de todas as formas de opressão social
(...) - seja esta opressão baseada na raça, género, etnicidade,
religião, capacidade física ou mental, ou estatuto
socioeconómico.”

E para muitos grupos hoje, todas as formas de luta contra a


injustiça são permitidas - os fins justificam os meios – e como
consequência levantam-se vozes na sociedade defendendo o uso
de violência contra aqueles que são considerados culpados de
perpetuar a opressão - no caso de Mark Bray, professor universitário
e membro do movimento antifascista americano ANTIFA, a violência
contra supremacistas brancos é justificada na luta contra este tipo
de opressão.55 E não são apenas os ativistas deste tipo de grupos
que legitimam a violência com o seu discurso e ações; foram muitos
os políticos e figuras públicas nos EUA, especialmente durante a
administração Trump (que pareceu ser o gatilho de uma violência
sem memória no discurso político daquele país), a advogar e a
incitar a violência. Maxine Waters, senadora democrata, fê-lo de
uma forma clara:

Acham que estamos a protestar neste momento? Ainda não viram


nada. Já há membros desse gabinete [da administração Trump]
que estão a ser vaiados em restaurantes ... manifestantes a
invadir as suas casas a gritar ‘sem paz, sem sono’. Se virem
alguém desse gabinete num restaurante, numa loja, num posto de
gasolina, saiam e formem uma multidão, e façam-nos recuar, e
digam que eles já não são bem-vindos em nenhum lugar.56

Outros políticos, como Corey Booker, candidato nas primárias


democratas à corrida pela presidência dos EUA, disse “Dirijam-se à
Hill [colina, em alusão à Capitol Hill, colina do Capitólio, sede do
Congresso dos EUA]. Levantem-se e por favor levantem-se na cara
de alguns membros do Congresso.” e os dois candidatos
democratas à presidência da República, hoje presidente e vice-
presidente eleitos, Joe Biden e Kamala Harris disseram
respetivamente:

Perguntaram-me se eu gostaria de debater com esse senhor


[Trump], e eu disse “não”, eu disse “se estivéssemos no liceu, eu
confrontava-o atrás do ginásio, e enchia-o de pancada”

Eles não vão parar, e digo a todos, tenham cuidado. Porque eles
não vão parar. Eles não vão parar até ao dia das eleições em
Novembro, e eles não vão parar depois do dia das eleições.
Nestas últimas declarações, Kamala Harris referia-se aos
manifestantes que protestavam violentamente, saqueando lojas e
incendiando ruas na sequência do assassinato de George Floyd por
um polícia em Junho de 2020.57
Obviamente que, no outro lado da barricada, é bem conhecido o
discurso incendiário de Donald Trump, que no momento da redação
deste texto está a ser julgado no Senado dos EUA por incitamento à
violência, violência essa que conduziu à invasão do Capitólio depois
das eleições. Mas Donald Trump não se auto-proclama paladino da
justiça social, como aqueles que proferem estas declarações - e
esta forma violenta de alcançar justiça social é característica de um
tipo de ativismo orientado por pressupostos oriundos da Teoria
Crítica (um ativismo bem diferente do de Martin Luther King, que
combateu o racismo advogando a não violência).
E a luta pela justiça social não é travada apenas contra alguns
grupos ou quadrantes políticos isolados; a luta é contra todo um
sistema que é comumente descrito pelos ativistas como capitalista,
racista e patriarcal (Shenvi cita Bell Hooks, feminista, que num dos
seus livros usa precisamente estas expressões para designar o
sistema que segunda a autora deve ser minado a partir de dentro e
desmantelado).
Este tema do Patriarcado revela algo muito interessante sobre
estes movimentos e esta filosofia da Teoria Crítica, remetendo-nos
para algo mais profundo do que um modelo geral de sociedade. O
que está em causa nesta questão é um modelo de família, e isto é
algo que pode ser ligado diretamente às ideias marxistas. É
importante sublinhar que normalmente os ativistas de justiça social
oriundos das ideias da Teoria Crítica alegam que o ataque ao
patriarcado é um ataque apenas à opressão da mulher pelo homem,
num esforço para alcançar a igualdade. Mas na realidade os
movimentos que vêm o patriarcado como sistema opressor não
retiram as suas ideias apenas de um ideal de luta pela igualdade,
mas de uma visão do modelo nuclear de família - o modelo burguês
- como inerentemente opressor.
Já referimos a visão de Marx e Engels sobre a família nuclear, e
como esta estaria na génese de toda a opressão. Ora, sendo a
família um espaço de escravidão de um dos sexos (o feminino) pelo
outro (o masculino) - e mais do que isso, um espaço de vil
prostituição (cf. capítulo I) - é fácil de antever qual a solução natural
para este problema segundo a filosofia marxista. Tal como na escala
macrossocial a solução para a luta entre classes era a revolução
violenta por parte da classe oprimida, na escala mais micro da
família seria uma incoerência da parte de um marxista advogar uma
pacífica transição para um regime igualitário. Não, a chave é a
revolução; não uma revolução violenta pelas armas contra uma
classe social, mas uma revolução cultural contra um modelo de
sociedade e tradição cultural.
A conclusão é que para um ativista de justiça social desta linha
não pode haver verdadeira justiça sem o desmantelamento da
família tradicional inerentemente patriarcal e opressora. A destruição
do patriarcado tem de estar no centro, como diz Mona Eltahawy,
feminista egípcia residente no Reino Unido.58 É precisamente essa
linha de pensamento que encontramos por exemplo no site da
organização Black lives Matter, movimento de justiça social dos
Estados Unidos. Na secção “Em que cremos” do site lia-se o
seguinte:

Nós desmantelamos o requisito de estrutura familiar nuclear


prescrito pelo ocidente, apoiando-nos uns aos outros como
famílias extensas e ‘aldeias’ que coletivamente cuidam uns dos
outros, especialmente os nossos filhos, a um nível que mães, pais
e filhos se sintam confortáveis.

Usamos a expressão “lia-se” propositadamente – lia-se, porque


toda essa página foi apagada no seguimento da polémica que
causou o parágrafo citado.59 Neste parágrafo abertamente
coletivista, em que a ideia parece ser livrar o mundo do conceito
monogâmico de família nuclear, não temos apenas uma expressão
infeliz; os líderes da organização admitem abertamente que são
marxistas treinados, portanto não é coincidência que as suas
declarações reflitam o pensamento marxista.60
Outro grupo análogo, o Movement For Black Lives (M4BL) expõe
de uma forma aberta no seu site todas estas mesmas linhas
referindo que “Acreditamos e entendemos que os negros nunca
alcançarão a libertação sob o atual sistema capitalista racializado
global.”61
Esta é a luta maior do marxismo cultural orientado pela Teoria
Crítica: todo um sistema do mundo ocidental desde o seu nível mais
fundamental - a família nuclear - que para os “guerreiros de justiça
social” é a base que contamina todo o edifício da sociedade,
promovendo desigualdade e opressão.

Uma crítica da Teoria Crítica


Vemos então que o marxismo sempre teve uma dimensão cultural,
desde o início. O que a Teoria Crítica faz é dar-lhe uma forma
fundamentalmente cultural, apelando a uma revolução
essencialmente cultural, mas em que, à semelhança do marxismo
clássico, a violência é um meio legítimo para atingir o fim da
transformação social (como mostram os apelos e a legitimação da
violência por parte de muitos ativistas que encarnam esta ideologia).
E depois desta reflexão sobre as ideias base da Teoria Crítica
enquanto ramificação do marxismo, chegou a hora de fazer uma
crítica da Teoria Crítica - e para um cristão, a crítica é sempre feita
do ponto de vista da sua cosmovisão, a forma de ver o mundo e a
realidade que tem o Deus da Bíblia como base e ponto de
referência.
É importante dizer que na superfície, há na Teoria Crítica, e, por
inerência, na cosmovisão marxista, preocupações que são comuns
à ética e moral do cristianismo. No entanto a base da ideologia
marxista é uma cosmovisão muito distante da cosmovisão cristã, o
que contamina o que de bom pode haver à superfície,
transformando essas boas preocupações em desequilíbrios graves
e nocivos. Vejamos cada uma das ideias propostas por Shenvi, que
examinamos atrás, e a forma como, mesmo tendo preocupações
comuns à mensagem cristã à superfície, estas ficam gravemente
distorcidas por causa da sua base que essencialmente é uma
negação da fé cristã.

1. Binário social
Na Teoria Crítica, como no marxismo, a sociedade está dividida
em duas classes: a dos opressores e a dos oprimidos. A Teoria
Crítica e o marxismo exibem então uma preocupação com os
oprimidos e um sentimento de revolta contra a injustiça.
A Bíblia também. Do início ao fim da Bíblia vemos um Deus
preocupado com a injustiça, com uma compaixão especial pelos
pobres e vulneráveis, e uma ira bem patente contra os opressores e
os que promovem a injustiça. O profeta Amós, por exemplo, não se
contentava em denunciar genericamente a injustiça social, mas
denunciava especificamente:
• os ricos que acumulavam cada vez mais, para viverem em
mansões e palácios (3:13-15; 6:1-7), criando um regime de
opressão (3:10);
• as mulheres ricas que, para viverem no luxo, estimulavam seus
maridos a explorar os fracos (4:1-3);
• os que roubavam e exploravam, e depois iam ao santuário orar,
dar o dízimo, dar esmolas para aplacar a própria consciência (4:4-
12; 5:21-27);
• os juízes que julgavam de acordo com o dinheiro que recebiam
dos subornos (2:6-7; 4:1; 5:7.10-13);
• os comerciantes ladrões sem escrúpulo que deixavam os pobres
sem possibilidades de comprar e vender as mercadorias por preço
justo (8:4-8).
No Novo Testamento, vemos o mesmo tipo de denúncia e
exortação, na carta de Tiago, por exemplo:

Agora, ricos, escutem! Chorem e gritem pelas desgraças que


vocês vão sofrer! As suas riquezas estão podres, e as suas
roupas finas estão comidas pelas traças. O seu ouro e a sua prata
estão cobertos de ferrugem, e essa ferrugem será testemunha
contra vocês e, como fogo, comerá o corpo de vocês. Nestes
últimos tempos vocês têm amontoado riquezas e não têm pago os
salários das pessoas que trabalham nos seus campos. Escutem
as suas reclamações! Os gritos dos que trabalham nas colheitas
têm chegado até os ouvidos de Deus, o Senhor Todo-Poderoso.
Vocês têm tido uma vida de luxo e prazeres aqui na terra e estão
gordos como gado pronto para o matadouro. Vocês têm
condenado e matado os inocentes, e eles não podem fazer nada
contra vocês.
- Tiago 5:1-6, BPT

Jesus foi também perentório em denunciar os abusos dos


poderosos, ao condenar os fariseus como hipócritas e opressores
dos vulneráveis (Mateus 23:23-29), e em dividir os que se diziam
seus seguidores em efetivamente dois grupos de pessoas: os que
atendem ao sofrimento dos outros, que é como se atendessem ao
próprio Cristo, e os que ignoram esse sofrimento e necessidades,
ignorando aquele a quem chamam Senhor. Além de deixar clara
esta divisão, identificou-se aberta e profundamente com os
oprimidos (Mateus 25:31:46).
Se esta preocupação com os vulneráveis é partilhada, onde está
então o erro da Teoria Crítica marxista?
O erro é que esta vê apenas a divisão na superfície e não aborda
a condição fundamental do ser humano que é comum a todos. À
superfície parece de facto que uns vivem a oprimir enquanto outros
vivem na condição de opressores. Numa análise pouco atenta do
mundo essa parece de facto a realidade. No entanto quando
olhamos mais de perto para a essência de cada ser humano, vemos
que em todos existe uma inclinação para oprimir o seu semelhante.
Um ótimo exemplo disto é o caso dos regimes de alguns países
africanos, como Angola, Moçambique, Namíbia, África do Sul e
Zimbabwe: tendo começado como oprimidos em grupos e
movimentos de resistência organizada aos regimes coloniais, depois
de assumirem o poder passaram rapidamente a oligarguias como o
regime dominado pela família de José Eduardo dos Santos em
Angola e ditaduras abertas e violentas como a de Robert Mugabe no
Zimbabwe.62
A esta condição humana, a Bíblia chama de pecado e esta é uma
parte essencial da cosmovisão cristã. Ninguém está num patamar
moral superior, todos estão aquém do ideal de Deus, todos são
pecadores, e com um potencial imenso para a destruição ou para a
conivência com a mesma. O Apóstolo Paulo escreve precisamente
sobre isso na carta aos romanos, demonstrando pelas Escrituras
que, segundo a cosmovisão cristã, todos estão dominados pelo
pecado, tanto os judeus religiosos como os gregos pagãos - não há
um ser humano perfeitamente justo, nem sequer um (Romanos
3:9,10). Esta condição é tão profunda, que a Bíblia diz que “quem
sabe fazer o bem e não o faz comete pecado” (Tiago 4:17). Não se
trata apenas de uma inclinação ativa para destruir, mas de uma
inclinação passiva e cheia de indiferença para deixar o mal crescer
livremente.
Significa que, sem prejuízo de admitir a realidade de haver grupos
que são oprimidos ou opressores em determinados momentos, a
cosmovisão cristã não atribui a nenhum desses grupos uma
condição inerente de oprimidos, que são colocados num patamar
moralmente superior, ou opressores, que ficam num patamar
moralmente inferior. Este é o erro básico da Teoria Crítica marxista
nesta área do Binário social, algo que começa na base do
pensamento marxista, com o próprio Marx. Segundo relatos
históricos, muitos colegas de Marx na universidade afastavam-se
dele, e tinham medo de se envolver em discussões com ele por
causa da forma ácida e profundamente sarcástica como Marx
abordava os debates de ideias. Marx colocava-se num patamar
moral superior e isso é notório no facto de Marx ter desenvolvido
uma teoria de transformação social no sentido de depor a burguesia
e exaltar o proletariado - e não ver qualquer problema no facto dele
próprio ser um burguês que chegou onde chegou aproveitando o
sistema burguês, que lhe conferia privilégios inacessíveis à
esmagadora maioria da população europeia (como a educação
superior e a possibilidade de viajar).63
Ao condenar precisamente o sistema que lhe proporcionou
formação e uma plataforma para expor as suas ideias e desenvolver
o seu pensamento, Marx imbuiu o marxismo de algo que hoje é
chamado nas discussões políticas nos Estados Unidos virtue
signaling, ou “sinalização de virtude” isto é, uma postura de
superioridade moral que alardeia as suas próprias virtudes enquanto
condena os que tem um pensamento diferente sobre as questões
sociais. É uma postura ironicamente farisaica e hipócrita, de quem
abomina a religião, mas que fareja as falhas morais alheias
enquanto está completamente cego para as próprias. Sobre essa
postura, Jesus na Bíblia, diz o seguinte:

Pois atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos


ombros dos homens; mas eles mesmos nem com o dedo querem
movê-los. (...) Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque
sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente
parecem formosos, mas por dentro estão cheios de ossos e de
toda imundícia. Assim também vós exteriormente pareceis justos
aos homens, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de
iniquidade.
- Mateus 23:4, 27,28 ARA

Estas advertências de Jesus não são apenas para religiosos que se


acham cheios de virtude, mas para todos aqueles que assumem a
mesma postura de superioridade moral perante os que os rodeiam.
A chamada esquerda caviar64, termo originalmente cunhado em
França para designar a esquerda moderna é um bom exemplo:
enquanto condenam o sistema capitalista a partir dos seus iPhones
fabricados por gigantes da indústria tecnológica que só o sistema
capitalista foi capaz de produzir, beneficiam o máximo que podem
de tudo aquilo que o sistema que condenam tem para oferecer - tal
como o Marx fez.

2. Opressão através da ideologia


A Teoria Crítica entende que os grupos dominantes detêm o poder
através da imposição da sua ideologia às massas - aquilo a que se
dá o nome de poder hegemónico - e que o principal agente ou grupo
opressor é o homem branco (uma evolução da teoria marxista que
enfatizava principalmente a classe social e o estatuto
socioeconómico).
Esta ideia da Teoria Crítica marxista que coloca o foco nas
estruturas e nos males sociais estruturais que são impostos de cima
para baixo através da ideologia é um contributo importante que
confronta os poderes instituídos - algo que o cristianismo e a
cosmovisão judaico-cristã sempre inspiraram também. Marx viu que
a sociedade da sua época estava organizada de forma injusta,
detendo uns todo o poder, e outros vendo os seus direitos humanos
ignorados e atropelados na máquina de produção da revolução
industrial. Viu que o sistema capitalista com o lucro como valor
sagrado e absoluto oprimia através dessa ideologia as massas, e
envolveu-se numa cruzada para transformar a sociedade e formar
um mundo mais justo. Como vemos claramente nos exemplos
históricos de implementação do marxismo, falhou redondamente,
tanto na sua base filosófica, como nos instrumentos e métodos que
prescreveu para produzir a transformação social.
Já vimos que a condição humana segundo a cosmovisão judaico-
cristã é de uma inclinação para o mal (com o foco primário nos
indivíduos) e que não levar isso em conta conduz a graves
equívocos de abordagem da sociedade, como a do binário social.
Mas isso não invalida que haja uma dimensão estrutural de pecado
que precisa de ser reconhecida, abordada e combatida - algo que o
marxismo sem dúvida tentou fazer. Significa que essa preocupação
marxista de que os poderes instituídos oprimem as massas através
da ideologia é comum ao cristianismo.
É verdade que a cristandade sempre foi lamentavelmente uma
força opressora a partir do momento em que se tornou ela própria
um poder instituído – violando, diga-se, os seus próprios princípios e
valores; no entanto, também serviu, na sua eclosão e ao longo da
história, para operar verdadeiras revoluções sociais no mundo
antigo, ao exaltar os valores ensinados por Jesus Cristo.
Num tempo em que a memória histórica é tão débil, e se
romantizam cada vez mais as culturas pré cristãs (por oposição ao
cristianismo opressor), vale a pena lembrar que foi o cristianismo
que introduziu a ideia do valor universal inalienável de todos os
homens. Na cosmovisão judaico-cristã todos foram criados à
imagem e semelhança de Deus, e por isso têm um valor intrínseco e
inalienável. Na Grécia antiga, na democrática Atenas, por exemplo,
nenhum escravo podia ser cidadão, nenhuma mulher podia ser
cidadã. Os velhos e doentes eram tidas como inúteis, e as crianças
de famílias pobres e deficientes indicadas para o infantícidio por
Platão e Aristóteles. Igualmente, na sociedade judaica, pessoas de
menor condição social eram tidas como inferiores, apesar do relato
da criação das Escrituras hebraicas colocar todos no mesmo
patamar.65
Sobre as mulheres, Aristóteles escreveu o seguinte na sua obra
“Politica”:

A mulher é, deste modo, um homem mutilado. As mulheres são


mais fracas e e mais frias na sua natureza. Comparadas com os
homens, as mulheres são imaturas, deficientes, deformadas; são
mesmo um pouco monstruosas (Pol.1335a.b e 1325b)66

Ora, Jesus veio com uma abordagem profundamente contra-


cultural tanto para o mundo pagão como para o mundo judaico. Ele
tratou as mulheres de forma igual, aproximou-se dos doentes
intocáveis, acolheu as crianças, estendeu compaixão a todos sem
distinção. Por isso Pedro em Atos dos apóstolos compreendeu que
“Deus não faz distinção entre pessoas” (Atos 10:34) e Paulo, o
apóstolo, escreveu que “não há diferença entre judeus e não-judeus,
entre escravos e pessoas livres, entre homem e mulher. Agora
constituem um todo em união com Cristo Jesus.” (Gálatas 3:28)
Este radical nivelar de todos os seres humanos serve de base
para verdadeiras revoluções durante a história, como por exemplo, o
fim da escravatura no Reino Unido por William Wilberforce, político
cristão inglês que se bateu até atingir o seu objetivo de restaurar a
dignidade humana na sociedade de então, segundo o modelo
bíblico.67
E nunca é demais enfatizar: se a cristandade cometeu atrocidades
- e é inegável que o fez - foi em contradição com as escrituras e os
ensinamentos de Jesus e não por causa destes.
O cristianismo foi então um movimento contra a opressão desde a
sua génese, fosse essa opressão ideológica ou de outra índole
qualquer. Contra a ideologia pagã de que havia seres humanos de
classe inferior, Jesus e as Escrituras contrapuseram o valor
intrínseco de todos os homens. Contra todas as ideologias que
desumanizam, sejam estas de origem capitalista ou comunista, os
cristãos que entendem e vivem a mensagem de Jesus devem
insurgir-se seguindo o modelo do mestre, combatendo os poderes
hegemónicos opressores - por vezes minando-os pela base, como a
igreja do primeiro século minou a ideologia do império romano de
baixo para cima, outras vezes agindo nas estruturas, de cima para
baixo, como William Wilberforce lutou para abolir a escravatura na
Inglaterra do século XVIII, recorrendo a argumentos cristãos.
É que a verdadeira liberdade da opressão não vem de sistemas
políticos nem ideológicos mas da redenção oferecida por Jesus.
Jesus fala no Evangelho de João ao fariseu Nicodemos sobre
nascer de novo (João 3), e este novo nascimento é uma
transformação do homem a partir de dentro, dando-lhe um coração
novo, e despertando-o para a realidade da opressão a que todos os
seres humanos estão sujeitos.
Esta é a mensagem cristã: a de que na cruz, Jesus tomou sobre si
toda a opressão, e ofereceu ao homem, através da união consigo
mesmo, a liberdade. Na cruz, Jesus venceu todos os poderes
hegemónicos que mantinham o homem cativo, e só em Jesus o
homem pode obter verdadeira vitória da opressão - e livre da
mesma, ser um cidadão que promove e proclama liberdade das
ideologias que põe essa liberdade em xeque.

3. Experiência vivida
A ideia aqui é que grupos oprimidos, por causa da experiência
vivida que vão acumulando, têm acesso a perceções mais
adequadas da realidade, e por isso são mais fiáveis nas suas
conclusões. Esta sensibilidade aos sentimentos da pessoa e ao
mundo interior do sujeito é sem dúvida algo importante.
A fé cristã dá grande ênfase às vivências individuais e valoriza-as.
A maior prova de que a Bíblia valoriza a experiência interior
individual é o seu maior livro, o livro de Salmos, com 150 capítulos
cheios de expressões que cobrem todo o espectro de emoções
humanas. A espiritualidade que os salmistas nos transmitem é
profunda e com perspetivas incontornavelmente subjetivas e
pessoais. O Salmo 22 é um exemplo entre inúmeros:

Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?


Por que te manténs distante,
quando eu grito por socorro?
Meu Deus, clamo por ti durante o dia e não me respondes;
durante a noite, e não tenho sossego.

Este Salmo foi inclusivamente citado por Jesus na cruz, e nos


evangelhos é-nos dado a saber que Jesus sentiu compaixão,
ansiedade, alegria, tristeza, dor psicológica, solidão, ira, frustração,
e praticamente toda a gama de emoções humanas (sendo que era
uma pessoa de perfeito equilíbrio emocional). O relato bíblico põe
em relevo estes aspetos e não deixa de, nas diferentes situações,
nos dar um insight profundo da experiência vivida.
Assim, da perspetiva cristã, o que de negativo pessoas
pertencentes a grupos vulneráveis experienciam no seu dia-a-dia
deve ser objeto de atenção e suscitar compaixão da parte de quem
toma conhecimento dessas experiências. Há uma inegável
valorização cristã da experiência vivida, algo partilhado com a Teoria
Crítica. Mas também aqui há uma diferença profunda: na ótica
cristã, ao contrário do que a Teoria Crítica defende, a percepção do
indivíduo tem valor, mas não pode ser elevada a verdade absoluta,
porque só há um ser soberano e absoluto cuja perceção é sempre
verdadeira.
Dizer que a perceção subjetiva dos indivíduos (sejam eles de que
grupos forem) é mais fiável do que por exemplo as ciências naturais,
como vimos acima no exemplo sobre a ideologia de género, é algo
absolutamente contrário à perspetiva cristã de que existe uma
realidade objetiva - baseada num Deus objetivo - à qual as
percepções subjetivas se devem submeter. Privilegiar as perceções
subjetivas em detrimento da realidade objetiva mergulha-nos num
relativismo em que cada um constrói a sua própria realidade sem
haver um referencial que sirva de crivo para avaliar o que de facto é
verdadeiro e o que não é.
O cristianismo é uma fé num Deus pessoal - que se importa com o
indivíduo e a sua experiência subjetiva - mas também é uma fé num
Deus objetivo que é, na sua própria natureza, o crivo definitivo de
todas as perceções subjetivas, a medida de toda a realidade. Jesus
expressa precisamente isso ao concentrar em si todo o padrão de
verdade e ao dizer “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém
vem ao Pai senão por mim” (João 14:6). Paulo diz aos pagãos
atenienses que é nele, em Deus, “que temos a vida, nele nos
movemos e existimos” (Atos 17:28); ele é a medida de todas as
coisas, a própria estrutura da realidade, e nenhuma experiência
vivida por nenhum indivíduo com as suas perceções subjetivas se
pode sobrepor a ele - antes, a ele todos se têm obrigatoriamente de
se submeter, sendo ele o definidor último da realidade.

4. Justiça social
A justiça social que Marx almejava é, como já referimos, a face
mais louvável do marxismo, e também da Teoria Crítica. Neste
ponto pode haver um espaço de diálogo e concórdia entre a Teoria
Crítica marxista e o cristianismo em muitas causas sociais, como a
erradicação da pobreza, a preocupação com o racismo, os direitos
das minorias como os migrantes e refugiados, a emancipação da
mulher, e muitas outras.
O cristianismo, como abordamos na análise dos pontos anteriores,
é eminentemente uma religião de justiça social. Isso é claro na
Bíblia, começando pela história do povo de Israel, com a
preocupação constante de Deus e dos profetas com a justiça social,
até à igreja do Novo Testamento, que, seguindo o exemplo de
Jesus, foi tão profundamente envolvida com o cuidado com os
desfavorecidos que, como nos diz John Piper, mereceu neste ponto
específico a atenção (e indignação) do Imperador romano Juliano:
este chamou a atenção para o facto dos cristãos cuidarem tanto dos
pobres das suas comunidades como dos outros pobres do império,
o que era uma vergonha para os romanos.68
Com o cristianismo, proliferaram os hospitais, asilos, e locais de
cuidado aos vulneráveis (idosos, órfãos, viúvas, deficientes, a
ninguém o cristianismo deixou de fora), chegando mesmo o
apóstolo Tiago a escrever que “A pura e verdadeira religião diante
de Deus, nosso Pai, é esta: cuidar dos órfãos e das viúvas” (Tiago
1:27a BPT09), dois dos grupos mais vulneráveis da época e a quem
a igreja se encarregou de proteger.
Assim, caminhos de ação social conjunta podem e devem ser
explorados, até ao limite em que os princípios e valores cristãos
começam a ser postos em causa. Os cristãos simplesmente não
podem embarcar em iniciativas e projetos de transformação social
que se batam por fazer desmoronar as próprias fundações judaico-
cristãs da sociedade ocidental, como tão bem vimos no caso de
grupos como o Black Lives Matter.
E se a face mais louvável do marxismo e da Teoria Crítica é a
preocupação com a justiça social em prol dos mais vulneráveis e
desfavorecidos que pode unir cristãos e marxistas em torno de
certas causas, qualquer tentativa de cooperação fica inviabilizada
quando se leva à letra a receita marxista de recorrer à violência para
atingir o fim da mudança social (ou pelo menos deveria ficar, se
muitas vezes os próprios cristãos não cedessem ao instinto de usar
a violência).
Para os cristãos, a justiça social é um objetivo a ter como
prioridade e a perseguir energicamente. Mas diferentemente dos
guerreiros de justiça social que seguem a ideologia oriunda da
Teoria Crítica, os cristãos sabem que não poderá haver justiça
última e perfeita neste mundo, por causa da natureza humana,
egoísta e avessa à fraternidade e solidariedade.
É sem dúvida esta esperança dos cristãos que lhes confere uma
abordagem tão diferente da abordagem violenta característica do
marxismo. É que a violência vem pelo menos em parte do
desespero e do sentimento de impotência perante um sistema
profundamente injusto que tem que se tornar perfeito a todo o custo.
Mas os cristãos não têm ilusões de poder criar um sistema perfeito
precipitadamente. Batem-se energicamente pela justiça como
fizeram durante toda a história do cristianismo, mas sem ilusões de
que ela possa ser estabelecida de forma perfeita deste lado da
eternidade. Acreditam que Deus trará justiça definitiva quando este
mundo e tudo o que nele há passar, criando Deus novos céus e
nova terra. Esta é a verdadeira esperança dos cristãos, e esta é
promessa de justiça definitiva que a Bíblia nos apresenta.

Vi então um novo céu e uma nova Terra; de facto o primeiro céu e


a primeira Terra desapareceram e o mar já não existe.
E vi descer do Céu, de junto de Deus, a cidade santa, a nova
Jerusalém. Vinha linda como uma noiva que se prepara para ir ao
encontro do noivo. E ouvi uma voz forte que vinha do lado do
trono: «Esta é a morada de Deus junto dos homens. Ele habitará
com eles e eles serão o seu povo. É este Deus que estará com
eles. Ele enxugará todas as lágrimas dos seus olhos e já não
haverá mais morte nem luto nem pranto nem dor porque as
primeiras coisas desapareceram.» E o que estava sentado no
trono disse: «Agora faço tudo novo.»
- Apocalipse 21:1-5

Uma ideologia totalitária


Todos os pontos que examinamos nos pintam o retrato do
marxismo hoje, o marxismo cultural baseado na Teoria Crítica. Uma
ideologia com boas preocupações de fundo, mas desligada da
compaixão e do amor pelo próximo - podemos localizar aí as
lacunas gritantes desta ideologia, e que provoca tudo o que ela
produz de errado.
Não há espaço para dissensão se do outro lado a única coisa que
vemos são opressores sem qualquer esperança de redenção. Daí o
caminho prescrito da revolução violenta para atingir uma sociedade
em que todos caminham para o mesmo lado, numa linha de
pensamento único imposto. Esta é de facto a face mais negra da
Teoria Crítica, tal como era a face mais negra do marxismo: o seu
caráter incontornavelmente totalitário. Obviamente que os
totalitarismos assomam de todos os quadrantes políticos e sociais,
tanto dos movimentos de base marxista como de uma direita que se
aproveita dessa ameaça aos valores liberais para atiçar ódios que
no passado levaram a ditaduras fascistas de direita. É um mundo
profundamente polarizado, com vilões de um lado da barricada, e
heróis do outro, no qual vemos que o revivalismo marxista sob a
forma e as ideias da Teoria Crítica dominam áreas chave da
sociedade no mundo ocidental, como a academia e os gigantes
tecnológicos, entre outros.
Esta realidade manifesta-se consistentemente nos frutos da
cultura do cancelamento, em que os cancelados são quase
exclusivamente personalidades do espectro conservador liberal (ou
pessoas que, não se enquadrando nesse espectro, manifestam
ideias consideradas demasiado próximas do mesmo). Nesta lista já
de 2016 do Business Insider de pessoas “desconvidadas” para falar
em universidades dos EUA contam-se acusações de anti-feminismo,
transfobia, racismo, ser pró-Israel, ou apenas ter um salário
demasiado elevado (!) - todas claramente dirigidas a atitudes
politicamente conservadoras.69
Tornou-se célebre também o caso de Israel Folau, uma das
estrelas do rugby australiano, que foi liminarmente despedido em
2019 por partilhar no Twitter uma passagem bíblica que nega aos
homossexuais a entrada no Reino de Deus - algo que nestes dias é
demasiado escandaloso até para muitos cristãos.70
Em Portugal esta cultura está também presente, embora de forma
muito menos generalizada: em 2017 o politólogo conservador Jaime
Nogueira Pinto foi impedido de dar uma palestra na Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa por
protestos de que o evento estaria “associado a argumentos
colonialistas, racistas, xenófobos”.71
No momento em que escrevo este livro, em 2021, o fantasma da
censura deixa de ser fantasma e ressurge com vigor no mundo
ocidental, com as redes sociais e plataformas digitais a tomarem
sobre si o ónus de proceder ao deplatforming, o processo de
silenciar vozes que são julgadas e condenadas como perigos
públicos não em tribunais, mas em gabinetes de CEOs das grandes
companhias tecnológicas donas das redes sociais, e teclados de
moderadores de conteúdos.72 É discutível se isto é um fruto
ideológico direto da Teoria Crítica, mas consistentemente os
silenciados são pessoas e serviços associados à direita
conservadora, o que aponta para motivações políticas à esquerda
demasiado óbvias para ignorar.
Este totalitarismo é robusto e não é permeável a críticas nem
sequer da parte daqueles que proclama defender: lembremos o
exemplo dos grupos minoritários, que na ótica destes ideólogos não
têm legitimidade para, exercendo o seu pensamento crítico,
concordar com a ideologia considerada dominante - se o fizerem,
significa que internalizaram a opressão, e não alcançaram ainda a
consciência woke. É uma forma extremamente condescendente de
olhar para as minorias, estranhamente paradoxal ao que se
inicialmente se pretende, que é conferir-lhes um estatuto igualitário.
Nesta ótica, nem sequer lhes é concedido o direito de pensar de
forma diferente daquela que é prescrita por aqueles que ditam o
pensamento correto. É portanto um pensamento profundamente
totalitário que não permite a dissensão, e podemos também dizer
que é racista e opressor das minorias, ao retirar especificamente a
esses grupos o direito a um pensamento divergente.
É assim que, paradoxalmente, esses movimentos, ao se
insurgirem contra um pensamento que consideram totalitário - o
pensamento ocidental liberal - constroem um pensamento
caracterizado precisamente pela natureza opressora que tanto
criticam no pensamento liberal, e que não permite a dissensão que
o pensamento liberal lhes permite. Na realidade, não há aqui
nenhuma surpresa: um pensamento de base marxista, se levado à
letra, não poderia ser outra coisa que não totalitário.
Todas as ditaduras envolvem um “pensamento correto” e aceite, e
mecanismos para silenciar as vozes dissidentes. E hoje no mundo
ocidental há de facto um pensamento correto, o “politicamente
correto”, que todos devem adotar sob pena de sofrerem vários tipos
de consequências negativas. Este pensamento politicamente correto
é hoje, inegavelmente, na sociedade ocidental, de base marxista, e
o discurso que o afronta, rotulado de discurso de ódio e
criminalizado.
O marxismo, para atingir os seus objetivos de libertar pela
revolução violenta o homem de todas as cadeias, não podia deixar
de resultar num esforço épico de controlo da mente das massas em
regimes ditatoriais, tendo como alvo a eliminação da religião (uma
explicação concorrente da realidade), da família (onde o estado tem
pouco poder e as mentes podem desenvolver ideias contrárias às
do regime), da ciência livre (as únicas ideias científicas permitidas
são as que se harmonizam com as do estado) e de todo o
pensamento dissidente.
E embora as ditaduras de pensamento marxista sempre tenham
falhado estrondosamente e nunca tenha havido um regime
comunista puro (mesmo entre aqueles que se mantêm até hoje e
que tiveram tempo para tentar), vemos que não apenas o marxismo
continua a exercer um fascínio profundo na mente de muitos na
arena política. Em Portugal, por exemplo, o Partido Comunista
mantém-se sólido apesar de em tendência de declínio) mas o novo
marxismo, o chamado marxismo cultural oriundo da Teoria Crítica,
exerce um fascínio bem maior e mais generalizado, não apenas
junto de ideólogos e ativistas, mas cativando o cidadão comum, que
muitas vezes não tem consciência da origem ideológica desta forma
de ver a realidade e a aceita como senso comum.
Perante este cenário de guerra cultural, como podem então os
cristãos abordar esta ideologia e afirmar no mundo os valores de
Jesus e do Seu Reino? É a essa pergunta que vamos terminar este
livro a tentar responder.
COMO CONVIVER COM O MARXISMO
CULTURAL?

Nós, cristãos, quando falamos de marxismo ou de qualquer outro


tema que para nós é flagrantemente antí-bíblico, caímos
frequentemente numa armadilha, a armadilha da trincheira.
Entrincheiramo-nos, erguemos uma barricada que separa (e
protege, achamos nós) a nossa cosmovisão dos ataques de ideias
que rotulamos como nocivas para os nossos valores, e demitimo-
nos de todo e qualquer contacto com aquilo que nos desafia, ficando
cegos para possíveis pontos de vista comuns. É muito importante
dizer que esta demissão do diálogo e do ouvir o outro que pensa
diferente de nós não é exclusiva dos cristãos, e acomete todo o ser
humano, que tem naturalmente medo do diferente. Sérgio Sousa
Pinto, deputado do PS, na última edição de 2020 do Governo
Sombra (um programa de sátira política da TSF), disse que hoje “os
conceitos são transformados em balas e são disparados contra as
pessoas”.68 Ora é nesta armadilha que muitos cristãos caem no que
toca a este tema do marxismo cultural e não só. Pegamos em
palavras de ordem e arremessamo-las para os nossos adversários
para os ferir e descredibilizar, distanciando-nos deles ao máximo e
rejeitando toda e qualquer associação com os “ímpios” que
desrespeitam as nossas crenças.
Faz-nos falta o equilíbrio de Paulo em Atenas, que perante uma
sociedade profundamente pagã, fez um esforço criativo genial de
identificar o seu Deus com um altar pagão a um qualquer “deus
desconhecido” e citar os poetas gregos, - e assim estabelecer
pontos de contacto com quem aparentemente nada tinha em
comum com ele (Atos 17). Faz-nos falta olhar para o exemplo de
Jesus, que quando confrontado com um pedido de ajuda de um
romano em aflição, não se lembrou de o agredir e antagonizar
punindo-o por pertencer ao império opressor, mas curou o seu servo
e elogiou a sua fé (Lucas 7:1-10).
Faz-nos falta baixar as defesas e lembrar que não temos nada a
temer. Lembrar que diante de nós estão pessoas por quem Jesus
morreu. Somos chamados não para atacar, mas para seguir o
exemplo de Jesus e amar. Se formos agredidos e perseguidos, não
pagamos o mal com o bem, mas vencemos o mal pelo bem
(Romanos 12:21).
Este é o modelo bíblico de Jesus, um modelo de graça e respeito
pelo outro mesmo em face da agressão. Mas é importante sublinhar
que há outro lado igualmente importante neste modelo que deve
estar sempre presente de uma forma concomitante: o lado do
afirmar corajosamente a verdade.
No seu tempo e na sua cultura, Jesus denunciou, entre vários
abusos, a mentira e a hipocrisia, sem papas na língua, à imagem
dos profetas do Velho Testamento. Afrontou os poderes instalados,
chocou frontalmente com eles, e por causa disso foi perseguido e
morto. Não que a cruz tivesse sido imposta a Jesus; ele mesmo se
entregou voluntariamente e ninguém lhe ceifou a vida sem o seu
consentimento. Mas na cabeça daqueles que o manietaram e
crucificaram não havia dúvidas: estava a ser castigado por se
atrever a afirmar ser Filho de Deus e dizer uma verdade que
nenhum poder estabelecido queria ouvir.
Mas em tudo isto apresentou, acreditam os cristãos, o equilíbrio
perfeito entre uma postura que combate pela verdade, e um coração
que estende a todos graça. Por isso João ao começar o seu
Evangelho disse que Jesus tinha vindo “com graça e verdade”.
(João 1:17)
Este é o grande desafio dos cristãos hoje: estarem presentes no
mundo, envolvendo-se na sociedade numa perspetiva de cidadania
ativa, mantendo um equilíbrio à maneira do mestre,
simultaneamente cheio de graça e cheio de verdade. É um desafio
hercúleo que apenas sob a condução do Espírito Santo de Deus
pode ser vencido. Vemos muitos exemplos de cristãos que se
deixam apanhar na armadilha ou do entrincheiramento, ou do
negociar as convicções: ora são excessivamente moles e se
desequilibram para o lado da graça, e comprometem a verdade da
sua fé, ora são excessivamente duros e se desequilibram para o
lado da verdade, apresentando-se com aspereza e agressividade.
Nenhum destes extremos é saudável.
Este tema do marxismo cultural é um tema essencialmente
político, apesar de como vimos ao abordar a Teoria Crítica, envolver
muitas outras dimensões. E já ficou bem claro como a arena política
atualmente é um campo minado: a discussão política hoje está ao
rubro e o contexto onde muita da discussão acontece, as redes
sociais, é tudo menos apaziguador. Ver os outros como figuras sem
alma num ecrã é a receita para uma despessoalização das
interações que mata o discurso civilizado e a diplomacia - e ao olhar
para o teor das discussões nas redes sociais vemos nada menos do
que o caos. Há quem compare as redes sociais a uma praça digital
onde tudo acontece.Mas é uma praça em ebulição descontrolada, e
em que na discussão política não se conversa, mas se grita, insulta
e agride, o que obviamente reflete o que está debaixo do verniz do
mundo real não digital. Outra vez: vivemos num mundo pro-
fundamente polarizado.
Mas em vez de ver o caos político como um beco sem saída,
devemos ver estas trevas como uma oportunidade de brilhar com a
luz de Jesus. Temos uma escolha a fazer: ou nos envolvemos no
lamaçal assumindo a mesma postura de quem não segue o
exemplo de Cristo e pagamos com a mesma moeda, não
acrescentando absolutamente nada de diferente, ou então somos
contraculturais e nos apresentamos com a mesma humildade de
Cristo, que amou os seus agressores, que se deu por eles. É este o
melhor argumento pela fé cristã e contra todas as ideologias
humanas equivocadas como é o caso do marxismo: uma vida que
reflete Cristo, no seu equilíbrio perfeito entre graça e verdade (nos
seres humanos nunca será perfeito, mas pode caminhar em direção
à semelhança do mestre, o que faz uma diferença abismal em
relação a uma postura completamente contrária aaos seus
ensinamentos).
Se assim for, não serão de espantar palavras como as socialista
alemão Albert Kalthoff:

Pela fé neste Deus-homem a Igreja tornou-se verdadeiramente


Católica, a única Igreja universal que dá ao mundo o mais amplo
manifesto comunista que alguma vez foi estruturado […] O ‘um
Cristo em todos os homens’ que era o programa desta
organização religiosa, um programa como nunca antes tinha sido
dado ao mundo. Ninguém deve ter jamais fome na terra, ninguém
deve ser pobre, a nenhum homem enfermo deve faltar ajuda, a
nenhum homem moribundo faltar consolação»
- Albert Kalthoff66

Nenhum modelo político ou económico vai resolver os profundos


problemas da natureza humana e consequentemente produzir uma
sociedade perfeita. Marx equivocou-se e as filosofias coletivistas
tiveram a sua oportunidade, mas as evidências históricas são claras.
A ordem tem de ser esta: primeiro a transformação do indivíduo,
depois, e como consequência, a transformação da sociedade). Para
resolvermos o problema da necessidade de transformação humana,
a confiança não pode ser colocada em sistemas ou ideologias, mas
em quem detém em si mesmo o segredo da natureza humana e o
plano perfeito para a sua transformação plena. Essa pessoa é Jesus
Cristo.
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confessionario-da-Igreja-para-as-redes-sociais>

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