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Disciplina: Conceito e historiografia

Juliano Vieira

Texto I: BARROS, José D’assunção. Os Conceitos: seus usos nas ciências humanas.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2016. p.9-31.

O texto tem como objetivo elucidar o leitor sobre o que são os conceitos e seus
usos nas ciências humanas. A partir de uma reflexão bibliográfica será exposto como
surgem, se reelaboram, o que os diferenciam de uma palavra qualquer, quais as suas
funções e juntamente a sua importância, não só para o campo cientifico, mas para os
meios não científicos como, por exemplo, o cotidiano- meio religioso e outros. Essa
reflexão possibilita a compreensão de como, por meio de uma história dos conceitos,
pode-se observar diferenças, transformações, rupturas ou até continuidades, das formas
como diversas sociedades, no tempo e no espaço, veem o mundo e suas questões. E com
isso, tem-se como objetivo, elucidar os pesquisadores e leitores da fulcral importância
dos conceitos para os procedimentos historiográficos com vistas a assegurar os seus
usos e evitar seus abusos.

Partindo de José D’Assunção Barros, Os Conceitos, ANO*, compreende-se que


os conceitos se fazem presentes em todos os tipos de praticas onde se propõem dialogo,
compreensão, produção de sentido e não esta restrito somente a praticas ditas cientificas
ou que ostentam certo titulo o grau de cientificidade.

“Há conceitos utilizados pelos praticantes de magia, por aqueles que


elaboram saberes místicos, ou por todos que professam religiões. Estas
ultimas costumam acomodar os seus pecados e virtudes, os seus
mandamentos ou as suas hierarquias sobrenaturais a uma rede
conceitual que apreende quase sem querer – lendo livros sagrados, [...],
sem que o leitor-praticante se de conta de que foram criadas as mais
diversas categorias e conceitos para acomodar a sua fé e organizar os
seus anjos e os seus demônios.” (BARROS. 2016, p.9).

Como pode-se observar, os conceitos estão embutidos em todas as áreas da vida


humana: religiosa, politica, artística- compreendendo que essas palavras também são
conceitos e sequer podem ser naturalizadas, mas podem, de forma lucida, serem
utilizados a nível pedagógico. Assim como a ciência tem formas de explicar fenômenos,
observa-los, a religião também tem suas formas explicar e de compreender o mundo, e
com isso, produzindo conceitos inerentes à sua visão de mundo, e daí a afirmação que a
linguagem não serve só para comunicação, se comunicar com outrem, mas sim
expressar, aos olhos dos estudiosos, toda uma forma de pensar. O historiador, através de
categorias utilizadas em determinado período, pode observar como tal período
experimentavam o seu próprio tempo.

Conceito de Raça

O conceito de raça ao longo do tempo, da antiguidade ao tempo presente, vem


sofrendo consideráveis mudanças. O século XIX demonstra sua mudança mais radical
com a ascensão do cientificismo, que numa perspectiva filosófica pode se resumir em
poucas palavras, ou seja, “ a morte de Deus”.1 O conceito de raça, do século XIX em
diante, surge com preposições cientificas e que são totalmente distintas das noções de
raça, na antiguidade, na modernidade- que era uma perspectiva religiosa e não
cientifica. Dito isso, até que ponto faz sentido dizer que a escravidão no novo mundo foi
um sistema de dominação racial com a ideia de raça como concebemos hoje?

Atentando para alguns problemas fulcrais do fazer historiográfico, é importante


chamar atenção para dois movimentos supra importantes. O primeiro seria o
anacronismo na forma mais básica que é lançar as imposições do presente sobre o
passado, ou seja, o excesso de presente no passado. O segundo parte de uma mesma
proposição, só que envolve o ato de simplesmente a reproduzir determinadas
interpretações dos contemporâneos de determinado passado com vistas a legitimar
determinadas posições no presente.

Franz Boas, antropólogo da cultura, já no século XX, quando meio que faz um
manifesto contra os “antropólogos de gabinete”, traz consigo grandes avanços para a
etnografia. O estudo antropológico consistia em uma imersão social do objeto estudado,
ou seja, estudar as sociedades a partir de dentro e não de fora. 2 Nessa perspectiva o
anacronismo diz mais sobre o tempo presente e ao historiado do que sobre o objeto
estudado que se encontra no passado. Tal ação deforma a compreensão do passado e
suas categorias. Eis que o historiador, por sua vez, diferente do romancista e do poeta,
escreve nos umbrais de seus templos: “ o anacronismo, eis ai o pecado”. (HARTOG,
2020. p. 130).

1
Utiliza-se essa expressão, proposta por Nietzsche, sendo vista pela primeira vez em A Gaia Ciência,
1882, para explicitar, de forma mais abrangente e dinâmica, a ascensão do cientificismo e a decadência,
filosófica- a influência Grega no mundo moderno, cultural e religiosa da modernidade. Explicitar a
transformação de mentalidade visto que antes os acontecimentos se explicavam sob perspectiva
teológica e filosófica e no século XIX a ciência vem ganhando cada vez mais espaço e legitimidade.
2
Importante observa essa nova metodologia visto que estudar uma sociedade, a partir de dentro, é se
atentar para todos os aspectos internos dessa sociedade como, a língua, as visões de mundo, como eles
experimentam a própria realidade, de modo a compreende-la e não necessariamente comparala e dizer
se é ou não superior a sua. Em um sentido temporal, a preposição continuara sendo a mesma, ou seja,
estudar uma sociedade antiga implica em sair do nosso gabinete temporal feita dos nossos códigos
morais, do conceitos que permeiam nosso tempo, das nossas formas de experimentar o tempo.
Emilia Viotti, em plena década de 60, na obra “Da Monarquia à Republica:
momentos decisivos”, ao tratar das perspectivas tradicionais sobre a crise do segundo
reinado e a ascensão da Primeira Republica com o golpe de 15 de novembro de 1889 faz
a seguinte a firmação: “ A historiografia tradicional limita-se a reproduzir a opinião dos
contemporâneos sobre o 15 de novembro”. (COSTA, 1885, p. 322).

Afirmação crucial que abre uma ponte para se discutir até que ponto, a
historiografia brasileira, no que diz respeito a escravidão, tem se resumido ao simples e
superficial ato de reproduzir , no tempo presente, as opiniões abolicionistas do final do
século XIX sobre o passado escravista ou até mesmo sobre escravidão, que é tão antiga
quanto se possa imaginar.3

Esses dois movimentos trazem a tona alguns questionamentos que são: sera que
a historiografia não tem estado, durante anos, num profundo anacronismo devido ao
vicio de espelhar as experiências do século XIX para os séculos anteriores? 4 E no que
diz respeito ao conceito de raça, será que faz sentido dizer que a escravidão é um
sistema de dominação racial aos moldes da ideia de raça do século XIX, ou seja, qual a
validade do conceito de raça para explicar a escravidão, o raça explica escravidão?
Visto que nessas sociedades antigas não se operavam com tais conceitos e suas
significações, se torna incoerente utilizar aparatos cognitivos posteriores para explicar
uma sociedade que nem se valia dessas categorias.

3
Autores como Daniel Aarão Reis, Carlos Fico, Angela de Castro Gomes, entre outros, tem se debruçado
sob perspectiva parecida sobre o regime militar brasileiro após 1964, ou civil-militar- não cabe aqui a
discussão disso. Angela de Castro faz até uma certa indagação que diz: como que a ditadura varguista
ficou marcada, na memória nacional, como algo tão positivo e o regime de 64 tão negativo, sendo que
também se teve, durante o período autoritário de 1964, grandes avanços. Carlos fico produz outra
pergunta: Regime militar é só repressão? A hipótese mais próxima de explicar isso é o que eles chamam
de enquadramento de memória segundo Polack, ou seja, ouve um esforço politico de se enquadrar
1964-1985 como a “moderna idade das trevas brasileira”- grifo meu.
4
Muitos trabalhos falam de escravidão, mas o referencial é, muita das vezes, no entanto, só o século
XIX.

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