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Juliano Vieira
Texto I: BARROS, José D’assunção. Os Conceitos: seus usos nas ciências humanas.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2016. p.9-31.
O texto tem como objetivo elucidar o leitor sobre o que são os conceitos e seus
usos nas ciências humanas. A partir de uma reflexão bibliográfica será exposto como
surgem, se reelaboram, o que os diferenciam de uma palavra qualquer, quais as suas
funções e juntamente a sua importância, não só para o campo cientifico, mas para os
meios não científicos como, por exemplo, o cotidiano- meio religioso e outros. Essa
reflexão possibilita a compreensão de como, por meio de uma história dos conceitos,
pode-se observar diferenças, transformações, rupturas ou até continuidades, das formas
como diversas sociedades, no tempo e no espaço, veem o mundo e suas questões. E com
isso, tem-se como objetivo, elucidar os pesquisadores e leitores da fulcral importância
dos conceitos para os procedimentos historiográficos com vistas a assegurar os seus
usos e evitar seus abusos.
Conceito de Raça
Franz Boas, antropólogo da cultura, já no século XX, quando meio que faz um
manifesto contra os “antropólogos de gabinete”, traz consigo grandes avanços para a
etnografia. O estudo antropológico consistia em uma imersão social do objeto estudado,
ou seja, estudar as sociedades a partir de dentro e não de fora. 2 Nessa perspectiva o
anacronismo diz mais sobre o tempo presente e ao historiado do que sobre o objeto
estudado que se encontra no passado. Tal ação deforma a compreensão do passado e
suas categorias. Eis que o historiador, por sua vez, diferente do romancista e do poeta,
escreve nos umbrais de seus templos: “ o anacronismo, eis ai o pecado”. (HARTOG,
2020. p. 130).
1
Utiliza-se essa expressão, proposta por Nietzsche, sendo vista pela primeira vez em A Gaia Ciência,
1882, para explicitar, de forma mais abrangente e dinâmica, a ascensão do cientificismo e a decadência,
filosófica- a influência Grega no mundo moderno, cultural e religiosa da modernidade. Explicitar a
transformação de mentalidade visto que antes os acontecimentos se explicavam sob perspectiva
teológica e filosófica e no século XIX a ciência vem ganhando cada vez mais espaço e legitimidade.
2
Importante observa essa nova metodologia visto que estudar uma sociedade, a partir de dentro, é se
atentar para todos os aspectos internos dessa sociedade como, a língua, as visões de mundo, como eles
experimentam a própria realidade, de modo a compreende-la e não necessariamente comparala e dizer
se é ou não superior a sua. Em um sentido temporal, a preposição continuara sendo a mesma, ou seja,
estudar uma sociedade antiga implica em sair do nosso gabinete temporal feita dos nossos códigos
morais, do conceitos que permeiam nosso tempo, das nossas formas de experimentar o tempo.
Emilia Viotti, em plena década de 60, na obra “Da Monarquia à Republica:
momentos decisivos”, ao tratar das perspectivas tradicionais sobre a crise do segundo
reinado e a ascensão da Primeira Republica com o golpe de 15 de novembro de 1889 faz
a seguinte a firmação: “ A historiografia tradicional limita-se a reproduzir a opinião dos
contemporâneos sobre o 15 de novembro”. (COSTA, 1885, p. 322).
Afirmação crucial que abre uma ponte para se discutir até que ponto, a
historiografia brasileira, no que diz respeito a escravidão, tem se resumido ao simples e
superficial ato de reproduzir , no tempo presente, as opiniões abolicionistas do final do
século XIX sobre o passado escravista ou até mesmo sobre escravidão, que é tão antiga
quanto se possa imaginar.3
Esses dois movimentos trazem a tona alguns questionamentos que são: sera que
a historiografia não tem estado, durante anos, num profundo anacronismo devido ao
vicio de espelhar as experiências do século XIX para os séculos anteriores? 4 E no que
diz respeito ao conceito de raça, será que faz sentido dizer que a escravidão é um
sistema de dominação racial aos moldes da ideia de raça do século XIX, ou seja, qual a
validade do conceito de raça para explicar a escravidão, o raça explica escravidão?
Visto que nessas sociedades antigas não se operavam com tais conceitos e suas
significações, se torna incoerente utilizar aparatos cognitivos posteriores para explicar
uma sociedade que nem se valia dessas categorias.
3
Autores como Daniel Aarão Reis, Carlos Fico, Angela de Castro Gomes, entre outros, tem se debruçado
sob perspectiva parecida sobre o regime militar brasileiro após 1964, ou civil-militar- não cabe aqui a
discussão disso. Angela de Castro faz até uma certa indagação que diz: como que a ditadura varguista
ficou marcada, na memória nacional, como algo tão positivo e o regime de 64 tão negativo, sendo que
também se teve, durante o período autoritário de 1964, grandes avanços. Carlos fico produz outra
pergunta: Regime militar é só repressão? A hipótese mais próxima de explicar isso é o que eles chamam
de enquadramento de memória segundo Polack, ou seja, ouve um esforço politico de se enquadrar
1964-1985 como a “moderna idade das trevas brasileira”- grifo meu.
4
Muitos trabalhos falam de escravidão, mas o referencial é, muita das vezes, no entanto, só o século
XIX.