ANTROPOLOGIA: “RAÇA” E “CULTURA” HUMANA NO PROCESSO
ESCOLAR E NA PRÁTICA PEDAGÓGICA.
Porto Franco –MA
2018 DISCIPLINA: Fundamentos antropológicos da educação PROFESSOR: Rodrigo T. Folhes TUTORA: Maria do Rosário Fátima Alves de Oliveira ACADEMICA: Beatriz Costa de Brito
Trajetória Histórica da Antropologia
Bem como as demais ciências a Antropologia também passou por um longo período de reformulação até adquirir este status, e teve de adequar-se e formular um corpo teórico/metodológico, segundo SILVA, Carlos Benedito Rodrigues (2010) ao mergulhar em si mesma a antropologia pode definir seu objeto de estudo, condição importante para sua diferenciação das demais ciências sociais. O mesmo autor relembra a existência da curiosidade dos homens uns sobre os outros desde os primórdios da humanidade, mas salienta que a elaboração de um conhecimento que tratasse especificamente do estudo do homem somente se consolidou em meados do século XVIII. Heródoto, o “pai da História” na Grécia Antiga do século V a.C, já observava povos tidos como diferentes, da sociedade grega, e, portanto, chamados de bárbaros. Termo usado também entre romanos para designar todos os povos diferentes deles. Também neste período Heródoto já questionava o que posteriormente se entenderia como etnocentrismo, ou seja, a observação de outros povos e culturas a partir de uma cultura única tida como superior, o filosofo grego de forma perspicaz conclui que uma vez questionado qual seria a melhor cultura ou os melhores costumes fatalmente todo indivíduo escolheria a sua própria. Encontra-se neste ponto conforme aponta o texto de SILVA (2010), a gênese do preconceito e da discriminação uma vez que é a emissão de opinião sobre o outro sob um olhar que privilegia e a si mesmo, diminuindo tudo aquilo que lhe difere. A comparação está presente, portanto desde as primeiras observações das comunidades humanas, e tendo em vista que predominam os escritos e vestígios deixados pelas sociedades greco-romanas da antiguidade clássica serão seus registros os primeiros onde se pode observar esta característica. A medida em que o homem vai saindo dos limites europeus e conhecendo novos territórios e seus habitantes, novas impressões vão sendo traçadas sobre as diferentes sociedades, até este momento num sentido de inferiorização das mesmas em relação às sociedades europeias. Temos, portanto, visões eurocêntricas do mundo até então. Os relatos de viagens e dos encontros culturais por elas proporcionadas são por sua vez momentos importantes na trajetória da antropologia, uma vez que derivam desses encontros os novos olhares sobre o “outro”, uma vez que ainda possibilitaram “pôr em xeque as ideias de um mundo imutável” (SILVA, 2010). Dez séculos depois das descrições de viagens a “mundos” distantes e até então desconhecidos pela China e Ásia do navegador Marco Polo, os iluministas no século XVIII trazem à tona a valorização do homem e de suas realizações e possibilidades, em confronto às ideias vigentes desde a Idade Média de teor teológico, sob a frase “penso logo existo” de Descartes, a própria existência humana é repensada, e levada a ser questionada e portanto analisada, saía-se do âmbito da religião, que a tudo explicava, e passava-se à razão a função de desvendar o sentido da existência humana, e esta só poderia fazê-lo pela ciência, estudando o homem sob diversos ângulos, biológicos, psíquicos, comportamentais e sociais. Deste movimento dentre outras ideias pode-se depreender a concepção de: Transformação dos homens e de suas culturas expressas no progresso da humanidade, perceptível com ampliação dos horizontes geográficos, pelo conhecimento de povos com civilização independente da europeia, como os chineses, ou com cultura consideradas primitivas, como as de índios das Américas, de povos da África e de povos das ilhas do Pacífico. (SILVA, 2010)
Neste sentido podemos perceber uma outra característica do período nos
estudos e relatos sobre as novas comunidades e sociedades que vinham sendo descobertas pelos europeus, a atribuição de um sentido de progresso ou de desenvolvimento social, colocando-as em patamares de evolução, sempre tendo a si mesmos como referência, estariam portanto as sociedades europeias no todo da hierarquia de evolução social, e as demais sociedades em diferentes estágios rumo à civilização tal qual apresentava o modelo eurocêntrico. Utilizando-se de critérios como a organização política, social, desenvolvimento cientifico e filosófico, ausência ou não de escravidão, bem como suas causas, se por dívidas ou por guerras, e até características religiosas, como o monoteísmo, todos fatores que se aproximavam do estágio atual no qual se encontravam os observadores. A ideia de evolução social é reforçada pelas análises de Charles Darwin (SILVA, 2010) difundidas em suas análises de longas expedições na obra “A Origem das espécies”, na qual defende a teoria evolucionista na qual estaria a ideia de seleção natural. A grande crítica a estes primeiros passos daquilo que viria a ser a antropologia, ou seja, um estudo do Homem, está no seu caráter comparativo no qual sobressaem as características do observador, uma vez que conforme aponta SILVA: “nesse caso, as diferenças são traduzidas em termos de inferioridades, alimentando noções preconceituosas de toda ordem, o que compromete a objetividade científica. ” (2010, p.26) O mesmo autor divide o período anterior à constituição da Antropologia como ciência, em duas fases, a primeira da curiosidade e a segunda da comparação subjetiva (SILVA, 2010.p.26). No primeiro momento de encontro entre diferentes culturas tem-se a estranheza, a saída da familiaridade das tradições já conhecidas, dos costumes e das caraterísticas comuns aos povos europeus, este choque inicial levou à insegurança uma vez que as certezas, inclusive aquelas preconizadas pela igreja católica, estavam sendo abaladas diante de outras realidades, é neste sentido que se fortalecem as ideias preconceituosas que entendem o diferente como inferior. SILVA, ainda pontua que tais ideias não ficaram no passado, elas romperam o tempo e vem sendo trazidas desde então: Até hoje, muitos de nós acreditamos na inferioridade dos negros, dos índios, das mulheres e dos latinos, em relação aos homens brancos europeus. Muitos de nós acreditamos que as religiões de origens africanas são coisas do demônio, que nos causam medo, quando, na verdade, foram os europeus que inventaram isso, para fortalecer sua ideologia de dominação colonizadora e para assegurar seu domínio sobre as riquezas econômicas e culturais das regiões onde se instalaram. (SILVA, 2010, p. 27) O eurocentrismo atual ainda é acrescido da ideia de superioridade norte americana, em hábitos, língua, costumes, desenvolvimento, etc. em relação aos povos latinos, frutos da construção histórica do “American way of Life” (Modo de ser ou viver norte americano) tido como “o melhor”, como maneira de vender seus produtos e seu modo de vida. Há ainda a segunda fase apontada por Silva, que trata da comparação no sentido de inferiorizar o diferente, concebendo a distinção não como parte integrante das comunidades humanas e necessária entre elas, como fruto de sua originalidade e mesmo individualidade, mas como algo negativo, onde ser diferente é fugir à normalidade aceitável e romper padrões pré-estabelecidos por uma pretensa ordem natural, que como já visto é na verdade imposta pelo preconceito. O iluminismo proporá questionar as causas das semelhanças e diferenças entre as sociedades desenvolvendo a ideia de civilização. Somente no século XVIII a partir da modernidade, questões como a condições históricas e culturais passaram a ser levantadas, e somente aí puderam ser criadas a bases para a antropologia, indo além da comparação alicerçada em ideias preconceituosas, e pautar-se na observação empírica do homem em todos os seus aspectos. Uma vez que rompe com as ideias de criacionistas religiosas, a antropologia pôde debruçar-se sobre a análise da origem do homem e de seus costumes, para tanto passam a ser objeto comum dos estudos antropológicos as primeiras comunidades, tendo como laboratório de observação as sociedades “simples” tidas em estágio inicial de evolução. Posteriormente indo além destas questões passa a observar também diferenças de desenvolvimento dentro de uma mesma sociedade, buscando entender suas desigualdades, enfocando não apenas no objeto de estudo, uma vez que diversas ciências podem enfocar o mesmo objeto, tais como a sociologia, a história etc., mas na maneira como este é analisado, ou seja na sua metodologia. Na atualidade a antropologia subdivide-se em especialidades, sob novas abordagens acerca de variados temas, tais como a “família, gênero, infância, velhice, homossexualidade, saúde etc.” (SILVA, 2010, p. 42). A antropologia seguindo uma tendência dentro das ciências humanas na modernidade vai buscar especializar-se em diversos ramos, uma vez que é percebido a impossibilidade de teorias gerais, ou de conhecimentos de generalizem as sociedades e suas características, se buscará analisar mais a fundo aspectos particulares de cada agrupamento humano, em temas como os já aqui citados, dentre outros. Assim subdivide-se a Antropologia em duas vertentes: Física e Cultural, nas quais temos ainda a Etnologia, ramificada em Etnografia e Antropologia Social, e ainda a Linguística e a Arqueologia. Enquanto a Antropologia Física, segundo SILVA (2010, p.44) debruçou-se sobre aspectos biológicos do ser humano visando entender mais sobre suas origens, esta corrente ao atribuir o conceito de raça instigou um embasamento cientifico ao preconceito e à discriminação entre povos já existente, uma vez que levou a inferiorização dos povos Africanos e indígenas da América, largamente escravizados por aqueles tidos como superiores. A Antropologia Social buscou estuda-lo enquanto ser social, olhando seu comportamento e sua produção material, Silva aponta que esta vertente empreendeu o estudo das “dimensões simbólicas da ação social”, ou seja, os sentidos atribuídos as ações do homem em sociedade. Ambas as correntes da Antropologia possuem aspectos relevantes ao desenvolvimento da ciência, e refletem a própria conjuntura histórica do período em que foram desenvolvidas, e embora tenham recebido diversas críticas ao longo dos anos, ainda deixaram resquícios no pensamento antropológico e nas concepções humanas sobre raça, cultura e sociedade. Ao elencar as raças em categorias ou hierarquias permitiu a confirmação da ideia cristã do período medieval de que negros não possuíam alma, no sentido de que não lhe atribuía “qualidades” civilizatórias tal como nos povos europeus, a ideia se estendeu ainda sobre os recém descobertos, pelos europeus, povos indígenas das Américas. Todas estas ideias culminaram na legitimação do sistema escravista nas colônias, e mais ainda contribuíram para a perpetuação de uma visão inferiorizadora de negros e índios nos países mesmos após suas independências e dos seus processos de abolição das escravaturas, os resquícios sociais das concepções de raça, bem como da escravidão negra, da perseguição religiosa sofrida por esses grupos, a usurpação das terras indígenas e sua exposição forçada à cultura branca europeia ainda podem ser sentidos na atualidade. Perpassa a compreensão dos conceitos antropológicos a sua própria constituição e o desenvolvimento de suas escolas de pensamento. Assim primeiramente teremos a abordagem Evolucionista, segundo Silva (2010,p.46-47) essa escola teve como base as teorias das ciências naturais, principalmente os estudos de Darwin, que tratou particularmente da evolução das espécies, rompendo com as ideias do período medieval relacionadas ao criacionismo, pelo qual o homem era o ser principal da criação, seu objeto final e mais importante, a partir da teoria evolucionista o ser humano passa a ser mais um animal fruto do processo natural de mudanças históricas e biológicas. As teorias evolucionistas foram gradualmente ganhando novos campos, e ao adentrarem o campo das ciências sociais, é transposta em evolucionismo social, e tenta reconstituir a trajetória cultural humana. Nesta transposição, entretanto, os antropólogos desta vertente ao embasar-se na ideia de evolução incorreram nas teorias preconceituosas e etnocêntricas anteriormente citadas, uma vez que preconizavam a necessidade de que cada cultura passe por certos estágios ou fases até culminar no momento cultural da civilização europeia. Utilizando-se de elementos comparativos como “meios de produção, da religião, da organização social. ” (SILVA, 2010, p. 48). Tornam-se comuns ao período esquemas evolutivos de determinados nichos de pesquisa dentro do âmbito social, ou seja, se alguma manifestação cultural, como exemplo Silva apresenta os modelos de Taylor de evolução religiosa, indo do animismo ao monoteísmo como estágio final e “mais evoluído”, assim como modelo evolutivo da família, de Morgan, que por fim apresentava o modelo europeu de sociedade patriarcal. Tais concepções embora tenham sido formuladas no final do século XIX, embasaram diversas práticas e políticas na modernidade, principalmente como na intermediação de relações entre sociedades e comunidades indígenas ou aborígenes, como exemplo citamos a questão indígena no Brasil, uma vez que por muito tempo os grupos silvícolas foram tidos como comunidades em fase primitiva de desenvolvimento, mas que encontravam-se, segundo as teorias antropológicas, em pleno desenvolvimento, logo sua integração, perda de suas tradições, e a saída de seus territórios e migração para as cidades seriam parte deste processo que lhes colocariam como parte integrante da sociedade capitalista e “civilizada” do seu entorno. A desmistificação desta ideia ainda faz parte da luta indígena pelo reconhecimento de sua cultura. Segundo Silva (2010, p. 50) o que se observa é que houve uma vulgarização das teorias darwinistas, numa transposição sem os devidos critérios das teorias, ampliando sobre as situações do campo social aquelas anteriormente aplicadas a problemas da natureza. Ao final do século XIX os antropólogos Frans Boas e Malinowski revolucionaram as produções cientificas na antropologia, ao combater o conhecimento que até então vinha sendo feito, tido como de “gabinete”, pois o pesquisador não ia a campo averiguar de perto sobre aquilo que descrevia e analisava em suas obras, recorrendo somente a relatos de viajante, administradores coloniais, ou missionários. Os autores citados partem para uma experiência de proximidade com as comunidades e grupos étnicos estudados, partilhando de uma vivencia com eles, fazendo parte de seu dia a dia, Silva (2010, p.52) aponta que a etnografia de fato só se desenvolve quando o pesquisador sai da sua zona de conforto amparada apenas na pesquisa teórica e/ou bibliográfica para alinhar esta a uma pesquisa aprofundada em loco. Frans Boas (1858-1942) enfatiza a importância de uma descrição meticulosa de tudo que possa ser observado em uma pesquisa de campo, sempre com fidelidade ao observado, sua crítica pioneira à proposta evolucionista se pauta na ideia de que os costumes devem ser estudados em suas relações com o contexto social e histórico no qual se inserem, sendo assim não haveria sentido em comparações, uma vez que as características que geraram os costumes, tradições, religião, , organização política e social, a cultura enfim, não se repetem. Segundo Silva “Foi o grande pedagogo que formou a primeira geração de antropólogos americanos na primeira metade do século XX” (2010, p. 55). Malinowski por sua vez, foi pioneiro em empreender uma vivencia real com uma comunidade a fim de pesquisa-la, buscou ao fazer parte de uma sociedade que não a sua de origem entender a mentalidade do povo que conhecia e traduzir sua cultura fielmente, ao contrário de Boas, seu trabalho não se pautava na descrição minuciosa de cada detalhe do cotidiano e práticas culturais, Malinowski entendia ser possível uma análise da cultura de um povo ou grupo a partir de um de seus elementos, como o trabalho, os mitos, etc. e que uma prática cultural já permitiria compreender aquela sociedade, uma vez que uma manifestação congrega a totalidade dos saberes culturais de um povo. Fugindo ainda das correntes que buscavam entender a origem do homem e de suas culturas, Malinowski buscava entende-la no presente, com ele “a antropologia de torna uma “ciência” da tradução do pensamento e da cultura do outro ” (SILVA, 2010, p. 56) Seu trabalho deu origem a escola funcionalista, cuja abordagem entendia a cultura enquanto resposta naturalmente desenvolvida pelo home para responder as suas necessidades e lhe dar prazer, sendo, portanto, um sistema vivo e dinâmico, assim sendo os grupos humanos se igualariam em suas capacidades de desenvolver as respostas necessárias para si, não cabendo comparações, ou hierarquização do seu desenvolvimento. Por fim, dentre as escolas antropológicas, teremos o estruturalismo de Lévi Strauss, que aplica a ideia de estrutura social a cultura, como sendo parte de uma estrutura que rege a sociedade. Neste sentido não pode ser observada empiricamente, mas pensada segundo um modelo que se baseia na realidade. O foco do estruturalismo é, portanto, “os códigos culturais, os princípios conceituais, os sistemas simbólicos” (SILVA, 2010, p. 63) Hoje as ciências humanas, dentre elas a Antropologia, esforçam-se por demonstrar a importância da diversidade humana, estudando a fundo as culturas, a língua, a história, e os costumes dos grupos socialmente instituídos. Ao voltar-se para analisar as religiões de matrizes africanas por exemplo, a ciência embasa a compreensão da diversidade de credos na sociedade brasileira, bem como reforça o legitimo direito à liberdade de culto. É a partir das análises antropológicas da cultura negra e indígena que hoje os grupos descendentes podem se identificar, física e culturalmente com seus antepassados, num processo de revalorização de suas raízes, e de resgate de seus costumes, como observa-se em grupos indígenas, tidos até mesmo como extintos, e que a partir da busca pela história e pelas tradições dos antepassados vem resgatando seus costumes, reconstituindo suas comunidades, e reivindicando seus territórios de forma coletiva. Silva apresenta-nos a cultura enquanto elemento do processo social, sua transmissão dá suporte a socialização de cada indivíduo, seu aprendizado se dá inicialmente pela família, que desde os primeiros anos de cada pessoa lhe introduz seus credos, a língua, etc. posteriormente na escola, que enquanto instituição social é destinada a tarefa de formar para o convívio social, com vistas ao trabalho, ao exercício da cidadania e a formação da identidade pessoal. Neste sentido é nela que se iniciam os processos de identificação de cada indivíduo, seu papel é de orienta-lo neste processo. Ao contemplar-se estas novas concepções antropológicas em sala de aula, os diversos grupos que ali estão representados pelos discentes, podem ser valorizados, esta ideia culmina com as novas concepções de ensino que busca dar cada vez mais sentido aquilo que é estudado na escola, fortalecendo a constituição das identidades. As propostas pedagógicas devem voltar-se nesse sentido, de instigar o respeito a diversidade e o apreço a tolerância, tal qual preconiza a LDB 9394/96. REFERÊNCIA Silva, Carlos Benedito Rodrigues da (Org.). Antropologia. 2. ed. rev. — São Luís: UemaNet, 2010.