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Ler Angela Davis é fundamental para todo e qualquer pensador social.

Desde o
estudante ao professor universitário, das e dos militantes do movimento popular,
sindical e oi]u estudantil. Brancos, negros, originários, mulheres e homens, bem como
a comunidade LGBTQIA+ todos precisamos de Angela Davis. Além dos necessários
alertas de suas denúncias ao racismo estrutural corporificado no sistema
penintenciário- a qual combate através do movimento que denomina novo
abolicionismo- Angela nos preenche de ensinamentos- e, com isto, de esperança
necessária para abalar os sólidos alicerces do status quo- e da perspectiva de uma
mulher negra e militante comunista que somente esta rica condição pode revelar com
tamanha clareza.

É com este sentimento que termino a leitura do seu último livro editado em
língua portuguesa no Brasil “O sentido da liberdade e outros diálogos difíceis”
publicado pela Editora Boitempo em 1 ª edição, em outubro de 2022. Ali, temas como
o racismo, o etnicismo, a xenofobia, a heteronormatividade, o patriarcado, dentre
outras inúmeras formas de opressão ganham particular relevância ao serem
escrutinados por intermédio de um arcabouço teórico que trata a questão do gênero e
da raça em sua íntima relação com a classe social e, assim, supera dialeticamente
parcela substancial dos discursos acerca destas temáticas ao não lhe permitirem se
manter- tão somente- no seu cariz (neo)liberal.

Este é um livro destinado as classes subalternas do capitalismo em suas


distintas matizes. Não tema tratar de questões polêmicas como assentar a presença do
que denomina do complexo industrial penitenciário ao racismo estrutural presente nas
distintas formações sociais do capitalismo, seja ele central ou periférico.

Digo isto na condição de homem cis branco de classe média com formação
superior, em suma, o arquétipo daquele que seria- não sem grande justificativa e
legitimidade histórica- a antítese da luta antirracista. E mesmo nesta condição- a de
uma pessoa ávida por sempre ter uma formação melhor, mais acurada e mais precisa
como forma de verter este acumulo para práticas cotidianas e coletivas- digo com
imensa satisfação o quanto fora profundo o aprendizado que tive ao me deter nestas
preciosas páginas do livro de Angela Davis.

Embora compostas por falas e palestras realizadas no final do século XX e início


do XXI aquilo que poderia ser um compósito fragmentado de reflexões variadas não se
apresenta desta maneira para o leitor. Ao contrário, os textos trazem reflexões
particulares, por óbvio, mas não sem tornar óbvio o eixo central de suas falas e, por
que não, de suas reflexões e de sua vida militante: a denuncia de como as Instituições
forjadas pela “democracia” liberal guarda uma ontologia que não dispensa o racismo
estrutural e que, portanto, a luta antirracista não é apenas uma luta discursiva e ou
ideológica, lida com aparatos do Estados cuja ontologias estão crivadas pela
perpetuação do racismo estrutural haja vista que fora erigida por relações sociais e
Inter territoriais profundamente racistas, em suas distintas manifestações. Com
particular atenção a sua dimensão nacional, Angela nos diz todo o tempo do papel
racista das forças armadas, do sistema penitenciário, da privatização dos serviços
públicos, dos desmontes do direito social acompanhado pelo robustecimento do
aparato penitenciário (que por si só, passa a ser uma lucrativa mercadoria cuja
principal “matéria prima” se assenta sobre os corpos pretos. Não basta, portanto, a
luta pelo acesso a estas instituições como norte da luta por igualdade racial, é
fundamental perscrutar a “essência” própria destas instituições.

Não obstante o seu foco centrar-se na sua histórica luta antirracista, Angela não
deixa de incorporar em sua analise outras e distintas formas de opressão as minorias.
Chama a atenção para como o atentado de 11 de setembro de 2001 propulsionaria
uma política baseada no medo coletivo profundamente racista e islamofóbica,
reforçando nexos de um nacionalismo que se afirma pela exclusão. O mesmo é feito
com relação as mulheres, mulheres pretas, comunidade LGBTQIA+, latinos ou a
população carcerária que, ela sempre nos alerta, representa um contingente
significativo da população estadunidense infligindo com mais peso em cima das
minorias o seu “sentido de justiça”.

Se me atrevesse a algum comentário crítico diria que Angela Davis utiliza


categorias como livre mercado, concorrência e afins para caracterizar, mesmo que
criticamente, o sistema capitalista. Neste quesito, confesso, eu teria menor
benevolências, justamente por crer que o que o capitalismo produz materialmente é o
inverso do que propugna ideologicamente. Invés de livre mercado, cartelização, invés
de concorrência, acordos monopolistas e uma imensa centralização e concentração de
riquezas nas mãos de uns tão poucos que mesmo analistas não marxistas como Piketty
denuncia o nosso tempo como o tempo de maior desigualdade social da história da
humanidade. Mas, decerto, este é um pormenor que não diminui a potência daquilo
que é essencial: uma contundente denúncia do sistema capitalista e sua defesa de uma
liberdade, aqui a parafraseando, sem sentido pois restrita a poucos e confundida com
liberdade de consumo. Com Angela Davis mesmo os diálogos mais difíceis tornam-se
palatáveis devido a generosidade de uma imensa intelectual que em toda a sua
trajetória, se pode dizer, buscou dar sentido a luta pela liberdade.

Em suma, Angela Davis é essencial e seu ultimo livro somente repisa o óbvio:
do quanto necessitamos de mulheres pretas como Angela Davis.

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