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ENSAIO: CENA-PADRÃO E AS NARRATIVAS DE VOCAÇÃO NO ANTIGO E NOVO

TESTAMENTOS

Gabriel Aquino da Cruz

Resumo: Este ensaio tem como propósito analisar textos de cena-padrão nas narrativas do
Antigo e Novo Testamentos da Bíblia cristã. A “cena-padrão” é um tipo de convenção
literária ou enredo-mestre (masterplot), um modelo ou arquétipo narrativo que se torna
tradicional e reaparece eventualmente moldando novas narrativas. Segundo Alter (2007) “O
conhecimento das convenções no permite identificar padrões significativos, ou simplesmente

agradáveis, de repetição, simetria e contraste.” A “cena-padrão” traz à memória do público


histórias semelhantes vivenciadas por outro personagens bíblicos, que muitas vezes apontam
para uma figura, cuja história possui uma dimensão maior de alcance universal e definitivo
como o próprio Jesus Cristo. Tomaremos para análise o chamado de Moisés, Isaías e o
Apóstolo Paulo.

Palavras-chave: Literatura, Bíblia, Formas Literárias, Cena-Padrão.

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos tem ocorrido um crescente interesse pela abordagem da Bíblia como
literatura. Este interesse, tem despertado estudiosos e pesquisadores de diversas confissões, ou
memo de correntes diversas dos estudos literários, analisando a Bíblia não apenas como um
livro religioso, mas uma rica fonte para análise de suas variadas formas e gêneros literários.
Por isso, se torna necessário situá-la no universo literário de seu tempo. ALTER; KERMODE
(1997, p.12), destacaram a importância da mudança do olhar para o texto bíblico como
literatura da seguinte forma:
No decorrer das duas últimas décadas, contudo, houve uma revivescência do
interesse nas qualidades literárias desses textos, nas virtudes pelas quais eles
continuam a viver como algo mais que arqueologia. A força das narrativas
das narrativas do Gênesis ou da história de Davi, as complexidades e
refinamentos das narrativas da Paixão poderiam ser estudadas por métodos
desenvolvidos na criticada literatura secular.
No Brasil, os estudos da Bíblia como Literatura encontraram grandes dificuldades para o seu
desenvolvimento. Porém, já há instituições e grupos de pesquisa que dissociaram o aspecto
apenas religioso, ampliando suas pesquisas através da crítica e análise literária da Bíblia.
LEONEL, ZABATIERO (2011, 21), afirma que:
...a dificuldade daqueles que abordam a Bíblia apenas como texto
sagrado reside em um equivoco de base. Falta uma compreensão
adequada do que é um “texto”, bíblico ou não, e de suas funções.
Central para isso é o reconhecimento da literatura como mimesis, ou
seja, imitação e representação da realidade, e como poesis, isto é,
como criação e transformação da realidade. Nenhum texto “é” o fato
que narra ou a situação da qual testemunha. Ele é uma “representação”
do evento através de meio de comunicação que possui leis próprias.”
Alter (2007, p. 10) tem como foco da sua investigação e proposta, as narrativas da
Bíblia Hebraica e em especial nos livros do Pentateuco, afirma que “...a Bíblia, tem muita
coisa a ensinar a qualquer pessoa que se interesse por narrativa, pois sua arte – que parece
simples, mas maravilhosamente complexa – é um exemplo magnifico das grandes
possibilidades da narrativa”.
Os métodos sincrônicos ligados à narratológica, buscam uma abordagem hermenêutica
considerando a retórica narrativa presente nos relatos em sua forma final e o modo com que
são ordenados em vista de guiar o leitor de maneira pragmática na construção do sentido dos
textos.
O termo narratológica é de origem francesa e passa a ser conceituado a partir da
utilização de Tzvetan Todorov, sendo posteriormente difundido por Umberto Eco. A fim de
analisar e descrever a estruturação e o desenvolvimento da narrativa a narratologia observa
quais elementos as narrativas possuem em comum e quais componentes as diferenciam.
Os narratologistas, normalmente partindo de uma análise de cunho estruturalista,
contemplam de maneira isolada cada elemento que compõe os textos narrativos. A partir
desse enfoque, é possível perceber que o universo narrativo contém certas regras que o
aproximam do próprio universo humano, de maneira recriada pela linguagem literária.
Procuramos em nossa análise, seguir dois teóricos dos estudos do texto bíblico como
literatura, Robert Alter e Klaus Berger. Robert Alter. A obra de Alter reuniu artigos que o
autor publicou entre 1975 e 1980, o que nos dá uma datação aproximada para os primórdios
desse movimento que se dedicou ao estudo da Bíblia como literatura. Alter procurou lançar
nova luz sobre a Bíblia mediante a aplicação de conceitos trazidos dos estudos literários
seculares, e procurou ensinar o leitor interessado sobre algumas modalidades próprias das
narrativas bíblicas. Seu método de abordagem do texto bíblico, levou-o a olhar para as
estratégias de narração utilizadas pelo autor/narrador, as funções dos diálogos, a importância
das repetições, a estrutura discursiva e outros elementos abundantes no texto bíblico.
Alter (2007, p. 200) propõe que os autores e redatores bíblicos trabalhavam com
noções de unidade bastante diferentes das nossas:
O texto bíblico pode não ser o tecido acabado que a tradição judaico-cristã
pré-moderna imaginou, mas pode ser que a miscelânea confusa de textos que
as pesquisas tantas vezes quiseram pôr no lugar das noções mais antigas, lida
com mais minúcia, forme um padrão intencional.
Klaus Berger nasceu em Hildesheim, na Alemanha em 25 de novembro de 1940.
Teólogo, especialista em Novo Testamento. Professor de Teologia em Heidelberg. Era
católico, em 1967 passou a ser protestante, quando a Faculdade de Teologia
de Munique recusou a sua tese de doutoramento, na qual ele afirmou que Jesus não dissolveu
a lei Judaica, mas sim interpretou-a de acordo com o sentido do seu tempo.
Seus estudos foram desenvolvidos pelo olhar das formas e estruturas do texto bíblico,
em especial, nos “Estudos das formas literárias do Novo Testamento”, nome que leva um dos
seus livros. Para Berger (1998,p.13):

O estudo das formas literárias combina a crítica dos gêneros literários com a
investigação de sua história. A crítica dos gêneros literários investiga-os com
base cm determinados critérios. A história dos gêneros é a história de seu
uso no quadro da história do Oriente Médio, do Oriente Próximo e da
Europa. A expressão “estudo das formas literárias” foi mantida porque a
análise da forma literária sempre é o primeiro passo do trabalho exegético. A
forma de um texto é a soma de suas características de estilo, sintaxe e
estrutura; isto é, sua configuração linguística.

ALTER: CENA-PADRÃO
Define-se “cena-padrão” como um tipo de convenção literária ou enredo-mestre
(masterplot), um modelo ou arquétipo narrativo que se torna tradicional e reaparece
eventualmente moldando novas narrativas. As “cenas-padrão” trazem à memória do público
histórias semelhantes vivenciadas por outro personagens bíblicos, que muitas vezes apontam
para uma figura, cuja história possui uma dimensão maior de alcance universal e definitivo
como o próprio Jesus Cristo.
Esta cenas-padrão somente podem ser observadas se houver uma atenção atenta aos
elementos que a compõem. Alter (2007, p.79) afirma que:
Uma leitura coerente de qualquer obra de arte, seja em que meio for, exige
uma atenção minuciosa à trama de convenções com as quais, e contra as
quais, uma determinada obra se constitui. [...]O conhecimento das
convenções no permite identificar padrões significativos, ou simplesmente
agradáveis, de repetição, simetria e contraste; diferenciar o verossímil do
fantástico; compreender os sinais de orientação numa obra narrativa,
verificar o que é inovação e o que é deliberadamente tradicional em cada
nexo da criação artística.
Ele propõe a necessidade de se observar alguns elementos que são encontrados nas narrativas
bíblicas e que são perceptíveis ao leitor:
• A economia das palavras em que só é narrado aquilo que é fundamental para a
compreensão do conflito e do desfecho,
• A narração onisciente e seletiva, centrada na verbalização das ações das personagens,
• A repetição de fonemas, palavras ou construções frasais que criam um fio condutor,
que indicam ao leitor atento a temática do texto; e
• O uso do que o autor chama de cena-padrão
Este modelo padrão de narrativas se repetem, com elementos comuns, mas não
necessariamente iguais e específicos em vários textos na Bíblia cristã.

KLAUS BERGER: Gênero narrativo mandatio e os relatos de Vocações


Os gêneros empregados nas escrituras cristãs resultam de coleções literárias variadas,
que em conjunto visavam expressar e interagir com determinados domínios da experiência
humana. O estudo literário pressupõe que a intencionalidade e a funcionalidade do texto por
meio do gênero literário são partes vitais no amplo processo de comunicação, cujo gênero está
intimamente correlacionado ao ambiente linguístico e condicionamento histórico-social do
autor e de seus respectivos leitores originais.
A obra de Berger (A formas literárias do Novo Testamento) tem o diferencial de
classificar todos os textos do Novo Testamento e não apenas algumas seções. Berger (1998,
p.24) defende a tese de que “a cada unidade literária reconhecível como tal deve pertencer a
algum gênero... e tem determinada relevância histórica ou está ligada a determinados
interesses de um grupo de pessoas”. Ao contrário da abordagem clássica, Berger está mais
interessado na função que o texto cumpre nas situações típicas da história do cristianismo
primitivo do que com a pré-história oral dos textos.
Segundo ele, o texto deve ser analisado como se encontra hoje, não porque seja
impossível conhecer a pré-história do texto, mas porque tal conhecimento não serve como
prova para textos específicos. Para cumprir sua proposta de atribuir uma forma literária a cada
texto do Novo Testamento, Berger assume a teoria comunicativa dos gêneros, que prioriza a
“relação entre autor e leitor” e evita o uso de “gêneros universais”.
Para Berger, “o gênero é constituído pela relação existente entre conteúdo, forma e
consequências de um texto”.
o São textos narrativos que apresentam a sequência de uma ordem dada (por uma pessoa
com autoridade) e a obediência a ela (pelo subalterno).
o A difusão deste gênero reflete a estrutura social da antiguidade, ou seja, todos eram
obrigados a obedecer ao senhor ou ao pai da família.
o Na maioria dos textos do NT e em especial nos Evangelho, este gênero literário
apresenta Jesus como “Kyrios” (Senhor)
1 Reis 19.19-21 Marcos 1.19

MANIFESTAÇÃO MANIFESTAÇAO
“e ele (Elias) partiu de lá e encontrou “e ele (Jesus) foi um pouco adiante e viu
Eliseu, filho de Shafat.” Tiago, filho de Zebedeu e João seu
irmão,...”
AMBIENTE/CONTEXTO AMBIENTE/CONTEXTO
“E ele arava com bois...” “...e consertavam no barco as redes...”
O CHAMADO O CHAMADO
“E passou perto dele e jogou sobre ele “...e logo os chamou...”
seu manto...”
OBJEÇÃO OBJEÇÃO
“e...Eliseu disse: quero me despedir de (Lc 9.59) mas primeiro permite-me ir
meu pai e seguir-te...” sepultar meu pai,
(Lc 9.61) quero seguir-te, Senhor, mas
permite-me despedir-me dos de minha
casa.
ACEITAÇÃO ACEITAÇÃO
“E levantou-se e seguiu e Elias serviu-o.” (Mc 2.14) “...e ele se levantou e o
seguiu.”
Exemplo da relação da cena-padrão apresentado por Berger, relacionada em
ambos os Testamentos (AT/NT)
ESTRUTURA DE “CENA-PADRÃO” DE VOCAÇÃO (OU CHAMADO)

A partir das referências e estudos dos teóricos supracitados, procurei elaborar


um gráfico que nos auxiliará a analisar a presença de um modelo ou arquétipo
padrão, que orienta a narrativa dos chamados na literatura bíblica do Antigo e Novo
Testamentos.
Alter (2007, p.79), afirma que “uma leitura coerente de qualquer obra de arte,
em que meio for, exige uma atenção minuciosa à trama de convenções com as
quais, e contra as quais, uma determinada ora se constitui.”

Escolhi três relatos bíblicos de vocação, sendo dois no Antigo Testamento


(Moisés e Isaías) e um no Novo Testamento (Paulo, o apóstolo). Segundo RYKEN
(2017, pp.29, 29), que trata sobre “cena-padrão” diz que há no texto bíblico, “um
conjunto de elementos que convergem para formar um padrão narrativo...o
conhecimento padrão capacita-nos a ver os componentes e a estrutura de uma
narrativa de “cena-padrão”.

Passo 2 Passo 3
Passo1
CRISE/CONFLITO CHAMADO
MANIFESTAÇÃO/VISÃO

Passo 4
PASSO 5
OBJEÇÃO
ACEITAÇÃO

Tomando como base a estrutura sugerida acima, procurarei construir a comparação


entre as narrativas de vocações (chamado profético) de Moisés, Isaías e Paulo, conforme
estrutura abaixo. Onde poderemos ver alguns elementos que se assemelham e estão presentes
nas narrativas dos livros da Bíblia Hebraica e do Novo Testamentos: Manifestação/Visão;
Cris/Conflito; Chamado/Missão e Objeção/Aceitação.
Estes elementos estão presentes de forma mais constante, tantos nos chamados dos
profetas e líderes de Israel, como também no chamado dos apóstolos do Novo Testamento.
Sempre a manifestação da autoridade divina (Yahwéh ou Jesus Cristo), ou mesmo por uma
autoridade religiosa como Elias, Samuel, Natã e os discípulos de Jesus.
Segundo Alter (2007, p.82):
Dentro desse corpo reduzida (pequenas narrativas) é possível identificar com
bastante segurança, no nível “microscópico” do texto, determinadas
convenções que se observam em cerca de quinze, vinte ou mais exemplos
em toda Bíblia, tais como padrões de abertura e conclusões de narrativas[...]
Ainda assim, creio ser possível recuperar alguns elementos essenciais das
convenções antigas e compreender a narrativa bíblica de modo mais preciso
– contando que nossas indagações pressupunham um grau de razoável de
intencionalidade literária da parte dos escritores bíblicos.”
Abaixo temos a divisão das três narrativas e os destaques que serão comentados
posteriormente:
APRESENTAÇÃO GRÁFICA DA CENA-PADRÃO

MOISÉS (ÊXODO 3) ISAÍAS (ISAÍAS 6) PAULO (ATOS 9.1-9)


MANIFESTAÇÃO/VISÃO MANIFESTAÇÃO/VISÃO MANIFESTAÇAO/VISÃO
v. 1,2 – apascentava Moisés o v.1 – No ano da morte do rei Uzias, v.1-3 – Seguindo ele estrada a
rebanho de Jetro, seu sogro, eu vi o Senhor assentado sobre um fora, ao aproximar-se de
sacerdote de Midiã;...Apareceu- alto e sublime trono. Damasco, subitamente uma luz
lhe o Anjo do Senhor (Yahweh) do céu brilhou ao seu redor...v.5 -
numa chama de fogo, no meio da Quem és tu, Senhor?,
sarça; Moisés olhou, e eis que a
sarça ardia no fogo e a sarça não
se consumia.

CRISE/CONFLITO CRISE/CONFLITO CRISE/CONFLITO


v. 3 – Então, disse consigo v.5 – então, disse eu: ai de mim! v.4 – e, caindo por terra
mesmo: irei para lá e verei esta Estou perdido! Porque sou homem de v.4 – ouviu uma voz que dizia:
maravilha; porque a sarça não se lábios impuros, habito no meio de um Saulo, Saulo, por que me
consumia. povo de impuros lábios, e os meus persegues?
v. 4 – Vendo que ele voltava olhos viram o Rei, o Senhor dos v. 5 Ele perguntou: Quem és tu,
para ver, Deus, do meio da sarça, Exércitos. Senhor?,
o chamou e disse: Moisés!
Moisés! Ele respondeu: Eis me
aqui!
v.5 – Deus continuou: Não te
chegue para cá; tira as sandálias
dos teus pés, porque o lugar que
estás é terra santa.
v.6 – Disse Deus: Eu sou o Deus
de teu pai Abraão, o Deus de
Isaque e o Deus de Jacó. Moisés
escondeu o rosto, porque temeu
olhar para Deus.

CHAMADO CHAMADO CHAMADO


v.7-9 – Disse ainda o Senhor v.8 – Depois disto, ouvi a voz do v.5b – E a resposta foi: Eu
(Iahweh): vi a aflição do meu Senhor que dizia: A quem sou Jesus, a quem tu
povo, que está no Egito, e ouvi enviarei, e quem há de ir por persegues;
o seu clamor. nós? v.6 – mas levanta-te e entra
v.10 – Vem, agora, e eu te na cidade, onde te dirão o que
enviarei a Faraó, para que te convém fazer
tires o meu povo, os filhos de
Israel.

OBJEÇÕES /ACEITAÇÃO OBJEÇÕES /ACEITAÇÃO OBJEÇÕES /ACEITAÇÃO


v.11 (cf. 4.1, 10-12) – Então, disse v.8b – Disse eu: eis-me aqui, envia- v.8 – Então, se levantou Saulo da
Moisés a Deus: Quem sou eu para me a mim. terra e, abrindo os olhos, nada
ir a Faraó e tirar do Egito os filhos podia ver. E, guiando-o pela
de Israel? mão, levaram-no para Damasco.
4.1 – Respondeu Moisés: Mas eis
que não crerão, nem acudirão à
minha voz, pois dirão: O Senhor
não te apareceu.
4.10 – Então disse Moisés: Ah!
Senhor, eu nunca fui eloquente.
ANÁLISE LITERÁRIA

O primeiro bloco de comentário diz respeito a manifestação/visão do Senhor nas


expressões utilizadas para os três chamados, Deus se manifesta como aquele que vocaciona,
“Apareceu-lhe o Anjo do Senhor (Yahweh)”, “eu vi o Senhor...é o Yahweh dos
Exércitos” e “Quem és tu, Senhor (kuriê)?. Na LXX, kyrios substitui o nome próprio heb.
de Deus, o tetragrama YHWH. Posteriormente, passou-se a utilizar o nome próprio de Javé
pelo título “Adonai”. O Deus que vocaciona, é o Deus da Aliança, que se revela ao homem e
o convida para dar andamento aos seus propósitos e planos. BROWN, COENEN (2000, p.
2318), afirma que “kyrios aparece 717 vezes no AT, e a maioria se acha nos escritos de Lucas
(210) e nas epístolas de Paulo (275)...conforme o uso linguístico das sinagogas helenísticas,
Deus é frequentemente chamado de kyrios, especialmente nas citações numerosas do AT nas
quais kyrios representava Javé.”.
No segundo bloco, encontramos outro elemento interessante que é o uso duplo do
nome no chamado de Moisés e Saulo. Esta ênfase dada na repetição dupla do nome, marca a
identidade relacional com o vocacionado: “Vendo que ele voltava para ver, Deus, do meio da
sarça, o chamou e disse: Moisés! Moisés! Ele respondeu: Eis me aqui!”; ouviu uma voz que
dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues?. Segundo o rabino Meir Matzliah Melamed
(2001, p.158) comentado o verso 5 do livro do Êxodo, disse: “Sempre que Deus fala
repetindo o nome, é um sinal de afeição por aquela pessoa. Da mesma maneira chamou Deus
a Abrahão e Jacob (Gn 22.11 e 46.3)”.
Ainda neste bloco de versos, encontramos outro vocábulo que aponta para a questão
da manifestação divina, através do verbo “ver”. As variações do que viram, apontam para uma
experiência comum na maioria dos chamados proféticos da Bíblia Hebraica e que no caso de
Paulo vemos uma certa semelhança em ambas as narrativas.
No terceiro bloco, as expressões “vem”, “enviarei”, “quem há de ir” e “levanta-te e
entra”, são comissionamentos padrões, que determinam a autoridade daquele que envia,
conforme a afirmação de Berger.
No quarto bloco, encontramos as Objeções/Aceitações “Então, disse Moisés a Deus:
Quem sou eu...”, “Mas eis que não crerão, nem acudirão à minha voz...”, “Ah! Senhor, eu
nunca fui eloquente...”, “Disse eu: eis-me aqui, envia-me a mim.” e “eis-me aqui, envia-
me a mim.”, todos estes casos de objeções e em especial Moisés, segundo Berger, referem-se
a consciência das limitações humanas diante da missão a ser cumprida. Todos os
vocacionados/chamados, expressam este sentimento ao serem chamados por Deus para a
grandiosa tarefa a ser realizada. Porém, diante do chamado, após avaliarem ou mesmo colocar
as suas objeções e limitações, aceitam a missão a ser cumprida.
CONCLUSÕES

Que há uma riqueza literária muito grande para o desenvolvimento e análise da Bíblia
enquanto objeto de pesquisa literária.
Existe uma grande possibilidade, no caso de Lucas, que as cenas de chamado da Bíblia
Hebraica, serviram de padrão para as suas narrativas de vocação/chamado expressas em seu
Evangelho.
A possibilidade de utilizarmos outras abordagens de análise literária como
intertextualidade e interdiscursividade para futuras pesquisas no campo da Bíblia como objeto
e Literatura.
Apesar das dificuldades apresentadas em nosso contexto, o tema Bíblia como
Literatura, tem um universo extenso para novas pesquisas e trabalhos.
Utilizar dois tipos de abordagem, como as que foram utilizadas, proporcionam uma
visão mais detalhada da riqueza literária da Bíblia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABADIA, José Pedro Tosaus. A Bíblia como Literatura. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
ALTER, Robert. A arte da narrativa bíblica. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
______. KERMODE, Frank. Guia Literário da Bíblia. São Paulo: Fundação Editora da Unesp,
1997
BERGER, Klaus. As Formas Literárias do Novo Testamento. São Paulo: Edições Loyola,
1998.
BÍBLIA Sagrada. 2. ed. revista e atualizada no Brasil. Tradução de João Ferreira de Almeida.
Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993
BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário Internacional de Teologia do Novo
Testamento. 2 ed. São Paulo: Vida Nova.
FRIDLIN, Jairo (coord). Torá – A Lei de Moisés. São Paulo: Editora e Livraria Sefer, 2001.
ZABATIERO, Júlio Paulo Tavares; LEONEL, João. Bíblia, literatura e linguagem. 1. ed. São
Paulo: Paulus, 2011.
RYKEN, Leland. Formas Literárias da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2017

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