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TESTAMENTOS
Resumo: Este ensaio tem como propósito analisar textos de cena-padrão nas narrativas do
Antigo e Novo Testamentos da Bíblia cristã. A “cena-padrão” é um tipo de convenção
literária ou enredo-mestre (masterplot), um modelo ou arquétipo narrativo que se torna
tradicional e reaparece eventualmente moldando novas narrativas. Segundo Alter (2007) “O
conhecimento das convenções no permite identificar padrões significativos, ou simplesmente
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos tem ocorrido um crescente interesse pela abordagem da Bíblia como
literatura. Este interesse, tem despertado estudiosos e pesquisadores de diversas confissões, ou
memo de correntes diversas dos estudos literários, analisando a Bíblia não apenas como um
livro religioso, mas uma rica fonte para análise de suas variadas formas e gêneros literários.
Por isso, se torna necessário situá-la no universo literário de seu tempo. ALTER; KERMODE
(1997, p.12), destacaram a importância da mudança do olhar para o texto bíblico como
literatura da seguinte forma:
No decorrer das duas últimas décadas, contudo, houve uma revivescência do
interesse nas qualidades literárias desses textos, nas virtudes pelas quais eles
continuam a viver como algo mais que arqueologia. A força das narrativas
das narrativas do Gênesis ou da história de Davi, as complexidades e
refinamentos das narrativas da Paixão poderiam ser estudadas por métodos
desenvolvidos na criticada literatura secular.
No Brasil, os estudos da Bíblia como Literatura encontraram grandes dificuldades para o seu
desenvolvimento. Porém, já há instituições e grupos de pesquisa que dissociaram o aspecto
apenas religioso, ampliando suas pesquisas através da crítica e análise literária da Bíblia.
LEONEL, ZABATIERO (2011, 21), afirma que:
...a dificuldade daqueles que abordam a Bíblia apenas como texto
sagrado reside em um equivoco de base. Falta uma compreensão
adequada do que é um “texto”, bíblico ou não, e de suas funções.
Central para isso é o reconhecimento da literatura como mimesis, ou
seja, imitação e representação da realidade, e como poesis, isto é,
como criação e transformação da realidade. Nenhum texto “é” o fato
que narra ou a situação da qual testemunha. Ele é uma “representação”
do evento através de meio de comunicação que possui leis próprias.”
Alter (2007, p. 10) tem como foco da sua investigação e proposta, as narrativas da
Bíblia Hebraica e em especial nos livros do Pentateuco, afirma que “...a Bíblia, tem muita
coisa a ensinar a qualquer pessoa que se interesse por narrativa, pois sua arte – que parece
simples, mas maravilhosamente complexa – é um exemplo magnifico das grandes
possibilidades da narrativa”.
Os métodos sincrônicos ligados à narratológica, buscam uma abordagem hermenêutica
considerando a retórica narrativa presente nos relatos em sua forma final e o modo com que
são ordenados em vista de guiar o leitor de maneira pragmática na construção do sentido dos
textos.
O termo narratológica é de origem francesa e passa a ser conceituado a partir da
utilização de Tzvetan Todorov, sendo posteriormente difundido por Umberto Eco. A fim de
analisar e descrever a estruturação e o desenvolvimento da narrativa a narratologia observa
quais elementos as narrativas possuem em comum e quais componentes as diferenciam.
Os narratologistas, normalmente partindo de uma análise de cunho estruturalista,
contemplam de maneira isolada cada elemento que compõe os textos narrativos. A partir
desse enfoque, é possível perceber que o universo narrativo contém certas regras que o
aproximam do próprio universo humano, de maneira recriada pela linguagem literária.
Procuramos em nossa análise, seguir dois teóricos dos estudos do texto bíblico como
literatura, Robert Alter e Klaus Berger. Robert Alter. A obra de Alter reuniu artigos que o
autor publicou entre 1975 e 1980, o que nos dá uma datação aproximada para os primórdios
desse movimento que se dedicou ao estudo da Bíblia como literatura. Alter procurou lançar
nova luz sobre a Bíblia mediante a aplicação de conceitos trazidos dos estudos literários
seculares, e procurou ensinar o leitor interessado sobre algumas modalidades próprias das
narrativas bíblicas. Seu método de abordagem do texto bíblico, levou-o a olhar para as
estratégias de narração utilizadas pelo autor/narrador, as funções dos diálogos, a importância
das repetições, a estrutura discursiva e outros elementos abundantes no texto bíblico.
Alter (2007, p. 200) propõe que os autores e redatores bíblicos trabalhavam com
noções de unidade bastante diferentes das nossas:
O texto bíblico pode não ser o tecido acabado que a tradição judaico-cristã
pré-moderna imaginou, mas pode ser que a miscelânea confusa de textos que
as pesquisas tantas vezes quiseram pôr no lugar das noções mais antigas, lida
com mais minúcia, forme um padrão intencional.
Klaus Berger nasceu em Hildesheim, na Alemanha em 25 de novembro de 1940.
Teólogo, especialista em Novo Testamento. Professor de Teologia em Heidelberg. Era
católico, em 1967 passou a ser protestante, quando a Faculdade de Teologia
de Munique recusou a sua tese de doutoramento, na qual ele afirmou que Jesus não dissolveu
a lei Judaica, mas sim interpretou-a de acordo com o sentido do seu tempo.
Seus estudos foram desenvolvidos pelo olhar das formas e estruturas do texto bíblico,
em especial, nos “Estudos das formas literárias do Novo Testamento”, nome que leva um dos
seus livros. Para Berger (1998,p.13):
O estudo das formas literárias combina a crítica dos gêneros literários com a
investigação de sua história. A crítica dos gêneros literários investiga-os com
base cm determinados critérios. A história dos gêneros é a história de seu
uso no quadro da história do Oriente Médio, do Oriente Próximo e da
Europa. A expressão “estudo das formas literárias” foi mantida porque a
análise da forma literária sempre é o primeiro passo do trabalho exegético. A
forma de um texto é a soma de suas características de estilo, sintaxe e
estrutura; isto é, sua configuração linguística.
ALTER: CENA-PADRÃO
Define-se “cena-padrão” como um tipo de convenção literária ou enredo-mestre
(masterplot), um modelo ou arquétipo narrativo que se torna tradicional e reaparece
eventualmente moldando novas narrativas. As “cenas-padrão” trazem à memória do público
histórias semelhantes vivenciadas por outro personagens bíblicos, que muitas vezes apontam
para uma figura, cuja história possui uma dimensão maior de alcance universal e definitivo
como o próprio Jesus Cristo.
Esta cenas-padrão somente podem ser observadas se houver uma atenção atenta aos
elementos que a compõem. Alter (2007, p.79) afirma que:
Uma leitura coerente de qualquer obra de arte, seja em que meio for, exige
uma atenção minuciosa à trama de convenções com as quais, e contra as
quais, uma determinada obra se constitui. [...]O conhecimento das
convenções no permite identificar padrões significativos, ou simplesmente
agradáveis, de repetição, simetria e contraste; diferenciar o verossímil do
fantástico; compreender os sinais de orientação numa obra narrativa,
verificar o que é inovação e o que é deliberadamente tradicional em cada
nexo da criação artística.
Ele propõe a necessidade de se observar alguns elementos que são encontrados nas narrativas
bíblicas e que são perceptíveis ao leitor:
• A economia das palavras em que só é narrado aquilo que é fundamental para a
compreensão do conflito e do desfecho,
• A narração onisciente e seletiva, centrada na verbalização das ações das personagens,
• A repetição de fonemas, palavras ou construções frasais que criam um fio condutor,
que indicam ao leitor atento a temática do texto; e
• O uso do que o autor chama de cena-padrão
Este modelo padrão de narrativas se repetem, com elementos comuns, mas não
necessariamente iguais e específicos em vários textos na Bíblia cristã.
MANIFESTAÇÃO MANIFESTAÇAO
“e ele (Elias) partiu de lá e encontrou “e ele (Jesus) foi um pouco adiante e viu
Eliseu, filho de Shafat.” Tiago, filho de Zebedeu e João seu
irmão,...”
AMBIENTE/CONTEXTO AMBIENTE/CONTEXTO
“E ele arava com bois...” “...e consertavam no barco as redes...”
O CHAMADO O CHAMADO
“E passou perto dele e jogou sobre ele “...e logo os chamou...”
seu manto...”
OBJEÇÃO OBJEÇÃO
“e...Eliseu disse: quero me despedir de (Lc 9.59) mas primeiro permite-me ir
meu pai e seguir-te...” sepultar meu pai,
(Lc 9.61) quero seguir-te, Senhor, mas
permite-me despedir-me dos de minha
casa.
ACEITAÇÃO ACEITAÇÃO
“E levantou-se e seguiu e Elias serviu-o.” (Mc 2.14) “...e ele se levantou e o
seguiu.”
Exemplo da relação da cena-padrão apresentado por Berger, relacionada em
ambos os Testamentos (AT/NT)
ESTRUTURA DE “CENA-PADRÃO” DE VOCAÇÃO (OU CHAMADO)
Passo 2 Passo 3
Passo1
CRISE/CONFLITO CHAMADO
MANIFESTAÇÃO/VISÃO
Passo 4
PASSO 5
OBJEÇÃO
ACEITAÇÃO
Que há uma riqueza literária muito grande para o desenvolvimento e análise da Bíblia
enquanto objeto de pesquisa literária.
Existe uma grande possibilidade, no caso de Lucas, que as cenas de chamado da Bíblia
Hebraica, serviram de padrão para as suas narrativas de vocação/chamado expressas em seu
Evangelho.
A possibilidade de utilizarmos outras abordagens de análise literária como
intertextualidade e interdiscursividade para futuras pesquisas no campo da Bíblia como objeto
e Literatura.
Apesar das dificuldades apresentadas em nosso contexto, o tema Bíblia como
Literatura, tem um universo extenso para novas pesquisas e trabalhos.
Utilizar dois tipos de abordagem, como as que foram utilizadas, proporcionam uma
visão mais detalhada da riqueza literária da Bíblia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABADIA, José Pedro Tosaus. A Bíblia como Literatura. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
ALTER, Robert. A arte da narrativa bíblica. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
______. KERMODE, Frank. Guia Literário da Bíblia. São Paulo: Fundação Editora da Unesp,
1997
BERGER, Klaus. As Formas Literárias do Novo Testamento. São Paulo: Edições Loyola,
1998.
BÍBLIA Sagrada. 2. ed. revista e atualizada no Brasil. Tradução de João Ferreira de Almeida.
Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993
BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário Internacional de Teologia do Novo
Testamento. 2 ed. São Paulo: Vida Nova.
FRIDLIN, Jairo (coord). Torá – A Lei de Moisés. São Paulo: Editora e Livraria Sefer, 2001.
ZABATIERO, Júlio Paulo Tavares; LEONEL, João. Bíblia, literatura e linguagem. 1. ed. São
Paulo: Paulus, 2011.
RYKEN, Leland. Formas Literárias da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2017